"resgatas hoje os delitos cruéis que cometeste quando te ocupavas do nefando mister do inquisidor, nos tempos passados. Redimiste o pretérito obscuro e criminoso com as lágrimas do teu sacrifício em favor da Pátria do Evangelho de Jesus. Passarás a ser um símbolo para a posteridade, com o teu heroísmo resignado nos sofrimentos purificadores. Qual novo gênio surges, para espargir bênçãos sobre a terra do Cruzeiro, em todos os séculos do seu futuro. "
Tiradentes nos braços de Ismael
[...]
"Os
historiadores falam do grande pavor daqueles onze homens que se ajuntavam,
andrajosos e desesperados, na sala do Oratório, para ouvirem a sentença da
sua condenação, após três longos anos de separação, em que haviam ficado
incomunicáveis nos diversos presídios da época. A leitura da peça
condenatória, pelo Desembargador Francisco Alves da Rocha, levou quase duas
horas. Depois de conhecerem os seus termos, os infelizes conjurados passaram
às mais dolorosas e recíprocas recriminações. Os mais tristes quadros de
fraqueza moral se patenteavam naqueles corações desiludidos e desamparados;
mas, no dia seguinte, a dura sentença era modificada. D. Maria I havia
comutado anteriormente as penas de morte em perpétuo degredo nas desoladas
regiões africanas, com exceção do Tiradentes, que teria de morrer na forca,
conservando-se o cadáver insepulto e esquartejado, para escarmento de
quantos urdissem novas traições à coroa portuguesa.
O mártir
da inconfidência, depois de haver apreciado, angustiadamente, a defecção dos
companheiros, reveste-se de supremo heroísmo. Seu coração sente uma alegria
sincera pela expiação cruel que somente a ele fora reservada, já que seus
irmãos de ideal continuariam na posse do sagrado tesouro da vida. As
falanges de Ismael lhe cercam a alma leal e forte, inundando-a de santas
consolações.
Tiradentes
entrega o espírito a Deus, nos suplícios da forca, a 21 de abril de 1792. Um
arrepio de aflitiva ansiedade percorre a multidão, no instante em que seu
corpo balança, pendente das trevas do cadafalso, no Campo da Lampadosa.
Mas, nesse
momento, Ismael recebia em seus braços carinhosos a alma edificada do
mártir.
– Irmão
querido – exclama ele – resgatas hoje os delitos cruéis que cometeste quando
te ocupavas do nefando mister do inquisidor, nos tempos passados. Redimiste
o pretérito obscuro e criminoso com as lágrimas do teu sacrifício em favor
da Pátria do Evangelho de Jesus. Passarás a ser um símbolo para a
posteridade, com o teu heroísmo resignado nos sofrimentos purificadores.
Qual novo gênio surges, para espargir bênçãos sobre a terra do Cruzeiro, em
todos os séculos do seu futuro. Regozija-te no Senhor pelo desfecho dos teus
sonhos de liberdade, porque cada um será justiçado de acordo com as suas
obras. Se o Brasil se aproxima da sua maioridade como nação, ao influxo do
amor divino, será o próprio Portugal quem virá trazer, até ele, todos os
elementos da sua emancipação política, sem o êxito incerto das revoluções
feitas à custa do sangue fraterno, para multiplicar os órfãos e as viúvas na
face sombria da Terra...
Um sulco
luminoso desenhou-se nos espaços, à passagem das gloriosas entidades que
vieram acompanhar o espírito iluminado do mártir, que não chegou a
contemplar o hediondo espetáculo do esquartejamento.
Daí a
alguns dias, a piedosa rainha portuguesa enlouquecia, ferida de morte na sua
consciência pelos remorsos pungentes que a dilaceravam e, consoante as
profecias de Ismael, daí a alguns anos era o próprio Portugal que vinha
trazer, com D. João VI, a independência do Brasil, sem o êxito incerto das
revoluções fratricidas, cujos resultados invariáveis são sempre a
multiplicação dos sofrimentos das criaturas, dilaceradas pelas provações e
pelas dores, entre as pesadas sombras da vida terrestre."
Trecho retirado do capítulo"Inconfidência Mineira" no Livro “Brasil – Coração do
Mundo – Pátria do Evangelho”
Psicografia Francisco C. Xavier
– Espírito Humberto de Campos