Francisco Cândido Xavier
Em nossa reunião pública os estudos foram orientados pelo item
4 do capítulo I de O Evangelho Segundo o Espiritismo, sobre a missão do
Cristo. A mensageira espiritual Maria Dolores trouxe-nos o poema Confidência
de Natal. Muitos de nossos companheiros, que nos auxiliavam nas tarefas,
solicitaram que a página poética de nossa irmã fosse enviada para a sua
cobertura doutrinária, a fim de obtermos mais ampla complementação para os
nossos estudos sobre o tema.
Faço isso com satisfação, agradecendo-lhe desde já a atenção
que puder dispensar ao nosso pedido.
CONFIDÊNCIA DE
NATAL
Maria Dolores
Senhor Jesus!
Vi o homem moderno
Em teu Natal,
Recordando viajor a deter-se em caminho
Junto de construção descomunal.
– Agradeço, Senhor, dizia ele,
O rio de progresso em que me inundo
De alegria esfuziante,
As maravilhas que enviaste ao mundo
Pelos canais do cérebro triunfante.
Agradeço à Ciência de alto nível,
Cintilação do Gênio a servir-me de rastros,
Que me conduz ao colo de outros astros
no foguete de força quase incrível.
Agradeço o avião, o carro, o asfalto,
O mundo todo em casa a circuito instantâneo,
O átomo cativo, as usinas de urânio,
O soro, a anestesia, o antígeno, o cobalto,
As máquinas de espécie diferente,
Desde o computador à enceradeira,
Que estendem reconforto a Terra inteira,
Impulsionando os povos para a frente.
Agradeço o auto-estudo a que me elevas,
Para que me conheça sem alarme,
A fim de imunizar-me
Contra o assalto das trevas.
Entretanto, Senhor, ao procurar-Te em prece
Que o sentimento forma e a palavra não diz,
Minha vida te busca e te deseja.
Guarda e inspira minh’alma, enfim, para que eu seja
Plenamente feliz!
Nisso, o homem calou-se em pranto mudo.
E entendi, afinal,
Que embora a inteligência brilhe em tudo
E em quase tudo se engrandeça, embora,
Eis que sem ti, Senhor,
O coração da Terra sofre e chora
Entre a fome de paz e a carência de amor.
O CRISTO
MODERNO
Irmão Saulo
A modernidade da Cristo não está na figura de gravata e chapéu
que tentaram sobrepor à sua imagem clássica. Está na interpretação nova do
Cristo que surge das pesquisas históricas e da revelação espiritual que rompe
o túmulo da letra. Sepultado na letra que mata, durante dois milênios, o
Cristo ressuscita para o terceiro milênio no espírito que vivifica, segundo a
expressão paulina. É a nova ressurreição no terceiro dia, cada dia
correspondendo a um milênio.
O Cristo ressuscitado substitui o Cristo morto da tragédia
grega da Paixão. Não mais o vemos pregado na cruz ou enterrado junto ao
Calvário. O homem moderno sente o Cristo ao seu lado. Se todos ressuscitamos e
continuamos atuantes na vida, por que motivo o Cristo, Nosso Senhor,
continuaria morto? Essa tese é do apóstolo Paulo em sua I Epístola aos
Coríntios, mas só agora se impõe à consciência do mundo. Porque só agora o
mundo está preparado para compreendê-la. Os mitos do passado se dissolvem à
luz da razão esclarecida e a fé se renova ante as conquistas da Ciência, até
agora acusada de inimiga da Fé.
Graças a isso Maria Dolores pôde ver, neste Natal, o homem
moderno, junto à sua construção descomunal, dialogar solitário com o Cristo
moderno que é o seu contemporâneo de todas as encarnações e reencarnações, no
passado, no presente e no futuro. A figura clássica do Cristo sobrevive
intacta ao longo da História, porque não é a figura de um homem do passado,
mas o ideal humano que todos buscamos, o arquétipo divino que nasce do mito
para a realidade vivencial de todos os tempos.
O pranto mudo em que o homem se cala, nasce da fonte oculta das
suas desilusões. De que valem as conquistas da Ciência e as construções
descomunais, se a inteligência vitoriosa continua faminta de paz e amor? O
reconhecimento dessa realidade áspera lembra o instante em que a vara de
Moisés fez brotar a água do coração da rocha. Este é o Natal do reencontro. No
fundo de si mesmo o homem moderno vê nascer o novo Cristo que, no entanto, é o
companheiro de sempre a oferecer-lhe as diretrizes de paz e amor.
Do livro Diálogo dos Vivos. Espíritos Diversos.
Psicografia de Francisco Cândido Xavier e J. Herculano Pires.