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terça-feira, 4 de maio de 2021

DORMIA O CRISTO OU DORMIMOS NÓS?(...)" Queremos que as coisas mudem para melhor, mas não queremos mudar , esquecidos de que as coisas não mudam, são os homens que mudam; não os outros homens, mas nós mesmos...."

A tarde chegara de mansinho. O dia fora longo e cansativo, pois eram muitas as  solicitações . Mateus diz que lhe haviam trazido muitos possessos e enfermos. Ele os curou dos males físicos e espirituais, mas a multidão continuava a envolve- lo. Marcos não menciona os endemoniados e doentes neste ponto, mas informa que ele pregara longamente em parábolas , como era de seu hábito: a parábola do semeador, a da lâmpada , a da medida - a medida com que medis , com essa mesma sereis medidos - , a da semente que cresce sozinha , a do grão de mostarda. Lucas também reporta as parábolas, mas não coloca o episódio da tempestade na mesma sequência que os seus dois companheiros evangelistas. Todos, porém,se referem com grande precisão a cena dramática no mar.

E certo , a vista dos relatos , que Jesus pediu que o transportassem a outra margem do lago. Marcos , mais minucioso, acrescenta que os apóstolos despediram o povo e o levaram enquanto outras embarcações o seguiram.

São unânimes os narradores em assegurar que o Mestre logo adormeceu, e , enquanto ele dormia, levantou se uma tempestade. Mateus diz que era tão grande o temporal que as ondas chegavam  a  encobrir a barca. Marcos diz apenas que era uma" forte borrasca" , enquanto Lucas confirmava a inundação do barco pelas aguas revoltas.

        Muita gente deve questionar a possibilidade de armar-se uma tempestade desse porte num reduzido mar interior.

        O chamado mar da Galiléia é , na verdade, um lago , através do qual fui o rio Jordão. Fica entre o atual Estado de Israel , de um lado , a Síria de outro , uma ponta da Jordânia , ao sul. Depois de atravessar o lago, o Jordão segue para o sul na direção do  mar Morto, onde termina o curso.

       O mar da Galiléia era conhecido nos tempos do Antigo Testamento por mar de Chinnereth ou Chineneroth. Tanto nos livros dos Macabeus como nas obras de Flavius Josephus é chamado de Gennesar. Nos Evangelhos o nome preferido é o mar da Galiléia, mas Lucas chama-o de Lago de Genesaré (5:1) , e João duas vezes menciona-o com o nome de Tiberíades, que , aliás, ficou consagrado na designação moderna, Bahr Tabariyeh (6:1 e  21:1).

      Toda região é um roteiro sentimental da peregrinação do Cristo, que ali viveu uma boa parte dos seus anos de pregação. Um pouco ao norte, Cafarnaum, mais abaixo , Magdala e , depois, Tiberíades. Do outro lado, Betsaida e Gadara com a Decápolis, ao sul.

     A Enciclopédia Britânica informa que as " elevações em torno do mar são cinzentas e desnudas no verão, mas se cobrem de vegetação na primavera" . " O lago - informa pouco adiante -  está profundamente embutido no meio das elevações e , consequentemente , sujeito a súbitas ventanias e violentas tempestades, que se armam rapidamente; a navegação não está livre de riscos." Os grifos são meus e servem apenas para destacar a observação moderna que confirma integralmente a informação dos evangelistas segundo a qual as tempestades são ali súbitas e violentas.

    É certo, pois, que  ao iniciar a viagem para a outra margem, o tempo estava bom e as águas calmas. O Mestre logo adormeceu e dormia ainda no fragor da tormenta.

A narrativa evangélica é extremamente sóbria e feita com enorme economia de palavras, especialmente de adjetivos.
Quando os autores dizem que a borrasca era forte e que as águas invadiam o barco, podemos acreditar neles. Aqueles homens viviam em torno do lago, onde pescavam na subsistência.
Conheciam os perigos e estavam afeitos a eles. Não há dúvida, pois, de que a tormenta foi de assustar e , por isso, decidiram despertar o Mestre, com a leve sugestão de uma censura na pergunta que lhe formularam, segundo Marcos: será que ele não se importava de que eles morressem?

   Mateus diz que Jesus primeiro os censurou pela falta de fé que haviam demonstrado com o pavor.A lição que fica, no entanto, é unânime e todos reproduzem a estupefação dos que estavam com ele na barca, ao comentarem entre si:
  - Quem é este homem a quem até os ventos e o mar obedecem?
  A pergunta ressoa até hoje, nos descampados imensos da História.

Um grupo de homens simples e puros de coração, ignorantes dos grandes mistérios da vida, seguia fielmente o seu Mestre. Dia e noite estavam à sua volta, ouviam no pregar, faziam lhe perguntas , assistiam ao seu trabalho junto aos pobres, aos doentes, aos possessos; viam no conviver com os publicanos e renegados e, no entanto, não têm noção exata de quem é ele realmente . Nunca viram alguém calar os elementos enfurecidos. Jamais alguém demonstrou tanta calma, tanta segurança e fé. E, no entanto, bastou que ele se reclinasse por alguns momentos na barca para que pensassem que os havia abandonado à sua sorte, no esquecimento do sono.

  Hoje, quando tantos séculos rolaram sobre aquela cena dramática e profunda no seu conteúdo , não temos mais o direito de especular acerca da sua grandeza. Sabemos que ele é grande, sabemos que ele não dorme, sabemos que ele mesmo ausente dos nossos olhos imperfeitos em algum ponto deste mundo e em toda parte , ele vela,dirige,aconselha,cura,prega,ensina,ama e espera.Sabemos que a sua mensagem original ficou enovelada pelo pensamento daqueles que em vez de se tornarem prisioneiros do Cristo, como dizia Paulo, preferiram a tentativa inglória e improfícua de aprisionarem o Cristo, a fim de colocá- lo a serviço de suas paixões.

E agora que novas borrascas se armam sobre o mundo - e não mais sobre o manso mar da Galiléia - , muitos temem pelos seus destinos e bradam ao Cristo , desesperados e aflitos , achando que ele dormiu e os esqueceu.

Outros muitos desejam aproveitar a confusão da tormenta para implantar de uma vez, na Terra , o reinado da treva e da prepotência. Alguns destes , num doloroso processo de auto ilusão , se dizem trabalhadores do Cristo e que , depois de restabelecido o processo do poder incontestado , reabrirão os Evangelhos para pregar novamente a palavra do Senhor

Como? Que lhe diria o Mestre se isso acontecesse?
- Jamais vos conheci, afastai vos de mim, agentes da iniquidade! (Mat. 7:23)
Não são aqueles que dizem Senhor! Senhor! que entrarão no reino dos céus, advertiu Jesus, mas aqueles que fazem a vontade do Pai, isto é, cumprem a Sua lei, trabalham incessantemente pela harmonização interior, entregam-se às tarefas do amor, não as da discórdia, da vingança, da opressão.

Estamos novamente em pleno mar da Galiléia. A tormenta agita o barco que as ondas invadem e ameaçam tragar. O céu está negro e fechado, pesado e opressivo. O terror se instalou no coração de muitos, a indiferença em outros, a loucura em tantos, a ignorância em multidões inteiras. E o Cristo mais uma vez parece dormir... Mais uma vez parece esquecido da angústias daqueles que se voltam para ele como último alento de esperança. Parece... Ou será que nós é que dormimos? Ou será que nós é que o esquecemos?

Estejamos em paz, ainda que a tormenta se avolume, e ela vai fatalmente avolumar-se . Encontramo-nos à soleira de uma nova era. chegaram os tempos anunciados das dores, porque infelizmente , na imperfeita humana condição, as mudanças trazem dores no seu bojo. Não que sejam dolorosas em si; nós é que temos preferido anestesiar o conformismo. Queremos que as coisas mudem para melhor, mas não queremos mudar , esquecidos de que as coisas não mudam, são os homens que mudam; não os outros homens, mas nós mesmos.

Estejamos certos, pois, de que o Cristo não dorme, nem nos abandonou à nossa sorte. Sua mensagem renovada pelo Espiritismo está conosco, integral, restabelecida, explicada além do que ele nos confiou naquela época,porque se ainda agora muito vacilamos no entendimento da sua palavra, que poderemos dizer daqueles tempos recuados em que até mesmo os que com ele conviviam pensavam que ele dormia...?

Livro: Candeias na noite escura
João Marcus
Pseudônimo de Hermínio C. Miranda

quarta-feira, 22 de maio de 2019

O Romance que estava escrito



Ao praticar quase uma dezena de abortos, estava convicta de livrar-se para sempre daquele desagradável “contratempo”. Ignorava que em cada gravidez estava presente um espírito reencarnante, interessado em viver e necessitado de uma existência na carne, a fim de realizar alguma tarefa essencial ao seu processo evolutivo.[...] E o que foi programado para você? Quais são seus planos a respeito dessa existência? _ Eu não tenho planos, está entendendo? Não tenho muita escolha, não. _ Sim, mas o que você vai fazer? Vai nascer pobre, com dificuldades, ou como será? Algum lar já deve estar programado para você.É. Vou nascer numa família de uns dez filhos ou oito. Então minha mãe vai morrer e eu vou ter que criar esse bando de crianças! (Fala destacando certas palavras para dar-lhes ênfase especial).”






Escrito por Herminio C. Miranda 

Há dois meses vínhamos trabalhando em nossas atividades mediúnicas, junto de determinada instituição espiritual, quando se manifestou uma entidade feminina, em pranto. 

Segundo apuramos depois, vinha de uma existência de irresponsabilidades e crimes contra a natureza humana. Fora uma bela mulher que usou seus encantos pessoais para escravizar pessoas aos seus caprichos e às suas ânsias. 

Os homens estendiam-lhe seus mantos para que ela passasse sobre eles, explicou. Levava-os ao desespero, ao alcoolismo e até a última degradação da sarjeta. Casamento? De forma alguma! Precisava gozar a vida.
Filhos? Nem pensar! Por isso, rejeitava-os sistematicamente quando ocorria qualquer gravidez, sempre indesejável e inoportuna.
Ao praticar quase uma dezena de abortos, estava convicta de livrar-se para sempre daquele desagradável “contratempo”. Ignorava que em cada gravidez estava presente um espírito reencarnante, interessado em viver e necessitado de uma existência na carne, a fim de realizar alguma tarefa essencial ao seu processo evolutivo.

Os pequenos fetos arrancados pela violência de seu belo corpo eram prontamente destruídos e logo esquecidos, mas os espíritos, não. Ficaram à sua espera no mundo espiritual para cobrar-lhe, um dia, o assassinato de que haviam sido vítimas.

Depois de muito penar pelos escuros planos da dor, fora recolhida pela instituição de que vínhamos cuidando e que começava a desarticular-se irremediavelmente, por causa do afastamento de seus dirigentes. Não que tivesse resolvido seus problemas pessoais, pelo contrário, dado que, longe de ter iniciado o resgate de suas antigas faltas, continuava a assumir mais responsabilidades ao cometer novos desatinos, pelos quais também teria de responder um dia. Pelo menos tinha, ali, certa “proteção”, a troco dos seus serviços, colaborando para que os objetivos desagregadores das sombras fossem eventualmente alcançados.
Desmantelada a comunidade, contudo, restaram a ela apenas duas opções: assumir, finalmente, suas responsabilidades cármicas e enfrentar as dificuldades do resgate ou ficar novamente entregue às aflições e incertezas do que a Codificação Espírita caracteriza como estado de erraticidade.
Decidiu pelo trabalho da reconstrução de seu atormentado espírito, com todos os seus riscos e sofrimentos, carências e frustrações. Foi honesta conosco ao enfatizar que não era com alegria que resolvera aceitar a pesada carga. A palavra adequada para ela nem era aceitação. Se pudesse, tudo faria para livrar-se daquilo ou, pelo menos, atenuar um pouco o peso que, de repente, parecia ter desabado sobre ela, mas reconhecia, no fundo, que não tinha alternativa. O caminho era aquele mesmo; ela própria o escolhera, ao precipitar-se no abismo de suas paixões.

Teve, contudo, um gesto de grandeza, demonstrando que já começava nela o processo da regeneração. Referindo-se às inúmeras mulheres que continuam a praticar abortos sucessivos, sugeriu-nos:

_ Conta para elas essas coisas, conta. Conta o que está me esperando… Vai falar com elas aí! Vai, fala e escreve. Por que você não faz isso? Conta! Fala!

“Esta história é, portanto, um recado que estou transmitindo em nome e a pedido de alguém que sabe. 

Ao conversar conosco, naquela noite, já há algum tempo se encontrava recolhida pelos trabalhadores do bem, a uma comunidade de recuperação. O diálogo que se lê, a seguir, é a fiel transcrição da nossa conversa. A  primeira fala é dela, e estava em pranto logo que se manifestou.

_ Não me leva! Não me leva pra lá! Eu não quero ir! Eu não tenho onde ficar!

_ Tem sim. Todos nós estamos guardados em Deus. Todos temos para onde ir.

Ninguém será jogado fora.

_ Nunca tive nada de meu. Nunca tive pra onde ir. E agora, não quero ir para lá também. Não quero! Não quero ir pra lá pra nascer de novo… Que eu vou ganhar aí, no mundo?
_ Você vai ganhar aquilo que perdeu. As coisas que você fez errado, vai ter oportunidade de fazer de novo, de acertar. Vai ser recebida por pessoas que querem te ajudar…
_ Será que querem mesmo? Toda vida fui recebida por pessoas que queriam saber o que podiam tirar de mim.
_ Sim, mas havia alguma razão para que isso acontecesse dessa maneira, não é, minha filha? Você não acha que a pessoa que concordou em receber você como filha, quer ajudar? Você conhece a pessoa?

_ Não conheço, não. (Não é verdade isto, como veremos).

_ Você já sabe quem vai recebê-la?

_ Não sei quem vai, eu sei é que…

_ Talvez você não esteja compreendendo bem isso aí.

_ O que eu não estou compreendendo? Estou compreendendo agora…

_ Você não queria? Preferia continuar assim como está? É isso?

_ Não sei o que eu preferiria, não. Às vezes acho que vai ser bom nascer de novo… Você esquece… todo mundo te pega no colo porque você é um neném. Até você lembrar de novo, já descansou um bom tempo.

Refere-se, portanto, à terrível pressão das lembranças desagradáveis, dos remorsos dolorosos, das angústias do ser que se reconhece culpado e contempla, desalentado, a penosíssima tarefa da recuperação espiritual.

_ È que você tem muitas agonias no espírito – diz o doutrinador -, mas a Lei é generosa e pacificadora. Ela nos concede o esquecimento exatamente para que possamos recomeçar tudo de novo.

_ Às vezes eu acho que deveria ser bom, mas quando penso em tudo quanto vou ter que passar… que me disseram lá que eu vou ter que passar…

_ Pois é, minha irmã, mas a gente está devendo à Lei… É preciso passar por essas coisas para aprender. Você não acha? É preciso ter paciência. Você precisa aceitar isso. Se fôssemos perfeitos, bonzinhos, caridosos, não estaríamos passando por tantas coisas, não é? Você está lembrando de uma vida em que foi maltratada, foi espoliada, mas não se lembra das outras, quando foi a sua vez de espezinhar, de maltratar…

_ Eu não acho que fosse uma pessoa capaz de fazer isso. Eu não acho…

_ Por que você acha, então, que a Lei lhe pediu isso?

_ Não interessa a Lei de Deus! Interessa é o que vou ter de passar por isso e ponto final!

_ Sei, minha querida. Mas não é só. Interessa saber que você vai ficar boa.

Você não é uma pessoa má. Você não faria mais aquilo que fez.

_ Como é que você diz que eu fiz? Você sabe o que eu fiz?

_ Se você passou pelas coisas que passou, é porque devia.

_ Outra vez! Ter de viver de novo, ter que… aguentar tudo!

_ Você já conversou sobre isso com os nossos companheiros?

_ Já, já… Mais de uma vez.

_ E o que foi programado para você? Quais são seus planos a respeito dessa existência?

_ Eu não tenho planos, está entendendo? Não tenho muita escolha, não.

_ Sim, mas o que você vai fazer? Vai nascer pobre, com dificuldades, ou como será? Algum lar já deve estar programado para você.

_ É. Vou nascer numa família de uns dez filhos ou oito. Então minha mãe vai morrer e eu vou ter que criar esse bando de crianças! (Fala destacando certas palavras para dar-lhes ênfase especial).”

“_ Sim, mas isso não é uma oportunidade muito boa para você?

_ Não vou poder me casar porque estou criando irmãos. Não vou poder estudar porque estou criando irmãos. Não vou passear, não vou me divertir… Vou ficar dentro de casa cuidando de irmãos…

_ Sim, mas esses irmãos não são escolhidos ao acaso, não é? São seres ligados a você. São pessoas às quais você deve esse favor, esse compromisso, essa oportunidade. Em algum ponto de suas vidas passadas, você tirou alguma coisa delas.

_ Sabe? Desgraçada a mulher que não usa bem o sexo!

_ É. Isso é verdadeiro, sim. Você tem razão.

_ Desgraçada dela! Quer dizer, não vou casar, mas vou ter que sustentar criança, vou ter que tomar conta de crianças… Vou ter que ser mãe das crianças! Só porque fiz alguns abortinhos…

_ Só porque?…

_ Qual a mulher que não fez um aborto na vida?

_ Pois é, minha filha, mas você acha isso certo?

_ Eu, quando fiz, achava. Achava que era!

_ Hoje você não acha, mas o erro ficou lá, de alguma forma.

_ E eu que não dou para esse negócio de ser mãe! Você já imaginou?

_ Você terá que aprender, irmã.

_ Não dou pra isso. Eu nunca quis filho, justamente por causa disso.

_ É, mas a sua mãe teve você…

_ Aí foi problema dela. Ela quis… Eu não quis ter nenhum e não tive. Não tem escolha. Tem?

_ Tem a escolha e tem a responsabilidade também, não é?

_ Agora, não. Ou você aceita isso, ou então continua na vida que quiser.

Quer dizer… Eu não tenho mais a vida que eu quiser, porque onde eu estava com os meus amigos, não dá mais. Então você fica entre a cruz e a caldeirinha…

_ A não ser a penosa reencarnação que estava programada para ela, a única opção viável agora seria uma indefinida fase de agonias, vagando sem rumo pela vastidão dos mundos de desarmonia e de angústia, perseguida implacavelmente pelos adversários que a insensatez criou para ela. Ante tais perspectivas, ambas assustadoras e aflitivas, o mal menor ainda era a reencarnação que, sem ser compulsória, apresentava-se como única alternativa aceitável.

_ Eram seus amigos? Pergunta o doutrinador.

_ Eram, sim, meus amigos. Então, vou ter que ir, vou ter que nascer, vou ter que cuidar desse bando de crianças. Vou criar mesmo! Quando a mãe morrer, o último vai ser um bebê. Acabou de nascer, ela morre… E eu vou criar todo mundo. Você já viu?

_ Você não acha que é uma oportunidade de mostrar que sabe fazer alguma coisa? Quando você terminar essa existência, se houver cumprido direitinho suas tarefas, sua consciência estará em paz. Na próxima vida, depois dessa, você já não terá mais esses compromissos. Vai ter oportunidade de ser feliz, ter o seu marido, seu lar, sua casa… o que você desejar, enfim.

_ Você já imaginou que destino triste?

_ Sei, minha querida. Mas você poderia ter aceitado essas crianças quando tinha condições, e não quis, não é? Não precisava ser triste. Se eles tivessem sido seus filhos, naquela outra vida, você não teria tido grandes dificuldades. Você não dispunha de recursos? Na ocasião em que podia você não quis. Agora…

_ Sabe para onde vou ter que ir? Disseram que vou ter que ir para a Argentina, porque lá é que está o pessoal todo. Tenho que ir… E o pior é que vou ser uma moça bonita. Os homens vão querer casar comigo e eu não vou poder casar. Nenhum vai querer aceitar aquele bando de crianças.

_ Quem sabe não aparece um companheiro que queira?

_ Não! Está lá!… Não. Já sei que não vou. Já me disseram: “Você não vai casar. Se casar, vai complicar tudo!”

_ Então, veja bem. Você rejeitou essas crianças quando poderia tê-las aceito, com muito maior facilidade. Não quis. É direito seu…

_ É. Eu andei fazendo uns abortozinhos… Mas eu… não é porque eu não gostava; eu não podia ter filhos!

_ Como não podia?

_ Não podia… Eu não queria casar. Eu queria uma vida livre. Quer dizer…

_ Então, você escolheu, tomou uma decisão e a responsabilidade ficou.

_ Mas eu nunca achei que fosse uma coisa tão ruim assim.

_ Você não achou, mas a Lei sabe que era. E hoje você sabe que é tão grave que vai precisar fazer um sacrifício maior para se recompor.

_ Mas, então, por que… (para, hesita, pensa). Ah!, não. A moça disse lá. 

Eu 
perguntei: “Então por que eu não caso e eles não vêm como meus filhos?” 

Eles me disseram que há uns tão revoltados comigo que nunca vingariam como filho.
Entende? Não iam conseguir. Eu também ia rejeitar e eles me rejeitariam e iria ser uma confusão danada! Então, vindo com outra mãe, eu vou ser irmã e isso é diferente.

_ É. Você vê como tudo é lógico e direitinho…

_ Que lógico? Sei lá… Não estou pensando nisso. Estou pensando no problema em si. É, podiam ser meus filhos, porque aí eu casava e teria alguém para me sustentar, para me dar uma vida melhor. 

Você já imaginou? Eu vou trabalhar que nem uma desesperada!

_ O trabalho não mata ninguém, minha irmã. Pelo contrário, ocupar as mãos com algum trabalho digno…

_ Não vou ocupar, não, vou esfolar…

_ Não importa. Depois que você abandonar esse corpo, seu espírito estará em paz, estará redimido, pelo menos quanto a esse aspecto.

_ Pois é, mas será que eu vou aguentar? E que vou ter que… Eu, uma criança ainda… Você imagina? Já estou vendo o drama todo na minha frente.

_ Mas, minha querida, não há outro caminho. É esse aí que você tem que aceitar. É por ali mesmo que você tem de passar. Você não quis passar da outra vez, que era mais fácil, vai passar agora que é difícil. É como se você tivesse de fazer uma caminhada com um belo dia de sol, e você não quis.

Agora vai fazer com chuva mesmo.

_ Eu disse pra eles: “Então porque não faz o seguinte: o meu futuro pai não casa com outra mulher, para ter uma madrasta para cuidar?
 E eu vou ajudar a cuidar das crianças…”

_ Isso não resolveria os problemas ali. Você tem de assumir a responsabilidade que rejeitou da outra vez…

_ Lavar, passar e ainda costurar a máquina!

_ Não é vexame nenhum isso aí…

_ Eu, uma escrava daquele bando de crianças…

_ Se você os tivesse aceitado da outra vez, eles iriam crescer e ajudar, quando você fosse mais velha. Iriam trabalhar… Talvez você terminasse a vida em perfeita paz e conforto.

_ Não sei, não. Por que a gente…

_ É. Você tem razão. Por que a gente erra, não é? Uma pena…

_ Não é porque a gente erra, não. Não estou dizendo isso. Meu deus do céu, como é que você fica? Você vai para o mundo, o mundo tem uma porção de coisas que são atraentes, que você quer. Você é uma mulher bonita, você… ué!

Você não tem que viver? A gente tem os instintos… Você tem que viver. Por que Deus criou essas coisas?

_ Está muito bem. Mas você pode exercer seus instintos, atender suas solicitações, mas não precisa matar ninguém, não é , minha irmã?

_ Que matei? Aborto não é matar ninguém!

_ É um assassinato. Não há diferença. A criatura não pode nem defender-se.

_ Engraçado! No meio disso tudo, desse bando de crianças… até me mostraram lá um  “retrato”, tem um menino… um só… que eu não vou ter problema com ele.

Ele gosta de mim. De onde ele gosta de mim, não sei. Ainda não apurei isso.

Ele gosta de mim. Então, dizem que ele pediu, ele quer vir… É o segundo irmão: eu, depois ele, porque assim ele vai ajudar.

_ Que bom! Já vai melhorar um pouco o sofrimento.

_ Ah, que nada! Acontece que ele está pedindo isso. É diferente. Eu, não: eu tenho que aceitar, contra a minha vontade. Porque, vou lhe falar com toda franqueza, se fosse para dizer “Você escolhe”, eu não ia, não. Não ia, porque tenho minhas dúvidas se vou aguentar um negócio desses. É um “negócio” muito pesado. Não estou acostumada com isso. Eu tive uma vida de princesa, de rainha, com todo mundo… Quer dizer, não fui princesa ou rainha, foi uma vida de princesa, de rainha, todo mundo fazendo o que eu queria, com os homens ali, botando a capa no chão pra eu pisar por cima e passar… Agora, de repente… Quer dizer, estou acostumada com isso… Nunca usei minhas mãos para lavar roupa. Agora, você já imaginou? Eu tenho que lavar roupa, com as minhas mãos! Com estas mãos aqui… Vou ter que ficar numa máquina costurando. Vou ter que criar calos. Tudo por causa de irmão! Vou ter uma raiva danada deles! Tenho medo!

_ Se cometer tolice, você vai complicar-se ainda mais. Olhe que aí não vai ser mais caminhar na chuva, não; vai ser muito pior.

_ Por que isso? Será que você não “dava” um jeito? Você conhece eles lá (os nossos amigos espirituais). Você não pode pedir pra eles… “maneirar” um pouquinho o negócio pra mim? Vai lá, fala, pede… Diz que eu sou sua parenta, sua conhecida… qualquer coisa.

_ Você acha que eu vou chegar lá pregando mentira?

_ Mas você não diz que sou sua irmã? Então! Você podia ir lá falar…

“_ Minha filha, você sabe lá? Se fossem cobrar tudo mesmo, aí, sim, você não iria aguentar.

_ Mas você não acha que isso é demais?

_ Não. Não acho.

_ Puxa! Que você está pensando? São dez crianças! São nove porque eu sou o dez… Vou ser mãe de nove crianças.
_ Imagine se fossem 30 ou 40…

_ É, você é doido mesmo…

_ Imagine se você tivesse que nascer cega ou paralítica, ou surda…

_ Ah, pelo menos ia ter alguém que cuidasse de mim.

_ Não sei. Muita gente passa a vida toda cega, sem ter quem cuide.

 A solidão é uma coisa terrível, minha irmã. Afinal de contas, você vai ter uma família. Quando eles crescerem, mesmo que não te retribuam, vai haver um para te ajudar, amar e respeitar. Vai partilhar com você essas agonias todas. Mas, quem sabe, mesmo entre eles, os outros sete ou oito, alguns pensem: “Essa irmã sacrificou-se. Eu não gostava dela, mas, afinal de contas, ela foi boa para a gente.”

_ Não está com jeito, não. Do jeito que eu vejo, vai ser tudo um bando de ingratos, que vão fazer de mim gato e sapato. Isso é que eu acho.

_ Se você usar sua inteligência, sua capacidade de amar, poderá transformá-los em seres que te amem.

_ E a minha vida de moça?

_ Isso é tão importante assim? Você teve uma vida de moça e não a utilizou corretamente. Você mesma disse aí, no princípio, que não usou bem os seus encantos. Usou-os para dominar, para corromper, enfim, para fazer tudo quanto veio à cabeça.

_ Isso tudo é tão complicado! Se a gente soubesse a confusão que dá, não faria certas coisas. Vou lhe contar, não faria mesmo!

_ Veja bem. Você sabe agora. Agora você está sabendo.

_ Pois é, mas agora que eu sei, é tarde. Vou ter que aguentar. E tem mais, eu não lhe falei. Vou ter um pai, não é? Mas esse pai vai ser um alcoólatra.

Disseram-me que, numa outra vida, eu fiz dele um alcoólatra. Ele teve um desgosto e deu de beber, beber… e acabou morto, numa sarjeta, por minha causa, porque se apaixonou por mim. Agora, que mulher pode ter culpa se um homem se apaixona por ela? Eu tenho culpa? Se amanhã você se apaixona por mim… Vamos ver. 

O que eu vou fazer? Você se apaixonou porque quis. Mas aí, deixa eu contar, pra você ver o quadro como é preto. Então, vou ter esse pai, que vai ser outra carga em cima de mim. Quer dizer, vou ter que ficar com o peso todo, porque ele vai chegar em casa bêbado. Vou ter que ajudar, vou ter que… Ó meu Deus! Parece coisa de novela, não parece? Parece história de folhetim. Se contar, ninguém acredita. E eu vou… Quer dizer… É um romance que já está escrito. Já foi escrito! Mostraram-me tudo lá. E um romance que já está escrito!





(Trecho do livro As mil faces da realidade espiritual, escrito por Herminio C. Miranda - Ed.CEAC)

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Mais de Hermínio....

9.7.13

DESENCARNA HERMÍNIO MIRANDA


Hermínio (05/01/1920 - 08/07/2013)

"O pássaro agora voa liberto. Nós, que não mais podemos vê-lo, já sentimos saudades do seu canto."

Jáder Sampaio

Na década de 80 a União Espírita Mineira, em associação com a Aliança Municipal Espírita de Belo Horizonte, trouxe três estudiosos do espiritismo para um seminário sobre mediunidade. Jorge Andréa dos Santos, Suely C. Schubert e Hermínio C. Miranda.

Hermínio estava incomodado com o púlpito. Não era expositor, dizia, apenas escritor. Assentado, com um maço de páginas nas mãos, começou a ler seu discurso. E que discurso! Superado o impacto inicial de ouvir uma leitura, as palavras dele criavam vida após sair do papel. Eram tantas informações e com tanta elegância, que eu me dividia entre as anotações furiosas que fazia e a atenção necessária para acompanhar cada nuance, cada expressão, cada frase. Se ele temia o público, arrisco minha opinião póstuma: ele fez bonito!

Hermínio era reservado, tinha uma personalidade anglo-saxônica. A esposa completava-lhe o que lhe faltava. Recordo-me dela expansiva, simpática, calorosa. Os dois formavam um belo casal, cada um admirado por suas qualidades díspares.

Hermínio já era nonagenário, com extensa contribuição ao espiritismo e ao movimento espírita. Durante anos manteve uma coluna no Reformador, chamada "Lendo e Comentando". Ela trouxe aos trópicos de forma sistemática o que se pesquisava sobre comunicação dos espíritos e reencarnação nas terras anglófonas. Creio que das páginas do Reformador saiu o material para a composição dos livros "Sobrevivência e Comunicabilidade dos Espíritos" e "Reencarnação e Imortalidade".

Um de seus trabalhos sistemáticos foi com o atendimento aos espíritos. Apesar da personalidade reservada, ele mostrava um senso de percepção incomum e uma capacidade de diálogo transformadora. Como gravasse seus atendimentos, pode nos oferecer uma quadrilogia de livros intitulada "Histórias que os espíritos contaram", hoje publicada pela editora Correio Fraterno. A teoria do seu trabalho diferenciado, no qual incluiu técnicas dos magnetizadores do século XIX, encontra-se em dois livros: Diálogo com as sombras (FEB) e Diversidade dos Carismas (Lachâtre).

As incursões pelo magnetismo não se restringiram ao mundo das sombras, e ele fez sessões de regressão de memória com algumas pessoas. Luciano dos Anjos foi um sujet pleno de recordações da França revolucionária, que ele registrou no livro "Eu sou Camille Desmoulins", publicado em 1989, no bicentenário da revolução francesa, com uma explicação do autor que assegurava não ter podido publicar antes, e não estar se aproveitando das comemorações. Para quem agora escreve, seria uma simetria histórica.

Simetria histórica é um dos conceitos que ele desenvolveu e que foi empregado em muitos dos seus livros. As Marcas do Cristo (FEB), é um exemplo deste tipo de trabalho, no qual Hermínio compara a personalidade e história de Paulo de Tarso com a de Martinho Lutero. Este conceito seria empregado pela Dra. Nadia Luz, em sua tese de doutoramento em história, publicada na coleção Espiritismo na Universidade.

As biografias foram também uma de suas paixões. Ele publicou diversas, recuperando para o movimento espírita personalidades que passariam despercebidas nos dias de hoje, apesar de sua relevância. Guerrilheiros da Intolerância (Lachâtre), Hahnnemann, apóstolo da medicina espiritual (CELD), O pequeno laboratório de Deus (Lachâtre) e Swedenborg, uma análise crítica, são alguns dos exemplos.

Um de seus interesses era com a psicologia, na sua interseção com os fenômenos espirituais. Um de seus livros neste campo tornou-se best seller: Nossos filhos são espíritos (Lachâtre). Autismo, uma leitura espiritual (Lachâtre) e Condomínio Espiritual (Lachâtre) são alguns dos trabalhos com este perfil.

Creio que um dos temas que mais o intrigava era a transformação do cristianismo. Ele contribuiu com Os cátaros e a heresia católica (Lachâtre), Cristianismo, a mensagem esquecida (Lachâtre), Candeias da noite escura (FEB) e O evangelho gnóstico de Tomé (Lachâtre).

Das traduções, sua obra prima, é A história triste, de Patience Worth, que desenterrou do esquecimento juntamente com Memória Cósmica, cuja tradução está perdida em seu hard-disk.

Os livros do egito, que povoa suas recordações de além cérebro, o Edwin Drood, o livro de Dickens completado pela mediunidade e igualmente desenterrado por Hermínio, O processo dos espíritas, que reconta a injusta perseguição da sociedade francesa a um dos continuadores de Kardec, Leymarie, e muitos e muitos livros que não vou ficar citando, trazem seu nome e são frutos das suas horas de trabalho sério.

Voa, meu amigo, voa. Vai conhecer novos mundos, recordar mais vivências, reviver os tempos do Cristo. Voa bem alto, para que um dia possa retornar falando das luzes e do futuro.

Fonte:http://espiritismocomentado.blogspot.com.br/2013/07/desencarna-herminio-miranda.html?showComment=1373378084511

terça-feira, 9 de julho de 2013

A Obra de Kardec e Kardec Diante da Obra

A Obra de Kardec e Kardec Diante da Obra

Sempre haverá muito que aprender na obra de Allan Kardec, não apenas aqueles que se iniciam no estudo da Doutrina Espírita, como também os que dela já têm conhecimento mais profundo. Isso porque os livros que divulgam idéias construtivas - e especialmente idéias novas - nunca se esgotam como fonte de onde fluem continuamente motivações para novos arranjos e, portanto, de progresso espiritual, sem abandonar a contextura filosófica sobre as quais se apóiam.
Para usar linguagem e terminologia essencialmente espíritas,
diríamos que o perispírito da doutrina permanece em toda a sutileza e
segurança de sua estrutura, ao passo que o espírito da Doutrina segue à
frente, em busca de uma expansão filosófica, sujeito que está ao constante embate com a tremenda massa de informação que hoje nos alcança, vinda de todos os setores da especulação humana. De fato, a Doutrina Espírita está exposta às mais rudes confrontações, por todos os seus três flancos ao mesmo tempo: o filosófico, o científico e o religioso. A cada novo pronunciamento significativo da filosofia, da ciência ou da especulação religiosa, a doutrina se entrega a um processo introspectivo de auto-análise para verificar como se saiu da escaramuça. Isso tem feito repetida mente e num ritmo cada vez mais vivo, durante mais de um século. E com enorme satisfação, podemos verificar que nossas posições se revelaram inexpugnáveis. Até mesmo idéias e conceitos em que a Doutrina se antecipou aos tempos começam a receber a estampa confirmatória das conquistas intelectuais como, para citar apenas dois exemplos a reencarnação e a pluralidade dos mundos habitados. Poderíamos citar ainda a existência do perispírito que vai cada dia mais tornando-se uma necessidade científica, para explicar fenômenos que a biologia clássica não consegue entender.
Quando abrimos hoje revistas, jornais e livros sintonizados com as mais
avançadas pesquisas e damos com o nome de importantes cientistas examinando a sério a doutrina palingenésica ou a existência de vida inteligente fora da Terra, somos tomados por um legítimo sentimento de segurança e de crescente respeito pelos postulados da doutrina que os Espíritos vieram trazer-nos.
Tamanha era a certeza de Kardec sobre tais aspectos que escreveu que o
Espiritismo se modificava nos pontos em que entrasse em conflito com os
fatos científicos devidamente comprovados.
Essa observação do Codificador, que poderia parecer a muitos a expressão de um receio ou até mesmo uma gazua para eventual saída honrosa, foi, ao contrário, uma declaração corajosa de quem pesou bem a importância do que estava dizendo e projetou sobre o futuro a sua própria responsabilidade. O tempo deu-lhe a resposta que ele antecipou: não, não há o que reformular, mas se algum dia houver, será em aspectos secundários da doutrina e jamais nas suas concepções estruturais básicas, como a existência de Deus, a sobrevivência do Espírito. a reencarnação e a comunicabilidade entre vivos e "mortos".
O que acontece é que a doutrina codificada não responde a todas as nossas indagações, e nem as de Kardec foram todas resolvidas nos seus mínimos pormenores e implicações. "O Livro dos Espíritos" é um repositório de princípios fundamentais de onde emergem inúmeras "tomadas" para outras tantas especulações e conquistas e realizações. Nele estão os germes de todas as grandes idéias que a humanidade sonhou pelos tempos afora, mas os Espíritos não realizam por nós o nosso trabalho. Em nenhum outro cometimento humano vê-se tio claramente os sinais de uma inteligente, consciente e preestabelecida coordenação de esforços entre as duas faces da vida - a encarnada e a desencarnada. Tudo parece - e assim o foi - meticulosamente planejado e escrupulosamente executado. A época era aquela mesma, como também o meio ambiente e os métodos empregados.
Para a carne vieram os espíritos incumbidos das tarefas iniciais e das que se seguiram, tudo no tempo e no lugar certos. Igualmente devem ter sido levadas em conta a fragilidade e as imperfeições meramente humanas, pois que também alternativas teriam sido planejadas com extremo cuidado. Há soluções opcionais para eventuais falhas, porque o trabalho era importante demais para ficar ao sabor das imperfeições humanas e apoiado apenas em dois ou três seres, por maiores que fossem. Ao próprio Kardec, o Espírito da Verdade informa que é livre de aceitar ou não o trabalho que lhe oferecem. O
eminente professor é esclarecido, com toda a honestidade e sem rodeios, que a tarefa é gigantesca e, como ser humano, seria arrastado na lama da iniqüidade, da calúnia, da mentira, da infâmia. Que todos os processos são bons para aqueles que se opõem à libertação do homem. Que ele, Kardec, poderia também falhar. Seu engajamento seria, pois, de sua livre escolha e que, se recusasse a tarefa, outros havia em condições de levá-la a bom termo.
O momento é dramático. É também a hora da verdade suprema, pois o plano de trabalho não poderia ficar comprometido por atitudes dúbias e
meias-palavras. Aquilo que poderia parecer rudeza de tratamento é apenas ditado pote seriedade do trabalho que se tinha a realizar no plano humano.
Kardec aceitou a tarefa e arrostou, com a bravura que lhe conhecemos, a
dureza das aflições que sobre ele desabaram, como estava previsto. Tudo lhe aconteceu, como anunciado; os amigos espirituais seriam incapazes de glamourizar a sua colaboração e minimizar as dificuldades apenas para induzi-lo a aceitar a incumbência.
Por outro lado, se ele era, entre os homens, o chefe do movimento, pois
alguém Unha que o liderar, compreendeu logo que não era o dono da doutrina e jamais desejou sê-lo. Quando lhe comunicam que foi escolhido para esse trabalho gigantesco, sente com toda a nitidez e humildade a grandiosidade da tarefa que lhe oferecem e declara que de simples adepto e estudioso a missionário e chefe vai uma distância considerável, diante da qual ele medita, não propriamente temeroso, mas preocupado, dado que era homem de profundo senso de responsabilidade. Do momento em que toma a incumbência, no entanto, segue em frente com uma disposição e uma coragem inquebrantáveis.
Esse aspecto da sua atuação jamais deve ser esquecido a consciência que tem da sua posição de coordenador do movimento e não de seu criador. Não deseja que a doutrina nascente seja ligada ao seu nome. Apaga-se deliberadamente e tenazmente para que a obra surja como planejada, isto é, uma doutrina formulada pelos Espíritos e transmitida aos homens pelos Espíritos, contida numa obra que fez questão de intitular "O Livro dos Espíritos". Por outro lado, não é intenção dos mensageiros espirituais - ao que parece - ditar um trabalho pronto e acabado, como um "flash" divino, de cima para baixo.
Deixam a Kardec a iniciativa de elaborar as perguntas e conceber não a
essência do trabalho, mas o plano geral da sua apresentação aos homens. A obra não deve ser um monólogo em que seres superiores pontificam
eruditamente sobre os grandes problemas do ser e da vida; é um diálogo no qual o homem encarnado busca aprender com os irmãos mais experimentados novas dimensões da verdade. E preciso, pois, que as questões e as dúvidas sejam levantadas do ponto de vista humano, para que o mundo espiritual as esclareça na linguagem simples da palestra, dentro do que hoje se chamaria o contexto da psicologia específica do ser encarnado. Por isso, Kardec não se julga o criador da Doutrina, mas é infinitamente mais do que um mero copista ou um simples colecionador de pensamentos alheios. Deseja apagar-se individualmente para que a obra sobreleve às contingências humanas; a Doutrina não deve ficar "ligada" ao seu nome pessoal como, por exemplo, a do super-homem a Nietszche, o islamismo a Maomé, o positivismo a Augusto Comte ou a teoria da relatividade a Einstein; é, no entanto, a despeito de si
mesmo, mais do que simples colaborador, para alcançar o estágio de um
co-autor quanto ao plano expositivo e às obras subseqüentes. Os Espíritos deixam-lhe a iniciativa da forma de apresentação. A princípio, nem ele mesmo percebe que já está elaborando 'O Livro dos Espíritos"; parece-lhe estar apenas procurando respostas às suas próprias interrogações. Homem culto, objetivo, esclarecido e com enormes reservas às doutrinas religiosas e filosóficas da sua época, tem em mente inúmeras indagações para as quais ainda não encontrara resposta. Ao mesmo tempo em que vai registrando as observações dos Espíritos, vai descobrindo um mundo inteiramente novo e insuspeitado e tem o bom senso, de não se deixar fascinar pelas suas descobertas.
E, pois, ao sabor de sua controlada imaginação que organiza o esquema das suas perguntas e quando dá conta de si tem anotações metódicas, lúcidas, simples de entender e, no entanto, do mais profundo e transcendental sentido humano. Sem o saber, havia coligido um trabalho que, pela sua extraordinária importância, não poderia ficar egoisticamente preso à sua gaveta; era preciso publicá-lo e isso mesmo lhe dizem os Espíritos. Assim o fez e sabemos de sua surpresa diante do sucesso inesperado da obra.
Daí em diante, isto é, a partir de "O Livro dos Espíritos", seus amigos
assistem-no, como sempre o fizeram, mas deixam-no prosseguir com a sua
própria metodologia e nisso também ele era mestre consumado, por séculos de experiência didática. As obras subseqüentes da Codificação não surgem mais do diálogo direto com os Espíritos e sim das especulações e conclusões do próprio Kardec, sem jamais abandonar, não obstante, o gigantesco painel desenhado a quatro mãos em "O Livro dos Espíritos".
Conversando uma vez, em nosso grupo, sobre o papel de certos espíritos na história, disse-nos um amigo espiritual que é muito importante para todos nós o trabalho daqueles a quem ele chamou Espíritos ordenadores. São os que vêm incumbidos de colocar em linguagem humana, acessível, as grandes idéias.
Sem eles, muito do que se descobre, se pensa e se realiza ficaria perdido no caos e na ausência de perspectiva e hierarquia. São eles -Espíritos lúcidos, objetivos e essencialmente organizadores - que disciplinam as idéias, descobrindo-lhes as conexões, implicações e conseqüências, colocando-as ordenadamente ao alcance da mente humana, de modo facilmente acessível e assimilável, sob a forma de novas tese'>sínteses do pensamento. São eles, portanto, que resumem um passado de conquistas e preparam um futuro de realizações. Sem eles, o conhecimento seria um amontoado caótico de idéias que se contradizem, porque invariavelmente vem joio com o trigo, na colheita, e ganga com ouro, na mineração. São eles os faiscadores que tudo tomam, examinam, rejeitam, classificam e colocam no lugar certo, no tempo certo, autruisticamente, para que quem venha depois possa aproveitar-se das estratificações do conhecimento e sair para novas tese'>sínteses, cada vez mais amplas, mais nobres, mais belas, ad infinitum.
Allan Kardec é um desses espíritos. Não diremos que seja um privilegiado porque essa classificação implica idéia de prerrogativa mais ou menos indevida e as suas virtudes são conquistas legítimas do seu espírito, amadurecidas ao longo de muitos e muitos séculos no exercício constante de uma aguda capacidade de julgamento - é, pois, um direito genuinamente adquirido pelo esforço pessoal do espírito e não uma concessão arbitrária dos poderes superiores da vida. O trabalho que realizou pela Doutrina Espírita é de inestimável relevância. Para avaliar a sua importância basta que nos coloquemos, por alguns instantes, na posição em que ele estava nos albores do movimento. Era um homem de 50 -anos de idade, professor e autor de livros didáticos. Sua atenção é solicitada para os fenômenos, mas ele não é de entregar-se impulsivamente aos seus primeiros entusiasmos. Quer ver
primeiro, observar, meditar e concluir, antes de um envolvimento maior.
Quando recebe a incumbência e percebe o vulto da tarefa que tem diante de si, nem se intimida, nem se exalta. É preciso, porém, formular um plano de trabalho. Por onde começar? Que conceitos selecionar? Que idéias têm precedência sobre outras? Serão todas as comunicações autênticas? Será que os Espíritos sabem de tudo? Poderão dizer tudo o que sabem?
É tudo novo, tudo está por fazer e já lhe preveniram que o mundo vai desabar sobre ele. O cuidado tem de ser redobrado, para que o edifício da doutrina não tenha uma rachadura, um fresta, um ponto fraco, uma imperfeição; do contrário, poderá ruir, sacrificando toda a obra. Os representantes das trevas estão atentos e dispostos a tudo. Os Espíritos o ajudam e o inspiram e o incentivam, embora sejam extremamente parcimoniosos em elogios e um tanto enérgicos nas advertências. Quando notam um erro de menor importância numa exposição de Kardec, não indicam o ponto fraco; limitam-se a recomendar-lhe que releia o texto, que ele próprio encontrará o engano. Do lado humano, encarnado, da vida, é um trabalho solitário. Não tem a quem recorrer para uma sugestão, um conselho, um debate. Os amigos espirituais
somente estão à sua disposição por algum tempo, restrito, sob limitadas
condições, durante as horas que consegue subtrair ao seu repouso, porque as outras são destinadas a ganhar a vida, na dura atividade de modesto guarda-livros.
Sem dúvida alguma, trata-se de um trabalho de equipe, tarefa pioneira,
reformadora, construtora de um novo patamar para a escalada do ser na
direção de Deus. As velhas doutrinas religiosas não satisfazem mais, a
filosofia anda desgovernada pelos caminhos da negação e a ciência desgarrada de tudo, aspirando ao trono que o dogma'>dogmatismo religioso deixou vago. No meio de tudo isso, o homem que pensa e busca um sentido para a vida se atormenta e se angustia, porque não vê suporte onde escorar sua esperança. A nova doutrina vem trazer-lhe o embasamento que faltava, propor uma total reformulação dos conceitos dominantes. Ciência e religião não se eliminam, como tantos pensavam; ao contrário, se completam, coexistindo com a filosofia. O homem que raciocina também pode crer e o crente pode e deve exercer, em toda a extensão, o seu poder de análise e de crítica. Isso não é apenas tolerado, senão estimulado, pois entende Kardec que a fé só merece confiança quando passada pelos filtros da razão. Se não passar, é espúria e deve ser rejeitada.
Concluindo, assim, o trabalho que lhe competia junto aos Espíritos ainda lhe resta muito a fazer, e o tempo urge. Incumbe-lhe agora inserir a nova doutrina no contexto do pensamento de seu tempo - como se diria hoje.
Terminou o recital a quatro mãos e começa o trabalho do solista, porque o mestre ainda está sozinho entre os homens, embora cercado do carinho e da amizade de seus companheiros espirituais. Atira-se, pois, ao trabalho. A luz do seu gabinete arde até altas horas da noite. E preciso estudar e expor aos homens os aspectos experimentais implícitos na Doutrina dos Espíritos.
Desses aspectos, o mais importante, sem dúvida, é a prática da mediunidade, instrumento de comunicação entre os dois mundos. Sem um conhecimento metodizado da faculdade mediúnica, seria impossível estabelecer as bases experimentais da doutrina. Daí, o "O Livro dos Médiuns".
Em seguida, é preciso dotar o Espiritismo de uma estrutura ética. Não é
necessário criar uma nova moral; já existe a do Cristo. O trabalho é enorme e exige tudo de seu notável poder ordenador. E que o ensinamento de Jesus, com a passagem dos séculos e ao sopro de muitas paixões humanas, ficara soterrado em profunda camada de impurezas. Kardec decidiu reduzir ao mínimo os atritos e controvérsias, buscando nos Evangelhos apenas o ensinamento moral, sem se deter, portanto, na análise dos milagres, nem dos episódios da vida pública do Cristo, ou dos aspectos que foram utilizados para a elaboração dos dogma'>dogmas. Dentro dessa idéia diretora, montou com muito zelo e amor "O Evangelho segundo o Espiritismo". O problema dos dogma'>dogmas - pelo menos os principais -ficaria para "O Céu e o Inferno" e sobre as questões científicas ainda voltaria a escrever em "A Gênese".
E assim concluía mais uma etapa da sua tarefa. O começo, onde andaria? Em que tempo e em que ponto cósmico? Era - e é - um espírito reformador, ordenador, preparador de novas veredas. A continuação, seus amigos espirituais deixaram-no entrevê-la ao anunciar-lhe que se aproximava o término da existência terrena, mas não dos seus encargos: voltaria encarnado noutro corpo, lhe disseram, para dar prosseguimento ao trabalho. Ainda precisavam dele e cada vez mais. Nada eram as alegrias que experimentava ao ver germinar as sementes que ajudara a semear; aquilo eram apenas os primeiros clarões de uma nova madrugada de luz. Quando voltasse, teria a alegria imensa de ver transformadas em árvores majestosas as modestas sementeiras das suas vigílias, regadas por dores muitas. Não seria mais o vulto solitário a conversar com os Espíritos e a escrever no silêncio das horas mortas -teria companheiros espalhados por toda a Terra, entregues ao mesmo ideal supremo de trabalhar sem descanso na seara do Cristo, cada qual na sua tarefa, conforme seus recursos, possibilidades e limitações, dado que o trabalho continua entregue a equipes, onde o personalismo não pode ter vez para que as paixões humanas não o invalidem.
"De modo que - dizia Paulo - nem o que planta é alguém, nem o que rega,
senão Deus que a faz crescer.
E o que planta e o que rega são iguais; se bem que cada um receberá o seu salário segundo seu próprio trabalho, já que somos colaboradores de Deus e vós, campo de Deus, edificação de Deus" (1 Coríntios, 3:7 a 9).
Trabalhadores de Deus desejamos ser e o seremos toda vez que apagarmos o nosso nome na glória suprema do anonimato, para que o nosso trabalho seja de Deus, que faz germinar a semente e crescer a árvore, e não nosso, que apenas confiamos a semente ao solo. Somos portadores da mensagem, não seus criadores, porque nem homens nem espíritos criam; apenas descobrem aquilo que o Pai criou.
São essas as dominantes do espírito de Kardec. Sua vitória é a vitória do equilíbrio e do bom senso, é a vitória do anonimato e da humildade, notável forma de humildade que não se anula, mas que luta e vence. Como figura humana, nem sequer aparece nos livros que relatam a saga humana. Para o historiador leigo, quem foi Kardec? Seu próprio nome civil, Hippolyte-Léon Denizard Rivail, ele o apagou para publicar seus livros com o nome antigo de um obscuro sacerdote druida.
De modo que não é somente a obra realizada por Kardec que devemos estudar, é também sua atitude perante a obra, porque tudo neste espírito é uma lição de grandeza em quem não deseja ser grande.

Hermínio C. Miranda

A Escolha de Dirigentes Espíritas

A Escolha de Dirigentes Espíritas

Após socorrer-se da imagem do corpo humano como modelo integrado e funcional de uma instituição, Paulo propõe aos discípulos de Corinto a seguinte distribuição de tarefas:

* apóstolos,
* médiuns psicofônicos (profetas),
* expositores (mestres),
* médiuns de cura para doenças orgânicas (milagres),
* médiuns de cura para distúrbios mentais e emocionais (dom de cura),
* trabalhos de assistência social, *
* trabalhos administrativos,
* médiuns xenoglóssicos (dom de línguas).
* Destaca-se que a função, digamos, gerencial da instituição ficou posta em sétimo lugar, numa hierarquia de oito atividades específicas, nas quais avulta o exercício de bem definidas faculdades mediúnicas.

É claro o recado: Paulo deseja as tarefas administrativas reduzidas a um mínimo indispensável e que não se sobreponham às demais, que considera prioritárias, embora ele insista na importância de cada uma para o conjunto, cabendo aos apóstolos, como trabalhadores diretos da palavra do Cristo, a indiscutível liderança do grupo, sempre que presentes.
Lamentavelmente, contudo, os administradores das comunidades – núcleo central da futura classe sacerdotal – não se conformavam com esse posicionamento que, praticamente, nenhum poder lhes conferia, e trataram de manobrar para subverter a escala de valores do Apóstolo dos Gentios. Para encurtar uma longa história: decorrido não mais que um século, eles estavam no topo da estrutura, uma vez que os ocupantes iniciais dessa posição – os apóstolos – já haviam partido, e os médiuns haviam sido, pouco a pouco, silenciados.
Por outro lado, a partir de certo momento, a Igreja Primitiva optou pelo critério quantitativo, que produzia massas maiores de manobrar. Acontece que os núcleos de poder atraem precisamente aqueles que buscam o exercício do poder e não os que desejam contribuir com a sua modesta parcela de trabalho, mas não se sentem fascinados pelo mando. O resultado foi o que se viu e ainda se vê: uma instituição rigidamente hierarquizada, volumosa pirâmide de poder civil, econômico, social e político, na qual pouco espaço resta – se é que resta – para implementação do ideário do Cristo, que teria de ser, necessariamente, a prioridade absoluta do sistema.
Essas reflexões ocorrem a propósito de situações semelhantes ou muito parecidas, que estamos testemunhando no movimento espírita contemporâneo, com disputas entre os que desejam entrar e os que não querem sair, mesmo após 20 ou 30 anos de comando. Em alguns desses casos, segundo sabemos, a regra é uma espécie de vitalidade que vai aos extremos da intenção dinástica.
Esboçam-se, em tais casos, verdadeiras campanhas, segundo modelos político-partidários, nos quais figura, com destaque, intensa atividade promocional desta ou daquela chapa. Confesso, contudo, certo desconforto, quando percebo um açodamento maior e uma paixão mais intensa nas campanhas que se travam, às claras e nos bastidores, em torno de certos postos de comando administrativo. E, principalmente, de um travo meio estranho de azedume e hostilidade entre as diversas facções.
Se eu tivesse de votar, gostaria de conhecer, com antecedência, a verdadeira motivação dessas pessoas, o que de fato pretendem fazer uma vez assumidas as funções para as quais forem eventualmente escolhidas, e que tipo de contribuição se comprometem a dar, não apenas no trato da Doutrina. Isto se pode aferir com a possível aproximação, ainda que não com a precisão desejável, pelo que as pessoas empenhadas na disputa tenham dito, escrito ou realizado, no passado, e as posturas que hajam assumido como espíritas, dentro e fora do movimento. É claro que, uma vez que os eleitores as escolhem e elas assumem os cargos, é o consenso resultante de cada um que vai determinar os rumos da ação administrativa, mas não apenas isso, e, principalmente, de que maneira será tratada a Doutrina dos Espíritos, da qual o movimento é apenas o corpo físico?
Se me concedem, pois, o modesto direito de sugerir ou opinar sobre algo, deixem-me pedir aos companheiros que escolhem dirigentes no movimento espírita um momento de silêncio interior, de serena meditação, de lúcida avaliação, uma cuidadosa preparação, a fim de que possam exercer com plena consciência de suas responsabilidades o direito de decidir a quem serão entregues as tarefas administrativas e representativas do movimento espírita.
O voto de cada um pode acarretar inesperadas conseqüências, a curto, médio ou a longíssimo tempo, tanto na sustentação do Espiritismo enquanto Doutrina, que traz em si as matrizes ideológicas do futuro, como tentativa frustrada (mais uma!) de implementar um modelo racional e inteligente a promover as reformas éticas de que tanto necessita a civilização moderna.

Hermínio C. de Miranda

A MENTE QUE NÃO MENTE

A Mente que não Mente

A ortodoxia religiosa sempre andou preocupada com a eclosão de doutrinas reformistas e renovadoras que classifica sumariamente de heréticas. Essa vigilância tem levado a muita perseguição injusta e a não poucos arrependimentos e recuos. Alguns heréticos chegaram mesmo a passar da condição de réprobos à canonização, como Joana D' Arc, quando foi revisto o seu processo. Outros, como Giodarno Bruno e Galileu, constituem até hoje pontos sensíveis na história eclesiástica, como pecados da juventude que não relembramos sem angústia.

O problema, porém, tornou-se muito mais sério nestes últimos tempos, nos quais o arcabouço teológico começa a estalar ao peso insuportável da modernização do pensamento. Ainda que a ciência também tenha seus dogma'>dogmas e seus hereges, muito do que ela vai revelando adquire foros de conquista irreversível, geralmente em sacrifício de velhos conceitos superados.

Qualquer menino de ginásio sabe hoje que um corpo humano não pode subir ao céu como querem os dogma'>dogmas da ascensão do Cristo e de Maria.

Mesmo admitindo-se a atuação de uma força propulsora que os projetasse para além da gravidade terrestre, os corpos assim deslocados, ficariam suspensos no espaço a circular na órbita da terra ou de seu satélite.

Esse tipo de conhecimento leva o homem moderno às trilhas da descrença por não saber como conciliar razão e fé. Os grandes filósofos do cristianismo ortodoxo conseguiram, com enorme sucesso e por largo espaço de tempo, convencer fiéis de que a fé era uma coisa e razão outra, e que aquela não poderia ser subordinada a esta.

Ainda há quem admita esse conceito absurdo; outros, porém, preferem pensar por sua própria cabeça e submeter à crítica da razão aquilo que lhes chega envolvido pela atmosfera abafada da teologia escolástica. Estes derivam para descrença e desanimam na busca da verdade ou partem para o estudo sistemático de qualquer sistema que ofereça alguma luz ao entendimento do universo.

O Espiritismo é a doutrina que conseguiu, pela primeira vez, conciliar fé e razão, não admitindo aquilo que não puder passar no teste do racionalismo inteligente e esclarecido.

Por isso vai se impondo metodicamente, seguramente, ampliando cada vez mais sua área de influência, pois atrai a todos aqueles que, sem poderem mais aceitar a velha crença divorciada da razão, estão prontos para acatar uma verdade superior que não exige o sacrifício do raciocínio. Mas ainda: o Espiritismo expõe uma doutrina do mais profundo sentido humanista. A sua racionalidade não a levou à frieza dos símbolos matemáticos ou dos meros conceitos filosóficos - é, antes, uma norma de vida, um roteiro para compreensão do universo e posicionamento do homem na escala cósmica.

Por isso, muitos nos procuram, o que preocupa, como é natural, os responsáveis pela perpetuação do superado sistema dogmático. Através dos séculos, chegou a ser desenvolvida uma verdadeira técnica de combate às novas idéias que ameaçam a estabilidade da ortodoxia. Essa técnica se aperfeiçoa com o passar do tempo, mas continua basicamente a mesma.

O Espiritismo é uma das doutrinas que muito vem incomodando a igreja especialmente a brasileira, ou seja, a porção brasileira do catolicismo romano. Para combatê-los, vários e ilustres sacerdotes têm sido investidos dos necessários poderes e dos competentes "Imprimatur" e "Nihil Obstat". Essa é a técnica básica.

Há algum tempo, entretanto, a dominante do plano de ataque era a velha doutrina de interferência do diabo nas manifestações mediúnicas. Hoje isto seria inadmissível, pois até mesmo os sacerdotes já descobriram que essa história de demônio é fantasia pura. A prova está nas declarações de alguns eminentes teólogos perante o Concílio Vaticano-II. Impedidos assim de invocar o demônio de atacar a ciência nas suas conquistas mais legítimas, buscam qualquer princípio científico que ofereça a mínima possibilidade de apoio. Esse é o ponto em que variou a técnica.

Um dos recursos de que estão se socorrendo os nossos queridos irmãos sacerdotes é a Parapsicologia, na qual vêm depositando grandes e infundadas esperanças.

A Parapsicologia ainda não está muito segura de si e sofre dum renitente mal de origem, que poderíamos chamar, recorrendo ao velho grego, de pneumofobia, ou seja, medo do espírito. A jovem ciência que nós espíritas, poderíamos classificar como autêntica reencarnação da Metapsíquica, treme à idéia de acabar descobrindo o espírito humano e foge da palavra como, segundo se dizia, o desmoralizado diabo fugia da cruz. Os modernos tratados de Parapsicologia giram todos em torno do mesmo "leit motiv": "O Alcance da Mente", "O Novo Mundo da Mente", "Ciência Fronteiriça da Mente", "Canais Ocultos da Mente". É tudo mente e nada de espírito. Sobrevivência?! Deus nos livre! Pois se nem quererem concordar em que o espírito exista, como vão admitir que sobrevive? Nada disso; tudo se explica pela faculdade extra-sensorial da mente. Mas que faculdade é essa e que "Mente" é essa?

Vêm, então, os nossos inevitáveis sacerdotes parapsicológicos deitar sabedoria extra-sensorial, contaminados irremediavelmente pela mesmíssima pneumofobia e tudo para eles é Mente também.

Topamos, assim, como esta incongruência, difícil de se admitir em homens que devem ter estudado a sua filosofia:

1 - a mente dispõe de faculdades extra-sensoriais (postulado cientifico que aceitam e ensinam);

2 - o espírito (alma) que não pode existir sem a mente; sobrevive à morte física (postulado teológico que também aceitam e pregam);

3 - a mente (ou espírito ou alma) não está sujeita a limitação de tempo ou de espaço (também pacífico).

No entanto, qual a conclusão: A mente do espírito sobrevivente que ligada ao corpo, tinha recursos tão notáveis, não pode manifestá-los quando se separa do corpo pela morte física, a não ser através do "milagre"(!).

E os livros que contam essas coisas merecem ingênuos e inadvertidos "Imprimatur" e "Nihil Obstat", o que vale dizer que são aprovados, confiantemente para o leitor católico; autoridades Eclesiásticas respeitáveis dão cobertura do ponto de vista teológico a obras que, do ângulo científico, estão oferecendo uma visão deformada e incompleta da realidade. A Parapsicologia não tem substância suficiente para oferecer base à teologia ortodoxa e jamais a terá, enquanto permanecer contida nos seus gabinetes atuais.

No dia em que o mecanismo do espírito (chamem de mente se quiserem) for pesquisado por cientistas corajosos e despidos de preconceitos, vão ser "revelados" os seguintes pontos que o Espiritismo conhece há mais de cem anos:

1- que espírito existe, preexiste e sobrevive;

2- que há um intercâmbio ativo entre os homens que já viveram na Terra e os espíritos dos que vivem como homens;

3- que o espírito se reencarna, evolui e é responsável pelo que faz aqui e no mundo espiritual.

Diante disso, como é que vão ficar os nossos padres parapsicólogos? Quando voltarem para o espaço, depois da chamada "crise da morte" e quiserem transmitir a realidade da sobrevivência ao companheiro encarnado, este poderá dizer muito simplesmente que não é preciso admitir a comunicação espírita; basta a pantomnésia ou a hiperestesia direta, ou indireta. E o pobre espírito, dentro duma realidade irrecusável, irá amargar alhures a repercussão de sua vaidade teológica e científica.

Hermínio C. Miranda

Bibliografia de Herminio C. Miranda

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Autor de cerca de 40 livros, dentre eles, diversos clássicos da literatura espírita, como Diálogo com as sombras, Diversidade dos carismas e Nossos filhos são espíritos.
Na pesquisa psíquica, dialogando por décadas com espíritos, as suas obras relatam vivências, fatos e fenômenos reais.
Nesse leque de habilidades, Hermínio acrescenta a de tradutor. Em O mistério de Edwin Drood, de Charles Dickens, a sua tradução valoriza o original. Todavia, a rica construção literária de A história triste, de Patience Worth – cujo enigma investigou –, talvez seja sua mais primorosa tradução.
O seu primeiro livro, Diálogo com as sombras, foi publicado em 1976. Os seus direitos autorais foram sempre cedidos a instituições filantrópicas.

A dama da noite (coleção "Histórias que os espíritos contaram")
A irmã do vizir (coleção "Histórias que os espíritos contaram")
A memória e o tempo
A noviça e o faraó - a extraordinária história de Omm Sety
A reencarnação na Bíblia
A reinvenção da morte (incorporada ao livro As duas faces da vida)
Alquimia da mente
Arquivos psíquicos do Egito
As duas faces da vida
As mãos de minha irmã (coleção "Histórias que os espíritos contaram", anteriormente intitulado Histórias que os espíritos contaram)
As marcas do Cristo, publicada em dois volumes
As mil faces da realidade espiritual
As sete vidas de Fénelon (série "Mecanismos secretos da história")
Autismo, uma leitura espiritual
Candeias na noite escura
Com quem tu andas? (com Jorge Andrea dos Santos e Suely Caldas Schubert)
Condomínio espiritual
Cristianismo: a mensagem esquecida
Crônicas de um e de outro (com Luciano dos Anjos)
De Kennedy ao homem artificial (com Luciano dos Anjos)
Diálogo com as sombras
Diversidade dos carismas
Eu sou Camille Desmoulins (com Luciano dos Anjos), publicada também em francês com o título Je suis Camille Desmoulins
Guerrilheiros da intolerância
Hahnemann, o apóstolo da medicina espiritual
Lembranças do futuro (incorporada ao livro As duas faces da vida)
Memória cósmica
Nas fronteiras do além
Nossos filhos são espíritos
O espiritismo e os problemas humanos (com Deolindo Amorim)
O estigma e os enigmas
O evangelho gnóstico de Tomé
O exilado (coleção "Histórias que os espíritos contaram")
O mistério de Patience Worth (com Ernesto Bozzano)
O pequeno laboratório de Deus (anteriormente intitulada Negritude e genealidade)
O que é fenômeno anímico (série "Começar")
O que é fenômeno mediúnico (série "Começar")
Os cátaros e a heresia católica
Reencarnação e imortalidade
Sobrevivência e comunicabilidade dos espíritos
Swedenborg, uma análise crítica

Além destas, Herminio traduziu e comentou as seguintes obras:
A feira dos casamentos (de J. W. Rochester, psicografada por Vera Ivanova Kryzhanovskaia)
A história triste, publicada em três volumes (de Patience Worth, psicografado por Pearl Lenore Curran)
O mistério de Edwin Drood (de Charles Dickens, com final psicografado por Thomas P. James)
Processo dos espíritas (de Madame Pierre-Gaëtan Leymarie)