a revolução cristã
Irmão X
Ouvindo variadas referências ao novo Reino, Tomé
impressionara-se, acreditando o povo judeu nas vésperas de formidável
renovação política. Indubitávelmente, Jesus seria o orientador supremo do
movimento a esboçar-se pacífico para terminar, com certeza, em choques
sanguinolentos. Não se reportava o Mestre, constantemente, à vontade do
Todo-Poderoso? Era inegável o advento da era nova. Legiões de anjos
desceriam provávelmente dos céus e pelejariam pela independência do povo
escolhido.
Justificando-lhe a expectativa, toda gente se agrupava, em
redor do Messias, registrando-lhe as promessas.
Estariam no limiar da Terra diferente, sem dominadores e
sem escravos.
Submetendo, certa noite, ao Cristo as impressões de que se
via possuído, d’Ele ouviu a confirmação esperada:
– Sem dúvida – explicou o Nazareno –, o Evangelho é
portador de gigantesca transformação do mundo. Destina-se à redenção das
massas anônimas e sofredoras. Reformará o caminho dos povos.
– Um movimento revolucionário! – acentuou Tomé, procurando
imprimir mais largo sentido político a definição.
– Sim – acrescentou o Profeta Divino –, não deixa de ser...
Entusiasmado, o discípulo recordou a belicosidade da raça,
desde os padecimentos no deserto, a capacidade de resistência que
assinalava a marcha dos israelitas, a começar de Moisés, e indagou sem
rebuços:
– Senhor, confiar-me-ás, porventura, o plano central do
empreendimento?
Dirigiu-lhe Jesus significativo olhar e observou:
– Amanhã, muito cedo, iremos ambos ao monte, marginando as
águas. Teremos talvez mais tempo para explicações necessárias.
Intrigado, o apostolo aguardou o dia seguinte e, buscando
ansioso a companhia do Senhor, muito antes do sol nascente, em casa de
Simão Pedro, com surpresa encontrou-o à espera dele, a fim de jornadearem
sem detenha.
Não deram muitos passos e encontraram pobre pescador
embriagado a estirar-se na via pública. O Messias parou e acercou-se do
mísero, socorrendo-o.
– Que é isto? – clamou Tomé, enfadado – este velho diabo e
Jonas, borracho renitente. Para que ajudá-lo? Amanhã, estará deitado aqui
ás mesmas horas e nas mesmas condições.
O Companheiro Celeste, todavia, não lhe aceitou o conselho
e redargüiu:
– Não te sinto acertado nas alegações. Ignoras o princípio
da experiência de Jonas. Não sabes por que fraqueza se rendeu ele ao
vicio. É enfermo do espírito, em estado grave: seus sofrimentos se agravam
à medida que mergulha no lamaçal. Realmente vive reincidindo na falta.
Entretanto, não consideras razoável que o serviço de escorro exige também
o ato de começar?
O aprendiz não respondeu, limitando-se a cooperar na
condução do bêbado para lugar seguro, onde caridoso amigo se dispôs a
fornecer-lhe lume e pão.
Retomavam a caminhada, quando pobre mulher, a toda pressa,
veio implorar ao Messias lhe visitasse a filhinha em febre alta.
Acompanhado pelo discípulo, o Salvador orou, ao lado da
pequenina confiante, abençoou-a e restituiu-lhe a tranqüilidade ao corpo.
Iam saindo de Cafarnaum, mas foram abordados por três
senhoras de aspecto humilde que desejavam instruções da Boa-Nova para os
filhinhos. O Cristo não se fez rogado. Prestou esclarecimentos simples e
concisos.
Ainda não havia concluído aquele curso rápido de Evangelho
e Jafé, o cortador de madeira, veio resfolegante suplicar-lhe a presença
no lar, porque um filho estava morto e a mulher enlouquecera.
O Emissário de Deus seguiu-o sem pestanejar, à frente de
Tomé silencioso. Reconfortou a mãezinha desvairada, devolvendo-a ao
equilíbrio e ensinou à casa perturbada que a morte, no fundo, era a
vitória da vida.
O serviço da manhã absorvera-lhes o tempo e, assim que se
puseram a caminho, em definitivo, eis que uma anciã semi-paralítica pede o
amparo do Amigo Celestial. Trazia a perna horrivelmente ulcerada e
dispunha apenas de uma das mãos.
O messias acolhe-a, bondoso. Solicita o concurso do
apóstolo e condu-la a sítio vizinho, onde lhe lava as feridas e deixa-a
convenientemente asilada.
Prosseguindo viagem para o monte, mestre e discípulo foram
constrangidos a atender mais de cinqüenta casos difíceis, lenindo o
sofrimento, semeando o bom ânimo, suprimindo a ignorância e espalhando
lições de esperança e iluminação. Sempre rodeados de cegos e loucos,
leprosos e aleijados, doentes e aflitos, mal tiveram tempo de fazer
ligeiro repasto de pão e legumes.
Quando atingiram o objetivo, anoitecera de todo. Estrelas
brilhavam distantes. Achavam-se exaustos.
Tomé, que mostrava os pés sangrentos, enxugou o suor
copioso e rendeu graças a Deus pela possibilidade de algum descanso. A
fadiga, porém, não lhe subtraíra, a curiosidade. Erguendo para o Cristo
olhar indagador, inquiriu :
– Senhor, dar-me-ás agora a chave da conspiração
libertadora?
O divino interpelado esclareceu, sem vacilações :
– Tomé, os homens deviam entediar-se de revoltas e guerras
que começam de fora, espalhando ruína e ódio, crueldade e desespero. Nossa
iniciativa redentora verifica-se de dentro para fora. Já nos achamos em
plena revolução evangélica e o dia de hoje, com os abençoados deveres que
nos trouxe, representa segura resposta à indagação que formulaste.
Enquanto houver preponderância do mal, a traduzir-se em aflições e trevas,
no caminho dos homens, combateremos em favor do triunfo supremo do bem.
E, ante o discípulo desapontado, concluiu :
– A ordem para nós não é de matar para renovar, mas, sim,
de servir para melhorar e elevar sempre.
Tomé passou a refletir maduramente e nada mais perguntou.
Livro “Luz Acima”. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.