Fonte: Novos Rumos para o Centro Espirita/Divaldo Pereira Franco/Joanna de Ângelis- LEAL Editora(1999)
“Joanna de Ângelis, fazendo uma análise da nossa Casa, o Centro
Espírita Caminho da Redenção, faz três anos, propôs-nos novas diretrizes
para o Centro Espírita onde mourejamos. Essas diretrizes ela apresentou
em três verbos: Espiritizar, Qualificar, Humanizar.
Pode parecer um absurdo espiritizar o Centro Espírita e um tanto
paradoxal. No entanto, há Centro Espírita que só tem o rótulo mas não
tem espiritismo. Vamos por partes, porque é muito delicado.
Fui convidado a proferir uma conferência em um Centro Espírita no sul
do país. Normalmente, quando recebo convite, não atendo, porque pode
ser entusiasmo da pessoa.
No segundo convite eu digo: “para o ano, volte a escrever.” Isso é
para ver se a pessoa está mesmo interessada. Para o ano a pessoa volta a
escrever e eu digo: “para o ano, na programação, nós vamos agendar.”
E, naquela Casa, fui postergando por um período de seis a oito anos,
por falta de tempo, até que o presidente insistiu tanto que fiquei
constrangido e dei um jeito.
Disse-lhe, na carta: “mande-me as datas que lhe são ideais e eu
escolherei aquela compatível com minha programação.” Estabelecemos a
data e por seis meses correspondemos-nos e tudo foi muito bem.
No dia marcado cheguei à cidade e fui a uma bela instituição.
Edifício monumental. Uma grande sala. Quando cheguei à porta, fui
recebido por uma comissão muito gentil e estabeleceu-se o seguinte
diálogo:
– Senhor Divaldo, o Presidente pede desculpas por não ter podido vir receber o Senhor.
Eu disse: “é muito natural, não há problema.”
– Aqui está o Vice-Presidente, o Secretário, o Tesoureiro, e nós
desejamos recebê-lo, porque o nosso Presidente está, no prédio vizinho,
fazendo cromoterapia.
– “Eu não sabia que ele era cromoterapeuta,” falei. “Ele é profissional, naturalmente?”
– “Não! Ele é espírita”, responderam-me.
– Deixe-me ver: ele é o Presidente do Centro e é o presidente da
cromoterapia? Ele me convidou para vir aqui durante oito anos. Marcou a
data e foi fazer a cromoterapia!
– É porque a cromoterapia é muito importante. Está salvando milhares de vida.
– Que graça! Eu sempre pensei que o Espiritismo está salvando milhões de vidas.
Será esta a imagem de um Centro Espírita? Em absoluto. O Centro
Espírita não tem que se envolver com nenhuma terapia alternativa. É até
um desrespeito, porque o cromoterapeuta é alguém que estudou. Ele tem
sua clínica e o Centro Espírita não se pode transformar numa clínica
alternativa.
É lugar de transformação moral do indivíduo, onde se viaja ao cerne
do problema para arrancá-lo. Se transformarmos um Centro Espírita em uma
clínica, para lá vão pessoas aturdidas. Qualquer coisa esdrúxula que
anunciemos no jornal haverá uma massa incontável que adere por
necessidade de pedir socorro.
Mas o Espiritismo não ilude, não mente e nem posterga a ação, porque
ele é herança de Jesus. E Jesus, com todo o amor, dizia a verdade. Seja o
nosso falar: sim, sim, não, não, conforme Ele o fazia. Não iremos dizer
de forma grotesca ou agressiva, mas iremos dizer de uma forma
verdadeira. É melhor, às vezes, perder o amigo agora porque não
conivimos e o termos depois, do que o apoiarmos e o perdermos em
definitivo, quando ele notar a nossa fraude.
Espiritizar
Então, Joanna de Ângelis manda Espiritizar.
Tenho ouvido oradores em casas Espíritas apresentarem temas
maravilhosos, mas que não são nada espíritas. Temas que podem narrar no
Rotary, na Maçonaria, no Lions, numa reunião social. Na Casa Espírita
pode-se abordar qualquer tema, à luz do Espiritismo. Fazer as conotações
espíritas.
Se aconteceu uma tragédia na cidade vamos examiná-la, à luz do
Espiritismo. Está no momento da clonagem. Vamos falar sobre clonagem, à
luz da Doutrina Espírita. Está nos noticiários a corrupção. Vamos falar
sobre a corrupção e a terapia Espírita.
Infelizmente não está ocorrendo isso. Convida-se, às vezes, oradores
admiráveis, fascinantes, porém, totalmente deslocados. Palestras que se
pode ouvir em qualquer lugar.
Na Casa Espírita vão as pessoas atormentadas, buscando consolação,
com a alma despedaçada pela morte de seres queridos e, se ouvem uma
coisa que nada tem a ver com a proposta da Doutrina Espírita, saem
desoladas. Agindo assim, estaremos fraudando a proposta do Espiritismo.
Temos visto congressos espíritas – não é crítica, é análise – em que
se aborda Terapia pela dança. É uma maravilha. Mas não num congresso
espírita. Vamos fazer isso num congresso de Yoga, que respeitamos muito,
ou num congresso de psicoterapia e então coloquemos música, metais,
cristais, mas não num congresso espírita.
Ah! É porque nossos irmãos estão doentes, justificam. Nesse caso,
falemos das causas das doenças. Das causas anteriores das aflições. Das
causas atuais das aflições.
A terapia da dança podemos encontrar em qualquer setor do mundo
social, respeitável e nobre. Mas quando vamos à Casa Espírita, esperamos
encontrar a proposta espírita.
O Centro Espírita tem que ser o lugar de Doutrina Espírita.
Daí o Centro Espírita tem que ser espiritizado. É a proposta de Joanna de Ângelis.
Qualificar
A segunda vertente de sua proposta é Qualificar.
Vivemos hoje a época da qualidade total. Qualificação é
indispensável. Nós, às vezes vamos à Casa Espírita com nossos hábitos
ancestrais, o que é natural. Mas o fato de entrarmos na Casa Espírita
não muda nossa existência. Levamos a nossa qualificação muitas vezes
empírica, singela, e vamos exercer certas funções para as quais não
estamos qualificados.
Vemos, por exemplo, um literato, que não entende absolutamente de
contabilidade, sendo o tesoureiro do Centro. Vamos ver o indivíduo
aplicando a terapia dos passes, mas que, de maneira nenhuma se preparou
para isso. Vamos ver no atendimento fraterno uma pessoa que tem muito
bom coração mas não tem o menor tato psicológico.
Temos que qualificar-nos.
O que é qualificar? É adquirir características essenciais, típicas das finalidades que vamos exercer na vida prática.
Se eu, por exemplo, quero dedicar-me ao atendimento fraterno, devo
fazer um curso. Por isso, os Centros Espíritas devem estar vinculados ao
chamado movimento organizado, porque as nossas Casas Federativas
dispõem de equipes para nos esclarecer, para nos informar, para
ministrar cursos.
Quando vemos, por exemplo, a Federação Espírita do Paraná (FEP),
oferecer-nos o jornal Mundo Espírita por um preço irrisório, que muitos
ainda não pagam, chegar às nossas mãos todo o mês, com pontualidade,
trazendo-nos mensagens libertadoras de consciência, comovo-me com esse
trabalho.
Se ligarmos o rádio, aí está um programa de orientação espírita, o
Momento Espírita, já transmitido por uma cadeia de rádios em várias
cidades do País. Seria interessante se cada um dos senhores, nas suas
cidades, entrassem em contato com a FEP e, ao invés de fazer programa de
rádio sem nenhuma habilidade, sem qualificação, colocassem o programa
que é transmitido em Curitiba, que é de excelente qualidade, narrado por
pessoa qualificada, desde a voz, uma voz agradável, muito bem
empostada. É uma mensagem muito bem trabalhada, apresentando várias
conotações para o enriquecimento das pessoas espíritas e não espíritas.
Muitas pessoas confundem qualificação com elitismo. E as pessoas dizem: “está elitizando!”.
Minha mãe era analfabeta e eu dialogava com ela. Qualificamo-la. Ela
tornou-se uma excelente bordadeira, uma excelente cozinheira. Conheço
tanta gente instruída que não sabe enfiar a linha na agulha e que não
sabe pregar um botão.
Daí, meus amigos, qualificar não é elitizar, não é intelectualizar. É
equipar de recursos para fazer bem aquilo que gostaria de fazer. Evitar
o aventureirismo.
Humanizar
Humanizar é fazer com que nós, de vez em quando, tornemos à nossa
simplicidade, ao nosso bom humor, ao nosso lado humano. A vida nos impõe
rotinas e, quando menos esperamos, estamos fazendo aquilo
rotineiramente, sem emoção. Nós nos transformamos em máquinas.
Visitei uma instituição e uma senhora me disse assim:
“Ah! Irmão Divaldo, não aguento mais. Estou cansada de fazer caridade. Eu não aguento mais, é tanto pobre.
Eu disse: “minha filha, então deixe”.
Ela: “O Senhor está me mandando deixar de fazer a caridade?”
Eu disse: “Não, eu estou mandando você descansar, porque a caridade
está lhe fazendo mal. Já imaginou a caridade fazer mal a quem a faz?
Algo não está funcionando! Ou você está exibindo-se sem o sentido de
caridade, me perdoe a franqueza, pois quero lhe ajudar, ou você está
saturada. Faça uma pausa”.
Ela: “O que será dos pobres?”
Eu: “Minha filha, eles são filhos de Deus. Antes de você chegar Deus
já tomava conta. Você está só dando uma mãozinha para você, não para
eles, porque, afinal, isso aqui nem é caridade, é paternalismo. Você
está mantendo muita gente na miséria, que já podia estar libertada,
porque você me disse que já atendeu a avó, a filha e agora está
atendendo a neta.
Como é que você conseguiu manter na miséria três gerações? Que a avó e
a filha fossem pobres necessitadas, é aceitável, mas a neta já teríamos
que libertar da miséria de qualquer jeito. Colocando-a na escola,
equipando-a, arranjando-lhe trabalho. Isso não é caridade. Está lá no
Evangelho: “Transformai as vossas esmolas em salário”.
Então, repouse um pouco. É uma rotina. Você quer abarcar um número de
pessoas que você não pode abraçar. Diminua. Faça com qualidade e
procure fazer em profundidade. Faça o bem.
Nós não podemos salvar o mundo e perder a nossa alma. A tese é de
Jesus Cristo: “Que vos adianta salvar o mundo e perder-se a si mesmo!”
Nós não estamos aqui para salvar o mundo. Estamos aqui para salvar-nos e
ajudar o mundo para que cada um nele se salve.
Então, humanizar é neste sentido. É esta proposta de voltarmos a ser
gente. Não ficarmos nos considerando muito importantes. O Presidente do
Centro, o dono do Centro, o super-médium, a pessoa mais formidável do
século. Voltarmos às nossas origens. A simplicidade de coração, a
afabilidade, a doçura (textos do Evangelho Segundo o Espiritismo), a
cordialidade, o bom trato.
Se o doente é insistente, se o pobre é impertinente, nós estamos ali
porque queremos. Não foi o pobre que pediu para nós irmos lá. Nós é que
nos oferecemos. Então temos a escusa de estarmos cansados, de estarmos
irritados. “Eu também tenho problemas”.
Então vá resolver seus problemas. Não os traga para a Casa Espírita. E
notem que esta tríade está perfeitamente de acordo com o pensamento
kardequiano: trabalho, solidariedade e tolerância.
Qual é o trabalho? ESPIRITIZAR-SE. O trabalho de adquirir o
conhecimento espírita, de perseverar no estudo. Minha mãe era
analfabeta. Eu lia para ela, estudava, comentava. Ela acompanhava.
Aprendeu a Doutrina Espírita dentro dos seus limites.
Solidariedade. QUALIFICAR-SE, para servir melhor, para ser mais solidário.
Tolerância: ser mais HUMANO. Quando somos mais humanos, somos
tolerantes. E esta tríade não é propriamente de Allan Kardec. Ele a
tirou de Pestalozzi, seu professor, que tinha como base educacional três
palavras: trabalho, solidariedade e perseverança. Allan Kardec, que foi
seu discípulo, tomou a tríade e adaptou-a, substituindo perseverança
por tolerância.
Assim, o Centro Espírita é a nossa oficina. Quando nós entramos na
Casa Espírita devemos sentir os eflúvios do amor, da fraternidade. Não é
o lugar dos conflitos, das picuinhas, das nossa dificuldades, das
nossas diferenças, que nós as temos, mas das nossas identidades, das
nossas compreensões, do nosso esforço para sermos melhor.
Daí a nova proposta do Centro Espírita: voltar às bases do pensamento
de Allan Kardec. Reviver o trabalho, a solidariedade e a tolerância.
Sermos realmente irmãos.
Esta é a nossa família ampliada. Se entre aqueles com os quais
compartimos idéias, que são perfeitamente consentâneas com as nossas,
nós temos dificuldades de relacionamento, como é que iremos nos
relacionar com o mundo agressivo, com a sociedade que não nos aceita,
com aqueles que nos hostilizam, com aqueles que nos perseguem?
O Centro Espírita é o lugar onde nós treinamos as virtudes básicas: a fé, a esperança e a caridade.
Fonte: http://mensageiro.comunhaoespirita.org.br/?p=2044