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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A criança asilada


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

Excerto de uma conferência proferida no “Colégio Piracicabano” durante a “Semana da Criança”.

O tema é bastante delicado. Criança asilada! Criança ao desamparo, ao léu, sem família, sem lar, sem pão! Ave implume sem o aconchego do ninho, sem os cuidados de uma proteção amiga e solícita reclamada pela precariedade das condições de quem não sabe e não pode dirigir-se por si; de quem se encontra desprovido dos meios de defesa pessoal e das possibilidades de prever e prover a manutenção própria! Eis, numa síntese ou mais ou menos lacônica, a amargura da soledade em que vegetam inúmeras crianças na sociedade aristocrática de uma civilização febril e voluptuosa, expressa nos arranha-céus, aviões, rádios e... Metralhadoras.

Falar na criança asilada é tocar no problema da orfandade, problema esse que, ao lado de outros de grande relevância, permanece insolúvel em nosso país.
Órfã, a nosso ver, não é precisamente a criança que perdeu os pais, ambos, ou um deles. Órfã é a criança sem lar, portanto, sem carinhos, pela qual não há quem se interesse, entregue aos azares dos imprevistos, estejam ou não contados no número dos chamados vivos os seus genitores.
É comum vermos, ao cair da noite, crianças maltrapilhas, desasseadas, cabelo em desalinho, sobraçando marmitas e latas amolgadas, pedindo, aqui e acolá, restos de comida, nacos de pão, etc. Dessas crianças, a maioria é órfã por viver completamente abandonada, perambulando pelas ruas e praças, a despeito de se achar em companhia dos pais. Estes, geralmente, exploram os filhos, permanecendo em casa à espera da colheita mais ou menos farta que as crianças conseguem fazer em sua cotidiana peregrinação. Todavia, não os condenamos por isso, antes os lamentamos; pois se trata de indivíduos ignorantes, destituídos do senso da vida, verdadeiros parias, órfãos, a seu turno, de vez que são outras tantas crianças, espiritualmente falando, desprotegidas e desamparadas dos cuidados requeridos pela sua condição.
A orfandade, como a mendicância, a invalidez, o analfabetismo, as endemias, o pauperismo, o vício e o crime são problemas sociais; ao Estado compete, como precípua e indeclinável obrigação, empregar os meios ao seu alcance para solucioná-los. O direito impõe deveres, quando não nasce do próprio dever, O Estado, usando, e até abusando do direito de intervir na vida do cidadão, tributando e condicionando sua atividade, retirando, por esse processo, uma quota daquilo que ele produz, está, por isso, no dever de acudir aos inválidos, aos incapazes, aos miseráveis, e, particularmente, às crianças que, não estando ainda em condições de produzir, constituem, todavia, presumíveis fatores do engrandecimento material e moral de uma nação; e, tanto mais lícito é esperar-se do seu porvir, quanto mais e melhor se haja feito, no presente, em prol da sua educação, sob todos os pontos de vista.
Pondo de parte as múltiplas e complexas questões sociais, consideremos apenas a da criança desvalida, pois que é precisamente o assunto que ora abordamos.
Os orfanatos e asilos resolverão o caso em apreço? Respondemos pela negativa, considerando que a orfandade se apresenta sob dois aspectos distintos: o material e o moral. O primeiro se reporta às exigências físicas da criança; o segundo respeita às suas necessidades psíquicas ou morais. Aquele atende ao corpo, este, ao Espírito.
Ora, os orfanatos podem satisfazer plenamente aos reclamos do físico; porém, nunca, aos do Espírito.
O regime que, por força das circunstâncias, vigora nesses estabelecimentos, regime mais ou menos semelhante ao dos quartéis, expressos nos uniformes, nos dormitórios em comum, na sineta que chama às refeições e determina a hora de se erguerem do leito, enfim, aquele conjunto de regras e regulamentos próprios de tais instituições, age sobre o moral das crianças como um ferrete avivando a sua lamentável condição de órfãs.
Os asilos não são nem podem ser para as crianças o que são as chocadeiras e as criadeiras para os pintos. Estes requerem somente certos cuidados com a alimentação, com a higiene e a temperatura do ambiente, onde se desenvolvem. As criadeiras, portanto, preenchem perfeitamente os fins a que se destinam. A vida humana, porém, é muito mais complexa; tem gamas e nuanças delicadas, que não podem ser esquecidas, sem que de tal olvido resultem sérios prejuízos.
Os asilos perpetuam, não extinguem a orfandade, condição esta que permanece na mente do asilado como estigma indelével. Mesmo depois de adulto, quando alguém se refere a ele, usa desta expressão: é aquele moço, órfão de tal asilo. Ou então: Fulano se casou com uma órfã do abrigo de tal localidade.
Por isso, salvo raras exceções que não infirmam a regra, a criança asilada é sempre tristonha, tímida e desconfiada. Cresce debaixo da dolorosa impressão de dependência, sabendo que vive da caridade pública, que não existem para ela os carinhos maternos e o zelo de um pai que vele pelo seu futuro e em cujo amparo possa confiar!
Certamente a criança não tem este raciocínio; mas, a despeito disso, sente o efeito inelutável da ausência daqueles fatores que tão grande influência exercem e exercerão em sua vida psíquica, confirmando plenamente o pensamento do poeta:

as almas infantis

são brancas como a neve,
são pérolas de leite
em urnas virginais;
tudo quanto se grava
e ali se escreve
cristaliza em seguida
e não se apaga mais.

E o que diremos de certos asilos que expõem os orfãozinhos, devidamente caracterizados, aos olhos do público, visando com isso inspirar compaixão? E quando fazem as próprias crianças estenderem as mãos aos óbolos obtidos por semelhante processo desumano e humilhante?

A infância é a época em que o ser reclama maiores desvelos e cuidados. Trata-se de lançar as bases de uma edificação cuja solidez, como sói acontecer a toda espécie de construção, depende dos alicerces.
A nosso ver, salvo melhor juízo, somente no seio da família, no lar bem organizado, encontramos o meio propicio, o terreno adequado para lançarmos o embasamento capaz de suportar a edificação dos caracteres que constituirão as individualidades mais ou menos acabadas.
Para a fome, alimento; para a sede, água; para a criança, o regaço materno, o lar doméstico. Só aí se depara o clima propicio á sua delicadeza, ao seu estado e condições especialíssimos.
Fora desse meio, ela poderá viver e crescer como certas plantinhas débeis entre as frinchas de uma rocha. Jamais, porém, logrará florescer e frutificar como as árvores que tiveram a ventura de nascer e crescer em solo aberto e franco, expostas aos raios benéficos do sol e às chuvas fecundantes do outono.
Mas, objetar-me-ão, talvez: Onde encontrar lares para todos os órfãos espalhados por este orbe?
A dificuldade não está na carestia de lares, mas na esterilidade dos corações. A orfandade é um dos crimes do egoísmo. Se distribuíssemos os órfãos todos deste mundo entre as famílias constituídas, não tocaria, talvez, uma criança para cada grupo de cinqüenta habitações. Na estreiteza de sentimentos é que não há lugar para resolver o velho e angustioso caso da orfandade. Os asilos, remediando o mal, constituem a prova eloqüente do reinado do egoísmo entre os homens. Só a perfilhação ou adoção encerra o remédio radical da criança desvalida. Quando ela encontrar alguém, a quem possa dar, espontaneamente, sem obedecer às injunções calculistas de terceiros, o doce nome de mãe, terá, então, arrancado para sempre de sua fronte infantil o negro véu da orfandade.
Existem, nos centros populosos, ricos solares, luxuosos palacetes e velinos artísticos, de rígidos estilos, em cujos recintos os cães de raça comem à mesa dos seus donos e dormem em leitos macios, resguardados da importunação das moscas, mas onde não resplende a graça evangélica de uma criança, onde não se escuta o sorriso nem se ouve o alvoroço daqueles que Jesus costumava reunir em torno de si, dizendo: Deixai vir a mim os pequeninos, porque deles é o reino dos céus.
Em compensação, nesses suntuosos lares, ouve-se, nas cavalariças, o relinchar de corcéis de puro-sangue, cobertos com mantas bordadas, e, no confortável canil, o ganido e o rosnar de nédios e luzidios mastins, trazendo ao pescoço finas coleiras, chapeadas de metal reluzente!
Não existem asas implumes sem ninho, ao abandono. As mesmas feras não deixam sem furna os seus cachorrinhos. Só na sociedade humana se encontram crianças ao desabrigo, vagando a esmo sem família e sem penates!
Será sempre assim o mundo? Acreditamos que não. A Evolução é lei incoercível. A natureza não dá saltos; porém, lentamente, tudo se vai modificando, tudo se vai transformando, e o Universo marcha para frente e para o alto. Cremos piamente na melhoria do nosso estado social. O relógio do progresso avança em seu movimento isócrono; e, quando interesses malsãos procurem retardar-lhe a caminhada, determinando desacordo com a posição do sol que ilumina a trajetória da Vida, dizem que o dono do relógio põe a mão no ponteiro e... acerta as horas.
É assim que se explica a queda da escravidão, do feudalismo, dos latifúndios, da inquisição, do absolutismo e de outras instituições iníquas. “Toda árvore que o Pai não plantou será arrancada”.
A melhoria da Humanidade está na razão direta da nova orientação que as mães de hoje possam dar aos seus filhos. E toda mulher é sempre mãe, seja qual for a sua idade e o seu estado civil. É da mulher que nascem as auroras de novos dias de esperança e de fé. Trabalhemos pela criança, melhorando as condições dos lares existentes e constituindo outros sob aspectos mais excelentes, que sejam verdadeiras retortas, onde se destilem as gotas do amor, desse amor que opera prodígios e realiza milagres.
Note-se, porém, o seguinte:
Não somos inimigos dos asilos. De maneira nenhuma pretendemos que se cerrem as suas portas. Queremos, sim, que o seu número – que reputamos demasiadamente limitado – se multiplique, se centuplique, de modo que o seio de cada família seja o refúgio da criança desamparada; que cada lar seja um abrigo franco aos menores desvalidos; que, finalmente, cada coração seja um asilo aberto, onde a orfandade se extingue, desaparecendo ao sopro divinal do amor.

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