Neio Lúcio
Um dos companheiros
trazia ao culto evangélico enorme expressão de abatimento.
Ante as indagações
fraternas do Senhor, esclareceu que fora rudemente tratado na via pública.
Vários devedores,
por ele convidados a pagamento, responderam com ingratidão e grosseria.
Não se internou o
Cristo
através da consolação individual, mas, exortando evidentemente todos os
companheiros, narrou, benevolente:
— Um grande
explicador dos textos de Job possuía singulares disposições para os
serviços da compreensão e da bondade, e, talvez por isso, organizou uma
escola em que pontificava com indiscutível sabedoria.
Amparando, certa
ocasião, um aprendiz irrequieto que freqüentes vezes se lamuriava de maus
tratos que recebia na praça pública, saiu pacientemente em companhia do
discípulo, pelas ruas de Jerusalém, implorando esmolas para determinados
serviços do Templo.
A maioria dos
transeuntes dava ou negava, com indiferença, mas, numa esquina
movimentada, um homem vigoroso respondeu-lhes à rogativa com aspereza e
zombaria.
O mestre tomou o
aprendiz pela mão e ambos o seguiram, cuidadosos.
Não andaram muito
tempo e viram-no cair ao solo, ralado de dor violenta, provocando o
socorro geral.
Verificaram, em
breve, que o irmão irritado sofria de cólicas mortais.
Demandaram adiante,
quando foram defrontados por um cavalheiro que nem se dignou
responder-lhes à súplica, endereçando-lhes tão-somente um olhar rancoroso
e duro.
Orientador e
tutelado acompanharam-lhe os passos, e, quando a estranha personagem
alcançou o domicílio que lhe era próprio, repararam que compacto grupo de
pessoas chorosas o aguardava, grupo esse ao qual se uniu em copioso
pranto, informando-se os dois de que o infeliz retinha no lar uma filha
morta.
Prosseguiram
esmolando na via pública e, a estreito passo, receberam fortes palavrões
de um rapaz a quem se haviam dirigido.
Retraíram-se ambos,
em expectativa, verificando, depois de meia hora de observação, que o
mísero não passava de um louco.
Em seguida, ouviram
atrevidas frases de um velho que lhes prometia prisão e pedradas; mas,
decorridas algumas horas, souberam que o infortunado era simplesmente um
negociante falido, que se convertera de senhor em escravo, em razão de
débitos enormes.
Como o dia
declinasse, o respeitável instrutor convocou o discípulo ao regresso e
ponderou: — Guardaste a lição? Aceita a necessidade do entendimento por
sagrado imperativo da vida.
Nunca mais te
queixes daqueles que exibem expressões de revolta ou desespero nas ruas.
O primeiro que nos
surgiu à frente era enfermo vulgar; o segundo guardava a morte em casa; o
terceiro padecia loucura e o quarto experimentava a falência.
Na maioria dos
casos, quem nos recebe de mau-humor permanece em estrada muito mais escura
e mais espinhosa que a nossa.
E, completando o
ensinamento, terminou o Senhor, diante dos companheiros espantados: —
Quando encontrarmos os portadores da aflição, tenhamos piedade e
auxiliemo-los na reconquista da paz íntima.
O touro retém os
chifres, por não haver atingido, ainda, o dom das asas.
Reclamamos,
comumente, contra a ovelha que nos perturba o repouso, balindo,
atormentada; todavia, raramente nos lembramos de que o pobre animal vai
seguindo, sob laço pesado, a caminho do matadouro.
Do Livro
Jesus no Lar - Francisco C. Xavier