O CÉU E O INFERNO DE ALLAN KARDEC
O Céu e o Inferno comentado por José Herculano Pires :
Allan Kardec apresenta a verdadeira face do desejado Céu, do temido
Inferno, como também do chamado Purgatório. Põe fim às penas eternas,
demonstrando que tudo no universo evolui.
Lendo-se este livro com atenção vê-se que a sua estrutura corresponde a
um verdadeiro processo de julgamento. Na primeira parte temos a
exposição dos fatos que o motivaram e a apreciação judiciosa, sempre
serena, dos seus vários aspectos, com a devida acentuação dos casos de
infração da lei. Na segunda parte o depoimento das testemunhas. Cada uma
delas caracteriza-se por sua posição no contexto processual. E diante
dos confrontos necessários o juiz pronuncia a sua sentença definitiva,
ao mesmo tempo enérgica e tocada de misericórdia. Estamos ante um
tribunal divino.
Os homens e suas instituições são acusados e pagam pelo que devem, mas
agravantes e atenuantes são levados em consideração à luz de um critério
superior.
A 30 de Setembro de 1863, como se pode ver em Obras Póstumas, Kardec
recebeu dos Espíritos Superiores este aviso: "Chegou a hora de a Igreja
prestar contas do depósito que lhe foi confiado, da maneira como
praticou os ensinamentos do Cristo, do uso que fez de sua autoridade,
enfim, do estado de incredulidade a que conduziu os espíritos". Esse
julgamento começava com a preliminar constituída pelo Evangelho Segundo o
Espiritismo e devia continuar com O Céu e o Inferno. Dentro de dois
anos, em seu número de Setembro de 1865, a Revista Espírita publicaria
em sua seção bibliográfica a notícia do lançamento do quarto livro de
Codificação Espírita: O Céu e o Inferno. Faltava apenas A Gênese para
completar a obra da Codificação da III Revelação.
Dois capítulos de O Céu e o Inferno foram publicados antecipadamente na
Revista: o capítulo intitulado Da apreensão da morte, vigorosa peça de
acusação, no número de Janeiro de 1865, e o capítulo Onde é o Céu, no
número de Março do mesmo ano. Apareceram ambos como se fossem simples
artigos para a Revista, mas o último trazia uma nota final anunciando
que ambos pertenciam a uma "nova obra que o Sr. Allan Kardec publicará
proximamente". Em Setembro a obra já aparece anunciada como à venda.
Kardec declara que, não podendo elogiá-la nem criticá-la, a Revista se
limitava a publicar um resumo do seu prefácio, revelando o seu conteúdo.
Os capítulos antecipadamente publicados aparecem, o primeiro com o
mesmo título com que saíra e o segundo com o título reduzido para O Céu.
Estava dado o golpe de misericórdia nos dogmas fundamentais da teologia
do cristianismo formalista, tipo inegável de sincretismo religioso com
que o Cristianismo verdadeiro, essencial e não formal conseguira
penetrar na massa impura do mundo e levedá-la à custa de enormes
sacrifícios. Kardec reafirma o caráter científico do Espiritismo. Como
ciência de observação a nova doutrina enfrenta o problema das penas e
recompensas futuras à luz da História, estabelecendo comparações entre
as idealizações do céu e do inferno nas religiões anteriores e nas
religiões cristãs, revelando as raízes históricas, antropológicas,
sociológicas e psicológicas dessas idealizações na formulação dos dogmas
cristãos.
A comparação do inferno pagão com o inferno cristão é um dos mais
eficazes trabalhos de mitologia comparada que se conhece. A mitologia
cristã se revela mais grosseira e cruel que a pagã. Bastaria isso para
justificar o Renascimento. O mergulho da humanidade no sorvedouro
medieval levou a natureza humana a um retrocesso histórico só comparável
ao do nazi-fascismo em nosso tempo. Os intelectuais materialistas
assustaram-se com o retrocesso do homem nos anos 40 do nosso século e
puseram em dúvida a teoria da evolução. Se houvessem lido este livro de
Kardec, saberiam que a evolução não se processa em linha reta; mas em
ascensão espiralada.
Vemos assim que este livro de Kardec tem muito para ensinar, não só aos
espíritas, mas também aos luminares da inteligência néo-pagã que perdem o
seu tempo combatendo o Espiritismo, como gregos e romanos combateram
inutilmente o Cristianismo. O processo espírita se desenvolve na linha
de sequência do processo cristão. A conversão do mundo ainda não se
completou. Cabe ao Espiritismo dar-lhe a última demão, como
desenvolvimento natural, histórico e profético do Cristianismo em nosso
tempo.
A leitura e o estudo sistemático deste livro se impõem a espíritas e
não-espíritas, a todos os que realmente desejam compreender o sentido da
vida humana na Terra. Mesmo entre os espíritas este livro é quase
desconhecido. A maioria dos que o conhecem nunca se inteirou do seu
verdadeiro significado. Kardec nos dá nas suas páginas o balanço da
evolução moral e espiritual da humanidade terrena até os nossos dias.
Mas ao mesmo tempo estabelece as coordenadas da evolução futura. As
penas e recompensas de após a morte saem do plano obscuro das
superstições e do misticismo dogmático para a luz viva da análise
racional e da pesquisa científica. É evidente que essa pesquisa não pode
seguir o método das ciências de mensuração, pois o seu objetivo não é
material, mas segue rigorosamente as exigências do espírito científico
moderno e contemporâneo.
O grave problema da continuidade da vida após a morte despe-se dos
aparatos mitológicos para mostrar-se com a nudez da verdade à luz da
razão esclarecida.
(José Herculano Pires, na introdução de O Céu e o Inferno)