Neio Lúcio
Reportava-se a
pequena assembléia a variados problemas da fé em Deus, quando Jesus,
tomando a palavra, narrou, complacente: — Um grande Soberano possuía
vastos domínios.
Terras, rios,
fazendas, pomares e rebanhos eram incontáveis em seu reino prodigioso.
Vassalos inúmeros
serviam-lhe a casa, em todas as direções.
Alguns deles nunca
se perdiam dos olhos do Senhor, de maneira absoluta.
De tempos a tempos,
visitavam-lhe a residência, ofereciam-lhe préstimos ou traziam-lhe flores
de ternura, recebendo novos roteiros de trabalho edificante.
Outros, porém,
viviam a belprazer nas florestas imensas.
Estimavam a
liberdade plena com declarada indisciplina.
Eram verdadeiros
perturbadores do vasto império, porquanto, ao invés de ajudarem a
Natureza, desprezavam- na sem comiseração.
Matavam animais pelo
simples gosto da caça, envenenavam as águas para assassinarem os peixes em
massa, perseguiam as aves ou queimavam as plantações dos servos fiéis, não
obstante saberem, no íntimo, que deviam obediência ao Poderoso Senhor.
Um desses servidores
levianos e ociosos não regateava sua crença na existência e na bondade do
Rei.
Depois de longas
aventuras na mata, exterminando aves indefesas, quando o estômago jazia
farto, costumava comentar a fé que depositava no rico Proprietário de
extenso e valioso domínio.
Um Soberano tão
previdente quanto aquele que soubera dispor das águas e das terras, das
árvores e dos rebanhos, devia ser muito sábio e justiceiro — explanava
consciente.
Sutilmente, todavia,
escapava-lhe a todos os decretos.
Pretendia viver a
seu modo, sem qualquer imposição, mesmo daquele que lhe confiara o vale em
que consumia a existência regalada e feliz.
Decorridos muitos
anos, quando as suas mãos já não conseguiam erguer a menor das armas para
perturbar a Natureza, quando os olhos embaciados não mais enxergavam a
paisagem com a mesma clareza da juventude, inclinando-se-lhe o corpo,
cansado e triste, para o solo, resolveu procurar o Senhor, a fim de
pedir-lhe proteção e arrimo.
Atravessou lindos
campos, nos quais os servos leais, operosos e felizes, cultivavam o chão
da propriedade imensa e chegou ao iluminado domicílio do Soberano.
Experimentando
aflitivo assombro, reparou que os guardas do limiar não lhe permitiam o
suspirado ingresso, porque seu nome não constava no livro de servidores
ativos.
Implorou, rogou,
gemeu; no entanto, uma das sentinelas lhe observou:
— O tempo disponível
do Rei é consagrado aos cooperadores.
— Como assim? —
bradou o trabalhador imprevidente.
— Eu sempre
acreditei na soberania e na bondade do nosso glorioso ordenador...
O guarda, contudo,
redargüiu, sem pestanejar:
— Que te adiantava
semelhante convicção, se fugiste aos decretos de nosso Soberano, gastando
precioso tempo em perturbar-lhe as obras? O teu passado está vivo em tua
própria condição...
Em que te servia a
confiança no Senhor, se nunca vieste a Ele, trazendo um minuto de
colaboração a benefício de todos? Observa-se, logo, que a tua crença era
simples meio de acomodar a consciência com os próprios desvarios do
coração.
E o servo, já
comprometido pelos atos menos dignos, e de saúde arruinada, foi
constrangido a começar toda a sua tarefa, de novo, de maneira a
regenerar-se.
O Mestre calou-se,
durante alguns momentos, e concluiu:
— Aqui temos a
imagem de todo ocioso filho de Deus.
O homem válido e
inteligente que admite a existência do Eterno Pai, que lhe conhece o
poder, a justiça e a bondade, através da própria expressão física da
Natureza, e que não o visita em simples oração, de quando em quando, nem
lhe honra as leis com o mínimo gesto de amparo aos semelhantes, sem o mais
47 leve traço de interesse nos propósitos do Grande Soberano, poderá
retirar alguma vantagem de suas convicções inúteis e mortas? Com essa
indagação que calou nos ouvidos dos presentes, o culto evangélico da noite
foi expressivamente encerrado.
Do Livro
Jesus no Lar - Francisco C. Xavier
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