O Centro Espírita é o refúgio das almas, encarnadas e
desencarnadas. Substitui no presente os templos do passado, onde as pompas
terrenas estimulavam as almas frágeis, sugerindo-lhes o amparo das potências
celestes. A riqueza dos templos, o fulgor das luzes nos altares, os paramentos
do sacerdote, os vitrais coloridos e a música sagrada reboando nas naves agiam
ao mesmo tempo como anestésicos das angústia terrenas e excitantes esperanças
celestes. Era toda uma técnica divina, provinda das origens humanas, do
silêncio misterioso das selvas das matas, em que a densa folhagem das árvores
enormes filtrava a luz do sol em gamas de coloridos arco-irisados. A idéia do
Sagrado sugeria a transmissão dos poderes divinos através dos sacramentos e dos
rituais. Mas o tempo passou a sua esponja mágica no séculos e nos milênios,
amadurecendo as almas frágeis e despertando-as para a consciência de si mesmas.
Na esteira das renovações surgiram as reuniões simples dos clãs e dos grupos
familiais, junto às fontes murmurantes em que os oráculos e as pitonisas interpretavam
a voz dos deuses na voz das coisas. Jesus de Nazaré, que os judeus esperavam
como o cristo das novas guerras de conquista, surgiu humilde e simples, modesto
filho de uma família operária. De suas mãos surgiram práticas novas, em que o
fluxo divino dispensava os paramentos suntuosos dos canais oficiais da
Divindade. E, com esse fluir espontâneo do amor e da bondade naturais, derramaram-se
na terra dos corações as sementes da Boa-Nova. Foi dessa semeadura nos campos a
nas praias, no próprio interior dos templos ou em seus pátios exteriores, ainda
sob o fumegar das aras em que se queimavam as ervas sagradas e as carnes dos
animais sacrificados, que surgiram os primeiros cultos pneumáticos do Cristianismo
Primitivo, os cultos do Espírito.
Poder insuspeitado da Evolução, desencadeando os
processos misteriosos da metamorfose, transformaram aos poucos as formas de
relação do homem com a Divindade. O Centro Espírita nasceu como Jesus e com
Jesus, sem os aparatos inúteis do formalismo religioso, restabelecendo nas
almas a confiança em si mesmas, despertando-lhes a percepção de sua natureza
divina. As almas frágeis tornaram-se fortes na fraqueza da simplicidade. Em vão
se desencadearam os temporais da reação, em que as almas fracas amadureceram
nas estufas brutais do martírio. Elas haviam decifrado o enigma, encontrando a
pureza na impureza do mundo, a verdade nas palavras do Messias rejeitado e Deus
no íntimo de si mesmas. O episódio de Pedro em Jope, recusando-se a atender o
centurião Cornélios – impuro comandante de centúrias romanas – mas atendendo-o
por mandato mediúnico de inesperada vidência, mostra-nos ainda hoje como se
processou a metamorfose do judeu formalista em cristão fraterno. Pedro vai à
casa de Cornélios e se surpreende com a família impura tomada pelo Espírito. A
manifestação mediúnica em local profano lhe ensinava o que era o Batismo do
Espírito que até então ele não pudera compreender. Nascia ali, aos seus olhos,
o primeiro Centro Espírita numa casa de família. E Pedro voltou a Jerusalém
para contar aos apóstolos o que vira com seus olhos e o que sentira em seus
coração. O Céu baixava à Terra e nela se abria como se abrem as flores do
campo, com o mesmo esplendor dos lírios que as vestes suntuosas de Salomão não
podiam superar. Mas o tempo ainda haveria de fluir nas ampulhetas por quase
dois milênios, até que a metamorfose anímica e consciencial se definisse na
missão de Kardec.
O Espiritismo abalou as estruturas do mundo artificial
dos homens, revelando-lhes assustadoras perspectivas de responsabilidade moral
e espiritual. Subverteu a ordem extática das aparências convencionais e soltou
sobre as Igrejas, as Academias, as Universidades, os gabinetes dos sábios e
toda a estrutura vacilante das Ciências os seus fantasmas até então
considerados como simples ficções literárias. Em vão, por toda parte, os
conservadores de um passado já morto – embalsamadores de múmias culturais – se
levantaram por todo o mundo tentando afugentar os fantasmas invasores. De nada
valeram os conluios secretos, as decisões arbitrárias de juízes sem toga, as
maldições de prelados poderosos. Os fantasmas não pediam licença para aparecer
e tumultuaram o panorama cultural, suscitando polêmicas violentas entre
figurões mundiais do saber. Em meio ao temporal as almas frágeis se refugiavam
humildes nas reuniões familiais do velho culto pneumático ressuscitado. E
dessas reuniões domésticas, como as do Cristianismo Primitivo, das tertúlias à
sombra das figueiras de Betânia, com as figuras simples e amorosas de Lázaro,
Marta e Maria ao redor do mestre, nasciam e se multiplicavam os Centros
Espíritas.
Essa genealogia bimilenar do Centro Espírita, ao mesmo
tempo humilde e grandiosa, atesta a sua origem humana e divina, conferindo a
Kardec o título de herdeiro de Deus e co-herdeiro de Cristo, segundo a
conhecida expressão do Apóstolo Paulo. Um título comum, que Paulo estendeu a
todos os que aceitaram e acolheram a Boa-Nova em seus corações. Ninguém o fez
com mais sacrifício e dedicação, com mais amor, confiança e fé, do que o
Codificador do Espiritismo. E a genealogia prossegue na descendência espiritual
de Kardec. Mas não há nisso nenhuma intenção de vaidade ou orgulho mundano,
pois as sucessivas gerações espíritas não descendem do sangue, sim do espírito.
A filiação à linhagem espiritual de Kardec não nos proporciona títulos
honoríficos ou terrenos, mas obrigações muitas vezes dolorosas e sacrificiais,
no decorrer de vidas de abnegação ao próximo e de fidelidade ao futuro.
O Centro Espírita, como a relva, nasce por toda parte,
e quando os poderes temporais o decompõem ou esmagam, ele renasce com teimosia
desafiante. Porque aqueles que viram e conheceram a Verdade, que a sentiram ao
menos uma vez em seus corações, jamais a esquecem e jamais a negam. As almas
frágeis se fizeram fortes ao sopro dos ventos proféticos. Criaturas ingênuas e
desprovidas de tudo, órfãs da cultura secular, sentem-se apoiadas na rocha das
experiências vitais do espírito e são capazes de enfrentar os titãs da cultura
mundial com a firmeza dos estóicos. Nada as abala, nem sofismas nem maldições,
porque experimentaram o toque da Verdade em si mesmas.
Os que dizem ter sido espíritas e deixado a Doutrina, nunca
o foram. Se tivessem realmente penetrado no conhecimento doutrinário, de mente
e coração, não poderiam voltar à ignorância do niilismo sem fundamento ou às
fabulas do religiosismo contraditório e absurdo. Um marinheiro que deixou o mar
nunca se esquecerá do marulho das ondas e jamais perderá a lembrança das
amplidões marinhas em que navegou.
As almas frágeis são remanescentes dos rebanhos
religiosos embalados ao longo dos séculos pelos pastores piedosos, herdeiros da
flauta de Pã. Ao som melodioso e enganador das flautas adormeceram no tempo,
vigiadas e protegidas. Não são as almas primitivas, pois estas são geralmente
fortes e bravas, carregadas dos impulsos animais. Ao contrário destas, elas se
acomodam nas sensações agradáveis da vida material e repetem encarnações sucessivas
de acomodação e indolência, abusando de seu livre-arbítrio ao invés de
utilizá-lo no processo evolutivo. Somente a dor, nas duras provações, consegue
arrancá-las do círculo vicioso. Como diz Lázaro, numa das suas mensagens de O
Evangelho Segundo o Espiritismo: só podem saltar o obstáculo e avançar “sob a dupla
ação do freio e da espora”. As almas frágeis precisam ser constantemente
vigiadas e orientadas no Centro Espírita, pois se entregam facilmente a um
misticismo inferior, tentando alcançar a angelitude através de submissão
interesseira a espíritos mistificadores, dirigentes de vistas curtas e médiuns
pretensiosos. Gostam de Ordens, Fraternidade, Escolas Evangélicas, de sacristia
e coisas semelhantes, onde possam usar distintivos, insígnias e serem
classificadas em graus de evolução. Todas essas modalidades de agrupamentos
exclusivistas, separatistas e pretensiosos servem para protegê-las na sua
fragilidade. Não gostam de atitudes positivas e enérgicas e fariam do movimento
espírita uma Irmandade do Senhor Morto, se conseguissem dominar o meio. Os
presidentes e dirigentes de Centros precisam exercer rigorosa vigilância em
suas instituições, para que essas almas infantis não deturpem santamente a Doutrina,
com as melhores intenções de que o Inferno está cheio. Todas as formas de
resíduos do passado igrejeiro agradam a essas almas traumatizadas, que são
atraídas ao Espiritismo precisamente para se curarem nele e não para prejudicá-lo.
O Espiritismo não é uma Doutrina de passividade
contemplativa. Sua finalidade, como os Espíritos Superiores disseram a Kardec,
é revolucionar o mundo inteiro, modificado-o para melhor. A essência cristã do
Espiritismo reflete as atitudes vigorosas do Cristo em luta com as estruturas
asfixiantes do Mundo Antigo. O Espírita verdadeiro é um construtor do futuro.
Cabe-lhe o dever inalienável de estudar a Doutrina, aprofundar-se no seu
conhecimento, difundi-la com vigor e confiança para que a sua luz solar
afugente as trevas de um passado contraditório de lamúrias, imprecações e louvores
subservientes a Deus, como se Deus fosse um tirano injusto à espera do nossos
rapapés para nos conceder a sua proteção.
A promessa evangélica do Consolador se cumpre na Doutrina
Espírita de maneira positiva e não através de cantigas de ninar, de palavrório
anestesiante. A própria dureza do mundo atual, com suas atrocidades, sua
ganância, sua criminalidade aviltante, mostra-nos que o tempo dos Contos da Carochinha
já passou, que a Humanidade entrou na fase da madureza e tem de aprender a
enfrentar os seus problemas por si mesma. Não que Deus nos tenha abandonado ou
esquecido, ou que tenha falecido de um enfarte divino – como querem os teólogos
do Cristianismo Ateu – mas porque marcou os limites de nossa ilusão comodista,
lançando-nos face a face com os resultados do nosso comportamento no mundo.
Todas as dificuldades atuais são conseqüências dos abusos que cometemos no uso
do nosso livre-arbítrio, apesar de todo o auxílio e de todas as advertências
que recebemos do Alto nas etapas sucessivas da nossa evolução, por falta de uma
tomada de consciência do que somos e da finalidade superior da nossa própria
existência.
O consolo que o Espiritismo nos dá não é a proteção
fictícia da fé cega, dos sacramento vazios de sentido, do socorro espiritual
egoísta, em forma de privilégio injustificáveis, do paternalismo dos sacerdotes
profissionais, dos agrados interesseiros de médiuns venais. O Consolador não se
manifesta através de prodígios sobrenaturais, mas na forma de esclarecimentos
positivos, de revelação científica das leis naturais que até agora olvidamos ou
encaramos como crianças choramingas pedindo colo. O Espiritismo nos consola
como o fez o Cristo, provando aos seus discípulos que cada um de nós é um ser
imortal, de natureza divina, que nasce para morrer, pois a morte é o fim do
aprendizado terreno, de maneira que morremos para ressuscitar em plano
superior, a fim de prosseguirmos a nossa evolução em condições mais favoráveis.
A Filosofia Existencial do nosso tempo sanciona essa verdade espírita, sustentando
que o homem passa pela existência terrena como um viajante que atravessa uma
região estranha, aprendendo a vencer por si mesmo as dificuldades, adquirindo
experiências para depois avançar em nova direção. Até um cético, como Sartre,
viu-se obrigado a admitir que nascemos como seres pré-existentes num plano metafísico,
projetando-nos na existência física para fazer uma trajetória de experiências
na busca da transcendência, desenvolvendo potencialidades que devem levar-nos à
condição divina. Cego de um olho, não conseguiu ver a passagem do ser através
da morte e considerou esta como o fim, a frustração dos anseios de transcendência.
Mas Martin Heidegger enxergou mais longe e proclamou: “O homem se completa na
morte”. Kierkegaard, teólogo dinamarquês protestante, fundador do Existencialismo,
entendeu que o homem é o parceiro de Deus na Eternidade e por isso só pode, de
fato, comunicar-se com Deus, que é o Outro, no diálogo das almas. O Espiritismo
esclarece essas teorias filosóficas ainda confusas, mostrando que a realidade
existencial do homem, aqui e no além, pode ser comprovada pelas pesquisas
científicas, como na verdade já o foi.
No Centro Espírita as almas frágeis dos rezadores
lamurientos encontraram os elementos necessários à recuperação de suas forças,
de sua virilidade espiritual, para ressuscitarem-se a si mesmas das cinzas do
passado. Percebendo isso de maneira vaga, envoltos ainda nas brumas de um
misticismo igrejeiro, muitos espíritas querem transformar os Centro em escolas
simplórias, retirando-lhes a prática espírita tradicional ou despindo-os de
seus elementos fundamentais, que são as manifestações mediúnicas. Essa é uma
tentativa de repetir no Espiritismo a supressão do culto pneumático, ou seja,
as sessões mediúnicas em que se realizam os diálogos da doutrinação de
encarnados e desencarnados. É esse um equivoco proveniente da ignorância da
Doutrina ou do seu conhecimento superficial. Por outro lado, há nessa tentativa
a influência do instinto de imitação, que leva criaturas afoitas a quererem
renovar o Espiritismo, num tempo em que tudo se renova. Não, percebem, esses
espíritas renovadores, que tudo se renova num mundo em que o Espiritismo é a
fonte e a mola de todas as renovações. Se toda a cultura terrena está abalada e
se renova, é porque estava errada e precisa ser corrigida. Mas o Espiritismo
antecipou, nos seus postulados, todas essas renovações, previu-as, anunciou-as
e até mesmo delineou-as, como se pode ver no confronto das novidades atuais com
o vasto esquema de transformação oferecido ao mundo pelos Espíritos há mais de
um século. Só um setor do conhecimento, nesta hora de transição, não necessita
renovações, e esse setor é precisamente o Espiritismo. O que ele exige de nós
não é renovação doutrinária, mas apenas expurgo de infiltrações espúrias nos
Centros, produzidas pela leviandade de praticantes que se desvairam da
orientação doutrinária, adotando atitudes, fórmulas e práticas antiquadas.
O terror místico proveniente de um longo passado
religioso de mistérios e ameaças não tem mais razão de ser. Não obstante,
encontramos no meio espírita um pesado lastro desse terror em forma de
traumatismos inconscientes que geram comportamentos antiespíritas. Chegou-se
recentemente a introduzir numa grande instituição espírita paulista o princípio
do jejum sexual, mesmo para casais. Marido e mulher deviam privar-se de
relações impuras, se quisessem preparar-se para uma vida espiritual superior. O
tabu do sexo foi sempre um abantesma nos meios religiosos, mas isso jamais
impediu os escândalos e as perversões sexuais que o Apóstolo Paulo já
denunciava na Igreja de Corinto. A repressão sexual leva fatalmente a situações
patológicas. Sexo é lei, é lei básica da Natureza. Querer suprimi-la é querer
suprimir a vida. Condená-la é condenar o homem, a criatura humana, é censurar a
Deus que a estabeleceu de maneira irrevogável. Se a relação sexual é pecado,
somos todos filhos de pecado. Nada e ninguém nasce por geração espontânea, pois
mesmo os vírus hoje indicados como prova dessa forma de geração, resultam de
forma sexuais específicas das formações cristalinas. Lei dialética de síntese e
reprodução, o sexo influi na manutenção de todo o equilíbrio da Natureza. A
função sexual não é apenas reprodutora, mas também diretora do equilíbrio
orgânico e psíquico da criatura humana. Estabelecer sistemas de abstinência
sexual nos Centros, como forma de comportamento espiritual para os espíritas, é
simplesmente negar toda a Doutrina, que tem por fundamentos a evolução humana
através da reencarnação, dos processos afetivos entre homem e mulher, da
criação e educação dos filhos, da formação familial como célula básica de todas
as estruturas sociais e raciais. O celibato religioso contradiz os fundamentos
da religião. É uma violência contra as fontes da vida. Apague-se o sexo do mundo
e voltaremos aos espaços vazios de mundos mortos na mecânica fria dos tempos
anteriores à Gênese. Por isso, a Historia Religiosa está povoada de íncubus e
súcubus, os espíritos vampirescos que, durante a Idade Média atormentavam
freiras e frades na suposta santidade dos mosteiros e conventos. E ainda hoje a
ação desses espíritos se faz sentir por toda parte, em manifestações espantosas
que, em geral, permanecem ocultas nos arquivos da pesquisa psíquica mundial.
O Centro Espírita não pode pactuar com esses resíduos
criminosos de um passado estúpido. Claro que não se quer o abuso, pois isso é
naturalmente condenado pelos princípios espíritas da moral evangélica. Essa
moral, como vemos nos textos evangélicos, não é condenatória nem repressiva do
sexo. O que ela pretende é moralizar o sexo e não condená-lo ou suprimi-lo.
O ensino de Jesus a Nicodemos: “E preciso nascer de
novo”, o caso de Madalena, a cortesã compreendida pelo Mestre, o episódio da
mulher adúltera que os hipócritas queriam apedrejar mostram de sobejo que a
posição de Jesus em face desse problema era de compreensão e respeito pela
condição humana. As almas frágeis do meio espírita devem atirar no caminho a
bagagem pesada dessas condenações do passado, sem temer as ameaças do Céu nem
entregar-se às fascinações da Terra. O espiritismo esclarece a questão sexual
em termos racionais, levando em conta a naturalidade das funções humanas na
vida terrena. São criminosos inconscientes os que pretendem implantar no meio
espírita sistemas que já mostraram sua inconveniência na própria História do
Cristianismo. Assim como o homem não regride na sua evolução, a Ciência Suprema
do homem que é o Espiritismo, não pode regredir no seu desenvolvimento, tão
penosamente realizado na Terra. Os moralistas de vistas curtas nunca perceberam
as conseqüências negativas de sua atitudes. A verdadeira moral não se constitui
de proibições absurdas, pois estas são a negação de toda moral, em favor dos
grandes surtos de imoralidade.
Livro: O Centro Espírita
Professor Herculano Pires
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