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Comentário do Espírito de Miramez :
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Revista Espírita de 1859 - Janeiro - O Duende de Bayonne
Em
nosso número passado dissemos algumas palavras relativamente a essa
estranha manifestação. As informações nos haviam sido dadas muito
sucintamente e de viva voz por um de nossos assinantes, amigo da família
onde ocorreram aqueles fatos. Tinha ele prometido detalhes mais
circunstanciados e devemos à sua colaboração a disponibilização das
cartas que contêm referências detalhadas dos fatos.
A
família reside perto de Bayonne e as cartas foram escritas pela própria
mãe da menina, uma criança de dez anos, a seu filho que mora em
Bordeaux, pondo-o ao corrente do que se passava em casa. Este último
teve o trabalho de transcrevê-las para nós, a fim de que se lhes não
pudesse contestar a autenticidade. Por essa gentileza nós lhe somos
infinitamente reconhecidos.
Compreende-se
a reserva com que cercamos os nomes das pessoas, reserva que para nós é
sempre uma lei a observar, a não ser que recebamos autorização formal.
Nem todos gostam de atrair multidões de curiosos. Àqueles para quem tal
reserva constitui motivo de suspeitas diremos que é necessário
estabelecer uma diferença entre um jornal eminentemente sério e os que
apenas visam distrair o público. Nosso objetivo não é contar casos para
encher páginas, mas iluminar a Ciência. Se fôssemos enganados,
sê-lo-íamos de boa-fé. Quando aos nossos olhos uma coisa não é
formalmente demonstrada, damo-la apenas a título de registro. Já o mesmo
não se dá quando se trata de pessoas respeitáveis, cuja honorabilidade
conhecemos e que, longe de ter interesse em induzir-nos em erro, também
querem instruir-se.
A primeira carta é a do filho ao nosso assinante, enviando-lhe as cartas de sua mãe.
“Saint-Esprit, 20 de novembro de 1858.
“Meu caro amigo,
“Chamado
para junto de minha família por motivo da morte de um de meus irmãos
menores, que Deus houve por bem tirar-nos, esta circunstância,
afastando-me por algum tempo de minha casa, é o motivo do atraso de
minha resposta. Ficaria muito triste se vos fizesse passar por um
contador de histórias junto ao Sr. Allan Kardec, por isso quero dar-vos
alguns pormenores sumários sobre as coisas que se passam em minha
família. Penso que já vos disse que as aparições cessaram há algum tempo
e não mais se manifestam à minha irmã. Aí vão as cartas que a respeito
me escreveu minha mãe. Devo observar que muitos dos fatos foram
omitidos, embora não sejam os menos interessantes. Escreverei novamente
para completar a história, caso não o possais fazer recordando-vos
daquilo que vos disse de viva voz.”
23 de abril de 1855.
Há
cerca de três meses, uma tarde, tua irmã X teve necessidade de sair
para fazer uma compra. Como sabes, o corredor da casa é longo e nunca
iluminado; mas o velho hábito que temos de percorrê-lo sem luz faz com
que jamais tropecemos nos degraus da escada. X já nos havia dito que
cada vez que saía ouvia uma voz a lhe dizer coisas que a princípio não
compreendia, mas que depois se tornaram inteligíveis. Algum tempo depois
ela viu uma sombra e, no trajeto, não cessava de ouvir a mesma voz. As
palavras ditas por esse ser invisível tendiam sempre a tranquilizá-la e a
lhe dar sábios conselhos. Uma boa moral constituía a essência de tais
palavras. X ficava muito perturbada e, segundo nos disse, por vezes não
tinha forças para prosseguir. “Criança”, dizia-lhe o invisível cada vez
que ela se perturbava, “nada temas, pois quero apenas o teu bem.”
Ensinou-lhe um lugar onde por vários dias ela encontrou algumas moedas;
de outras vezes nada encontrou. X conformou-se com a recomendação que
lhe foi dada, e durante muito tempo ou encontrava dinheiro ou alguns
brinquedos que verás. Certamente esses presentes lhe eram dados com o
fito de encorajá-la. Não eras esquecido na conversa desse ser. Muitas
vezes ele falava de ti e nos dava as tuas notícias por intermédio de tua
irmã. Várias vezes ele nos pôs a par do que fazias à noite. Viu-te a
ler em teu quarto; outras vezes nos disse que os teus amigos estavam
reunidos em tua casa; enfim ele nos acalmava, sempre que a preguiça te
impedia de nos escrever.
De
algum tempo para cá, X tem contatos quase que contínuos com o
invisível. Durante o dia ela nada vê. Ouve sempre a mesma voz que lhe
dirige palavras sensatas, não cessando de estimulá-la ao trabalho e ao
amor a Deus. À noite ela vê, na direção de onde parte a voz, uma luz
rósea que não ilumina, mas que, em sua opinião, poderia ser comparada ao
faiscar de um diamante na sombra. Agora ela perdeu o medo
completamente. Se lhe manifesto dúvidas, diz-me: “Mamãe, é um anjo que
me fala; e se, para te convenceres, te armares de coragem, ele me pede
para dizer-te que esta noite fará com que te levantes. Se te falar,
deverás responder. Vai ao lugar que ele te indicar; verás alguém em tua
frente, mas não temas.” Eu não quis pôr à prova a minha coragem. Tive
medo e a impressão que me ficou impediu-me de dormir. Muitas vezes, à
noite, parecia-me ouvir um sopro à cabeceira de meu leito. As cadeiras
moviam-se sem que ninguém as tocasse. Depois de algum tempo meus
terrores desapareceram completamente e eu lamento muito não ter me
submetido à prova que me fora proposta para ter ligações diretas com o
invisível e também para não ter que lutar continuamente contra as
dúvidas.
Aconselhei X a interrogar o invisível quanto à sua natureza.
Eis a conversa de ambos:
X. ─ Quem és tu?
Inv. ─ Sou teu irmão Eliseu.
X. ─ Meu irmão morreu há doze anos.
Inv.
─ É verdade. Teu irmão morreu há doze anos, mas havia nele, como há em
todos os seres, uma alma que não morre e que neste mesmo instante se
acha em tua presença, te ama e protege a todos.
X. ─ Gostaria de ver-te.
Inv. ─ Estou à tua frente.
X. ─ Contudo nada vejo.
Inv. ─ Tomarei uma forma visível para ti. Depois da cerimônia religiosa descerás; então tu me verás e eu te abraçarei.
X. ─ Mamãe também gostaria de conhecer-te.
Inv.
─ Tua mãe é minha mãe. Ela me conhece. Preferiria manifestar-me a ela
do que a ti. Esse era o meu dever, mas não me posso mostrar a muitas
pessoas, pois Deus não o permite. Lamento que mamãe não tenha tido
coragem. Prometo dar-te provas de minha existência, e então
desaparecerão todas as dúvidas.
À
tarde, à hora marcada, X foi à porta do templo. Um rapaz apresentou-se a
ele e disse: “Eu sou o teu irmão. Disseste que me querias ver. Estás
satisfeita? Abraça-me, porque não posso conservar por muito tempo a
forma que tomei.”
Como
bem compreendes, a presença desse ser deveria ter espantado X a ponto
de impedi-la de fazer qualquer observação. Assim que a abraçou, ele
desapareceu no ar.
Na manhã seguinte, aproveitando o momento em que X deveria sair, o invisível se manifestou novamente e lhe disse:
“Deverias
ter ficado muito surpreendida com o meu desaparecimento. Pois bem, eu
te quero ensinar a elevar-te nos ares, para que me possas acompanhar.”
Qualquer outra que não X teria ficado com medo de tal proposta. Ela,
porém, aceitou-a com entusiasmo e logo sentiu que se elevava como uma
andorinha. Em pouco tempo chegou a um lugar onde havia uma multidão
considerável. Segundo nos contou, viu ouro, diamantes e tudo quanto na
Terra satisfaz a nossa imaginação. Ninguém considerava essas coisas mais
do que nós consideramos as pedras das calçadas por onde andamos.
Reconheceu várias crianças de sua idade que moravam na nossa rua e que
faleceram há muito tempo. Num apartamento ricamente decorado, onde não
havia ninguém, o que mais lhe chamou a atenção foi uma grande mesa na
qual, de espaço a espaço, havia um papel. Diante de cada papel havia um
tinteiro. Ela via as penas molharem-se por si sós e traçarem caracteres
sem que qualquer mão as movesse.
Quando
voltou, censurei-a por se ter ausentado sem minha autorização e a
proibi expressamente de retomar tais excursões. O invisível lhe
manifestou pesar por me haver contrariado e lhe prometeu formalmente
que, de então em diante, não a convidaria mais para ausentar-se sem que
eu fosse avisada.
26 de abril.
O
invisível transformou-se aos olhos de X. Tomou tua forma tão bem que
tua irmã pensou que estivesses na sala. Para certificar-se, ela lhe
pediu que tomasse sua forma primitiva. Pois assim que desapareceste,
foste substituído por mim. Seu espanto foi grande: perguntou como eu me
achava ali, sendo que que a porta do salão estava fechada a chave. Então
ocorreu uma nova transformação: ele tomou a forma do irmão morto e
disse a X: “Tua mãe e todos os membros da família não veem sem espanto e
mesmo sem um certo receio todos os fatos que se realizam por minha
intervenção. Meu desejo não é amedrontar; contudo, quero provar minha
existência e te pôr ao abrigo da incredulidade de todos, pois que
poderiam tomar como mentira tua o que seria da parte deles uma
obstinação em não se renderem à evidência. A senhora C. é lojista; sabes
que é preciso comprar botões; iremos ambos comprá-los. Eu me
transformarei em teu irmãozinho (ele tinha então nove anos) e quando
voltares para casa pedirás à mamãe que mande perguntar à senhora C. quem
estava contigo no momento em que os botões foram comprados.” X observou
as instruções. Eu mandei perguntar à senhora C. e ela respondeu que tua
irmã estava com teu irmão, a quem muito elogiou, dizendo que, em sua
idade, ninguém poderia pensar que tivesse respostas tão fáceis e,
sobretudo, tão pouca timidez. É bom que saibas que o pequeno estava no
colégio desde cedo e que só voltaria às sete horas. Além disso, é muito
tímido e não tem aquela facilidade que lhe querem atribuir. É muito
curioso, não achas? Creio que a mão de Deus não é estranha a essas
coisas inexplicáveis.
7 de maio de 1855.
Não
sou mais crédula do que se deve ser e não me deixo dominar por ideias
supersticiosas. Contudo não posso recusar-me a crer em fatos que se
realizam sob minhas vistas. Eram-me necessárias provas muito evidentes
para não mais infligir à tua irmã os castigos que lhe dava, às vezes com
pesar, receando que nos quisesse ludibriar e abusar de nossa confiança.
Ontem,
por volta das cinco horas, o invisível disse a X: “É provável que a
mamãe te mande a algum lugar, para dar um recado. No caminho serás
agradavelmente surpreendida pela chegada da família de teu tio”.
Imediatamente X me transmitiu o que o invisível lhe havia dito. Eu
estava longe de esperar tal visita e fiquei ainda mais surpresa por
ficar sabendo dessa maneira. Tua irmã saiu e as primeiras pessoas que
encontrou foram realmente meu irmão, sua mulher e seus filhos, que nos
vinham ver. X apressou-se em dizer que eu tinha uma prova a mais da
veracidade de tudo quanto ela me dizia.
10 de maio de 1855.
Hoje
não posso mais duvidar de que algo de extraordinário acontece em casa.
Vejo sem medo se realizarem todos esses fatos singulares, dos quais,
entretanto, não posso extrair nenhum ensinamento, porque esses mistérios
me são inexplicáveis.
Ontem,
depois de ter arrumado toda a casa, e sabes que é uma coisa a que ligo
especial atenção, o invisível disse a X que, a despeito das provas que
havia dado de sua intervenção em todos os fatos curiosos que te contei,
eu ainda tinha dúvidas que ele queria eliminar por completo. Sem que se
tivesse ouvido qualquer ruído, um minuto foi bastante para pôr os
quartos em completa desordem. Uma substância vermelha, que acredito
fosse sangue, tinha sido derramada no soalho. Se tivessem sido apenas
algumas gotas, eu teria pensado que X se tivesse cortado ou sangrado
pelo nariz; mas fica sabendo que o soalho ficou inundado. Esta prova
esquisita deu-nos um trabalho considerável para restituir ao piso do
salão o seu primitivo brilho.
Antes de abrir as cartas que nos escreves, X conhece o conteúdo. É o invisível quem lho transmite.
16 de maio de 1855.
X
não aceitou uma observação que a irmã lhe fez, não sei a propósito de
quê. Deu uma resposta inconveniente e teve a merecida reprimenda.
Castiguei-a e ela foi deitar-se sem jantar. Antes de dormir ela tem o
hábito de rezar a Deus. Essa noite ela esqueceu. Mas alguns instantes
depois de deitada o invisível lhe apareceu. Exibiu-lhe um castiçal e um
livro de orações semelhante ao que ela habitualmente usava, e lhe disse
que, apesar da punição que ela merecera, não devia esquecer-se de
cumprir sua obrigação. Então ela se levantou, fez o que ele ordenara e
tudo desapareceu quando a prece terminou.
Na
manhã seguinte, depois de me haver abraçado, X me perguntou se o
castiçal que se achava sobre a mesa no andar superior do seu quarto
tinha sido retirado. Ora, esse castiçal, semelhante ao que lhe havia
sido apresentado na véspera, não tinha mudado de lugar, assim como o seu
livro de preces.
4 de junho de 1855.
De
algum tempo para cá nenhum fato digno de menção ocorreu, a não ser o
seguinte: Eu estava resfriada nestes últimos dias; anteontem todas as
tuas irmãs estavam ocupadas e eu não dispunha de ninguém para mandar
comprar um unguento. Disse a X que quando ela tivesse
acabado a sua tarefa seria bom ir à farmácia mais próxima comprar-me
alguma coisa. Ela esqueceu minha recomendação e eu mesma não pensei mais
no caso. Tenho certeza de que ela não saiu, nem deixou o trabalho senão
para ir buscar uma sopeira de que necessitávamos. Com grande surpresa,
ao abri-la encontramos um pacote de balas de cevada que o invisível
tinha trazido, para poupar uma caminhada e também para satisfazer um
desejo meu, que havia sido olvidado.
Evocamos
esse Espírito numa das sessões da Sociedade e lhe dirigimos as
perguntas abaixo. O Sr. Adrien o viu com a fisionomia de um menino de 10
a 12 anos: bela cabeça, cabelos negros e ondulados, olhos negros e
vivos, pálido, lábios irônicos, caráter leviano, mas bondoso. O Espírito
disse ignorar por que o evocavam.
Nosso
correspondente estava presente à sessão e disse que seus traços
correspondem perfeitamente aos que a menina lhe descreveu em várias
circunstâncias.
1
─ Ouvimos contar a história de tuas manifestações numa família de
Bayonne e, a tal respeito, gostaríamos de fazer-te algumas perguntas.
─ Façam e eu responderei. Mas façam rapidamente, pois tenho pressa de ir embora.
2 ─ Onde apanhaste o dinheiro que davas à tua irmã?
─
Tirei do bolso dos outros. Os senhores compreendem que eu não me iria
divertir em cunhar moedas. Pego daqueles que podem dá-las.
3 ─ Por que te ligaste àquela menina?
─ Por grande simpatia.
4 ─ É certo que foste seu irmão, falecido aos quatro anos?
─ Sim.
5 ─ Por que és visível para ela e não para tua mãe?
─
Minha mãe deve estar impedida de ver-me, mas minha irmã não necessita
de punição. Aliás foi por concessão especial que lhe apareci.
6 ─ Poderias explicar como, à vontade, te tornas visível ou invisível?
─ Não sou suficientemente elevado e estou muito preocupado com o que me atrai, para que possa responder a tal pergunta.
7 ─ Se quisesses poderias aparecer em nosso meio, assim como te mostraste à dona da loja?
─ Não.
8 ─ Nesse estado serias sensível à dor, se apanhasses?
─ Não.
9 ─ Que aconteceria se a dona da loja te houvesse batido?
─ Teria batido no vácuo.
10─ Sob que nome podemos te designar, quando falarmos de ti?
─ Podem chamar-me de Duende, se quiserem. Mas deixem-me ir; é preciso que eu vá.
11 ─ (A São Luís). Seria útil termos às nossas ordens um Espírito assim?
─ Muitas vezes os tendes junto a vós, a vos assistir sem que o suspeiteis.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O DUENDE DE BAYONNE
Se
compararmos estes fatos com os de Bergzabern, dos quais os nossos
leitores não perderam a lembrança, veremos uma diferença capital. O de
Bergzabern era mais que um Espírito batedor; era ─ e ainda é neste
momento ─ um Espírito perturbador, na exata acepção do vocábulo. Sem
fazer mal, é um hóspede muito incômodo e muito desagradável, sobre o
qual voltaremos a falar em nosso próximo número, à vista de novas e
recentes proezas. Ao contrário, o de Bayonne é eminentemente benévolo e
prestativo; é o tipo desses bons Espíritos serviçais, cujos feitos nos
são transmitidos pelas lendas alemãs, nova prova de que nas histórias
lendárias pode haver um fundo de verdade. Aliás, é de convir que a
imaginação dependeria de pouco esforço para colocar estes fatos no plano
de uma lenda e que poderiam ser tomados como uma história medieval, se
não se tivessem passado, por assim dizer, sob nossos olhos.
Um
dos traços mais notáveis do Espírito a quem demos o nome de Duende de
Bayonne são as suas transformações. Que dirão agora da fábula de Proteu[1]?
Entre o de Bayonne e o de Bergzabern há ainda a diferença de que este
último só se mostrou em sonhos, enquanto que o nosso diabrete se tornava
visível e tangível como uma pessoa real, não só para a irmã como para
estranhos; testemunha-o a compra de botões na lojista. Por que não se
mostrava a todos e a toda hora? Eis o que ignoramos. Parece que não tem
tal poder e mesmo que não podia permanecer muito tempo em tal estado.
Talvez para isso fosse necessário um trabalho íntimo, um poder da
vontade superior às suas forças.
Novos detalhes prometidos sobre esses estranhos fenômenos permitirão que voltemos ao assunto.
[1]
Deus marinho grego. Era filho de Poseidon (Netuno) e da deusa Fenícia;
predizia o futuro e guardava os cardumes marinhos de Anfitrite, a deusa
do mar. Morava numa ilha do Egito e podia tomar múltiplas formas, a fim
de subtrair-se à curiosidade daqueles que pretendiam que lhes revelasse o
futuro. (N. do T.)
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Livro : O que é o espiritismo? Cap. III
158. Qual, na vida futura, a sorte das crianças que morrem em tenra idade?
Esta
questão é uma das que melhor provam a justiça e a necessidade da
pluralidade das existências. Uma alma que só tiver vivido alguns
instantes, sem fazer nem bem nem mal, não pode merecer prêmio nem
castigo, pois, segundo a máxima do Cristo — cada um é punido ou recompensado conforme suas obras —
é tão ilógico como contrário à justiça de Deus admitir-se que, sem
trabalho, essa alma seja chamada a gozar da bem-aventurança dos anjos,
ou que desta se veja privada; entretanto, ela deve ter um destino qualquer. Um
estado misto, por toda a eternidade, seria igualmente uma injustiça.
Uma existência logo em começo interrompida, não podendo, pois, ter
conseqüência alguma para a alma, tem por sorte atual o que mereceu da
existência anterior, e futuramente o que vier a merecer em suas
existências ulteriores.