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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Swedenborg


Revista Espírita, novembro de 1859
Swedenborg é um desses personagens mais conhecidos de nome do que de fato, ao menos
para o vulgo; suas obras muito volumosas, e em geral muito abstratas, não são muito lidas
senão pelos eruditos: também a maioria daqueles que dele falam ficaria muito embaraçada
para dizer o que ele era Para uns, foi um grande homem, objeto de uma profunda veneração,
sem saber por quê: para os outros, foi um charlatão, um visionário, um taumaturgo. Como
todo homem que professa idéias que não são as de todo o mundo, quando essas idéias,
sobretudo, ferem certos preconceitos, ele teve, e tem ainda, seus contraditores, se estes
últimos se limitaram a refutá-lo, estavam em seu direito; mas o espírito de partido nada
respeita, e as mais nobres qualidades não têm graça diante dele: Swedenborg não poderia
ser exceção. Sua doutrina, sem dúvida, deixa muito a desejar: ele mesmo, hoje, está longe
de aprová-la em todos os pontos. Mas, por refutável que seja, não permanecerá menos como
um dos homens mais eminentes de seu século. Os documentos seguintes foram tirados de
interessante notícia comunicada pela senhora P.... à Sociedade Parisiense de Estudos
Espíritas.
Emmanuel Swedenborg nasceu em Stockholm, em 1688, e morreu em Londres, em 1772,
com a idade de 84 anos. Seu pai, Joeper Svedenborg, bispo de Skava, era notável por seu
mérito e por seu saber; mas seu filho suplantou-o de muito; ele sobrepuja em todas as
ciências, e sobretudo na teologia, na mecânica, na física e na metalurgia. Sua prudência, sua
sabedoria, sua modéstia e sua simplicidade valeram-lhe a alta reputação da qual goza ainda
hoje. Os reis o chamaram em seus conselhos. Em 1716, Charles XII nomeou-o assessor ao
Colégio metálico de Stockholm; a rainha Ulrique tornou-o nobre, e ele ocupou os postos mais
honrosos com distinção até 1743, época em que teve sua primeira revelação espírita. Tinha
então a idade de 55 anos e demitiu-se, não querendo ocupar-se senão de seu apostolado e
do estabelecimento da doutrina da Jerusalém nova. Eis como ele mesmo conta a sua primeira
revelação:
"Eu estava em Londres, onde jantei muito tarde, em minha estalagem ordinária, onde
reservara um quarto para ter a liberdade de nele meditar à vontade. Sentia-me pressionado
pela fome e comi com bom apetite. No fim do repasto, percebi que uma espécie de nevoeiro
se derramava sobre os meus olhos, e vi o soalho de meu quarto coberto de répteis
horrendos, tais como serpentes, sapos, lagartas e outros; fui tomado, tanto mais que as
trevas aumentavam, mas logo elas se dissiparam; então vi claramente um homem no meio
de uma luz viva e radiante, sentado num canto do quarto; os répteis haviam desaparecido
com as trevas. Eu estava só: julgai o pavor que se apoderou de mim, quando o ouvi
pronunciar distintamente, mas com um tom de voz bem capaz de imprimir o terror "Não
coma tanto!" A essas palavras, minha vista se obscureceu, mas se restabeleceu, pouco a
pouco, e vi-me só no meu quarto. Ainda um pouco assustado com tudo o que vira, tomei com
pressa à minha casa, sem dizer nada a ninguém do que me tinha acontecido. Ali, entregueime
às minhas reflexões, e não concebi que isso fora o efeito do acaso ou de alguma causa
física.
"Na noite seguinte, o mesmo homem, radiante de luz, se apresentou ainda diante de mim e
me disse: "Eu sou Deus, o Senhor, criador e redentor: eu te escolhi para explicar aos homens
o sentido interior e espiritual da Escritura Santa; eu te ditarei o que deves escrever."

"Dessa vez, não fiquei muito assustado, e a luz, embora viva e resplandecente, da qual
estava cercado, não produziu nenhuma impressão dolorosa sobre os meus olhos; ele estava
vestido de púrpura, e a visão durou um bom quarto de hora. Nessa mesma noite, os olhos do
meu homem interior foram abertos e dispostos para verem no céu, no mundo dos Espíritos e
nos infernos, e encontrei, por toda parte, várias pessoas de meu conhecimento, algumas
mortas há muito tempo, outras há pouco. Desde esse dia, renunciei a todas as ocupações
mundanas para não trabalhar senão nas coisas espirituais, para me conformar à ordem que
para isso recebera. Freqüentemente, ocorreu-me, na continuação, ver os olhos do meu
Espírito abertos, e de ver em pleno dia o que se passava no outro mundo, de falar aos Anjos
e aos Espíritos como falo aos homens."
Um dos pontos fundamentais da doutrina de Swedenborg repousa sobre o que ele chama as
correspondências. Segundo ele, o mundo espiritual e o mundo natural estão ligados entre si,
como o interior e o exterior, e disso resulta .que as coisas espirituais e as coisas naturais
fazem uma só, por influxo, e que há, entre elas, correspondência. Eis o princípio; mas o que
se deve entender por essa correspondência e esse influxo, é o difícil de compreender.
A Terra, diz Swedenborg, corresponde ao homem. Os diversos produtos que servem para
alimentar os homens, correspondem a diversos gêneros de bens e de verdades, a saber os
alimentos sólidos a gênero de bens e os alimentos líquidos a gênero de verdades. A razão
corresponde à vontade e ao entendimento, que constituem o mental humano. Os alimentos
correspondem às verdades e às falsidades, segundo a substância, a cor e a forma que
apresentam. Os animais correspondem às afeições; aqueles que são úteis e dóceis, às
afeições boas; e aqueles que são nocivos e maus, às afeições más; os pássaros dóceis e
belos às verdades intelectuais; os que são maus e feios, às falsidades; os peixes, às ciências
que tiram sua origem das coisas sensuais; e os insetos nocivos, às falsidades que prevêem
dos sentidos. As árvores e os arbustos correspondem a diversos gêneros de conhecimentos;
as ervas e a grama, a diversas verdades científicas. O ouro corresponde ao bem celeste; a
prata, à verdade espiritual; o bronze, ao bem natural, etc., etc. Assim, desde os primeiros
degraus da criação até o sol celeste e espiritual, tudo se liga, tudo se encadeia por influxo
que a correspondência produz.
O segundo ponto de sua doutrina é este: Não há senão um Deus, e uma só pessoa, que é
Jesus Cristo.
O homem, criado livre, segundo Swedenborg, abusou de sua liberdade e de sua razão. Ele
caiu; mas sua queda fora prevista por Deus; ela deveria seguir-se por sua reabilitação;
porque Deus, que é o próprio amor, não poderia deixá-lo no estado no qual sua queda
mergulhou-o. Ora, como operar essa reabilitação? Recolocá-lo no estado primitivo seria tirarlhe
o livre arbítrio, e por aí aniquilá-lo. Foi se conformando com as leis de sua ordem eterna,
que ele procedeu à reabilitação do gênero humano. Veio em seguida uma teoria muito difusa
dos três sóis libertados por Jeová, para se aproximar de nós e provar que ele é o próprio
homem.
Swedenborg divide o mundo dos Espíritos em três lugares diferentes: céus, intermediários e
infernos, sem todavia assinalar-lhes os lugares. "Depois da morte, diz ele, entra-se no mundo
dos Espíritos; os santos se dirigem voluntariamente a um dos três céus, e os pecadores a um
dos três infernos, de onde não sairão jamais." Essa doutrina desesperante anula a
misericórdia de Deus; porque recusa-lhe o poder de perdoar aos pecadores surpreendidos poruma morte violenta ou acidental.
Fazendo justiça ao mérito pessoal de Swedenborg, como sábio e como homem de bem, não
podemos nos constituir os defensores de doutrinas que o mais vulgar bom senso condena. O
que dela ressalta mais claramente, segundo o que conhecemos agora dos fenômenos
Espíritas, é a existência de um mundo invisível e a possibilidade de se comunicar com ele.
Swedenborg gozou de uma faculdade que pareceu sobrenatural no seu tempo; por isso,
admiradores fanáticos consideraram-no como um ser excepcional; em tempos mais recuados,ter-lhe-iam levantado altares; aqueles que nele não creram, tratam-no uns de cérebroexaltado, os outros de charlatão. Para nós era um médium vidente e um escrevente intuitivo,como os há aos milhares; faculdade que entra na condição dos fenômenos naturais.
Ele cometeu um erro, muito perdoável, tendo em vista sua inexperiência com as coisas do
mundo oculto, que foi aceitar muito cegamente tudo o que lhe era ditado, sem o submeter ao
controle severo da razão. Se tivesse pesado maduramente o pró e o contra, teria reconhecido
princípios inconciliáveis com uma lógica ainda pouco rigorosa. Hoje, provavelmente, não
cairia na mesma falta; porque teria os meios para julgar e apreciar o valor das comunicações
de além-túmulo; saberia que é um campo onde nem todas as ervas são boas para colher, e
que entre umas e outras o bom senso, que não nos foi dado por nada, deve saber escolher. A
qualidade que se atribuiu o Espírito que se lhe manifestou, bastaria para colocá-lo em
guarda, sobretudo considerando a trivialidade de seu início. O que ele mesmo não fez, cabe a
nós fazê-lo agora, não tomando em seus escritos senão o que é racional; seus próprios erros
devem ser um ensinamento para os médiuns muito crédulos, que certos Espíritos procuram
fascinar lisonjeando a sua vaidade, ou seus preconceitos, por uma linguagem pomposa ou de
enganosas aparências.
A anedota seguinte prova o pouco de boa-fé dos adversários de Swedenborg, que
procuravam todas as ocasiões para denegri-lo. A rainha Louise-Ulrique, conhecendo as
faculdades das quais estava dotado, encarregara-o um dia de saber do Espírito de seu irmão,
o príncipe da Prússia, por que, algum tempo antes de sua morte, não lhe respondera a uma
carta que lhe enviou, pedindo conselhos. Swedenborg, ao cabo de vinte e quatro horas,
narrou à rainha, em audiência secreta, a resposta do príncipe, concebida de tal modo que a
rainha, plenamente persuadida de que ninguém, exceto ela e seu irmão defunto, conhecia o
conteúdo dessa carta, foi tomada da mais profunda estupefação, e reconheceu o poder
miraculoso do grande homem. Eis a explicação que um de seus antagonistas deu a esse fato,
o cavaleiro Beylon , leitor da rainha.
"Considera-se a rainha um dos principais autores da tentativa de revolução que ocorreu na
Suécia, em 1756, e que custou a vida ao conde Barhé e ao marechal Hom. Pouco faltou para
que o partido do chapéu, que triunfou então, a tornasse responsável pelo sangue derramado.
Nessa situação crítica, ela escreveu ao príncipe da Prússia, para pedir-lhe conselho e
assistência A rainha não recebeu resposta, e como p príncipe morreu logo depois, ela jamais
soube a causa do seu silêncio; foi por isso que encarregou Swedenborg para interrogar o
Espírito do príncipe a esse respeito. Justamente, na chegada da mensagem da rainha, os
senadores, conde T... e H..., estavam presentes. Este último, que havia interceptado a carta,
sabia tão bem quanto seu cúmplice, o príncipe T..., porque essa missiva tinha ficado sem
resposta, e ambos resolveram se aproveitar dessa circunstância para fazerem chegar à
rainha seus avisos sobre muitas coisas. Eles foram, portanto, de noite, encontrar o visionário
e lhe ditaram a resposta. Swedenborg, à falta de inspiração, agarrando esta com zelo, correu,
no dia seguinte, à casa da rainha, e ali, no silêncio de seu gabinete, disse-lhe: que o Espírito
do príncipe lhe aparecera e lhe encarregara de anunciar-lhe seu descontentamento, e lhe
assegurar que se não havia respondido à sua carta, foi porque desaprovou sua conduta, que
sua política imprudente e sua ambição foram causas do sangue derramado, e que ela era
culpada diante de Deus, e que teria que expiar. Ele a convidava a não mais se misturar nos
negócios do Estado, etc., etc. A rainha, convencida por essa revelação, acreditou em
Swedenborg e abraçou sua defesa com ardor.
Essa historieta deu lugar a uma polêmica, sustentada entre os discípulos de Swedenborg e
seus detratores. Um eclesiástico sueco, chamado Malthésius, que se tornou louco, publicara
que Swedenborg, do qual era abertamente o inimigo, se retratara antes de morrer. Tendo o
boato se espalhado na Holanda, pelo outono de 1785, Robert Hindmarck fez uma enquete a
esse respeito, e demonstrou toda a falsidade da calúnia inventada por Malthésius.
A história da vida de Swedenborg prova que a visão espiritual, da qual estava dotado, em
nada prejudicou, nele, o exercício de suas faculdades naturais. Seu elogio, pronunciado
depois de sua morte, diante da Academia de Ciências de Stockholm, pelo acadêmico Landel,
mostra o quanto foi vasta a sua erudição, e se vê, pelos discursos pronunciados à dieta de
1761, a parte que ele tomava na direção dos negócios públicos no país.
A doutrina de Swedenborg fez numerosos prosélitos em Londres, na Holanda, e mesmo em
Paris, onde deu nascimento à Sociedade da qual falamos em nosso número do mês de
outubro, a dos Martinistas, dos Teósofos, etc. Se ela não foi aceita por todos, em todas as
suas conseqüências, teve sempre por resultado própagar a crença na possibilidade de se
comunicar com os seres de além-túmulo, crença muito antiga, como se sabe, mas até esse
dia escondida do público pelas práticas misteriosas da qual estava cercada. O mérito
incontestável de Swedenborg, seu profundo saber, sua alta reputação de sabedoria, foram de
um grande peso na propagação dessas idéias, que hoje se popularizam mais e mais, por isso
mesmo crescem abertamente, e que longe de procurarem a sombra do mistério, elas apelam
à razão. Apesar de seus erros de sistema, Swedenborg não é menos uma dessas grandes
figuras, cuja lembrança ficará ligada à história do Espiritismo, do qual foi um dos primeiros e
dos zelosos promotores.
(Sociedade, 23 de setembro de 1859).
Comunicação de Swedenborg na sessão de 16 de setembro.
Meus bons amigos e crentes fiéis, desejei vir para vos encorajar no caminho que seguis com
tanta coragem, relativamente à questão Espírita. Vosso zelo é apreciado do nosso mundo dos
Espíritos: prossegui mas não vos dissimuleis que obstáculos vos entravarão ainda algum
tempo; os detratores não vos faltarão, mais do que não me faltaram. Eu preguei o
Espiritismo há um século, e tive inimigos de todos os gêneros; tive também adeptos
fervorosos; isso sustentou a minha coragem. Minha moral Espírita, e minha doutrina, não
deixam de ter grandes erros, que hoje reconheço. Assim, as penas não são eternas; eu o
vejo: Deus é muito justo e muito bom para punir eternamente a criatura que não tem
bastante força para resistir às suas paixões. É o que digo igualmente do mundo dos Anjos,
que se prega nos templos, não era senão uma ilusão de meus sentidos: eu acreditei vê-lo;
estava de boa-fé e o disse; mas eu me enganei. Vós estais, vós, num melhor caminho,
porque estais mais esclarecidos do que se estava em minha época. Continuai, mas sede
prudentes para que os vossos inimigos não tenham armas muito fortes. Vedes o terreno que
ganhais cada dia, coragem, pois! porque o futuro vos está assegurado. O que vos dá a força,
é que falais em nome da razão. Tendes perguntas a me dirigir? Eu vos responderei.
SWEDENBORG.
1. Foi em Londres, em 1745, que tivestes a primeira revelação; vós a desejastes? Já vos
ocupáveis de questões teológicas? - R. Delas me ocupava; mas nunca desejei essa revelação:
Swedenborg
ela veio espontaneamente.
2. Qual era esse Espírito que vos apareceu, e que vos disse ser Deus, ele mesmo? Era
realmente Deus? - R. Não; eu acreditei naquilo que me disse, porque vi nele um ser sobrehumano,
e com isso estava lisonjeado.
3. Por que tomou o nome de Deus? - R. Para ser melhor obedecido.
4. Pode Deus se manifestar diretamente aos homens? - R. Certamente, ele poderia, mas não
o faz mais.
5. Portanto, ele o fez num tempo? - R. Sim, nas primeiras idades da Terra.
6. Esse Espírito, fazendo escrever coisas que reconheceis hoje como errôneas, fê-lo numa
boa ou em má intenção? - R. Não foi com má intenção: ele mesmo se enganou, porque não
estava bastante esclarecido; vejo também que as ilusões do meu Espírito o influenciavam
apesar dele. Entretanto, no meio de alguns erros de sistema, é fácil reconhecer grandes
verdades.
7. O princípio da vossa doutrina repousa sobre as correspondências. Credes sempre nessas
relações que encontráveis entre cada coisa material e cada coisa do mundo moral? - R. Não éuma ficção.
8. O que entendíeis por estas palavras: Deus é o próprio homem? - R. Deus não é o homem,
mas o homem que é uma imagem de Deus.
9. Quereis, eu vos peço, desenvolver o vosso pensamento? - R. Eu disse que o homem é a
imagem de Deus, naquilo que a inteligência, o gênio que ele recebe, algumas vezes, do céu é
uma emanação da Onipotência Divina: ele representa Deus na Terra pelo poder que exerce
sobre toda a Natureza, e pelas grandes virtudes que está em seu poder adquirir.
10. Devemos considerar o homem como uma parte de Deus? - R. Não, o homem não é uma
parte da Divindade: não é senão sua imagem.
11. Poderíeis nos dizer de qual maneira recebíeis as comunicações da parte dos Espíritos, e
se escrevestes o que vos foi revelado à maneira de nossos médiuns ou por inspiração? - R.
Quando eu estava no silêncio e no recolhimento, meu Espírito estava como arrebatado, em
êxtase, e via claramente uma imagem diante de mim que me falava e me ditava o que
deveria escrever; minha imaginação, algumas vezes, também nisso se misturou.
12. Que devemos pensar do fato narrado pelo cavaleiro Beylon, a respeito da revelação que
fizestes à rainha Louise-Ulrique? - R. Essa revelação é verdadeira. Beylon a desnaturou.
13. Qual é a vossa opinião sobre a Doutrina Espírita, tal como ela é hoje? - R. Eu vos disse
que estais num caminho mais seguro do que o meu, tendo em vista que vossas luzes, em
geral, são mais desenvolvidas, eu, tinha que lutar contra mais ignorância e, sobretudo,
contra a superstição.

Entrevista com Hermínio C. Miranda


Folha Espírita
(Esta Entrevista foi publicada recentemente na Folha Espírita)
FE: Quando e como foi que o senhor fez sua opção pelo Espiritismo?
Hermínio Miranda: Não fui levado ao Espiritismo por crise existencial ou sofrimento, mas pela insatisfação com os modelos religiosos à minha opção. Alguém – mergulhado em transe anímico regressivo – me diria mais tarde que eu não aceitava tais propostas porque, de alguma forma que não me foi explicado, eu sabia que ali não estava a verdade que eu buscava. Essa atitude de reserva e até de rejeição contribuiu, acho eu, para retardar minha descoberta da realidade espiritual.
Um episódio irrelevante em minha vida desencadeou o processo. Eu quis, no entanto, entrar pela porta da frente. Consultei, para isso, um amigo de minha inteira confiança e ele me indicou com primeira leitura os livros da Codificação. Acrescentou os nomes de Gabriel Delanne e de Léon Denis e me disse, como que profeticamente: “Daí em diante, você irá sozinho”.
A surpresa começou com O Livro dos Espíritos. Inexplicavelmente, eu tinha a impressão de haver lido aquele livro antes, mas onde, quando? Antecipava na mente o conteúdo de numerosas respostas . Anos depois, ficaria sabendo que outras pessoas viveram experiência semelhante, entre elas, o respeitável e amado dr. Bezerra de Menezes.

FE: Desde quando o senhor escreve sobre o Espiritismo?
Hermínio Miranda: Comecei a escrever regularmente para o “Reformador e, em seguida, para outras publicações doutrinárias. Permaneci como colaborador assíduo do órgão oficial da FEB até 1980. Meus textos eram assinados nessa primeira fase, com as iniciais HCM. Posteriormente, o amigo dr. Wantuil de Freitas, presidente da FEB, me pediu que arranjasse um pseudônimo para evitar que dois ou mais artigos saíssem com o mesmo nome em um só número da revista. Foi assim que “nasceu” “João Marcus”.
A partir de 1976 começaram a sair os livros. Diálogo com as sombras foi o primeiro. Para alegria minha, foi bem recebido

FE: O senhor tem hoje quase 40 livros publicados. Como analisa sua obra?
Hermínio Miranda: Costumo dizer que boa parte de meus livros é voltada para o meio espírita. Diálogo com as sombras, Diversidade dos Carismas, bem como a série sob o título genérico Histórias que os espíritos contaram” são exemplos desse tipo de livro que dificilmente leitor e leitora não-espírita tomariam para ler. Sempre achei, contudo, de meu dever escrever livros que, sem excluir o leitor espírita, pudessem interessar também o leitor não-espírita. Estão nesse caso, A memória e o tempo, Alquimia da Mente, Autismo – uma leitura espiritual, Nossos filhos são espíritos, Condomínio espiritual e As mil faces da realidade espiritual. Parece que o plano deu certo, pois essas obras atendem a dois objetivos: o de mandar nosso recado para além das fronteiras espíritas e, ao mesmo tempo, abordar assuntos não especificamente espírita com enfoque doutrinário, sem contudo, fazer pregação ou com intuito meramente arregimentador. Na minha opinião, a gente deve ir ao Espiritismo se e quando quiser e por suas próprias pernas, ou seja, sem ser “arrastado”.

FE: O senhor tem idéia de quantos exemplares de seus livros foram vendidos até agora?
Hermínio Miranda: A repórter de uma grande revista semanal brasileira me fez, há tempos, essa mesma pergunta e muito se admirou por não ter eu condições de respondê-la. Continuo sem saber. Cheguei a tentar, mas não obtive a informação desejada. A razão disso está, em parte, no fato de que os direitos autorais da grande maioria de meus livros são doados a diversas instituições, como à FEB, ao Lar Emmanuel, do Correio Fraterno do ABC, a OCaminho da Redenção (Divaldo), ao Centro Espírita “Amantes da Pobreza, de “O clarim, ao Centro Espírita Léon Denis. Com os rendimentos auferidos pelos livros publicados pela Lachâtre mantemos nosso próprio serviço social numa favela do Rio de Janeiro.

FE: E quais os de sua preferência?
Hermínio Miranda: Creio ser difícil para qualquer autor dizer de que livro ou livros gosta mais. É como perguntar a um pai ou mãe, qual ou quais os filhos e filhas de suas preferências. Penso que a gente gosta de todos por motivos diferentes. Tanto quanto é possível considerar minha obra com um mínimo de objetividade e isenção, gosto de Nossos filhos são espíritos, pela surpreendente aceitação que encontrou dentro e fora do movimento espírita, o que também aconteceu com Autismo – uma leitura espiritual. Livros como Cristianismo – a mensagem esquecida, As marcas do Cristo, O evangelho gnóstico de Tomé, Os cátaros e a heresia católica, pela forte ligação emocional que tenho com a temática do cristianismo primitivo. Sobre as explorações intelectuais em território fronteiriço com o do Espiritismo, citaria A memória e o tempo, Alquimia da Mente e, novamente, por motivação diferente da anterior, Autismo – uma leitura espiritual.
Como se vê, isto não é propriamente uma lista de preferências, mas uma análise de cada grupo de livros, classificados por assuntos de minha preferência. Sobre a qualidade e o conteúdo dos livros, no entanto, prefiro que fale o público leitor.

FE: Além de seus próprios livros, o senhor tem feito algumas traduções. Qual o critério adotado na seleção das obras traduzidas?
Hermínio Miranda: Tenho dito que prefiro escrever meus próprios livros do que traduzir os alheios. É verdade, mas, às vezes, me vejo envolvido numa tradução motivado por fatores que diria imponderáveis, circunstanciais ou subjetivos. Não sei definir os critérios que me levaram a esse envolvimento. Cada caso é um caso.

FE: O que pensa o senhor do Espiritismo na sua interação com o mundo contemporâneo?
Hermínio Miranda: Prefiro reformular a pergunta: O que se pode dizer acerca da interação da realidade espiritual com o mundo contemporâneo? Isso porque, no meu entender, não há uma rejeição ou indiferença em relação ao Espiritismo especificamente, mas à realidade que a Doutrina dos Espíritos ordenou e colocou com simplicidade e elegância. O Espiritismo continua sendo um movimento minoritário, até mesmo no Brasil, justamente considerado o país mais espírita do mundo. Como se percebe, a massa maior das pessoas ainda prefere uma das numerosas religiões institucionalizadas e tradicionais. Ou a aparente liberdade que proporcionaria a descrença, que não tem compromisso com coisa alguma senão com a própria negação. O que, no fundo, e também uma crença (na descrença).

FE: O senhor tem algum projeto literário em andamento?
Hermínio Miranda: Acho que projetos o escritor sempre os tem. Eu também; talvez mais do que deveria ou poderia ter. No momento, traduzo The sorry tale, discutido livro mediúnico da autora espiritual que se identificou como Patience Worth, ao escrevê-lo através da médium americana conhecida como Sra. Curran, a partir de 1918. Além de ser um fenômeno literário, a história se passa no tempo do Cristo, da noite em que ele nasceu até o dia em que foi crucificado. É espantoso o conhecimento que a autora espiritual revela da época: a geopolítica, os costumes, a sociologia, a religião, a história e tudo o mais. O tratamento respeitoso e amoroso que ela dá à figura de Jesus é comovente. O livro é considerado um fenômeno exatamente por esse grau de erudição histórica e pelo fato de ter sido escrito num inglês um tanto arcaico, o elizabetano do século 17, que faz lembrar Shakespeare e, por isso mesmo, um desafio para o tradutor. A entidade justifica essa linguagem arcaica exatamente para provar que a obra não era da médium, uma jovem senhora dotada de escassos conhecimentos.

FE: Como o senhor escolhe os temas que desenvolve em seus livros, considerando-se a variedade dos assuntos neles abordados?
Hermínio Miranda: Outra pergunta para a qual não tenho resposta objetiva. Às vezes (Ou sempre?) me fica a impressão de que não fui eu que escolhi os temas; eles é que me escolheram.

FE: Seu livro mais recente – Os cátaros e a heresia católica – aborda uma doutrina medieval bastante parecida com o Espiritismo. Diga-nos algo sobre isso.
Hermínio Miranda: O estudo sobre os cátaros esteve em minha agenda cerca de 25 anos. Até que chegou o momento em que a própria obra “entendeu” que chegara a hora de ser escrita. Em parte, porque o tema exigia extensas e aprofundadas pesquisas na historiografia especializada francesa. Além disso, procurei sempre obedecer nos meus estudos uma escala de prioridades.
Não há dúvida de que o catarismo foi um dos mais convincentes precursores do Espiritismo. Antes dele, o mais promissor e bem articulado foi o movimento gnóstico. A inteligente doutrina cátara foi elaborada a partir do Evangelho de João, de Atos dos Apóstolos e das Epístolas, principalmente as de Paulo. Tive algumas surpresas como a de encontrar referências ao Consolador, que, com tanto relevo figura na Doutrina dos Espíritos. E mais: reencarnação, comunicabilidade entre as duas faces da vida, o despojamento dos cultos, sem rituais e sem sacramentos a não ser o do “consolamentum”. Seu propósito era o de um retorno à pureza original do cristianismo. E por isso, morreram nas fogueiras da Inquisição.

FE: O senhor tem obras não-espíritas publicadas?
Hermínio Miranda: No início de minha atividade literária, na distante mocidade, escrevi alguma ficção. Nada de que me possa orgulhar, ainda que tenha sido premiado em concursos literários e ter tido acesso a importantes publicações brasileiras. Um desses escritos mereceu crítica bastante lisonjeira de significativos escritores como Eloy Pontes (O Globo), Monteiro Lobato e o temido e respeitado Agripino Griecco (estes dois em cartas ao autor). Logo compreendi, contudo, que meu caminho não passava por ali, embora o instrumento de trabalho – a palavra escrita – fosse o mesmo.

FE: Sabe-se de sua limitada atividade como orador, expositor, palestrante ou conferencista. Por que isso?
Herminio Miranda: Considero-me orador medíocre. E nem me esforcei em desenvolver esse improvável talento, por duas razões: Primeira – sempre sonhei e desejei tornar-me escritor. Sinto-me à vontade com as letras. Segundo – que, no meu entender, não faltam bons oradores, expositores e conferencistas no meio espírita. Eu nada teria a acrescentar ao excelente trabalho que eles e elas têm feito nesse sentido.

FE: Como tem sido sua atividade em grupos mediúnicos?
Hermínio Miranda: Durante quase 40 anos participei de trabalhos mediúnicos em pequenos grupos. A parte mais importante de minha obra surgiu da experiência adquirida nessa tarefa. Sou grato aos amigos espirituais que guiaram meus passos nessa nobre e difícil atividade, bem como aos companheiros encarnados – médiuns e demais participantes – e às numerosas entidades com as quais dialogamos no correr de todo esse tempo. Costumo dizer com toda sinceridade e convicção que muito mais aprendi com os chamados “obsessores” do que lhes ensinei, se é que o fiz.

FE: Dispomos hoje de computadores, Internet, e-mail e outras tecnologias destinadas a facilitar a pesquisa. De que forma o senhor deu conta de seu trabalho sem o aparato de hoje?
Hermínio Miranda: O computador me tem sido valioso instrumento de trabalho. Não tanto nas pesquisas, mas na tarefa mesma de escrever. No tempo da falecida máquina de escrever, os textos eram penosamente datilografados, corrigidos à mão ou na própria máquina e posteriormente passados a limpo, duas ou três vezes.
Não uso muito a Internet para pesquisa, a não ser quando se torna necessária alguma informação adicional especializada. Ou quando à cata de livros. Isso porque, no meu entender, nada substitui o livro como objeto de estudo, consulta e citação. Obras como as que escrevi sobre o autismo, por exemplo, ou sobre os cátaros ou Alquimia da mente, exigiram preparo maior que só uma boa bibliografia em várias línguas poderia suprir. Em suma, por mais que os entendidos da informática desaprovem, o computador é, para mim, uma excelente e sofisticada máquina de escrever.

FE: Qual deve ser a postura espírita diante da antiga dicotomia e até confronto entre religião e ciência?
Hermínio Miranda: De serenidade e confiança. Não há o que temer. Ao lado de cientistas que têm procurado minimizar ou até demolir aspectos fundamentais da realidade espiritual, temos também, outros tantos que produziram e continuam a produzir impressionante volume de trabalhos científicos que demonstram a validade do modelo adotado pela Doutrina dos Espíritos. Dizem nossos amigos advogados, que o ônus da prova cabe a quem acusa. Que se prove, então, que essa realidade é uma balela ou uma fantasia. Kardec teve a corajosa serenidade de ensinar que a Doutrina teria de estar preparada até para mudar naquilo que fosse demonstrado estar em erro. O que não aconteceu em quase século e meio. Deixou igualmente claro que o Espiritismo é uma doutrina evolutiva e, portanto, aberta e atenta a todos os ramos do conhecimento. Ou seja, não deve deixar-se congelar dentro de um rígido modelo ou procedimento que o isole do que se passa “lá fora” de seu território ideológico.

FE: Assuntos como clonagem, que vêm ganhando espaço na mídia, devem ser tratados pelos espíritas?
Hermínio Miranda: Não tenho dúvidas de que a temática da clonagem nos interessa para estudo e tomada de posição, mesmo porque perguntas sobre esse fenômeno estão sendo dirigidas a nós. “O que você acha disso?” – perguntam-nos.
Em artigo intitulado “Xerox de gente” (“Reformador”, julho de 1980) cuidei do assunto, bem como, em outras oportunidades, da criogenia e do transplante. Este, por exemplo, foi tema proposto por Deolindo Amorim, em estudo, do qual participei, no Instituto de Cultura Espírita.
Antes disso, em dois artigos intitulados “O homem artificial”, publicados no antigo “Diário de Notícias”, do Rio, entendia eu o seguinte, em conclusão “...o que se chama um tanto pomposamente de criação do homem em laboratório, se reduz, a uma análise fria do problema, à criação de condições materiais à atuação de um espírito reencarnante.” (Ver De Kennedy ao homem artificial, de Luciano dos Anjos e meu, FEB 1975, p. 285).
O problema, portanto, situa-se no açodamento irresponsável de interferir nos mecanismos naturais testados, aprovados e consolidados ao longo dos milênios. Irresponsável porque não estão sendo levados em conta os aspectos éticos necessariamente envolvidos em tais pesquisas. Pensa-se, por exemplo, em criar com a clonagem, um “estoque” de “peças de sobressalentes” destinadas a repor as que se desgastarem pelo uso e abuso praticados no corpo da pessoa que forneceu o material genético.
A técnica de congelar cadáveres – criogenia – parte do pressuposto de que a ciência venha a desenvolver no futuro, procedimentos e medicamentos capazes de curar as mazelas de que morreram as pessoas. E os espíritos? “Onde” ficam? Sob que condições? Até quando? Disso, ninguém cuida, pois a entidade espiritual acoplada àquele corpo é totalmente ignorada. Por ignorância mesmo, aquela que não sabe e não quer saber, por mais cultos que sejam os que realizam tais experimentações.
Sobre esse tema, escrevi, ainda, há cerca de 30 anos – não tenho, no momento, como precisar a data – um artigo intitulado “Uma ética para a genética”—uma espécie de pressentimento sobre o que estamos agora testemunhando.
Em resumo: os espíritas devem, sim, acompanhar a movimentação de idéias, fatos, estudos e pesquisas, no mínimo para se informarem do que se passa e para que continuem confiando nas estruturas doutrinárias que adotaram.

FE: Gostaríamos que falasse sobre Chico Xavier e seu papel no contexto espírita.
Hermínio Miranda: Não há muito que dizer. Chico é uma unanimidade. Portou-se com bravura e digna humildade. Anulou-se como pessoa humana, para que por ele falassem seus numerosos amigos espirituais. Não há dúvida de que ampliou os horizontes desvelados pela Doutrina dos Espíritos, sem por em questionamento nenhum de seus princípios básicos; pelo contrário, os confirmou, sempre olhando para frente. O trabalho que nos chegou através dele demonstra que se pode expandir os horizontes da Doutrina dos Espíritos sem a mutilar.

FE: Que acha o senhor do movimento espírita brasileiro? Vai bem?
Hermínio Miranda: Não me considero com autoridade suficiente para uma avaliação do movimento espírita. Por contingências profissionais, não me foi possível participar dele como o desejaria, mas não apenas por isso. Tive de fazer uma opção e toda opção tem certo componente limitador, porque exclui outras. Minha prioridade era escrever. Isso tem sido uma espécie de compulsão, por ser, creio eu, a principal tarefa que me teria sido confiada ao me reencarnar. E para escrever, você precisa ler, ler muito, estudar, pesquisar, meditar, organizar suas idéias e expô-las de modo consistente. Não me teria sido possível fazer tudo isso em adição ao intenso trabalho profissional e às tarefas que, porventura, me fossem confiadas no movimento.

FE: Os princípios básicos da Doutrina Espírita já eram conhecidos na Antiguidade. Quais as civilizações que mais contribuíram para a formação desse patrimônio cultural?
Hermínio Miranda: A pergunta é muito ampla para as limitações de uma simples entrevista. É certo, porém, que os fenômenos de que se ocupa a doutrina são tão antigos quanto o ser humano. O aspecto que me parece mais relevante, neste caso, é o de que a realidade espiritual sobre a qual se assenta a Doutrina dos Espíritos já estava contida nos ensinamentos de Jesus e foi ele próprio que dirigiu a equipe que trabalhou com Kardec.

FE: Como o senhor considera o papel de Allan Kardec na elaboração dos livros básicos da Codificação?
Hermínio Miranda: Seria ocioso repetir o que já sabemos. O papel dele foi fundamental na elaboração dos livros básicos. Sua percepção da relevância do que estava acontecendo com as mesas girantes, sua capacidade para ordenar todo o material que lhe foi entregue, digamos, em estado bruto, em simples cadernos de anotações e a sensibilidade para formular suas perguntas dentro de um esquema racional e seqüencial, evidenciam o acerto de sua escolha para delicada tarefa.

FE: Fala-se e se escreve muito no meio espírita sobre os três aspectos da Doutrina dos Espíritos. Qual a sua posição nessa questão?
Hermínio Miranda: Não me sinto atraído por debates ou polêmicas, como o que às vezes se armam em torno de questões como essa. Está claro, para mim, que o Espiritismo tem sua vertente filosófica, a científica e a religiosa. Ao falar sobre isso, tenho em mente Religião com maiúscula; com todo o respeito devido, não me refiro às várias denominações cristãs contemporâneas. Mesmo porque o Cristo não fundou religião alguma – ele se limitou a pregar e exemplificar uma doutrina de comportamento, ou seja, como deve o ser humano portar-se perante o mundo, a vida, seus semelhantes e, em última análise, diante de si mesmo e da divindade. Ao que sabemos, jamais o Cristo cogitou de saber se sua doutrina devia ou não ser caracterizada como religião. E, no entanto, é religião, no seu mais puro e amplo sentido, de vez que cuida de nossa relação com as leis divinas. Minha opção prioritária, por assim entender, é pelo aspecto religioso do Espiritismo, sem, contudo, ignorar ou minimizar os demais. Nada tenho e nem poderia ter, contra os que pensam de modo diferente. Não vejo como nem por que disputar coisas como essa. Tenho eu de desprezar, combater, hostilizar, odiar e até eliminar aquele que não pensa exatamente como eu?
Se você prefere cuidar do vetor científico ou do filosófico, tudo bem.
Solicitado, certa ocasião, a um pronunciamento dessa natureza, entreguei pessoalmente ao eminente e saudoso companheiro dr. Freitas Nobre, um pequeno texto sob o título “Problema inexistente”, que ele mandou publicar em “Folha Espírita”. Por que e para quê todo esse debate? Começa que a posição a ser assumida ante o problema depende da conceituação preliminar do que se entende por religião. De que tipo de religião estaríamos falando?

FE: Como o senhor situa o pensamento do Cristo no contexto da Doutrina Espírita?
Hermínio Miranda: Kardec sabia muito bem o que fazia ao adotar a moral do Cristo. Afinal de contas e, ainda repercutindo a temática da pergunta anterior, o Espiritismo nos pede mais, em termos de comportamento e reforma íntima, do que a ciência e a filosofia. Há quem me considere místico, mas o rótulo não me incomoda; ao contrário, acho-o honroso e o aceito assumidamente. Não consigo imaginar minha vida – e a vida, em geral – sem os ensinamentos do Cristo. Como sou um obstinado questionador, tenho, pelo menos, duas perguntas a formular: “Que é ser místico?” E, antes dessa: “O que é misticismo?” Um amigo meu, muito querido, costumava dizer-me isso, naturalmente, sem a mínima conotação crítica, como quem apenas enuncia um fato. Regressou antes de mim ao mundo espiritual. Passado algum tempo, manifestou-se em nosso grupo mediúnico e entre outras coisas, me disse: “Você é que estava certo.”

FE: Qual é a sua formação profissional?
Hermínio Miranda: Minha formação profissional é em Ciências Contábeis, função que exerci na Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, a partir de 1948, em Nova York (entre 1950 e o final de 1954) e, posteriormente, no Rio de Janeiro, de 1957 a 1980, quando me aposentei. Devo acrescentar que no decorrer dos últimos 22 anos, estive sempre no exercício de cargos executivos no primeiro escalão da empresa ou no segundo.

FE: Deixamo-lo à vontade para algo mais que queira acrescentar.
Hermínio Miranda: Certa vez fui convidado por uma freira, amiga da família, para um encontro com seus alunos de teologia numa universidade brasileira. No dia e hora marcados, lá estava eu. Ela é doutora em teologia e sabia, naturalmente, de minhas convicções, e foi por isso mesmo que me convidou, concedendo-me oportunidade de verificar o quanto sua mente é arejada e despreconceituosa. Perguntei-lhe sobre o que ela desejava que eu falasse. Ela propôs dois pontos: a reencarnação e como o Espiritismo considerava a figura de Jesus. Dito isso, foi sentar-se modestamente entre seus alunos e, como eles e elas, formulou várias perguntas. Passamos ali, umas duas horas numa conversa fraterna, animada e desarmada.
Digo que ela escolheu bem os temas, porque, na minha maneira de ver, a reencarnação é o cimento que mantém os diversos aspectos da realidade espiritual consolidados num só bloco. Uma vez admitida a reencarnação, tudo o mais se encaixa no seu lugar com precisão milimétrica. Isso porque, sendo como é uma realidade por si mesma, uma lei natural e não objeto de crença ou de fé, a reencarnação pressupõe existência, preexistência e sobrevivência do ser à morte corporal, bem como a lei de causa e efeito, que regulamenta nossas responsabilidades perante a vida. Mais: a reencarnação exclui do modelo dito religioso, qualquer possibilidade ou necessidade de céu, inferno ou purgatório como “locais” onde se gozam as benesses da vida póstuma ou se sofrem as conseqüências de erros e equívocos cometidos. Do ponto de vista da teologia dita cristã contemporânea, portanto, a reencarnação é uma doutrina subversiva, no sentido de que desmonta todo um sistema teórico de idéias e conceitos tidos por irremovíveis.
Quanto ao Cristo, não há o que discutir, é a mais elevada entidade que passou pela terra.
Acho que a ilustrada irmã gostou da minha fala, dado que algum tempo depois, me convidou novamente, desta vez para falar a um grupo de sacerdotes católicos já ordenados e seminaristas em final de curso. Que também foi uma conversa amena, fraterna e franca.
(Publicado no Boletim GEAE Número 460 de 29 de julho de 2003 )
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Animismo por Hermínio Miranda

01 dezembro 2008


A teoria e a experiência

Por ocasião dos preparativos ao Congresso Espírita Internacional, programado para Glasgow em setembro de 1937, o comitê organizador escreveu ao cientista italiano Enesto Bozzano convidando-o a participar dos trabalhos na honrosa (e merecida) condição de seu vice-presidente.

Pedia ainda o comitê que Bozzano preparasse um resumo de sua obra, já bastante volumosa àquela época, destacando como tema básico a questão do animismo, de forma a encaminhar uma solução conclusiva para o problema que se colocava na seguinte pergunta-título sugerida para seu ensaio: Animism or spiritualism - Which explains the facts ? (Animismo ou espiritismo - Qual deles explica os fatos?). O eminente pesquisador italiano alcançara, em 1937, a respeitável idade de 75 anos - viveria mais seis anos, pois morreu em 1943 -, e o tema proposto pelos organizadores do congresso significava, como ele próprio o caracterizou, "formidável encargo", dado que se datava de "resumir a maior parte da minha obra de 40 anos". A despeito disso, o idoso cientista entusiasmou-se pelo assunto, que se apresentava como " teoricamente muito importante".

Foi assim que os estudiosos dos fenômenos psíquicos se viram presenteados com mais um de seus notáveis e competentes estudos, que a Federação Espírita Brasileira vem publicando, em sucessivas edições, sob o título Animismo ou Espiritismo ?

Não foi difícil para ele responder o que lhe fora perguntado, mesmo porque a resposta estava implícita em sua obra:

Nem um, nem outro logra, separadamente, explicar o conjunto dos fenômenos supranormais. Ambos são indispensáveis a tal fim e não podem separar-se, pois que são efeitos de uma causa única, e esta causa é o espírito humano que, quando se manifesta, em momentos fugazes durante a encarnação, determina os fenômenos anímicos e, quando se manifesta mediúnicamente, durante a existência 'desencarnada', determina os fenômenos espiríticos. (Bozzano, Ernesto, 1987.)

O tema já fora tratado, aliás, em outra importante obra a de Alexandre Aksakof, igualmente publicada pela FEB, sob o título Animismo e Espiritismo (2 volumes).

Tanto a obra de Bozzano quanto a de Aksakof são enriquecidas como relato de inúmeros fatos colhidos e examinados com atento critério seletivo. A de Bozzano, como vimos, foi motivada pela solicitação dos organizadores do Congresso de 1937; a de Aksakof resultou de sua corajosa decisão de responder à altura as veementes criticas do filósofo Eduard von Hartmann, intitulada O Espiritismo, que alcançara certa repercussão pelo prestígio de que gozava seu brilhante autor. Somos levados a crer, hoje, que o fator importante no êxito do livro de Hartmann foi o fato de que era o primeiro ataque maciço e inegavelmente inteligente às teses doutrinárias do espiritismo, ao oferecer explicações alternativas aceitáveis, em princípio, ou seja, a de que os fenômenos, nos quais o espiritismo via manifestações de seres desencarnados sobreviventes, deveriam ser considerados como produzidos pelas faculdades normais da mente humana. O vigoroso estudo de Hartmann como que atendia a uma ansiada expectativa de parte de inúmeros cépticos e negativistas irredutíveis, desesperados por uma teoria inteligente que demolisse, de uma vez para sempre, as estruturas do espiritismo nascente. Para estes a obra de Hartmann foi um alívio. Afinal surgia alguém que conseguia 'demonstrar' ser uma glande tolice essa história da sobrevivência do ser que os espíritas estavam a disseminar por toda a parte, conseguindo até 'envolver' figuras da maior projeção na sociedade, nas artes e, principalmente, na ciência. Era uma loucura, a que alguém precisava mesmo por um ponto final. Acharam que Hartmann havia conseguido essa proeza histórica - a de deter com argumentos tidos como irrespondíveis a maré crescente do espiritismo.

Na verdade Hartmann era um pensador de considerável prestígio e montou seu sistema metafísico sobre o conceito do inconsciente, doutrina que expôs com brilhantismo e competência em Die Philosophie des Unbewussten (A Filosofia do inconsciente), publicada em três volumes, em 1869, em Berlim. Era seu segundo Livro e foi acolhido com respeito. Ele morreu em 1906, aos 64 anos de idade, e deixou vasta obra como pensador. Obviamente, suas biografias não abordam o assunto, mas sabemos que ele também sobreviveu como espírito imortal... É certo que voltará um dia para colocar sua brilhante inteligência a serviço de causa menos ingrata do que a de dar combate à doutrina dos espíritos.

O maior impacto da obra de Hartmann sobre o espiritismo, contudo, provem do fato de que ele tinha razão, em parte, pois trabalhou com os recursos da meia-verdade. Não, certamente, por desonestidade artificiosa, mas porque estava convicto de suas posturas teóricas e apresentava fatos observados que lhes pareciam dar sustentação. E, realmente, davam-na, porque fenômenos semelhantes ou idênticos aos mediúnicos ocorrem sem que seja necessário convocar a interferência dos desencarnados.

Aksakof concordou com ele neste ponto, como Bozzano também iria concordar mais tarde. Nenhum dos dois estava excluindo ou escamoteando a realidade dos fenômenos anímicos, ou seja, produzidos pela alma dos encarnados. A divergência entre Aksakof e Bozzano, de um lado, e Hartmann, de outro, estava em que este deixou de considerar em seu estudo os fatos que não se acomodavam à doutrina animista, ou seja, fenômenos que precisavam, irremediavelmente, da doutrina espírita para serem compreendidos e explicados, pois nada tinham que os justificasse como manifestações anímicas.

Escreveu Aksakof:

Para maior brevidade, proponho designar pela palavra animismo todos os fenômenos intelectuais e micos que deixam supor uma atividade extracorpórea ou à distância do organismo humano e mais especialmente todos os fenômenos mediúnicos que podem ser explicados por u1na ação que o homem vivo exerce além dos limites do corpo. (Aksakof, Alexandre, 1983,)

Em nota de rodapé, ele acrescenta que a palavra psiquismo também serviria a esse propósito, mas por uma questão de uniformidade preferiu ficar com radicais e estruturas latinos (anima = alma), dado que o termo destinava-se a ser utilizado em estreita conexão com a palavra espiritismo, de origem latina.

Reservava para esta última palavra - espiritismo - somente os "fenômenos que, após exame, não podem ser explicados por nenhuma da teorias precedentes e oferecem bases serias para a admissão da hipótese de uma comunicação com os mortos. " Observe-se que ele não deseja impor, a qualquer preço, a doutrina da sobrevivência. Embora convicto dela, quer apenas mostrar que há fenômenos muito bem observados e documentados que não se enquadram no rígido esquema de von Hartmann.

O eminente cientista russo propõe para os fenômenos anímicos uma classificação em quatro categorias distintas, todos eles, contudo, resultantes do que ele chama de "ação extracorpórea do homem vivo", isto é, fenômenos produzidos pelo ser encarnado para os quais não há necessidade de recorrer-se à interferência de desencarnados. Nesse quadro ele colocou: 1) efeitos psíquicos (telepatia, impressões transmitidas à distância); 2) efeitos físicos (fenômenos telecinéticos, isto é, movimento à distância); 3) projeção da imagem (fenômenos telefânicos, ou seja, desdobramento); 4) projeção de imagens "com certos atributos de corporeidade", isto é, formação de corpos materializados.

Estou convencido de que teríamos hoje outras categorias a acrescentar e outros fenômenos a enquadrar, bem como fenômenos mistos, nos quais podemos identificar características nitidamente animistas e também interferências ou participação de seres desencarnados. Isto, porém, veremos no momento próprio, neste livro.

É das mais importantes, por conseguinte, a contribuição desses dois eminentes cientistas ao melhor entendimento das faculdades mediúnicas, o russo Alexandre Aksakof e o italiano Ernesto Bozzano, sem nenhum desdouro para o filósofo alemão von Hartmann, que a despeito de seu brilhantismo não conseguiu demolir a realidade da sobrevivência do espírito. Sei que muitos consideram o problema ainda por resolver, mas essa é a verdade e o tempo irá demonstra-la fatalmente e de maneira incontestável, sem mais deixar espaços abertos para os profissionais da negação.

1) O animismo na codificação

Empenhados na elaboração de uma obra tão abrangente quanto possível, os instrutores da codificação se viram forçados a sacrificar o particular em favor do geral, o pormenor em beneficio da visão de conjunto. Do contrário a obra assumiria proporções e complexidades que a tornariam praticamente inabordável. Limitaram-se, pois, no caso específico do animismo, a referências sumárias, apenas para indicar a existência do problema, como que deixando-o a futuros desdobramentos de iniciativa dos próprios seres encamados, ainda que sempre ajudados e assistidos pelos mentores desencarnados. É a impressão que se colhe quando hoje analisamos vários aspectos dos ensinamentos que nos legaram diretamente ou por intermédio dos escritos pessoais de Allan Kardec.

No capítulo XIX de O Livro dos Médiuns ("Do papel dos médiuns nas comunicações espíritas") Kardec reproduz o teor das consultas que formulou a dois dos mais competentes especialistas sobre o fenômeno mediúnico, ou seja, Erasto e Timóteo, que parece terem sido incumbidos de orientar os estudos em tomo da mediunidade.

A alma do médium pode comunicar-se como a de qualquer outro.

Se goza de certo grau de liberdade, recobra suas qualidades de espírito. Tendes a prova disso nas visitas que vos fazem as almas de pessoas vivas, as quais muitas vezes se comunicam convosco pela escrita, sem que as chameis. Porque, ficai sabendo, entre os espíritos que evocais, alguns há que estão encamados na Terra. Eles, então, vos falam como espíritos e não como homens, Por que não se havia de dar o mesmo como médium? Kardec, Allan, 1975.)

Em O Livro dos Espíritos (capítulo VII, "Da Emancipação da alma") foi também abordado o tema da atividade espiritual do ser encamado. Se nos lembrarmos de que a codificação conceitua a alma (anima) como espírito encamado, temos aí a clara abordagem à questão do animismo, embora o termo somente seria proposto, anos mais tarde, por Aksakof, como vimos.

Cuida esse capítulo da atividade da alma, enquanto desdobrada do corpo físico pelo sono comum, e nisto estão incluídos os sonhos, contatos pessoais com outros indivíduos, encamados ou desencarnados, telepatia, letargia, catalepsia, morte aparente, sonambulismo, êxtase, dupla visão.

Todo esse capítulo cuida, portanto, da fenomenologia anímica, ainda que de maneira um tanto sumária, pelas razões já expostas.

3) A palavra dos continuadores

O estudo mais aprofundado dessas questões parece ter sido reservado aos encamados. Assumiram a responsabilidade pela tarefa não apenas Aksakof e Bozzano, como outro seguro e competente estudioso espírita: Gabriel Delanne, em obra aliás, não muito difundida no Brasil, já que não foi traduzida para a nossa língua.

Trata-se de Recherches sur la Médiumnité, com 515 páginas compactas, expondo cerrada argumentação, toda ela apoiada em fatos observados com o necessário rigor científico. O livro compõe-se de dês partes: 1) o fenômeno espírita e a escrita automática das histéricas; 2) animismo; 3) espiritismo.

Que eu saiba, é uma das únicos obras, no contexto doutrinário do espiritismo, que estuda em profundidade o problema da "psicografia automática", ou seja, a escrita produzida pelo inconsciente, funcionando o sensitivo como médium de si mesmo.

Os livros de Boddington também chamam a atenção para este aspecto, mas longe estão da profundidade e da documentação de que se vale Delanne, embora sua atitude seja bem radical ao sugerir que comunicações que estejam dentro das possibilidades culturais do médium devam ser consideradas como originárias do inconsciente do próprio sensitivo. Para o autor inglês, textos de legitima autoria dos desencarnados são somente aqueles que demonstrem conhecimentos superiores ao do médium.

Não apenas julgo o critério demasiado rígido, mas também inadequado, porque dificilmente conheceremos com segurança o vigor intelectual do espírito do médium, ou seja, da sua individualidade, em contraste com seu conhecimento como ser encarnado, na faixa da personalidade. Em outras palavras: o médium pode ser uru espírito de elevada condição intelectual ainda que, como encarnado, seja culturalmente medíocre. É o mais provável, urna vez que a experiência ensina que o acervo mental oculto no inconsciente, na memória integral, tem de ser, necessariamente, muito superior, em volume e qualidade, ao que trazemos no limitado âmbito do consciente e do subconsciente, isto é, nas memórias da vida presente, em contraste com os imensos arquivos das vidas anteriores.

Não é, pois, de admirar-se que um sensitivo dotado de modestos recursos intelectuais, como ser encarnado, seja capaz de produzir, pelo processo da psicografia automática, um texto brilhante, se conseguir criar condições propicias à manifestação anímica, isto é, se permitir que se manifeste em todo o seu potencial seu próprio inconsciente.

Isto, porém, de forma alguma invalida, pelo contrário, confirma a tese de Aksakof e Bozzano, Delanne e outros, de que o fenômeno anímico, longe de excluir a possibilidade do fenômeno espírita, é um fator a mais para corroborar este último.

O raciocino pode ser colocado na seguinte ordem: admitida a sobrevivência do espírito, seria ridículo e anticientífico declarar que o espírito encarnado pode manifestar-se pela psicografia, mas o desencarnado não.

Sei que muitos contestarão o argumento dizendo que ele é falho, no sentido de que não está provada, ainda, a sobrevivência. Isto, porém, não é objeção que me aflija. Primeiro, porque este não é um livro apologético, concebido para demonstrar ou provar a existência ou sobrevivência do espírito e, sim, uma discussão do problema da mediunidade. Segundo, entendo que, enquanto os cépticos os negadores duvidam e procuram demolir as estruturas da realidade espiritual, é preciso que alguém assuma essa realidade - que a nosso ver está suficientemente demonstrada - e dê prosseguimento ao trabalho de inseri-la no contexto humano e colocá-la a serviço de um relacionamento mais inteligente, dinâmico e construtivo das duas faces da realidade, uma visível, outra invisível. A rejeição é problema daquele que rejeita, não do que está convencido dessa realidade. A esta altura da história do espiritismo no mundo, não estão mais obrigados os espíritas a continuar de braços cruzados enquanto os negadores se engalfinham em um verdadeiro corpo-a-corpo para 'provar' que estão com a razão nos seus postulados. Decorrido mais de um século, não conseguiram provar que os nossos estão errados. O problema é deles e está com eles, não conosco. Por isso, a postura assumida neste livro é a de que não temos nada a provar a ninguém, mesmo porque não estamos apoiados em crenças ou crendices, hipóteses ou suposições, mas na sólida estrutura de uma doutrina racional, sustentada por ratos bem observados e bem documentados que nos garantem sua autenticidade pelo testemunho repetido e concordante de cientistas e pesquisadores confiáveis.

2) O fantasma do animismo

Essa realidade nos leva à conclusão que há, sim, fenômenos de natureza anímica, ou seja, que podem ser explicados – e o são mesmo como manifestações do espírito do próprio sensitivo. Que os críticos insistam em dizer que são tais fenômenos produzidos pela mente ou pelo inconsciente das pessoas, isso é problema deles, empenhados como estão em questões semânticas. O espiritismo nada tem a temer, nem aí nem em nenhum outro ponto de sua estrutura doutrinaria. Como tenho dito alhures, o espiritismo tem sua própria teoria do conhecimento que, em vez de resultar de especulações teóricas, ainda que inteligentes e até brilhantes, foi deduzida dos fatos observados. Desmintam os fatos antes de proporem a rejeição ou modificações estruturais inaceitáveis.

Em paralelo com fenômenos de natureza anímica produzidos pelo espírito encarnado, há fenômenos espíritas gerados por seres humanos temporariamente desprovidos de corpos físicos, ou seja, desencarnados.

Essa é a realidade. E uma não exclui a outra, ao contrário, complementam-se e se explicam mutuamente.

Na verdade a questão do animismo foi de tal maneira inflada, além de suas proporções, que acabou transformando-se em verdadeiro fantasma, uma assombração para espíritas desprevenidos ou desatentos. Muitos são os dirigentes que condenam sumariamente o médium, pregando-lhe o rótulo de fraude, ante a mais leve suspeita de estar produzindo fenômeno anímico e não espírita. Creio oportuno enfatizar aqui que em verdade não há fenômeno espírita puro, de vez que a manifestação de seres desencontrados, em nosso contexto terreno, precisa do médium encamado, ou seja, precisa do veículo das faculdades da alma (espírito encarnado) e, portanto, anímicas.

Escrevem Erasto e Timóteo, em O Livro dos Médiuns:

O espírito do médium é o intérprete, porque está ligado ao corpo, que serve para falar, e por ser necessária uma cadeia entre vós e os espíritos que se comunicam, como é preciso um fio elétrico para comunicar à grande distância uma notícia c, na extremidade do fio, uma pessoa inteligente, que a receba e transmita. (Kardec, Allan, 1975.)

Quando falamos ao telefone, por melhor que seja a aparelhagem utilizada, nossa voz sofre inevitável influência do equipamento.

O espírito do médium exerce alguma influência sobre as comunicações que fluem por seu intermédio? Respondem taxativamente os instrutores.

Exerce. Se estes não lhe são simpáticos, pode de alterar-lhes as respostas e assimilá-las às suas próprias idéias e a seus pendores não . influencia, porém, as próprios espíritos, autores das respostas; constitui-se apenas em mau intérprete. (Idem )

E prossegue a aula: assim como o espírito manifestante precisa utilizar-se de certa parcela de energia, que vai colher no médium, para movimentar um objeto, também "para uma comunicação inteligente ele precisa de um intermediário inteligente", ou seja, do espírito do próprio médium.

O bom médium, portanto, é aquele que transmite tão fielmente quanto possível o pensamento do comunicante, interferindo o mínimo que possa no que este tem a dizer.

Quando Kardec pergunta como é que um espírito manifestante fala uma língua que não conheceu quando encamado, Erasto e Timóteo declaram que o próprio Kardec respondeu à sua dúvida, ao afirmar, no início de sua pergunta, que "os espíritos só têm a linguagem do pensamento; não dispõem da linguagem articulada". Exatamente por isso, ou seja, por não se comunicarem por meio de palavras, eles transmitem aos médiuns seus pensamentos e deixam a cargo do instrumento vesti-los, obviamente, na língua própria do sensitivo.

Reiteramos, portanto, que não há fenômeno mediúnico sem participação anímica. O cuidado que se toma necessário ter na dinâmica do fenômeno não é colocar o médium sob suspeita de animismo, como se o animismo fosse um estigma, e sim ajudá-lo a ser um instrumento fiel, traduzindo em palavras adequadas o pensamento que lhe está sendo transmitido sem palavras pelos espíritos comunicantes.

Certamente ocorrem manifestações de animismo puro, ou seja, comunicações e fenômenos produzidos pelo espírito do médium sem nenhum componente espiritual estranho, sem a participação de outro espírito, encamado ou desencontrado. Nem isso, porém, constitui motivo para condenação sumária ao médium e, sim, objeto de exame e análise competente e serena, com a finalidade de apurar o sentido do fenômeno, seu porquê, suas causas e conseqüências.

Suponhamos, por exemplo, que ante determinada manifestação espiritual em certo médium de um grupo, outro médium do mesmo grupo mergulhe, de repente, em um processo espontâneo de regressão de memória. Pode ocorrer que ele passe a 'viver', em toda a sua intensidade e realismo, sua própria personalidade de anterior existência. Apresentará, sob tais circunstâncias, todas as características de uma manifestação mediúnica espírita, como se ali estivesse um espírito desencontrado.

Vamos lembrar, novamente, o ensinamento de Erasto e Timóteo: "A alma do médium pode comunicar-se como a de qualquer outro". E isto é válido para a psicografia e para a psicofonia ou até mesmo parafenômenos de efeitos físicos. Não nos cansamos de repetir que tais fenômenos não invalidam a realidade da comunicação espírita e, sim, a complementam e ajudam a entendê-la melhor.

A fim de que possamos estudar o mundo espiritual, adverte Delanne, precisamos de um instrumento, um intermediário entre as duas faces da vida - o médium.

"Como possui uma alma e um corpo" - prossegue o eminente continuador de Kardec -, "ele tem acesso, por uma, à vida do espaço e, pelo outro, se prende à Terra, podendo servir de intérprete entre os dois mundos. " Não deixa, portanto, de ser um espírito somente porque está encarnado. Os fenômenos que produzir, como espírito, são também dignos de exame e não de condenação sumária. Algumas perguntas podem ser formuladas para servir de orientação a essa análise. São realmente fenômenos anímicos? Ou interferências pessoais do médium nas comunicações, no processo mesmo de as "vestir" com palavras, como dizem os espíritos? Por que estariam sendo produzidos? E como? Com que finalidade? Como poderemos ajudá-lo a interferir o mínimo possível a fim de que as comunicações traduzam com fidelidade o pensamento dos espíritos?

3) A fraude e o automatismo
Entendo, à vista da experiência pessoal em cerca de duas décadas no. trato constante com a prática mediúnica, que é possível realizar um bom trabalho saneador nas possíveis interferências, não porém pela condenação sumária e áspera do médium. Se ele for, comprovadamente, um médium fraudador, precisará ser tratado com certa energia, nunca, porém, com rudeza ou agressividade. Está realmente fraudando? Por quê? Exibicionismo? Vaidade? Desejo de agradar as pessoas? A despeito de fraudes eventuais ou costumeiras, tem ou não faculdades mediúnicas autênticas? Como ajudá-lo a livrar-se dos seus defeitos e fraquezas, a fim de tornar-se um médium confiável?

A história do espiritismo registra episódios em que médiuns dotados de excepcionais e comprovadas faculdades mediúnicas recorreram também a fraudes, como a legendária Eusapia Paladino, que produziu fenômenos incontestáveis sob as mais severas condições de controle, perante cientistas atentos e geniais, mas que também produzia, por fraude, ridículas imitações, facilmente detectáveis.Atenção, porém, para um pormenor importante que tem sido muito negligenciado nas discussões acerca da mediunidade. O fenômeno fraudulento nada tem a ver com animismo, mesmo quando inconsciente. Não é o espírito do médium que o está produzindo através do seu próprio corpo mediunizado, para usar uma expressão dos próprios espíritos, mas o médium, como ser encarnado, como pessoa humana, que não está sendo honesto nem com os assistentes, nem consigo mesmo. O médium que produz uma página por psicografia automática, com os recursos do seu próprio inconsciente, não está necessariamente fraudando e sim gerando um fenômeno anímico. É seu espírito que se manifesta. Só estará sendo desonesto e fraudando se desejar fazer passar sua comunicação por outra, acrescentando-lhe uma assinatura que não for a sua ou atribuindo-a, deliberadamente, a algum espírito desencontrado.

Sem nenhum receio infundado ou temor de estar oferecendo argumentos aos negadores contumazes da sobrevivência e comunicabilidade dos espíritos, Delanne lembra claramente que:

(...) nas sessões espíritas, ao lado de médiuns verdadeiros, há também automatistas que escrevem mecanicamente e sem consciência aparente do conteúdo intelectual da mensagem. Durante muito tempo tem faltado aos espíritos um critério que lhes permuta proceder a uma triagem entre as comunicações verdadeiras e as produções subconscientes do médium. (Delanne, Gabriel, 1909.) (Grifo nosso)O critério recomendado pelo pesquisador francês é o mesmo de sempre: submeter a atento exame crítico os textos produzidos a fim de separar o joio do trigo. Sem isto, acabam sendo aceitas como revelações do mundo espiritual tolas fantasias subliminares produzidas pelo próprio médium.

Convém observar, contudo - e isto vai por muna conta -, que a mensagem não é tola somente porque emerge do inconsciente do médium, nem é boa e autêntica porque há segura evidência de ser de origem espiritual. O que vale de fato é seu conteúdo, sua coerência, a elevação de seus conceitos éticos ou filosóficos, ainda que a linguagem possa apresentar-se, aqui e ali, com algumas incorreções. Como o espírito do médium também pode comunicar-se - e o faz como espírito, segundo nos assegura a codificação e não como ser humano -, é bem possível que ele tenha uma bagagem espiritual respeitável e uma experiência consolidada por inúmeras vidas que o autorizem a produzir uma comunicação de elevado teor, perfeitamente aceitável do ponto de vista doutrinário e moral e tão autêntica quanto as de origem espiritual, de responsabilidade de seres desencarnados.

Após sensatos e oportunas observações de quem sabe do que fala, Delanne acrescenta:

Parece-nos, portanto, indispensável lembrar que somos mais ricos do que geralmente julgamos. Abaixo da consciência jaz um maravilhoso depósito de documentos inexplorados que têm algo a ensinar-nos sobre o próprio substrato da individualidade, da qual depende nosso caráter. (Idem)

Com o que estamos de pleno acordo. Ainda hoje, no meio espírita, são muitos os que supervalorizam a palavra dos espíritos e consideram com certa desconfiança, hostilidade mesmo ou, ainda, menor dose de confiança o que provém do ser encamado.

Suponhamos, para argumentar, que, reencarnado em futura existência, um espírito da competência de Erasto ou de Timóteo, de Delanne ou de Kardec produza textos anímicos por psicografia automática, sem nenhuma interferência de seres desencarnados. Certamente teremos a aprender com eles, ante a riqueza de seus conhecimentos e experiência a que se refere Delanne no trecho há pouco transcrito. Seria desastroso rejeitar suas produções apenas porque não se consegue detectar nelas quaisquer sinais de origem rigorosamente espírita. Mais adiante, prossegue Delanne:

A escrita automática poderá trazer ao nosso conhecimento textos perfeitamente coordenados, soluções de problemas considerados insolúveis pelo sensitivo ou ensinamentos que nos parecerão inéditos, sem que atribuamos, necessariamente, tais produções a espíritos desencarnados.(Idem)O julgamento de textos, portanto, não deve ser conduzido à base de impulsos e desconfianças apriorísticas e, sim, após criterioso exame crítico de forma e fundo, de conteúdo ideológico e doutrinário. A mensagem é boa? Não importa o nome que a subscreve ou deixa de subscrevê-la. É inaceitável? Por mais 'importante' que seja o declarado autor, deve ser rejeitada sem remorsos.

O que é preciso evitar, em tais circunstâncias, é criar uma atmosfera de suspeição em tomo do médium. Por duas válidas e significativas razões. Se a mensagem não está bem, ainda assim não significa, indiscutivelmente, que ele esteja fraudando. Embora isso possa ocorrer, é também possível que ele tenha acolhido um espírito despreparado que não tenha muito que dar de si, nesse campo. Se, por outro lado, a mensagem é aceitável e até boa ou excelente, também não quer dizer que não possa ter sido produzida pelo próprio espírito do médium, como estamos vendo.

Continua Delanne:

Agora que sabemos da extraordinária riqueza da memória latente, povoada de lembranças de tudo quanto estudamos, vimos, ouvimos e pensamos em nossa vida, que sabemos que a atividade do espírito durante a noite é preservada (na memória), que impressões sensoriais, das quais não temos consciência, podem revelar-se aura dado momento, devemos ser bem circunspectos para afana que o conteúdo de uma mensagem não provém do subconsciente.
(Idem)As mensagens devem, por conseguinte, ser examinadas e aceitas (ou rejeitadas) pelo que são em si mesmas e não por serem de origem espiritual ou anímica. Tanto há mensagens boas de origem anímica como mensagens inaceitáveis de origem espiritual. Não estamos autorizados a colocar o médium sob suspeita apenas porque produziu uma mensagem ou manifestação anímica.

Propõe Delanne critério semelhante ao de Boddington para testar a origem da comunicação. Se ela estiver acima da capacidade do médium, poderá ser considerada como provinda de espíritos desencarnados.

De minha parte, com todo o respeito que me merecem esses dois eminentes autores, não acho que o critério, embora válido sob certos aspectos, seja ainda o definitivo, quando sabemos, pela palavra do próprio Delanne, da insuspeitada riqueza cultural que trazemos nos vastos armazéns da memória inconsciente. Sempre que esse material tiver condições de emergir pelo processo da psicografia automática, será compatível com os conhecimentos que o médium traz como espírito encarnado, dono que ele é de vasto material acumulado ao longo de inúmeras existências pregressas.Jamais nos esqueçamos, contudo, do princípio ordenador da mediunidade, ou seja, o de que ela é um processo de intercâmbio entre as duas faces da vida inteligente e que, portanto, participa de uma e de outra. Do que se depreende que toda comunicação ou fenômeno mediúnico terá sempre um componente maior ou menor de cada uma dessas duas faces da realidade. Há, pois, nas manifestações mediúnicas, um componente espiritual (do desencarnado) e um componente anímico (do encarnado). Como também poderá provir apenas do ser encarnado, sem participação de espíritos desencarnados, pois o espírito encamado também se manifesto como espírito. .Em suma: o espírito desencarnado precisa do médium encarnado para comunicar-se conosco, mas este pode prescindir, sob condições especiais, da participação dos companheiros desencarnados para transmitir seus próprios pensamentos, armados como material que se encontra depositado nos seus arquivos inconscientes.Voltamos, para concluir, reiterando o ensinamento de Ernesto Bozzano sobre a interação animismo/espiritismo:Nem um, nem outro logra, separadamente, explicar o conjunto dos fenômenos supranormais. Ambos são indispensáveis a tal &n e não podem separar-se, pois que são efeitos de uma causa única e esta causa única é o espírito humano que, quando se manifesto, em momentos fugazes durante a encarnação, determina os fenômenos anímicos e quando se manifesto mediunicamente, durante a existência desencarnada, determina os fenômenos espiríticos. (Bozzano, Ernesto, 1987.)

6) Aspectos provacionais do fenômeno anímico

O fenômeno anímico exige, por conseguinte, experiência e atenção de quem trabalha com médiuns regularmente ou ocasionalmente testemunha manifestações mediúnicas. Não constitui, contudo, um tabu, nem se apresenta como fantasma aterrador que é preciso exorcizar.

Escreve André Luiz, em Nos Domínios da Mediunidade:
Muitos companheiros matriculados no serviço de implantação da Nova Era, sob a égide do espiritismo, vêm convertendo a teoria anímica num travão injustificável a lhes congelar preciosas oportunidades de realização do bem; portanto, não nos cabe adotar como justas as palavras "mistificação inconsciente ou subconsciente" para batizar o fenômeno. (Xavier, Francisco C./André Luiz, 1973a.)Refere-se o instrutor Áulus, nesta passagem, a uma senhora que, embora com as usuais características de uma incorporação obsessiva de espírito perseguidor, estava apenas deixando emergir do seu próprio inconsciente memórias desagradáveis de uma existência anterior que nem mesmo o choque biológico da nova encarnação conseguira "apagar".Tratava-se de uma doente mental, cujos passados conflitos ainda a atormentavam e se exteriorizavam naquela torrente de palavras e gestos sonidos como se estivesse possuída por um espírito desarmonizado. No caso, havia, sim, um espírito em tais condições - era o seu próprio e, portanto, ela estava ali funcionando como médium de si mesma, produzindo uma manifestação anímica. Mais que ignorância, seria uma crueldade deixar de socorrê-la com atenção e amor fraterno somente porque a manifestação era anímica. Continua Áulus, mais adiante:Um doutrinador sem tato fraterno apenas lhe agravaria o problema, porque, a pretexto de servir à verdade, talvez lhe impusesse corretivo inoportuno em vez de socorro providencial. (Idem)Em Mecanismos da mediunidade (cap. XXIII), encontramos observação semelhante, colocada nestes termos:Freqüentemente pessoas encarnadas nessa modalidade de provação regeneradora são encontráveis nas reuniões mediúnicas, mergulhadas nos mais complexos estados emotivos, quais se personificassem entidades outras, quando, na realidade, exprimem a si mesmas, a emergirem da subconsciência nos trajes mentais em que se externavam noutras épocas sob o fascínio dos desencarnados que as subjugavam. (Xavier, Francisco C. / André Luiz, 1986.)Lembra esse autor espiritual, a seguir, que se fôssemos levados, pelo processo da regressão da memória, a uma situação qualquer em urna de nossas vidas anteriores e lá deixados por algumas semanas, apresentaríamos o mesmo fenômeno de aparente alienação mental, complicada com características facilmente interpretadas como de possessão, pelo observador despreparado. Ou, então, a pessoa seria tida como mistificadora inconsciente. Em ambas as hipóteses, o diagnóstico estaria errado e, por conseguinte, qualquer forma de tratamento porventura proposto ou tentado.

Escreve ainda André Luiz:

Nenhuma justificativa existe para qualquer recusa no trato generoso de personalidades medianímicas provisoriamente estacionadas em semelhantes provações, de vez que são, em si próprias, espíritos sofredores ou conturbados quanto quaisquer outros que se manifestem, exigindo esclarecimento e socorro. (Idem) (Destaque nosso)Podemos concluir, pois, que muitos médiuns com excelente potencial de realizações e serviços ao próximo podem ser desastradamente rejeitados pela simples e dolorosa razão de que não foram atendidos com amor e competência na fase em que viviam conflitos emocionais mal compreendidos.

(Diversidades dos Carismas. Teoria e Prática da Mediunidade - Lachatrê Publicações)

Hermínio Miranda: Processo Reencarnatório

14 outubro 2007


Processo reencarnatório
Entrevista com Hermínio Correa de MirandaPublicação: CVDEE - Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo

Na sua opinião, considerando os livros básicos e a literatura auxiliar, a Doutrina Espírita tem esgotado as informações sobre o processo reencarnatório ou, na medida em que o homem se espiritualize, informações adicionais serão concedidas?
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Resposta: Como sistema orgânico de conhecimento, o Espiritismo é uma doutrina evolutiva, atenta à dinâmica da expansão cultural da humanidade. Vamos reler um parágrafo da Introdução que Kardec escreveu para O Evangelho Segundo o Espiritismo (Autoridade da Doutrina Espírita, pg. 31, 57a. edição FEB):

" Com extrema sabedoria procedem os Espíritos superiores em suas revelações. Não atacam as grandes questões da Doutrina senão gradualmente, à medida que a inteligência se mostra apta a compreender a verdade de ordem mais elevada e quanto as circunstâncias se revelam propícias à emissão de uma idéia nova. Por isso é que logo de princípio não disseram tudo e tudo ainda hoje não disseram, jamais cedendo à impaciência dos muito afoitos, que querem os frutos antes de estarem maduros."
O Livro dos Espírtos constitui exemplo disso no sentido de que notamos na sua elaboração o cuidado de não dizer mais do que o necessário e conveniente para a época e de compactar informações e ensinamentos num mínimo possível de texto. Em algumas respostas, a linguagem é quase telegráfica, sem detalhamentos, considerados, talvez, prematuros ou inoportunos. O que, de certa forma, parece indicar reserva de espaço para futuras ampliações, à medida que o conhecimento fosse progredindo. Não creio, por isso, que a temática do processo reencarnatório tenha sido esgotada no contexto das obras básicas e nem mesmmo nas subseqüentes. André Luiz, por exemplo, ampliou consideravelmente tais informações. Penso que ainda temos muito que aprender com os instrutores espirituais sobre esse e tantos outros assuntos.

Fiz um aborto aos 21 anos e depois tive um filho aos 27. Existe possibilidade deste espírito ser o mesmo que foi abortado anteriormente?

Resposta: Entendo perfeitamente possível que a criança que você teve aos 27 anos seja a mesma entidade espiritual, cujo corpo fora abortado cerca de seis anos antes.

Na reencarnação sob processo expiatório, ocorre às vezes uma vultosa anomalia cerebral. De que forma há para esse Espírito aproveitamento da reencarnação? Há algum tipo de percepção?
Resposta: A reencarnação constitui sempre valiosa oportunidade de progresso espiritual. O corpo físico pode apresentar-se severamente afetado por anomalias inibidoras, mas a entidade espiritual está presente e atenta ao que se passa. Em nosso trabalho mediúnico, testemunhamos um caso desses. Sugiro que você leia o capítulo 19 - Filhos deficientes, de meu livro "Nossos Filhos são Espíritos", que parece responder à sua pergunta. Leia, também, "Autismo - uma leitura espiritual", ainda que este não seja o caso específico que você tem em mente.

O Sr. poderia comentar as relações entre a descoberta do código genético humano e o processo reencarnatório? Por exemplo, se muitas doenças físicas poderão ser evitadas, como ficam as reencarnações de Espíritos que têm como sua fase evolutiva o ultrapassar justamente doenças físicas?
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Resposta: Penso que é cedo para se falar em interferências no código genético que resultem no cancelamento puro e simples de deficiências físicas ou mentais, que, como sabemos, tem sérias implicações cármicas. O projeto genoma, recentemente divulgado com enorme espalhafato publicitário, embora represente um gigantesco passo à frente no entendimento da biologia humana, ainda tem muito trabalho pela frente, como reconhecem os próprios cientistas. São mais de 3 bilhões as combinações possíveis no ser humano. Por outro lado, as leis divinas não se sujeitam a manipulações daqueles que se propõem a "brincar de Deus". Sugiro que você leia, se conseguir localizar, um pequeno artigo meu intitulado "Uma ética para a genética", publicado em Reformador em junho de 1971, há quase trinta anos, portanto. Será útil também, se ainda não o fez, a leitura do Time, de 3 de julho de 2000. Diz-se ali, entre outras coisas, que dois grupos empenharam-se em decifrar as ‘letras bioquímicas ‘ do DNA humano e as instruções codificadas para construir e operar um ser humano totalmente funcional. Em outras palavras, ninguém, nesse projeto gigantesco, está pensando no espírito e nem nas leis cármicas. E muito menos, em Deus. Quanto a mim, fico com Deus e não tenho a pretensão de brincar com ele.Não sou, contudo, um especialista no assunto. Sugiro que você leia "O projeto genoma", de autoria da Dra. Marlene Nobre, no recente Boletim SEI, da Capemi, de 29-07-2000. Poderá, para isso, acessar a Home page: http://www.lfc.org.br/

Questão [#006] Quanto tempo, em média, o espírito permanece na pátria espiritual, antes de reencarnar? Meu pai faleceu há 5 anos; quando eu desencarnar me encontrarei com ele?
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Resposta: Cada caso é um caso. Não há uma periodicidade rígida de tantos em tantos anos, entre uma encarnação e outra. O Prontuário da Obra de Allan Kardec, do erudito confrade e pesquisador Deoclécio de Demócrito, indica as seguintes referências sobre o assunto: O Evangelho Segundo o Espiritismo n. 16, p. 31; Céu e Inferno, 2a. parte, cap. 4, p.275 e cap. 5, n. 39, p. 309; Obras Póstumas, Parágr. 3, n. 28, p. 39. Há, também, uma pesquisa do amigo dr. Hernani Guimarães Andrade, em artigo que não tenho como localizar. Hernani chega à conclusão de que, em vista do número muito maior de habitantes da Terra, o intervalo entre uma encarnação e outra diminuiu nos últimos tempos. Ou seja, a "fila" era muito maior quando havia pouca gente encarnada por aqui...Certamente você se encontrará com a entidade que foi seu pai, bem como com outros seres que se acham ligados a você, nesta ou em existências passadas. É o que costuma acontecer. Leia, a respeito, a Questão 160, de O Livro dos Espíritos.

Durante o período da gestação, é possível que a mulher seja obsidiada? Se o processo obsessivo já existir, o obsessor é afastado?

Resposta: Sim, a mulher pode ser obsidiada antes, durante e depois da gestação. A gravidez, por si mesma, não a livra do processo obsessivo, nem leva a entidade perseguidora a afastar-se automaticamente. Em muitos casos a gravidez pode até suscitar ou agravar obsessões, quando entidades desorientadas e vingativas procuram interromper ou perturbar o processo reencarnatório, por ter problemas com a mãe, com a criança ou com ambos. A questão é complexa e os casos devem ser tratados com serenidade, compreensão, amor fraterno e prece, em grupos confiáveis que se dediquem à tarefa dita de desobsessão. Não com o objetivo de nos livrarmos da entidade perturbadora, mas para que nos pacifiquemos todos, a fim de seguirmos todos juntos e em paz os caminhos evolutivos. "Reconcilia-te com teu adversário", ensinou o Cristo, "enquanto estás a caminho com ele."

Gostei imensamente do seu livro "Nossos filhos são Espíritos"; gostaria de sua análise sobre nossa responsabilidade no processo de resgate com relação à vida conjugal, e como isto influencia a reencarnação daqueles que devem vir como filhos.

Resposta: O lar é o nosso laboratório de trabalho, pesquisa, estudo e aprendizado, bem como um ponto de reencontro. A família representa, usualmente, a melhor combinação possível de situações que levem os seres que a compõem à solução dos problemas que os afligem. É uma preciosa oportunidade que não deve ser desperdiçada, dado que a felicidade e a paz futuras dependem do que estamos fazendo hoje. As entidades que se reencarnam como nossos filhos e filhas constituem parte integrante do projeto elaborado para a vida terrena e precisam contar conosco para as tarefas que se programaram para realizar junto de nós. Releia o capítulo 21 - "A menina que chorava na calçada", no livro "Nossos Filhos são Espíritos". Leia, ainda, o capítulo que escrevi para o livro "O Espiritismo e os Problemas Humanos", do querido amigo e confrade Deolindo Amorim. É uma edição da USE, São Paulo.

É possível um espírito reencarnar em pouco tempo e dentro da mesma família onde viveu a última encarnação?

Resposta: É possível, sim, a uma entidade reencarnar-se na mesma família após alguma permanência na dimensão póstuma. A literatura espírita tem documentado numerosos e convincentes casos dessa natureza. Em "Twenty Cases Suggestive of Reincarnation", o professor Ian Stevenson apresenta (que me lembre) pelo menos dois. Um deles passou-se na geladas regiões da América do Norte, onde uma entidade reencarnou-se como filho de seu próprio filho. Ou seja, ele nasceu como neto (ou avô) de si mesmo e seus antigos filhos e filhas passaram a ser tios e tias na nova existência. Ele os reconheceu como reconheceu também seu antigo relógio de bolso que a família conservara. O outro caso narrado pelo dr. Stevenson nesse livro passou-se no Brasil, na família do professor Francisco Waldomiro Lorenz, no Rio Grande do Sul. Há uma tradução desse livro em português, mas não tenho comigo os dados. Se bem me lembro, chama-se Vinte Casos Que Sugerem a Reencarnação (Ou Sugestivos de Reencarnação).

Caro Hermínio, temos uma dúvida que até a presente data não conseguimos elucidação. No livro Evolução em Dois Mundos (André Luiz/Chico Xavier/Waldo Vieira), no capítulo sobre Simbiose Espiritual, encontramos: "Ninguém necessita, portanto, aguardar reencarnações futuras, entretecidas de dor e lágrimas, em ligações expiatórias, para diligenciar a paz com os inimigos trazidos do pretérito, porque, pelo devotamento ao próximo e pela humildade realmente praticada e sentida, é possível valorizar nossa prece, atraindo simpatias valiosas, com intervenções providenciais, em nosso favor."Nossa questão: Pode um Espírito em uma única reencarnação resgatar todos os seus débitos do passado e anular a vingança de seus inimigos espirituais, através do exemplo do amor puro aos semelhantes ?
Resposta: Parece-me que a pergunta deve ser reformulada. André Luiz está dizendo que não é necessário esperar por reencarnações futuras para nos reconciliarmos com nossos adversários ou com aqueles a quem prejudicamos; podemos começar desde já a tarefa, com a nossa própria reeducação, o hábito da prece, a prática do amor ao próximo, o reaprendizado da vida, enfim. Ele não diz que estaremos, dessa maneira, resgatando numa só existência, todos os erros cometidos. Temos testemunhado exemplos vivos disso, em nossos trabalhos mediúnicos, no decorrer de quase 40 anos. Entidades indignadas que conseguimos resgatar com paciente argumentação, compreensão e amor, tinham ligações conflituosas com membros do nosso próprio grupo. Não foi preciso, nesses casos, esperar futuras existências de atrito e sofrimento, para trabalhar nossas divergências. Em outras palavras: "adiantamos o serviço" da reconciliação, que teria de ser feito mais tarde, em futuras reencarnações.

Como se dão as reencarnações regidas pelo automatismo? Esta situação abrange os casos de reencarnação forçada que os espíritos de pouca luz unidos em falanges impõem a seus subjugados?

Resposta:Há reencarnações com um componente de compulsoriedade, obviamente em benefício da entidade reencarnante. O livro Prontuário da Obra de Allan Kardec, de Deoclécio de Demócrito, recomenda ler, sobre este aspecto, a Questão 262, em O Livro dos Espíritos.
Recorro, ainda, ao Indicador Espírita, compilado por outro meticuloso e competente confrade, João Gonçalves. Veja o que contém o verbete número 2155:"Reencarnações se processam muita vez sem qualquer consulta aos que necessitam segregação em certas lutas no plano físico, qual enfermos e criminosos que, pela própria condição ou conduta, perderam temporariamente a faculdade de resolver quanto à sorte que lhes convém. Incapazes de eleger o caminho de reajuste, são decididamente internando na cela física como doentes isolados sob assistência precisa. Vemo-los, assim, repontando de lares faustosos ou paupérrimos, ao lado daqueles que lh devem abnegação e carinho, contrariando por vezes até certo a hereditariedade, por representarem dolorosas exceções no caminho normal."São indicados, nesse verbete, as seguintes fontes de consulta: Evolução em Dois Mundos, Entre a Terra e o Céu, Missionários da Luz, Nosso Lar, No Mundo Maior, Obreiros da Vida Eterna, todos de André Luiz e mais: Autodescobrimento - uma busca interior, de Joanna de Ângelis e ainda, As Mil Faces da Realidade Espiritual, de Herminio C. Miranda, bem como Nascer e Renascer (?) e, finalmente, O Problema do Ser, de Léon Denis.Sobre a segunda parte de sua pergunta, lembro meu artigo "O médium do Anti-Cristo" (Reformador, março e abril de 1976), no qual é examinada a hipótese de reencarnações de um mesmo grupo de entidades em torno de Adolf Hitler.

Qual a participação da espiritualidade e do mentor do reencarnante, no retorno do espírito à carne?
Resposta: Pelo que sabemos, mentores e amigos espirituais participam da elaboração de nossos planos reencarnatórios, ajudando-nos na escolha das prioridades que nos convêm programar segundo nossas possibilidades e limitações. Mais uma vez, recomendo a leitura de André Luiz para melhor entendimento de tais aspectos.

Na sua opinião, quais benefícios reais o espírito obtém com a reencarnação? Ele não poderia evoluir apenas na erraticidade?
Resposta:Sobre o objetivo da encarnação, leia a Questão 132, de O Livro dos Espíritos. Quanto ao progresso na erraticidade, diz a Questão 230: "(O Espírito) pode melhorar-se muito (na erraticidade) tais sejam o desejo que tenha de consegui-lo. Todavia, na existência corporal é que põe em prática as idéia que adquiriu." Veja, ainda, a Questão 330 a).:
" Então, a reencarnação é uma necessidade da vida espírita, como a morte o é da vida espiritual?
Reposta: Certamente; assim é."

Allan Kardec, em A Gênese, postula que a consciência espiritual vai diminuindo com a proximidade do parto, sendo que no nascimento o espírito estaria completamente inconsciente. No seu livro "Nossos filhos são Espíritos", o Sr. transcreve narrativas, obtidas através de regressão, que algumas pessoas fazem sobre a situação na hora do nascimento. Como conciliar estas duas informações?
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Resposta: É pertinente a observação da leitora (ou leitor). No texto que escreveu para A Gênese, Kardec refere-se ao estado de perturbação do espírito a partir do momento em que é "apanhado pelo laço fluídico" que o prende ao corpo físico em início de formação. Prossegue o Codificador, declarando que esse estado de perturbação intensifica-se durante a gestação, "perdendo o Espírito, nos últimos momentos (quando começam os trabalhos de parto) toda a consciência de si próprio, de sorte que jamais presencia o seu nascimento. Quando a criança respira, começa o Espírito a recobrar as faculdades, que se desenvolvem à proporção que se formam e consolidam os órgãos que lhe hão de servir às manifestações." Na Questão 380, os Espíritos se haviam manifestado de modo semelhante, ao dizerem que "A perturbação que o ato da encarnação produz no Espírito não cessa de súbito, por ocasião do nascimento. Só gradualmente se dissipa, com o desenvolvimento dos órgãos."De qualquer modo, as técnicas regressivas e as regressões espontâneas da memória não confirmam generalizado estado de perturbação na entidade reencarnante, ao mesmo tempo em que demonstram nela perfeita consciência de si mesma durante a gravidez e no momento do parto. Alguma modalidade de consciência, portanto, está funcionando nessas fases.