A
INTOLERÂNCIA
"E
João disse: Mestre, vimos um que em teu nome expulsava os demônios
e lho proibimos,porque não te segue conosco". "E Jesus lhe disse: Não
o proibais, porque quem não é contra nós é por nós. " (Lucas, 9:49-50)
A
intolerância sempre constituiu um dos grandes entraves na senda da evolução
humana.
No
campo da ciência ela foi a causa do retardamento de muitas descobertas,
pois, no passado, tudo aquilo que ultrapassava o limite acanhado do conhecimento
humano, era levado na conta de "engenho e arte do demônio".
No
setor do aculturamento ela foi responsável pelo marasmo e pelas trevas
que prevaleceram entre os homens durante muitos séculos, evitando que
eles, através do conhecimento da verdade, se libertassem do preconceito
e da superstição.
No
seio das religiões, a intolerância se fez sentir em todo o seu
aspecto negativo, sendo responsável por grande número de perseguições,
de torturas e de morte. Sempre que surgia na Terra um Espírito mais saliente
querendo impulsionar o esclarecimento espiritual do homem, ele era catalogado
como herege e como tal perseguido e até morto.
O
próprio Jesus Cristo foi vítima da intolerância dos seus
contemporâneos, por isso, para nos legar a sua mensagem de paz e de amor,
ele teve de enfrentar a fúria sanguinolenta de muitos fanáticos,
perecendo finalmente pendurado numa cruz, no alto do Calvário.
A
passagem evangélica que estamos enfocando, nos elucida sobre o pensamento
de Jesus Cristo sobre a intolerância: ele repreendeu severamente um dos
seus apóstolos pelo fato de ter proibido a uma pessoa que não
os acompanhava, de também expulsar maus Espíritos.
Enquanto
no cenário terreno as religiões se digladiam e fecham as portas
a qualquer gênero de entendimento, tudo por causa de ingênuas divergências
doutrinárias, o Mestre, cujos atos devem servir de paradigma para o nosso
proceder, declara enfaticamente a João:
"Quem
não é contra nós é por nós".
Os
discípulos de Jesus, impregnados dos prejuízos do arcaico sistema
religioso prevalecente entre os judeus, não haviam ainda se despojado
do tradicional e aberrante hábito de considerar heresia tudo aquilo que
não fosse referendado pela religião imperante. Vendo aquele homem
que expelia os maus Espíritos, João enchesse de zelo e, após
proibir o homem de praticar atos daquela natureza procurou apressadamente o
Mestre, a fim de denunciar aquilo que considerava um trabalho paralelo e autêntica
usurpação de poderes.
Agindo
daquele modo, o apóstolo julgava estar prestando inestimável serviço
à Boa Nova e, certamente, esperava o beneplácito do Mestre para
o seu ato de intolerância.
A
réplica, no entanto, foi adversa: "Não o proibais, por que,
quem não é contra nós é por nós".
O
Meigo Rabi da Galiléia deu assim inequívoca demonstração
de tolerância e é pena que o seu exemplo não tenha servido
decorrer dos séculos, de esteio para uma mais íntima aproximação
entre os vários agrupamentos cristãos, os quais, apesar de viver
sob o pálio de uma só doutrina, porfiam em se colocarem na mais
acesa intolerância, refratários a quaisquer concessões ou
gesto de aproximação.
No
Velho Testamento encontramos uma passagem quase idêntica:
Devido
ao abusivo costume reinante entre muitos médiuns, profetas judeus, de
invocarem Espíritos para consultá-los sobre coisas fúteis,
sem um objetivo mais sério, o médium-mor que era Moisés
vetou terminantemente que se continuasse esse intercâmbio, proibindo que
se invocassem os chamados mortos.
Muitos
médiuns sensatos existiam, no entanto, entre os judeus, e entre eles
dois rapazes sinceros, cujos nomes eram Eldad e Medad. Esses jovens estavam
no campo entrando em contato com Espíritos quando, passando por ali um
homem, apressou-se em denunciar o fato a Moisés, julgando assim estar
prestando valioso serviço ao Grande Legislador.
Conforme
narra o livro de Números, Cap. 11, V. 26 a 29, esse homem chegou todo
agitado perto do libertador dos hebreus e delatou:
"Senhor!
Eldad e Medad estão no campo profetizando!" Josué, o lugar-tenente
de Moisés, que ali estava ao lado asseverou:
"Senhor
Meu Moisés, proiba-lhos".
Mas
Moisés não se importunou, pois conhecia o caráter da Mediunidade
de Eldad e Medad e se limitou a responder a Josué:
"Tens
tu ciúmes de mim? Oxalá que todo o povo do Senhor fosse profeta,
que o Senhor lhe desse o seu Espírito."
Assim
como Jesus reconheceu que o homem que expelia os maus Espíritos em seu
nome, estava trabalhando pela mesma causa, embora em caminho diverso, Moisés
também suspirava pelo mediunismo sadio entre o seu povo, alegrando-se
com o fato de dois de seus patrícios estarem entrando em sintonia com
os Espíritos do Senhor, para fins edificantes.
Ambos
deram vibrante demonstração de tolerância e compenetração
dos reais objetivos que animam aqueles que desejam cooperar na tarefa comum
de entrelaçamento entre os homens, com vistas a uma mais estreita aproximação
com o Alto.
Afirmou
João em seu Evangelho que "a luz resplandece nas trevas, e as trevas
não a compreenderam" (João, 1:5).
Essa
passagem deixa entrever claramente que Jesus Cristo veio como autêntica
luz a iluminar o caminho dos homens, mas a intolerância destes fez com
que a sua mensagem fosse incompreendida, e as forças das trevas conseguiram
fazer com que largos anos de obscurantismo suplantassem a voz da verdade, retardando
a implantação dos ideais cristãos, da forma como foram
ensinados pelo Cristo, fundamentados sobre a pureza e a singeleza.
Nos
Evangelhos encontramos uma narrativa bastante elucidativa: Jesus Cristo não
foi recebido numa aldeia de Samaritanos. Os seus apóstolos, revoltados,
perguntaram-lhe:
"Queres
que façamos descer fogo do céu e os consuma, assim como o fez
Elias?". E a resposta do Mestre foi a seguinte: "Não sabeis
que espírito sois, porque o Filho do homem não veio para destruir
as almas dos homens, mas para salvá-las". E dirigiram-se para outra
aldeia.
Preferindo
dirigir-se para outra aldeia, em vez de concordar com a sugestão dos
apóstolos Tiago e João, de procurarem consumir o povo que não
os recebera, Jesus Cristo, mais uma vez, demonstrou que a tolerância deve
sempre nortear os rumos daqueles que se arrogam ao título de cristãos
verdadeiros.
Paulo
A. Godoy