Mensagem
O Evangelho de Tomé na visão de Hermínio Miranda
Em seus primeiros séculos de existência, o Cristianismo foi abalado
por mais de uma centena de correntes filosóficas distintas. A mais
perigosa para a igreja primitiva foi a dos gnósticos, da qual alguns
textos chegaram até nós. O mais importante é o chamado Evangelho de
Tomé, descoberto em 1945, no alto Egito, que Hermínio Miranda Corrêa de
Miranda, 86, analisa, junto com um levantamento minucioso das crenças e
posições do agnosticismo, no livro O Evangelho Gnóstico de Tomé. Esse é
um dos 26 títulos publicados pelo autor, um dos campeões de venda da
literatura espírita do Brasil, que tem também centenas de artigos e
ensaios em revistas e jornais especializados. À Folha Espírita ele fala
desse evangelho e alguns pontos levantados em "O Código da Vinci".
Folha Espírita:
Miranda, você é um conhecedor do Evangelho de Tomé. Pode explicar, em
poucas palavras, em que ele se diferencia dos demais evangelhos?
Hermínio Corrêa Miranda:
É difícil explicar em poucas palavras aquilo que tentei fazer em um
livro. No meu entender, o Evangelho de Tomé difere mais dos sinóticos –
Mateus, Marcos e Lucas -, que, sem relegar a segundo plano os
ensinamentos do Mestre, ocupam-se mais do que poderíamos considerar como
biografia de Jesus, ou seja, sua história pessoal, seus feitos, os
milagres e sua interface com as instituições religiosas, políticas e
sociais da época.
Quanto ao de João, não lhe falta o conteúdo
biográfico, não, porém, na mesma ordem e nos termos dos demais, razão
pela qual não é considerado sinótico. Sua evidente prioridade situa-se
nos aspectos doutrinários. Nele, a gente colhe a impressão de que fala
um Jesus póstumo – e a julgar pelos documentos gnósticos – através da
mediunidade de alguns apóstolos, especialmente, a de Pedro e de
Madalena. Não falta quem diga – e eu seria um deles, caso me pudesse me
incluir nesse elenco de sábios – que o de João é um texto gnóstico, o
que também se observa no ideário de Paulo. Esse conteúdo – penso eu – é
que proporciona maior afinidade entre João e Tomé.
Folha Espírita: Você leu O Código da Vinci? Qual sua opinião sobre a obra?
Hermínio Corrêa Miranda:
Li. O Código da Vinci constitui leitura empolgante pelo ritmo e pelo
clima de suspense que o autor impõe a narrativa. É obra inteligente, de
um autor culto e que fez bem seu dever de casa em suas pesquisas e na
armação do enredo. A mistura de ficção com realidade, contudo, constitui
desafio à argúcia do leitor, que nem sempre consegue identificá-las com
suficiente clareza, a fim de separar fatos para um lado e fantasias
para outro.
Folha Espírita: O que você teria a dizer quanto ao suposto casamento de Jesus?
Hermínio Corrêa Miranda:
É certo que Jesus deixou evidenciada sua admiração por Madalena, entre
outras coisas, ao distingui-la como a pessoa a quem se manifestou pela
primeira vez, após a morte na cruz. Os evangelhos gnósticos confirmam
esse destaque, ou preferência, o que teria suscitado até cenas de
explícito ciúme da parte de alguns apóstolos. Não vejo porém, qualquer
indício que autorize a suposição de um vínculo matrimonial entre eles.
Tese idêntica foi abordada, há mais de 20 anos, no livro Holy blood,
Holy Grail, de Michael Baignet, Henry Lincoln e á mais de 20 anos, no
livro Holy blood, Holy Grail, de Michael Baignet, Henry Lincoln e
Richard Leight, ele não me convenceu.
Folha Espírita: O que Maria Madalena representou para o Cristianismo nascente?
Hermínio Corrêa Miranda:
Tenho grande carinho, respeito, admiração e até fascínio pela
extraordinária figura humana de Madalena. Há uma emocionada referência a
ela – e também a Pedro – em meu livro Cristianismo, a mensagem
esquecida. Em texto bem mais amplo, não hesito em acatar a tese da dra.
Susan Haskins, erudita historiadora britânica, que considera Madalena,
em seu livro Myth and Metaphor, a “apóstola dos apóstolos”.
Meu
estudo permanece inédito há cerca de três anos, no aguardo de uma
decisão editorial sobre publicar ou não a tradução que fiz da muito
discutida obra The Sorry Tale (História Triste), ditada por Patience
Worth à médium americana Lenore Curran, aí por volta de 1918. Nesse
livro, injustamente esquecido, a autora espiritual conta uma história
passada no tempo do Cristo, desde a noite em que ele nasceu até a
tragédia tarde no calvário. É uma obra imperdível, e nela figura
Madalena, com merecido relevo.
Folha Espírita: Ser solteiro faz de Jesus um não-judeu?
Hermínio Corrêa Miranda:
Não me sinto suficientemente informado para opinar sobre isso. Penso,
entretanto, que, solteiros ou casados, homens judeus e mulheres judias
continuam sendo o que são por direito, dever e privilégio. Não vejo,
ademais, em que isso pudesse influenciar, de um modo ou de outro, os
imortais ensinamentos de Jesus.
Folha Espírita: O que são os chamados evangelhos secretos ou gnósticos? Eles nos ajudam a entender Jesus?
Hermínio Corrêa Miranda:
A Igreja considera válidos apenas os chamados evangelhos canônicos, ou
seja, os três sinóticos e o de João. Os demais foram colocados na
categoria de apócrifos. Não nos cabe discutir a posição assumida pela
Igreja, que deve ser respeitada, ainda que tenhamos reparos a lhe fazer.
Apócrifo não quer dizer, para nós outros, que sejam necessariamente
falsos os textos rejeitados.
Quanto aos livros gnósticos, o de Tomé
inclusive, provêm da biblioteca de Nag Hammadi, onde permaneceram
ignorados e razoavelmente preservados durante 16 séculos, em cavernas no
deserto egípcio. Estou convencido de que sim, eles contribuem para
melhor compreensão de ensinamentos de Jesus, confirmando aspectos
essenciais de sua pregação e acrescentando outros que não figuram nos
canônicos ou neles se acham expostos de maneira diversa.
Em alguns
dos chamados apócrifos, no entanto, há óbvias fantasias e afirmativas,
no mínimo, duvidosas. Seja como for, devem esses documentos ser levados a
sério como objeto de estudos, a fim de que se avalie corretamente
qualquer contribuição positiva ao melhor entendimento de pontos obscuros
e controversos.
Folha Espírita: Eles nos trazem revelações que não estão na Bíblia? Devem ser levados a sério?
Hermínio Corrêa Miranda:
Não diria que os textos gnósticos contenham revelações especiais que
não constem na Bíblia. Há, não obstante, releitura em potencial a serem
eventualmente suscitadas, como a informação de que Tomé teria sido irmão
biológico de Jesus e, segundo alguns, até seu irmão gêmeo, ao passo que
referências à família de Jesus são minimizadas nos canônicos.
Ou a
de que, nos textos encontrados em Nag Hammadi, aspectos hoje conhecidos
como preexistência e sobrevivência do ser, imortalidade, mediunidade,
lei de causa e efeito, intercâmbio entre “vivos” e “mortos” e até a
doutrina de vidas sucessivas são claramente mencionadas, ainda que com
diferente terminologia.
Folha Espírita: O que o evangelho de Tomé nos traz que possa confirmar ou desmintir os fatos apresentados em O Código Da Vinci?
Hermínio Corrêa Miranda:
Não me parece que O Código Da Vinci tinha sido construído a partir de
fatos, e sim de especulações e inferências, certamente engenhosas,
criativas e até brilhantes, mas, no meu entender, inconvincentes. E
mais: ainda que venham a ser comprovadamente consideradas de
responsabilidade do genial Leonardo, não passariam de opiniões pessoais
dele, e não verdades incontestáveis dotadas de consistência suficiente
para suscitar uma revisão na história das religiões, em geral, e na do
Cristianismo, em particular.
A historiografia exige bem mais do que
isso para reescrever os episódios de que se ocupa. Digamos, porém,
apenas para argumentar: se, de fato, se comprovasse um relacionamento
patrimonial entre Jesus e Madalena, impacto de consideráveis proporções
atingiria a teologia das diversas denominações cristãs
institucionalizadas, não, porém, os ensinamentos de Jesus, que em nada
seriam afetados na sua inteireza e luminosidade doutrinária. Cabe, neste
particular, uma palavra de admiração pela sensibilidade e sabedoria de
Allan Kardec, que, ao trazer para o âmbito da Doutrina dos Espíritos a
indispensável contribuição evangélica, optou pelo “ensino moral” do
Cristo que ele considera, acertadamente, um “código divino”.
Deixou,
no entanto, à margem, a da biografia de Jesus, seus atos e os milagres,
bem como passagens textuais e aspectos que a Igreja tomou para montar
sua estrutura dogmática, como a Trindade Divina ou ritualística e os
sacramentos. Destaca-se, ainda, que os textos gnósticos não pregam a
salvação pela fé ou pela adesão a esta ou àquela situação religiosa, e
sim pelo conhecimento (gnose). O que está igualmente explicitado no
Evangelho de João, quando Jesus ensina: “Conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará” (Jo, 8:32).
Fonte: Jornal Folha Espírita. Claúdia Santos.
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