"Aí
do mundo por causa dos escândalos." - Mateus, (cap.XVIII, v. 7)
Tudo
aquilo quanto violente o equilíbrio, o estabelecido, constitui um escândalo,
uma irreverência atentatória contra a ordem. Como consequência,
os efeitos do ato danoso produzem ressonância, desarmonizandoo indivíduo
e, com ele, o grupo social, no qual se encontra situado.
Por
constituir um desequilíbrio daquele que o pratica, o escândalo,
sob o ponto de vista da psicologia profunda, é manifestação
da sombra que permanece em vertiginosa expansão no ser humano, gerando
vícios e hábitos mórbidos que levam a desaires profundamente
perturbadores, já que terminam por afetar aqueles que lhe compartem a
convivência, a afetividade.
Invariavelmente,
nesse caso, é de natureza íntima e ninguém toma conhecimento,
porque permanece agindo no lado escuro da personalidade, fomentando distúrbios
emocionais e comportamentais de variado porte, que se transformam em conflitos
de consciência quando defrontados com o ético, o social e o espiritual.
Quase
sempre o indivíduo mergulhado na sombra, de que tem dificuldade de se
libertar, disfarça as imperfeições projetando a imagem
irreal de um comportamento que está longe de possuir, mas que se torna,
não raro, severo para com os demais e muito tolerante para com os próprios
erros.
Estabelecida essa transferência psicológica de conduta,
passa a viver em torvelinho de paixões e tormento aflições
que procura disfarçar com habilidade.
O lamento do Homem-Jesus sobre o escândalo é portador de uma invulgar
energia nos Seus discursos, convidando a atitudes que seriam absurdas se consideradas
na letra neotestamentária, que conclama à eliminação
do órgão por intermédio do qual se processa o escândalo,
antes que despertar na Vida além do corpo com o seu modelo perispiritual
degenerado. Isto porque, todas as construções mentais do Espírito,
antes de atingirem o corpo e o induzirem à ação de qualquer
procedência, são decodificadas pelo agente intermediário,
que se encarrega de impulsionar a forma física na execução
do propósito psíquico.
Assim sendo, compreensivelmente a matéria não é responsável
pelas ações a que vai induzida. Razão porque fortaleza
e fraqueza de caráter, de vontade, de ação, pertencem ao
Espírito e não ao corpo, que sempre reflete a origem de onde procedem.
É inevitável a ocorrência de fenômenos perturbadores
e infelizes, considerando-se o estágio em que se demoram as criaturas
humanas, a sua anterioridade de conduta, os hábitos a que se encontram
vinculadas. Todavia, quando alguém se ergue para censurar e condenar
sem autoridade moral para o fato, também produz escândalo, por
esconder a deficiência e desforçar-se naquele em quem projeta a
inferioridade que gostaria de eliminar.
Nessa proposta encontra-se embutido também o dever que a todos cumpre,
que é respeitar as decisões e ações do seu próximo,
porquanto, quem se levanta para impedir o processo de desenvolvimento de outrem,
seja por qual motivo for, realiza um escândalo de agressão ao seu
livre arbítrio, envolvendo-o na sua sombra, de que não se consegue
libertar. Esse é o sentido revolucionário da palavra de Jesus,
em torno da necessidade de auto-iluminação para se arrancar o
órgão escandaloso: língua, braço, mão, pé...
Erradicar na sua origem a onda vibratória que vai acionar o órgão,
eis o esforço que deve ser empreendido, de forma que seja eliminada a
causa geradora da futura ação malévola, de modo que o indivíduo
se harmonize, mudando a linha direcional das aspirações e dos
compromissos aos quais se vincula. Inevitavelmente se tornam necessários
os escândalos no mundo, porque constituem advertências para a observância
dos bons princípios, porquanto se assim não fora, dificilmente
se poderia aquilatar os males que produzem os instintos agressivos, os comportamentos
destrutivos, invitando às mais audaciosas conquistas morais.
Para que os escândalos se tornem conhecidos, as criaturas se lhes tornam
intermediárias, e é a essas que Jesus lamenta com severidade,
porquanto estão escrevendo o capítulo obscuro do seu porvir, no
qual defrontarão os frutos apodrecidos das atitudes anteriores que ora
lhes exigem recuperação. Como é sempre mais difícil
reeducar, reparar e refazer, o discurso de advertência tem cabida, ajudando
o indivíduo a poupar-se, mesmo que com austeridade, de muitos prazeres
que são de natureza primária e perversa, do que os fruir e passar
a viver sob o açodar da consciência intranqüila e do coração
angustiado.
Quando o indivíduo escandaliza, prescreve para si mesmo consequências
lamentáveis, sendo conduzido a percorrer o caminho de volta com aqueles
a quem feriu, ou enfrentando os acidentes morais que foram deixados no transcurso
dos seus atos. E' necessário, por enquanto, a ocorrência do escândalo
e das suas sequelas morais e espirituais, porque, dessa maneira, as criaturas
passam a considerar a profundidade do significado existencial, que é
todo elaborado em compromissos de dignificação e de engrandecimento
moral.
Um campo não lavrado se torna pasto de miasmas ou de morte, área
desértica, selvagem ou pantanosa, aguardando o arado e o dreno, conforme
for o espaço de que se disponha para semear e cultivar. As afeições
agressivas e conflituosas no lar ou fora dele resultam das ações
escandalosas do passado, ora de retorno, a fim de que se reabilitem aqueles
que geraram as dificuldades, provando o pão amargo do seu vício
e da sua insensatez.
A única maneira de construir-se o futuro ditoso é extirpar dos
sentimentos o egoísmo, esse grande responsável pelos males que
se multiplicam em toda parte, substituindo-o pelo seu antagonista, que é
o altruísmo, gerador de bênçãos e estimulante para
o crescimento moral daquele que o cultiva.
Na conduta de sombra espessa do passado, muitos místicos, atormentados
pelo masoquismo, levaram a severa proposta de Jesus ao pé da letra, procurando
amputar os órgãos que provocaram anteriormente danos ao próximo,
esquecidos de que esses prejuízos são sempre de natureza moral,
permanecendo insculpidos naqueles que os operam.
Essa necessidade de sofrimento, de castração, de amputação,
está superada pela razão, pelo discernimento, que demonstram as
excelentes oportunidades que se podem fruir utilizando-os de forma positiva
e edificante, face às necessidades de toda natureza que são encontradas
amiúde aguardando socorro e orientação.
Qual a utilidade de amputar-se a mão que esbofeteou, quando ela não
pode recuperar moralmente aquele que foi ultrajado? E como amputar o pensamento
vil, senão através da disciplina que cultiva aspirações
enobrecedoras e induz a condutas de liberdade? Os vícios, que são
heranças do primarismo ancestral do ser, necessitam de correção
mediante o esforço empreendido para a aquisição de novos
costumes, aqueles que são saudáveis e contribuem para o bem-estar.
Seria um absurdo, num homem de excelente lucidez, arrancar-se um olho porque
é instrumento da inveja daquilo que observa, sendo que é no Espírito
que se encontra a mazela, a inferioridade moral, a ambição desmedida
de possuir o que noutrem percebe. Extirpar o órgão, de forma alguma
altera o sentido mental do comportamento, enquanto que necessário é
corrigir a óptica emocional para tudo visualizar com alegria e gratidão
a Deus, eis a forma mais exequível para a superação das
dificuldades enraizadas no ego discriminador.
As alegorias do Mestre demonstram a Sua profunda sabedoria de esconder na letra
que mata, o espírito que vivifica, porque os Seus eram ensinamentos para
todos os períodos e tempos da Humanidade, não somente para uma
fase do processo evolutivo do ser humano e do planeta terrestre. Penetrando
nos arcanos do futuro, Ele podia perscrutar a sua essencialidade e cultura,
deixando desde então exarados os códigos de respeito pela vida
e de integração na Consciência Cósmica.
A visão da unicidade das existências, em uma psicologia superficial,
torna absurda a lição do Mestre a respeito dos escândalos,
bem como outras de notável atualidade, se confrontadas com a doutrina
dos renascimentos corporais, que contém a sementeira dos atos e a sua
colheita, a realização em uma etapa e o seu reencontro em outra,
constituindo o método educativo e salutar para o desenvolvimento de todos
os valores éticos que jazem adormecidos no ser profundo, aguardando os
fatores propiciatórios ao seu desenvolvimento.
Enquanto o ser humano não se liberta dos prejuízos morais a que
se entrega, cabe o lamento do Mestre: -Ai do mundo por causa dos escândalos,
face aos infelizes efeitos que deles decorrem.
Joanna
de Ângelis/Divaldo Franco
Do Livro: Jesus e o Evangelho