O pensamento
O pensamento é criador. Assim como o pensamento do Eterno
projeta sem cessar no espaço os germens dos seres e dos mundos, assim também o
do escritor, do orador, do poeta, do artista, faz brotar incessante
florescência de idéias, de obras, de concepções, que vão influenciar,
impressionar para o bem ou para o mal, segundo sua natureza, a multidão humana.
É por isso que a missão dos obreiros do pensamento é ao
mesmo tempo grande, temível e sagrada; é grande e sagrada porque o pensamento
dissipa as sombras do caminho, resolve os enigmas da vida e traça o caminho da
humanidade; é a sua chama que aquece as almas e ilumina os desertos da
existência; e é temível porque seus efeitos são poderosos tanto para a descida
como para a ascensão.
Mais cedo ou mais tarde todo produto do Espírito
reverte para seu autor com suas conseqüências, acarretando-lhe,segundo o caso,
o sofrimento, a diminuição, a privação da liberdade, ou então as satisfações
íntimas, a dilatação, a elevação do ser.
A vida atual é, como se sabe, um simples episódio de
nossa longa história, um fragmento da grande cadeia que se desenrola para todos
através da imensidade. E constantemente recaem sobre nós, em brumas ou
claridades, os resultados de nossas obras. A alma humana percorre seu caminho
cercada de uma atmosfera brilhante ou turva, povoada pelas criações de seu
pensamento. É isso, na vida do Além, sua glória ou sua vergonha.
*
Para dar ao pensamento toda a força e amplitude, nada
há mais eficaz do que a investigação dos grandes problemas.
Por bem dizer, é preciso sentir com veemência; para
saborear as sensações elevadas e profundas é necessário remontar à nascente de
onde deriva toda a vida, toda a harmonia, toda a beleza.
O que há de nobre e elevado no domínio da inteligência
emana de uma causa eterna, viva e pensante. Quanto mais largo é o vôo do
pensamento para essa causa, tanto mais alto ele paira, tanto mais radiosas
também são as claridades entrevistas, mais inebriantes as alegrias sentidas,
mais poderosas as forças adquiridas, mais geniais as inspirações!
Depois de
cada vôo, o pensamento torna a descer vivificado, esclarecido para o campo
terrestre, a fim de prosseguir a tarefa pela qual continuará a desenvolver-se,
porque é o trabalho que faz a inteligência, como é a inteligência que faz a
beleza, o esplendor da obra acabada.
Eleva teu olhar, ó pensador, ó poeta! Lança teu brado
de apelo, de aspiração e prece! Diante do mar de reflexos variáveis, à vista de
brancos cimos longínquos ou do infinito estrelado, não passaste nunca horas de
êxtase e embriaguez, em que a alma se sente imersa num sonho divino, em que a
inspiração chega poderosa como um relâmpago, rápido mensageiro do Céu à Terra?
Escuta bem! Nunca ouviste, no fundo de teu ser,
vibrarem as harmonias estranhas e confusas, os rumores do mundo invisível, vozes
de sombra que te acalentam o pensamento e o preparam para as intuições
supremas?
Em todo poeta, artista ou escritor há germens de
mediunidade inconsciente, incalculáveis,e que desejam desabrochar; por eles o
obreiro do pensamento entra com o manancial inexorável e recebe sua parte de
revelação. Essa revelação de estética, apropriada à sua natureza, ao gênero de
seu talento, tem ele por missão exprimir em obras que farão penetrar na alma
das multidões uma vibração das forças divinas, uma radiação das verdades
eternas.
É na comunhão freqüente e consciente com o mundo dos
Espíritos que os gênios do futuro hão de encontrar os elementos de suas obras.
Desde hoje, a penetração dos segredos de sua dupla vida vem oferecer ao homem
socorros e luzes que as religiões desfalecidas já lhe não podem proporcionar.
Em todos os domínios, a idéia espírita vai fecundar o
pensamento em atividade.
A Ciência dever-lhe-á a renovação completa de suas
teorias e métodos, assim como a descoberta de forças incalculáveis e a conquista
do universo oculto.
A Filosofia
obterá um conhecimento mais extenso e preciso da personalidade humana. Esta, no
transe e na exteriorização, é como uma cripta que se abre, cheia de coisas
estranhas e onde está escondida a chave do mistério do ser.
As religiões do futuro hão de encontrar no Espiritismo
as provas da sobrevivência e as regras da vida no Além e, ao mesmo tempo, o
princípio de uma união das duas humanidades, visível e invisível, em sua
ascensão para o Pai comum.
A Arte, em todas as suas formas, descobrirá nele
mananciais inexauríveis de inspiração e emoção.
O homem do povo, nas horas de cansaço, beberá nele a
coragem moral. Compreenderá que a alma pode desenvolver-se tanto pela lide
humilde como pela obra majestosa e que não se deve desprezar dever algum; que a
inveja é irmã do ódio e que, muitas vezes, o ser é menos feliz no luxo que na
mediocridade.
O poderoso aprenderá nele a bondade com o sentimento da
solidariedade que a todos liga através de nossas vidas e pode obrigar-nos a
retornar pequenos para adquirirmos as virtudes modestas.
O céptico achará nele a fé; o desanimado as esperanças
duradouras e as resoluções viris; todos os que sofrem encontrarão a idéia profunda
de que uma lei de justiça preside a todas as coisas, de que não há, em nenhum
domínio, efeito sem causa, parto sem dor, vitória sem combate, triunfo sem
rudes esforços, mas que, acima de tudo, reina uma perfeita e majestosa sanção e
que ninguém está abandonado por Deus, do qual é uma parcela.
Assim, vagarosamente se operará a renovação da
humanidade, tão nova ainda, tão ignorante de si mesma, mas cujos desejos se
dirigem pouco a pouco para a compreensão de sua tarefa e de seu fim, ao mesmo
tempo em que se alarga seu campo de exploração e a perspectiva de um futuro
ilimitado. E, em breve, eis que ela avançará mais consciente de si mesma e de
sua força, consciente de seu magnífico destino. A cada passo que transpõe,
vendo e querendo mais, sentindo brilhar e avivar-se o foco que arde em si, vê
também as trevas recuarem, fundirem-se, resolverem-se os sombrios enigmas do
mundo e iluminar-se o caminho com um raio poderoso.
Com as sombras, desvanecem-se pouco a pouco os preconceitos,
os vãos terrores; as contradições aparentes do universo dissipam-se; faz-se a
harmonia nas almas e nas coisas. Então, a confiança e a alegria penetram-lhe e
o homem sente desenvolver-se-lhe o pensamento e o coração. E de novo avança
pelo caminho das idades para o termo de sua obra; mas esta não tem termo,
porque de cada vez que a humanidade se eleva para um novo ideal, julga ter
alcançado o ideal supremo, quando, na realidade, só atingiu a crença ou o
sistema correspondente ao seu grau de evolução.
Mas de cada vez, também, de
seus impulsos e de seus triunfos decorrem-lhe felicidades e forças novas, e ela
encontra a recompensa de seus labores e angústias no próprio labor, na alegria
de viver e progredir, que é a lei dos seres, comunhão mais íntima com o
universo, numa posse mais completa do bem e do belo.
*
Ó escritores, artistas, poetas, vós, cujo número aumenta
todos os dias, cujas produções se multiplicam e sobem como a maré, belas muitas
vezes pela forma, mas fracas no fundo, superficiais e materiais, quanto talento
não gastais com coisas medíocres! Quantos esforços desperdiçados e postos ao
serviço de paixões nocivas, de volúpias inferiores e interesses vis!
Quando vastos e magníficos horizontes se desdobram, quando
o livro maravilhoso do universo e da alma se abre de par em par diante de vós e
o gênio do pensamento vos convida para nobres tarefas, para obras cheias de
seiva, fecundas para o adiantamento da humanidade, vós vos comprazeis bastas
vezes com estudos pueris e estéreis, com trabalhos em que a consciência se estiola,
em que a inteligência se abate e definha no culto exagerado dos sentidos e dos
instintos impuros.
Quem de vós contará a epopéia da alma, lutando pela
conquista de seus destinos no ciclo imenso das idades e dos mundos, suas dores
e alegrias, suas quedas e levantamentos, a descida aos abismos da vida, o bater
de asas para a luz, as imolações, os holocaustos que são um resgate, as missões
redentoras, a participação cada vez maior das concepções divinas!
Quem dirá também as poderosas harmonias do universo, harpa
gigantesca vibrando ao pensamento de Deus, o canto dos mundos, o ritmo eterno
que embala a gênese dos astros e das humanidades! Ou então a lenta elaboração,
a dolorosa gestação da consciência através dos estádios inferiores, a
construção laboriosa de uma individualidade, de um ser moral!
Quem dirá a conquista da vida, cada vez mais completa,
mais ampla, mais serena, mais iluminada pelos raios do Alto, a marcha, de cimo
em cimo, em busca da felicidade, do poder e do puro amor? Quem cantará a obra
do homem, lutador imortal, erguendo, através de suas dúvidas, dilaceramentos,
angústias e lágrimas o edifício harmônico e sublime de sua personalidade
pensante e consciente? Sempre para frente, para mais longe e para mais alto!
Responderão: Não sabemos. E perguntam: Quem nos ensinará essas coisas?
Quem? As vozes interiores e as vozes do Além. Aprendei
a abrir, a folhear, a ler o livro oculto em vós, o livro das metamorfoses do
ser. Ele vos dirá o que fostes e o que sereis, ensinar-vos-á o maior dos
mistérios, a criação do “eu” pelo esforço constante, a ação soberana que, no
pensamento silencioso, faz germinar a obra e, segundo vossas aptidões, vosso
gênero de talento, far-vos-á pintar as telas mais encantadoras, esculpir as
mais ideais formas, compor as sinfonias mais harmoniosas, escrever as páginas
mais brilhantes, realizar os mais belos poemas.
Tudo está aí, em vós, em torno de vós. Tudo fala, tudo
vibra, o visível e o invisível, tudo canta e celebra a glória de viver, a ebriedade
de pensar, de criar, de associar-se à obra universal. Esplendores dos mares e
do céu estrelado, majestade dos cimos, perfumes das florestas, melodias da
Terra e do espaço, vozes do invisível que falam no silêncio da noite, vozes da
consciência, eco da voz divina, tudo é ensino e revelação para quem sabe ver,
escutar, compreender, pensar, agir!
Depois, acima de tudo, a visão suprema, a visão sem
formas, o pensamento incriado, verdade total, harmonia final das essências e
das leis que, desde o fundo de nosso ser até a estrela mais distante, liga tudo
e todos em sua unidade resplandecente. É a cadeia de vida, que se eleva e desenrola
no infinito, escada das potências espirituais que levam a Deus os apelos do
homem pela oração e trazem ao homem as respostas de Deus pela inspiração.
Agora, uma última pergunta. Por que é que, no meio do
imenso labor e da abundante produção intelectual que caracterizam nossa época,
se encontram tão poucas obras viris e concepções geniais? Porque deixamos de
ver as coisas divinas com os olhos da alma! Porque deixamos de crer e amar!
Remontemos, pois, às origens celestes e eternas; é o
único remédio para nossa anemia moral. Dirijamos o pensamento para as coisas
solenes e profundas. Ilumine-se e complete-se a Ciência com as intuições da
consciência e as faculdades superiores do espírito. O Espiritualismo moderno a auxiliará.