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terça-feira, 9 de julho de 2013

Entrevista com Herminio Miranda - Parte 1

Entrevista com Herminio Miranda - Parte 1 PDF Imprimir E-mail
O conhecimento de um gigante

Nesta primeira parte da entrevista com o escritor Herminio C. Miranda ele fala sobre as experiências que teve em seu grupo mediúnico, histórias de amor, ódio, e obsessão

Falar sobre Herminio C. Miranda é fácil, o difícil foi encará-lo numa entrevista. Posso explicar. Herminio é um espírito antigo. Já está na Terra há mais de 10 mil anos, como você pode checar na biografia publicada no Universo Literário número 2. Imagine conversar com alguém que juntou conhecimentos por esses milênios todos... Foi tarefa árdua. A começar pela elaboração das perguntas. Que pontos eu iria abordar? Decidi ir pela trilha de suas próprias palavras, seu livros. Afinal são eles que contêm suas histórias, que condensam seus conhecimentos, que apontam, mesmo que sutilmente, suas vidas... Herminio já escreveu mais de 30 livros que juntos já ultrapassaram a barreira de 1 milhão de exemplares vendidos. Os assuntos foram os mais diversos, obsessão, cristianismo primitivo, heresias católicas, regressão, o tempo, a mente, histórias de Espíritos, autismo, realidade espiritual, reencarnação, Egito, morte, mediunidade, e por r aí vai. Então peguei esse caminho. Foram mais de 4 horas de entrevista, pessoalmente! Herminio é um senhor já. São 85 anos nesta vida. Começou a escrever tarde, tinha 38 quando ousou enviar um artigo para O Reformador, a revista da Federação Espírita Brasileira. O texto foi publicado e a partir dali colaborou assiduamente com o periódico. Seu primeiro livro, Diálogo com as Sobras surgiu em 1975, de lá para cá são dezenas... Herminio é um escritor espírita temporão. Ele conta que só quando se aposentou, pela Companhia Siderúrgica Nacional, pode realmente se dedicar à escrita e à leitura, verdadeira paixão em sua vida. Herminio lê e escreve em muitas línguas; essa capacidade deu-lhe a chave de muitas portas. “Cada língua que você aprende abre-se, para si, um novo mundo. Você começa a pesquisar uma obra e ela vem com uma bibliografia. Vai numa delas e é outro mundo que se abre”, afirma. A produção literária de Herminio é ativa ainda. Ele não esgotou sua curiosidade, muito menos deixou secar a fonte na qual transmite o que descobriu a nós, leitores. Herminio está produzindo de dois livros. Mas é segredo... Herminio sempre foi reservado. Deu poucas entrevistas, não participou de polêmicas espíritas, não foi ativo no movimento. Para você ter uma ideia, foi quase um ano de negociação para conseguirmos a entrevista com ele. Quando, finalmente, aceitou, foi quase um mês de pesquisa, e, confesso, de medo – claro – para eu fazer as perguntas. Mas consegui. Com coragem, conversei com esse espírito milenar. É... Ele transmite isso, não tenha nenhuma dúvida, o homem é um gigante. Abaixo você vai ler a primeira parte de nosso diálogo na qual Herminio vai fala sobre desobsessão. Decidi separar por temas, assim você não vai perder nada da fonte onde só brota uma coisa: sabedoria.

Como o Senhor conheceu o Espiritismo?
Minha formação foi católica. Minha mãe foi educada em colégio de freiras – era uma pessoa muito inteligente, escrevia muito bem, tinha uma cultura bastante razoável – éramos em 10 irmãos, eu fui o primeiro, e ela nos criou no catolicismo. A rigor eu seria um católico genético (rs). Ela, que vivia dentro do contexto dos dogmas, dizia que enquanto estivéssemos sob a responsabilidade dela seríamos católicos, depois cada um seguiria o seu rumo. Fui muito bem até determinado ponto, mas observando as coisas comecei a questionar, e minha mãe dava as explicações dela – era uma pessoa muito sensata; não era carola, mas era uma mulher convictamente religiosa. A principal mensagem dela foi o respeito e a admiração pelo Cristo, pelo Evangelho, e isso era o que mais me interessava. Lá pelos 16, 17 anos, comecei a ler; aí, não deu mais. Passei um tempo meio perdido porque comecei a ler filosofia, Shakespeare, Schopenhauer – que gostava muito apesar de ser pessimista e machista, mas era sujeito genial, tinha ideias incríveis, noções sobre reencarnação; por exemplo, se perguntassem a ele a diferença entre o ocidente e o oriente ele dizia: “É que no ocidente as pessoas dizem que se vive uma vez só”. Li mais coisas e comecei a distinguir Jesus do Cristo. Esse Cristo teológico não bate com o Jesus; é como diz o historiador inglês H.G. Wells: “A presença do homem na história é inegável. Ele realmente existiu, ensinou aquelas coisas, ainda que tenha havido deformações; mas o pensamento dele está no que ele disse e no que ele exemplificou” – isso mesmo com a biografia dele muito limitada dos textos evangélicos. Só depois de muitos anos passados, antes de escrever Cristianismo, A Mensagem Esquecida descobri que um historiador francês, especializado em religião, fez essa distinção. Escreveu um livro sobre Jesus e outro sobre o Cristo. E eu já tinha dessa distinção não sei por quê. Uma vez uma pessoa da família entrou em transe – não era minha intenção fazer regressão, era apenas dar uns passes – e me disse assim sobre o Cristianismo: “Muita coisa que você não aceita é por que você sabe que não é daquela maneira. Você sabe a maneira correta de ser”. Mas não comecei a ser espírita cedo, não. Costumo dizer que os que começam cedo são espíritos madrugadores. Eu não madruguei. Primeiro formei a base da carreira profissional. Formei-me em Ciências Contábeis, fui para os Estados Unidos, ficando lá por quase cinco anos, e só quando voltei, fim de 54, e em 55 eu já estava com algumas ideias, já estava procurando as coisas, e comecei a ler mais e questionar mais. Aí procurei uma pessoa que era reconhecidamente espírita, um homem muito culto, coronel, engenheiro, chefe da Companhia Siderúrgica em Paris, era de uma cultura enorme, eu sabia que ele era espírita e perguntei-lhe: “Por onde que eu começo?”. Ele me deu até um papelzinho com o nome dos livros, parecia prescrição médica (rs). Então li O Livro dos Espíritos em 1956, foi aí que comecei a estudar. No final daquele ano, escrevi um trabalhinho para O Reformador e, para minha surpresa, ele foi publicado. E eu acho que se não tivesse publicado, talvez eu teria perdido o interesse... Naquela prescrição tinha Kardec, Gabriel Delanne, Léon Denis, e Gustav Geley.
O Senhor já gostava de escrever?
Sempre gostei, desde pequeno. Tive sorte, pois minha mãe e meu pai escreviam muito bem. Tive excelentes professores de português. Então, se é que tenho uma herança do passado, ela foi bem aproveitada, pois tive muitas pessoas que me ensinaram a me expressar em português. Não sei se deu certo, mas acho que sim (rs).
Como foi o seu contato com o Carlos Imbassahy, Deolindo Amorim e Hernani Guimarães Andrade?
O Hernani trabalhava também na Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda. E nós fizemos uma amizade... Eu não sei o que ele via em mim, pois ele já era uma figura de relevo na siderúrgica – eu sabia do gênio que estava ali atrás, pois só de conversar com uma pessoa, você sabe. Foi uma amizade de mais de 50 anos, uma beleza. Poucos dias antes de morrer, ele me ligou e contou uma porção de histórias; parecia que ele sabia. Falou sobre o livro do Dr. Stevenson, Biologia e Reencarnação: “Herminio, não tenho mais dúvidas, a reencarnação está provada!”. Hernani foi uma figura sensacional e Deolindo também, muito amigo meu. Trabalhamos juntos em grupos mediúnicos, grupos pequenos, pois eu nunca frequentei centro espírita e nem sei dizer como é o trabalho nos centros. Então, nosso grupo era formado de poucas pessoas, no máximo seis.
Como eram os trabalhos nesses grupos?
Geralmente líamos Emmanuel, fazíamos uma pequena observação sobre, e íamos ao trabalho. Foi desse trabalho que saiu Diálogo com as Sombras, As Histórias que os Espíritos Contaram, enfim, aprendi muito, meu Deus...
Esses livros falam sobretudo de obsessão...
A palavra obsessor não é uma palavra simpática, não é positiva. São criaturas muito interessantes... Apredi tanto com eles. Falamos sobre teoria e eles estão falam sobre a vida. Eles trazem os casos recortados, como tecido vivo. Foi um trabalho muito, mas muito, instrutivo.
Como o sr. chegou a ser doutrinador em reuniões de desobsessão?
Eu frequentava um grupo particular, doméstico, do qual fazia parte, inclusive, Deolindo Amorim. Primeiro começamos aquelas sessões informais, recebíamos uma entidade ou outra. Eu era apenas um dos participantes – estava numa espécie de vestibularzinho. Um dia, ao começar a reunião, disseram: “Olha vamos começar a botar ordem na casa, fulano vai receber o Espírito, fulano vai, tal e tal, e você, Herminio, vai fazer a doutrinação”. Eu disse: “Meu Deus, eu? (rs) Mas o que vou dizer?” (rs). Eu via como a coisa era complexa, e eu sem experiência nenhuma... Mas comecei. E fui indo. E foram 28 anos.
Nesse período houve alguma doutrinação que lhe marcou mais que as outras?
Todas elas. Olha, era uma choradeira... Rara era a reunião que não tinha choradeira. Foram casos muito comoventes. Você vê isso no livro As Histórias que os Espíritos Contaram. Mais na fase inicial de nosso trabalho, apareciam mais aquelas entidades da época do Cristianismo primitivo. Eram entidades romanas que perseguiram o Cristo, ou que se aborreceram com ele porque ele havia convertido a mulher ou a filha; enfim, esses casos pessoais. Tinha um que dizia: “Enquanto eu sentir na areia a pisada de um pé cristão, eu vou matar”. Era gente decidida, pois aquela mágoa ficou durante muitos anos. Aí começaram a acontecer outros casos. Não tratávamos só de obsessão; parece que o mundo espiritual dirigiu mais nosso trabalho para organizações espirituais que estavam do lado de lá e precisavam ser atendidas, digamos assim. Foram muitas histórias. Entidades que mexeram muito com minhas emoções. Gente que foi meu adversário no passado, gente que gostou de mim. Posso citar um caso. Foi a primeira vez manifestou-se um Espírito de origem árabe. Veio muito cauteloso, desejando que eu falasse mais do que o ouvisse. Então conversamos longamente, o recebi com grande respeito. Mas aquilo foi apenas um preparo. Ele vinha estudar o nosso grupo para saber como éramos, pois já estava prevendo algum contato conosco. Até que chegou a história As Três Dracmas, que está no livro Histórias que os Espíritos Contaram; foi muito emocionante.
Foi um caso diretamente relacionado ao sr.?
Sim. Mas não posso dizer-lhe, onde, nem por que, nem como, nem quem foi. Pois é uma história que mexe com muita coisa, inclusive com que está acontecendo hoje no mundo. Era uma entidade de grande capacidade intelectual, companheiro fantástico que tinha-se desviado na época do Cristo.
É um personagem que se destacou na história da humanidade?
Sim. Você me desculpa ser reticente; mas são histórias que se relacionam diretamente comigo, com pessoas que me conheceram...
O sr. é médium?
Hiii... (rs). Nada. Se dependesse de mim, Espírito não existiria (rs). Pois nunca vi um... Nunca frequentei sessão de materialização. Eu não sei... Parece que o meu trabalho foi muito dirigido para a escrita, então, tive que fazer a opção; se fosse fazer tudo não ia dar.
O sr. foi pioneiro em fazer regressão em Espíritos...
Comecei com a regressão na década de 60, era uma experiência sem o menor propósito psicológico. Eu só queria saber o que era memória; como é que funciona essa coisa chamada memória. Começamos a fazer regressões no grupo mediúnico, pois descobri que as pessoas que trabalham com mediunidade são mais fáceis de passar pelo transe anímico, que é a regressão. Então como eu já sabia fazer regressão com seres encarnados – toda essa experiência está em A Memória e o Tempo – um dia pensei que se podemos fazer num encarnado, talvez seja possível num Espírito incorporado em um médium. E comecei a tratar com passes. Ficava atrás do médium, que estava sentado, e dava uns passes, e a coisa começou acontecer. Tivemos muitas regressões no grupo, mas eu só recorria a esse recurso quando ficava muito difícil chegar às causas profundas. Teve até um caso que me deixou muito emocionado. Foi o de um cidadão que estava muito ligado a uma jovem encarnada. Ele tinha um ódio dela e ficava vigiando-a dia e noite. A moça nos escreveu pedindo ajuda. Eu lhe disse que não poderia garantir, mas que iria colocar o nome dela em nosso caderno e, quem sabe, ela seria atendida. Aí apareceu essa entidade; muito raivosa. Estava muito revoltado com a moça. O Espírito dizia: “Você não sabe. Aquilo é uma peste”. Falava numa linguagem áspera, muito rancorosa. Falava que ia continuar perseguindo-a e que nós não iríamos nos meter nisso, pois ele tinha os seus compromissos com ela. Ele foi muito severo. E, sabe aquelas coisas que estalam na cabeça? Estalou na minha, e eu disse: “Então quer dizer que você continua amando essa mulher, né?”. Ele parou, ficou um pouco meditativo, e teve a honestidade de confessar que realmente gostava dela. Emmanuel tem uma expressão que diz que o ódio é o amor que enlouqueceu. Na verdade ele era emocionalmente tão preso a ela que a perseguia tentando se vingar. E nós tentávamos explicar-lhe que o perdão liberta e a vingança não. A vingança confirma a ligação; amarra e faz sofrer os dois. Aquele Espírito foi de uma dignidade incrível, disse que sim, que a amava, e mudou o comportamento.
O sr. chegou a fazer regressão com esse Espírito?
Não cheguei. Esse foi um caso no qual conseguimos encontrar o caminho para chegar no coração da pessoa. Mas às vezes pegávamos Espíritos muito difíceis. Especialmente os de formação religiosa, pois tinham aqueles dogmas, aquelas crenças muito acirradas na mente e no coração. Houve um sacerdote interessante. Era um padre que chegava, benzia a gente, lia um livro de textos sobre exorcismos, e dizia que nós éramos coisas do demônio. Que eu era um transviado, pois tinha abandonado a igreja... [Herminio já foi clérigo em outras vidas]. Dizia que aquilo não podia continuar. Vinha muita gente da Igreja, do protestantismo, e de outras religiões que estavam completamente bloqueadas quanto às causa que provocaram aquele processo nelas. Então precisávamos ter paciência, recebê-los com muito carinho, ouvi-los. Pois quem faz esse tipo de trabalho com as entidades precisa ter muita paciência e muito carinho. Precisa entender que a pessoa que está ali está sofrendo porque tem algum problema, ela precisa de ajuda para resolver, pois não consegue sozinha. Então, em muitos casos foi feita a regressão, pois assim o Espírito ia recuperar no passado onde é que começou o conflito e via por que estava naquela situação e aí não tinha mais argumento. A regressão facilitou muito nosso trabalho.
O sr. tem uma estimativa de quantos espíritos foram atendidos?
Acho que milhares... Imagine, 28 anos, toda a semana...
Como o sr. se preparava para essas reuniões?
O preparo era comum. Nunca fui de beber, de fumar, não tinha nenhum problema dessa natureza. Era um dia no qual que eu procurava passar com mais calma; antes de ir para o grupo eu repousava. O trabalho começava, irremediavelmente, com uma prece. Num grupo pequeno também é mais fácil de haver harmonia. Para você ter uma ideia, éramos em quatro nos último 20 anos. Era um trabalho feito com muito amor, dedicação, e com muita entrega. Os Espíritos, às vezes, diziam coisas horríveis para nós, ameaçavam...
O sr. teve medo?
Eu não tinha medo, não sei por quê. Eu só dizia o seguinte: “Olha, tudo bem. Você só vai poder fazer comigo o que a lei te permitir, o que ela não permitir você não vai fazer, e não se esqueça que a responsabilidade é sua”. Como que uma pessoa iria, por exemplo, tornar-se obsessor do Dr. Bezerra de Menezes? Ele teve sofrimentos espirituais, e muito grandes, mas perseguir o Dr. Bezerra espiritualmente... Com o quê? A entidade não tinha onde pegá-lo; um espírito daquele porte... Eu não era o caso; pois sempre achei que a gente aprende mais com os erros do que com os acertos. Então sou muito consciente das minhas falhas. E dizia: “Bom, naquilo em que eu falhar você pode realmente me prejudicar, mas naquilo que for decorrência do nosso trabalho aqui, você não pode. Não vai conseguir”. Então precisa ter disposição para enfrentar com muito amor, mas também com energia quando for preciso.
O que é obsessão?
É o amor que enlouqueceu, de um modo geral. Ou então é, às vezes, uma disputa de poder. Vi muito isso em entidades que lidaram com política, com religiões. Religião e política são paixões muito complexas e muito marcantes. Poder é uma coisa terrível. Poder religioso, político, financeiro, de beleza, de inteligência; tudo isso é ônus se o espírito não souber administrar.
Qual o segredo para um trabalho eficiente de desobsessão?
Procurar, primeiro, ouvir muito – raramente eu começava contestando; eu ouvia, pacientemente, às vezes 20, 30 minutos. Deixa falar, deixa colocar tudo para fora, inclusive para se obter também informações do caso em si. Para saber como entrar no coração desse Espírito. Teve uma vez que o Espírito perguntou: “O que o sr. está querendo com isso?”. Respondi: “Muito simples, estou procurando o caminho para chegar ao seu coração”. O homem desarmou na hora. Dali em diante a conversa foi muito mais fácil. O segredo é esse, não tem outro.
Qual é a parte do tríplice aspecto da Doutrina que o sr. gosta mais: ciência, filosofia ou religião?
O religioso, sem dúvida. Agora, com importantes qualificações. O Espiritismo é um bloco de dez, com conceitos e sabedoria. É uma doutrina profundamente inteligente e competente. Então não se pode dizer que só se aceita a reencarnação ou só a comunicabilidade dos Espíritos; é aquele bloco inteiro. Eu acho até que a reencarnação é o cimento que mantém esses diversos aspectos ligados; pois uma vez que você demonstra a reencarnação você já prova a pré-existência do espírito; a sobrevivência; prova que há vida no além; que tem vida antes da vida, vida durante a vida, vida entre as vidas, e vida depois da vida. Tudo é vida. Precisa-se entender as entidades, precisa-se ouvi-las com bastante paciência, com carinho e com amor e depois então começar a contra-argumentar. Se existe muita resistência, então, parte-se para regressão.
Como o sr. aprendeu a técnica da regressão?
Com o Coronel Albert de Rochas, no livro As Vidas Sucessivas. Esse livro foi importantíssimo para mim.
O sr. acha que é possível evitar a obsessão?
Acho que, na obsessão, o tratamento é mais preventivo do que curativo. Se não errássemos, não teríamos essa consequência. Quando erramos, assinamos uma promissória em branco, e um dia vai chegar alguém cobrando: “Tá aqui e você vai ter que pagar”. Não é que a lei de Deus seja punitiva – sempre repito isso – a lei de Deus é educativa. Agora, obsessão é um problema delicado porque você lida com as emoções do obsediado e do obsessor. Não se pode deixar de reconhecer que o obsessor tem suas razões – não que ele esteja certo, mas ele tem suas razões. Então é necessário convencê-lo de que não é inteligente perseguir outra pessoa, que não é inteligente não perdoar. Isso é o núcleo principal. E depois de instaurado o processo da obsessão, existem alguns casos tão difíceis que podem durar séculos e até milênios. Ele dá aquele contexto e só sai dali ajudado. Sozinho ele não tem condições. Por isso tivemos muitas entidades em nosso grupo que chegavam com aquela fúria, dizendo que estávamos nos metendo em assunto particular, que não tínhamos nada com isso... Mas tínhamos que fazer algo para ajudá-los e não era explodindo com eles não, era procurando entender. Tive, então, a sorte e a felicidade de contribuir para muita gente se libertar; graças a Deus.
Quando os Espíritos compreendiam e se libertavam qual era a reação deles?
Ah! Coisa emocionantes aconteciam. Lindas! Porque aí a criatura cai no seu verdadeiro ser. Ela percebe que você não é inimigo e sim um amigo que está ali ajudando para que ela saia daquela dificuldade. Quantos deles foram gratos... Lembro-me de um caso que me deixou muito comovido. O Espírito era dirigente de uma instituição lá no mundo espiritual, era uma pessoa de bastante relevo – porque eles são inteligentes, são muito cultos, muito hábeis, e conhecem os mecanismos da lei; eles mexem com a lei divina – então ele veio com ameaças terríveis. Disse que ia acabar com aquele grupo e veio disposto a fazer qualquer negócio para efetuar seu intento. Então, aquela entidade chegou muito ameaçadora porque estava em perigo toda a estrutura dela, todo o seu poder, as coisas que ele montou lá – instituições, às vezes, milenares. O espírito estava muito indignado e compareceu cercado de várias pessoas – eu não via nada, mas ele dizia: “Me dá essa pasta aí” –, assistentes, e chegou um ponto em que ele saiu, desligou-se do médium ainda bastante indignado. Passado alguns dias, uma moça de nosso grupo disse que alguém muito aflito tocou sua campainha perguntando se tinha um serviço para dar a ele. Ela respondeu que tinha sim e pediu-lhe que desse uma olhada no chuveiro, era um rapaz, muito jovem ainda. Ela deu-lhe uma gratificação ultragenerosa para ele, que perguntou de onde tinha um supermercado perto; ela explicou-lhe e ele foi embora. Bom, passaram-se duas semanas e manifestou-se aquela entidade furiosa. Chorava sem parar. Ele dizia: “Aquele menino é a minha vida. Ele foi meu filho. Sofro de vê-lo nessas dificuldades todas. E ele foi lá, sem mais nem menos e vocês ajudaram”. E continuou: “Está aí o meu coração em cima da mesa. Façam dele o que vocês quiserem”.
Durante esses 28 realizando o trabalho desobsessão qual a maior lição que aprendeu?
A lição de que os Espíritos são pessoas iguais a nós; e que não há força maior que a do amor. São duas lições que me marcarão para sempre! O amor liberta você. Lá, às vezes chegavam entidades que traziam um rancor... E dávamos razão a elas em muitos aspectos. Pois a pessoa que passou por um conflito muito grande com uma outra, ou com uma instituição, enfim, qualquer problema mais grave, tem suas razões para estar magoada, não podemos deixar de reconhecer. Tem entidades que manipulam os outros quando estão encarnadas, e você acha que aquelas não tem razão? Tem sim. O problema está em você mudar a atitude: “Você tem razão, mas tem isso, isso, aquilo ...”. O Espírito acabava se convencendo que era pelo perdão que se chegava à libertação.


FONTE: Revista Universo Espírita nº 34

O Evangelho de Tomé na visão de Hermínio Miranda

Mensagem

O Evangelho de Tomé na visão de Hermínio Miranda

Em seus primeiros séculos de existência, o Cristianismo foi abalado por mais de uma centena de correntes filosóficas distintas. A mais perigosa para a igreja primitiva foi a dos gnósticos, da qual alguns textos chegaram até nós. O mais importante é o chamado Evangelho de Tomé, descoberto em 1945, no alto Egito, que Hermínio Miranda Corrêa de Miranda, 86, analisa, junto com um levantamento minucioso das crenças e posições do agnosticismo, no livro O Evangelho Gnóstico de Tomé. Esse é um dos 26 títulos publicados pelo autor, um dos campeões de venda da literatura espírita do Brasil, que tem também centenas de artigos e ensaios em revistas e jornais especializados. À Folha Espírita ele fala desse evangelho e alguns pontos levantados em "O Código da Vinci".

Folha Espírita: Miranda, você é um conhecedor do Evangelho de Tomé. Pode explicar, em poucas palavras, em que ele se diferencia dos demais evangelhos?
Hermínio Corrêa Miranda: É difícil explicar em poucas palavras aquilo que tentei fazer em um livro. No meu entender, o Evangelho de Tomé difere mais dos sinóticos – Mateus, Marcos e Lucas -, que, sem relegar a segundo plano os ensinamentos do Mestre, ocupam-se mais do que poderíamos considerar como biografia de Jesus, ou seja, sua história pessoal, seus feitos, os milagres e sua interface com as instituições religiosas, políticas e sociais da época.
Quanto ao de João, não lhe falta o conteúdo biográfico, não, porém, na mesma ordem e nos termos dos demais, razão pela qual não é considerado sinótico. Sua evidente prioridade situa-se nos aspectos doutrinários. Nele, a gente colhe a impressão de que fala um Jesus póstumo – e a julgar pelos documentos gnósticos – através da mediunidade de alguns apóstolos, especialmente, a de Pedro e de Madalena. Não falta quem diga – e eu seria um deles, caso me pudesse me incluir nesse elenco de sábios – que o de João é um texto gnóstico, o que também se observa no ideário de Paulo. Esse conteúdo – penso eu – é que proporciona maior afinidade entre João e Tomé.

Folha Espírita: Você leu O Código da Vinci? Qual sua opinião sobre a obra?
Hermínio Corrêa Miranda: Li. O Código da Vinci constitui leitura empolgante pelo ritmo e pelo clima de suspense que o autor impõe a narrativa. É obra inteligente, de um autor culto e que fez bem seu dever de casa em suas pesquisas e na armação do enredo. A mistura de ficção com realidade, contudo, constitui desafio à argúcia do leitor, que nem sempre consegue identificá-las com suficiente clareza, a fim de separar fatos para um lado e fantasias para outro.

Folha Espírita: O que você teria a dizer quanto ao suposto casamento de Jesus?
Hermínio Corrêa Miranda: É certo que Jesus deixou evidenciada sua admiração por Madalena, entre outras coisas, ao distingui-la como a pessoa a quem se manifestou pela primeira vez, após a morte na cruz. Os evangelhos gnósticos confirmam esse destaque, ou preferência, o que teria suscitado até cenas de explícito ciúme da parte de alguns apóstolos. Não vejo porém, qualquer indício que autorize a suposição de um vínculo matrimonial entre eles. Tese idêntica foi abordada, há mais de 20 anos, no livro Holy blood, Holy Grail, de Michael Baignet, Henry Lincoln e á mais de 20 anos, no livro Holy blood, Holy Grail, de Michael Baignet, Henry Lincoln e Richard Leight, ele não me convenceu.

Folha Espírita: O que Maria Madalena representou para o Cristianismo nascente?
Hermínio Corrêa Miranda: Tenho grande carinho, respeito, admiração e até fascínio pela extraordinária figura humana de Madalena. Há uma emocionada referência a ela – e também a Pedro – em meu livro Cristianismo, a mensagem esquecida. Em texto bem mais amplo, não hesito em acatar a tese da dra. Susan Haskins, erudita historiadora britânica, que considera Madalena, em seu livro Myth and Metaphor, a “apóstola dos apóstolos”.
Meu estudo permanece inédito há cerca de três anos, no aguardo de uma decisão editorial sobre publicar ou não a tradução que fiz da muito discutida obra The Sorry Tale (História Triste), ditada por Patience Worth à médium americana Lenore Curran, aí por volta de 1918. Nesse livro, injustamente esquecido, a autora espiritual conta uma história passada no tempo do Cristo, desde a noite em que ele nasceu até a tragédia tarde no calvário. É uma obra imperdível, e nela figura Madalena, com merecido relevo.

Folha Espírita: Ser solteiro faz de Jesus um não-judeu?
Hermínio Corrêa Miranda: Não me sinto suficientemente informado para opinar sobre isso. Penso, entretanto, que, solteiros ou casados, homens judeus e mulheres judias continuam sendo o que são por direito, dever e privilégio. Não vejo, ademais, em que isso pudesse influenciar, de um modo ou de outro, os imortais ensinamentos de Jesus.

Folha Espírita: O que são os chamados evangelhos secretos ou gnósticos? Eles nos ajudam a entender Jesus?
Hermínio Corrêa Miranda: A Igreja considera válidos apenas os chamados evangelhos canônicos, ou seja, os três sinóticos e o de João. Os demais foram colocados na categoria de apócrifos. Não nos cabe discutir a posição assumida pela Igreja, que deve ser respeitada, ainda que tenhamos reparos a lhe fazer. Apócrifo não quer dizer, para nós outros, que sejam necessariamente falsos os textos rejeitados.
Quanto aos livros gnósticos, o de Tomé inclusive, provêm da biblioteca de Nag Hammadi, onde permaneceram ignorados e razoavelmente preservados durante 16 séculos, em cavernas no deserto egípcio. Estou convencido de que sim, eles contribuem para melhor compreensão de ensinamentos de Jesus, confirmando aspectos essenciais de sua pregação e acrescentando outros que não figuram nos canônicos ou neles se acham expostos de maneira diversa.
Em alguns dos chamados apócrifos, no entanto, há óbvias fantasias e afirmativas, no mínimo, duvidosas. Seja como for, devem esses documentos ser levados a sério como objeto de estudos, a fim de que se avalie corretamente qualquer contribuição positiva ao melhor entendimento de pontos obscuros e controversos.

Folha Espírita: Eles nos trazem revelações que não estão na Bíblia? Devem ser levados a sério?
Hermínio Corrêa Miranda: Não diria que os textos gnósticos contenham revelações especiais que não constem na Bíblia. Há, não obstante, releitura em potencial a serem eventualmente suscitadas, como a informação de que Tomé teria sido irmão biológico de Jesus e, segundo alguns, até seu irmão gêmeo, ao passo que referências à família de Jesus são minimizadas nos canônicos.
Ou a de que, nos textos encontrados em Nag Hammadi, aspectos hoje conhecidos como preexistência e sobrevivência do ser, imortalidade, mediunidade, lei de causa e efeito, intercâmbio entre “vivos” e “mortos” e até a doutrina de vidas sucessivas são claramente mencionadas, ainda que com diferente terminologia.

Folha Espírita: O que o evangelho de Tomé nos traz que possa confirmar ou desmintir os fatos apresentados em O Código Da Vinci?
Hermínio Corrêa Miranda: Não me parece que O Código Da Vinci tinha sido construído a partir de fatos, e sim de especulações e inferências, certamente engenhosas, criativas e até brilhantes, mas, no meu entender, inconvincentes. E mais: ainda que venham a ser comprovadamente consideradas de responsabilidade do genial Leonardo, não passariam de opiniões pessoais dele, e não verdades incontestáveis dotadas de consistência suficiente para suscitar uma revisão na história das religiões, em geral, e na do Cristianismo, em particular.
A historiografia exige bem mais do que isso para reescrever os episódios de que se ocupa. Digamos, porém, apenas para argumentar: se, de fato, se comprovasse um relacionamento patrimonial entre Jesus e Madalena, impacto de consideráveis proporções atingiria a teologia das diversas denominações cristãs institucionalizadas, não, porém, os ensinamentos de Jesus, que em nada seriam afetados na sua inteireza e luminosidade doutrinária. Cabe, neste particular, uma palavra de admiração pela sensibilidade e sabedoria de Allan Kardec, que, ao trazer para o âmbito da Doutrina dos Espíritos a indispensável contribuição evangélica, optou pelo “ensino moral” do Cristo que ele considera, acertadamente, um “código divino”.
Deixou, no entanto, à margem, a da biografia de Jesus, seus atos e os milagres, bem como passagens textuais e aspectos que a Igreja tomou para montar sua estrutura dogmática, como a Trindade Divina ou ritualística e os sacramentos. Destaca-se, ainda, que os textos gnósticos não pregam a salvação pela fé ou pela adesão a esta ou àquela situação religiosa, e sim pelo conhecimento (gnose). O que está igualmente explicitado no Evangelho de João, quando Jesus ensina: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo, 8:32).

Fonte: Jornal Folha Espírita. Claúdia Santos.

A carta de Herminio Miranda aos pesquisadores espíritas

A carta de Herminio Miranda aos pesquisadores espíritas PDF Imprimir E-mail
Escrito por Eliana Haddad   
herminio miranda 17-08-2005Logo na abertura do Encontro de Pesquisadores do Espiritismo, realizado em agosto de 2011, os participantes do evento tiveram uma grata surpresa: uma carta do grande pesquisador e escritor espírita Hermínio Miranda. Confiram na íntegra.

"AOS ESTUDANTES E PARTICIPANTES DO 7. ENCONTRO DA LIGA DE PESQUISADORES DO ESPIRITISMO
Meus jovens amigos e amigas de ontem, de hoje, de amanhã e de sempre:
Gostaria de estar pessoalmente aqui, para viver este momento com vocês. De certo modo, contudo, é bom que eu não esteja. Sou um sujeito emotivo e até a minha cardiopatia é tida pelos médicos como de natureza emocional. Como iria eu administrar minhas emoções, ao partilhá-las com vocês?
Alegra-me sobremodo ver vocês trabalhando na realização do impossível. Digo isto ao me lembrar de Sir Winston Churchill, que costumava dizer mais ou menos assim: "Difícil é aquilo que a gente pode fazer imediatamente. O impossível é que demora um pouco mais."
As leis divinas me concederam generosamente, tempo para realizar algumas impossibilidades pessoais, superando pretensos obstáculos e supostos limites, que misteriosamente desmaterializavam-se e me deixavam passar.
Foi assim que me tornei até um escritor. Imaginem só: eu, escritor!
Somente agora estou percebendo que os "impossíveis" começaram a acontecer, depois que tomei conhecimento da abençoada Doutrina dos Espíritos, nos idos de 1957.
De algum tempo para cá passei a perceber algo singular. Ou seja: como é que a gente assiste em certo nível de indiferença ao doloroso espetáculo do estrangulamento do processo evolutivo da humanidade pelos implacáveis punhos do materialismo dominante? É claro que, no decorrer de tal ditadura ideológica, avançamos consideravelmente nas badaladas e sofisticadas conquistas tecnológicas. Mas, não é a esse aspecto que me refiro. Desejamos mais do que isso, muito mais. E para toda a comunidade humana onde quer que ela esteja pelas dobras infinitas do espaço imenso.
Será que não podemos mudar – pacificamente e sem dores, pelo amor de Deus! --os modelos políticos, sociais, econômicos, religiosos e culturais? Claro que sim. Não apenas podemos, mas devemos mudá-los.Temos de mudá-los.
Vocês já estão trabalhando no projeto de reformatação do mundo em que vivemos e no qual, viveremos ainda, não sei quantas vidas. Estão levando para o autorizado foro de debates do meio acadêmico, a desprezada realidade de que não somos meros corpos físicos perecíveis, mas espíritos imortais, pré-existentes, sobreviventes e reencarnantes.
Convém lembrar, ainda, que, ao separar didaticamente o território das coisas materiais, do espaço reservado às imateriais, Mestre Aristóteles certamente não pretendeu demonizar a Metafísica. Quis apenas chamar a atenção para o fato de que esses vetores de conhecimento exigem abordagem e tratamento diferenciados e despreconceituosos de gente que se disponha honestamente a aprender com os fatos.
Decorridos mais de dois milênios, ainda ouvimos dizer que os componentes metafísicos da vida são, crendices e fantasias pré-científicas, indignas da atenção de intelectuais que se prezam. O que desejamos é presença de gente qualificada que nos ouça e ajude a retirar o estigma que pesa sobre realidade espiritual. O resto virá por acréscimo.
Parodiando o ex-Presidente Kennedy, não aspiremos ao que mundo pode fazer por nós, mas ao que podemos fazer pelo mundo.
Que Deus nos abençoe. E nos inspire sonhos como este, dado que, se não sonharmos, como é que nossos sonhos vão se realizar?
Eis o singelo recado do velho escriba.

Hermínio C. Miranda
Agosto de 2011"

O romance que já estava escrito

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Escrito por Herminio C. Miranda   
Há dois meses vínhamos trabalhando em nossas atividades mediúnicas, junto de determinada instituição espiritual, quando se manifestou uma entidade feminina, em pranto. Segundo apuramos depois, vinha de uma existência de irresponsabilidades e crimes contra a natureza humana. Fora uma bela mulher que usou seus encantos pessoais para escravizar pessoas aos seus caprichos e às suas ânsias. Os homens estendiam-lhe seus mantos para que ela passasse sobre eles, explicou. Levava-os ao desespero, ao alcoolismo e até a última degradação da sarjeta. Casamento? De forma alguma! Precisava gozar a vida.
Filhos? Nem pensar! Por isso, rejeitava-os sistematicamente quando ocorria qualquer gravidez, sempre indesejável e inoportuna.
Ao praticar quase uma dezena de abortos, estava convicta de livrar-se para sempre daquele desagradável “contratempo”. Ignorava que em cada gravidez estava presente um espírito reencarnante, interessado em viver e necessitado de uma existência na carne, a fim de realizar alguma tarefa essencial ao seu processo evolutivo.
Os pequenos fetos arrancados pela violência de seu belo corpo eram prontamente destruídos e logo esquecidos, mas os espíritos, não. Ficaram à sua espera no mundo espiritual para cobrar-lhe, um dia, o assassinato de que haviam sido vítimas.
Depois de muito penar pelos escuros planos da dor, fora recolhida pela instituição de que vínhamos cuidando e que começava a desarticular-se irremediavelmente, por causa do afastamento de seus dirigentes. Não que tivesse resolvido seus problemas pessoais, pelo contrário, dado que, longe de ter iniciado o resgate de suas antigas faltas, continuava a assumir mais responsabilidades ao cometer novos desatinos, pelos quais também teria de responder um dia. Pelo menos tinha, ali, certa “proteção”, a troco dos seus serviços, colaborando para que os objetivos desagregadores das sombras fossem eventualmente alcançados.
Desmantelada a comunidade, contudo, restaram a ela apenas duas opções:
assumir, finalmente, suas responsabilidades cármicas e enfrentar as dificuldades do resgate ou ficar novamente entregue às aflições e incertezas do que a Codificação Espírita caracteriza como estado de erraticidade.
Decidiu pelo trabalho da reconstrução de seu atormentado espírito, com todos os seus riscos e sofrimentos, carências e frustrações. Foi honesta conosco ao enfatizar que não era com alegria que resolvera aceitar a pesada carga. A palavra adequada para ela nem era aceitação. Se pudesse, tudo faria para livrar-se daquilo ou, pelo menos, atenuar um pouco o peso que, de repente, parecia ter desabado sobre ela, mas reconhecia, no fundo, que não tinha alternativa. O caminho era aquele mesmo; ela própria o escolhera, ao precipitar-se no abismo de suas paixões.
Teve, contudo, um gesto de grandeza, demonstrando que já começava nela o processo da regeneração. Referindo-se às inúmeras mulheres que continuam a praticar abortos sucessivos, sugeriu-nos:
_ Conta para elas essas coisas, conta. Conta o que está me esperando… Vai falar com elas aí! Vai, fala e escreve. Por que você não faz isso? Conta!
Fala!
Essa história é, portanto, um recado que estou transmitindo em nome e a pedido de alguém que sabe.”
“Esta história é, portanto, um recado que estou transmitindo em nome e a pedido de alguém que sabe. Ao conversar conosco, naquela noite, já há algum tempo se encontrava recolhida pelos trabalhadores do bem, a uma comunidade de recuperação. O diálogo que se lê, a seguir, é a fiel transcrição da nossa conversa. A primeira fala é dela, e estava em pranto logo que se manifestou.
_ Não me leva! Não me leva pra lá! Eu não quero ir! Eu não tenho onde ficar!
_ Tem sim. Todos nós estamos guardados em Deus. Todos temos para onde ir.
Ninguém será jogado fora.
_ Nunca tive nada de meu. Nunca tive pra onde ir. E agora, não quero ir para lá também. Não quero! Não quero ir pra lá pra nascer de novo… Que eu vou ganhar aí, no mundo?
_ Você vai ganhar aquilo que perdeu. As coisas que você fez errado, vai ter oportunidade de fazer de novo, de acertar. Vai ser recebida por pessoas que querem te ajudar…
_ Será que querem mesmo? Toda vida fui recebida por pessoas que queriam saber o que podiam tirar de mim.
_ Sim, mas havia alguma razão para que isso acontecesse dessa maneira, não é, minha filha? Você não acha que a pessoa que concordou em receber você como filha, quer ajudar? Você conhece a pessoa?
_ Não conheço, não. (Não é verdade isto, como veremos).
_ Você já sabe quem vai recebê-la?
_ Não sei quem vai, eu sei é que…
_ Talvez você não esteja compreendendo bem isso aí.
_ O que eu não estou compreendendo? Estou compreendendo agora…
_ Você não queria? Preferia continuar assim como está? É isso?
_ Não sei o que eu preferiria, não. Às vezes acho que vai ser bom nascer de novo… Você esquece… todo mundo te pega no colo porque você é um neném. Até você lembrar de novo, já descansou um bom tempo.
Refere-se, portanto, à terrível pressão das lembranças desagradáveis, dos remorsos dolorosos, das angústias do ser que se reconhece culpado e contempla, desalentado, a penosíssima tarefa da recuperação espiritual.
_ È que você tem muitas agonias no espírito – diz o doutrinador -, mas a Lei é generosa e pacificadora. Ela nos concede o esquecimento exatamente para que possamos recomeçar tudo de novo.
_ Às vezes eu acho que deveria ser bom, mas quando penso em tudo quanto vou ter que passar… que me disseram lá que eu vou ter que passar…
_ Pois é, minha irmã, mas a gente está devendo à Lei… É preciso passar por essas coisas para aprender. Você não acha? É preciso ter paciência. Você precisa aceitar isso. Se fôssemos perfeitos, bonzinhos, caridosos, não estaríamos passando por tantas coisas, não é? Você está lembrando de uma vida em que foi maltratada, foi espoliada, mas não se lembra das outras, quando foi a sua vez de espezinhar, de maltratar…
_ Eu não acho que fosse uma pessoa capaz de fazer isso. Eu não acho…
_ Por que você acha, então, que a Lei lhe pediu isso?
_ Não interessa a Lei de Deus! Interessa é o que vou ter de passar por isso e ponto final!
_ Sei, minha querida. Mas não é só. Interessa saber que você vai ficar boa.
Você não é uma pessoa má. Você não faria mais aquilo que fez.
_ Como é que você diz que eu fiz? Você sabe o que eu fiz?
_ Se você passou pelas coisas que passou, é porque devia.
_ Outra vez! Ter de viver de novo, ter que… aguentar tudo!
_ Você já conversou sobre isso com os nossos companheiros?
_ Já, já… Mais de uma vez.
_ E o que foi programado para você? Quais são seus planos a respeito dessa existência?
_ Eu não tenho planos, está entendendo? Não tenho muita escolha, não.
_ Sim, mas o que você vai fazer? Vai nascer pobre, com dificuldades, ou como será? Algum lar já deve estar programado para você.
_ É. Vou nascer numa família de uns dez filhos ou oito. Então minha mãe vai morrer e eu vou ter que criar esse bando de crianças! (Fala destacando certas palavras para dar-lhes ênfase especial).”
“_ Sim, mas isso não é uma oportunidade muito boa para você?
_ Não vou poder me casar porque estou criando irmãos. Não vou poder estudar porque estou criando irmãos. Não vou passear, não vou me divertir… Vou ficar dentro de casa cuidando de irmãos…
_ Sim, mas esses irmãos não são escolhidos ao acaso, não é? São seres ligados a você. São pessoas às quais você deve esse favor, esse compromisso, essa oportunidade. Em algum ponto de suas vidas passadas, você tirou alguma coisa delas.
_ Sabe? Desgraçada a mulher que não usa bem o sexo!
_ É. Isso é verdadeiro, sim. Você tem razão.
_ Desgraçada dela! Quer dizer, não vou casar, mas vou ter que sustentar criança, vou ter que tomar conta de crianças… Vou ter que ser mãe das crianças! Só porque fiz alguns abortinhos…
_ Só porque?…
_ Qual a mulher que não fez um aborto na vida?
_ Pois é, minha filha, mas você acha isso certo?
_ Eu, quando fiz, achava. Achava que era!
_ Hoje você não acha, mas o erro ficou lá, de alguma forma.
_ E eu que não dou para esse negócio de ser mãe! Você já imaginou?
_ Você terá que aprender, irmã.
_ Não dou pra isso. Eu nunca quis filho, justamente por causa disso.
_ É, mas a sua mãe teve você…
_ Aí foi problema dela. Ela quis… Eu não quis ter nenhum e não tive. Não tem escolha. Tem?
_ Tem a escolha e tem a responsabilidade também, não é?
_ Agora, não. Ou você aceita isso, ou então continua na vida que quiser.
Quer dizer… Eu não tenho mais a vida que eu quiser, porque onde eu estava com os meus amigos, não dá mais. Então você fica entre a cruz e a caldeirinha…
_ A não ser a penosa reencarnação que estava programada para ela, a única opção viável agora seria uma indefinida fase de agonias, vagando sem rumo pela vastidão dos mundos de desarmonia e de angústia, perseguida implacavelmente pelos adversários que a insensatez criou para ela. Ante tais perspectivas, ambas assustadoras e aflitivas, o mal menor ainda era a reencarnação que, sem ser compulsória, apresentava-se como única alternativa aceitável.
_ Eram seus amigos? Pergunta o doutrinador.
_ Eram, sim, meus amigos. Então, vou ter que ir, vou ter que nascer, vou ter que cuidar desse bando de crianças. Vou criar mesmo! Quando a mãe morrer, o último vai ser um bebê. Acabou de nascer, ela morre… E eu vou criar todo mundo. Você já viu?
_ Você não acha que é uma oportunidade de mostrar que sabe fazer alguma coisa? Quando você terminar essa existência, se houver cumprido direitinho suas tarefas, sua consciência estará em paz. Na próxima vida, depois dessa, você já não terá mais esses compromissos. Vai ter oportunidade de ser feliz, ter o seu marido, seu lar, sua casa… o que você desejar, enfim.
_ Você já imaginou que destino triste?
_ Sei, minha querida. Mas você poderia ter aceitado essas crianças quando tinha condições, e não quis, não é? Não precisava ser triste. Se eles tivessem sido seus filhos, naquela outra vida, você não teria tido grandes dificuldades. Você não dispunha de recursos? Na ocasião em que podia você não quis. Agora…
_ Sabe para onde vou ter que ir? Disseram que vou ter que ir para a Argentina, porque lá é que está o pessoal todo. Tenho que ir… E o pior é que vou ser uma moça bonita. Os homens vão querer casar comigo e eu não vou poder casar. Nenhum vai querer aceitar aquele bando de crianças.
_ Quem sabe não aparece um companheiro que queira?
_ Não! Está lá!… Não. Já sei que não vou. Já me disseram: “Você não vai casar. Se casar, vai complicar tudo!”
_ Então, veja bem. Você rejeitou essas crianças quando poderia tê-las aceito, com muito maior facilidade. Não quis. É direito seu…
_ É. Eu andei fazendo uns abortozinhos… Mas eu… não é porque eu não gostava; eu não podia ter filhos!
_ Como não podia?
_ Não podia… Eu não queria casar. Eu queria uma vida livre. Quer dizer…
_ Então, você escolheu, tomou uma decisão e a responsabilidade ficou.
_ Mas eu nunca achei que fosse uma coisa tão ruim assim.
_ Você não achou, mas a Lei sabe que era. E hoje você sabe que é tão grave que vai precisar fazer um sacrifício maior para se recompor.
_ Mas, então, por que… (para, hesita, pensa). Ah!, não. A moça disse lá. Eu
perguntei: “Então por que eu não caso e eles não vêm como meus filhos?” Eles me disseram que há uns tão revoltados comigo que nunca vingariam como filho.
Entende? Não iam conseguir. Eu também ia rejeitar e eles me rejeitariam e iria ser uma confusão danada! Então, vindo com outra mãe, eu vou ser irmã e isso é diferente.
_ É. Você vê como tudo é lógico e direitinho…
_ Que lógico? Sei lá… Não estou pensando nisso. Estou pensando no problema em si. É, podiam ser meus filhos, porque aí eu casava e teria alguém para me sustentar, para me dar uma vida melhor. Você já imaginou? Eu vou trabalhar que nem uma desesperada!
_ O trabalho não mata ninguém, minha irmã. Pelo contrário, ocupar as mãos com algum trabalho digno…
_ Não vou ocupar, não, vou esfolar…
_ Não importa. Depois que você abandonar esse corpo, seu espírito estará em paz, estará redimido, pelo menos quanto a esse aspecto.
_ Pois é, mas será que eu vou aguentar? E que vou ter que… Eu, uma criança ainda… Você imagina? Já estou vendo o drama todo na minha frente.
_ Mas, minha querida, não há outro caminho. É esse aí que você tem que aceitar. É por ali mesmo que você tem de passar. Você não quis passar da outra vez, que era mais fácil, vai passar agora que é difícil. É como se você tivesse de fazer uma caminhada com um belo dia de sol, e você não quis.
Agora vai fazer com chuva mesmo.
_ Eu disse pra eles: “Então porque não faz o seguinte: o meu futuro pai não casa com outra mulher, para ter uma madrasta para cuidar? E eu vou ajudar a cuidar das crianças…”
_ Isso não resolveria os problemas ali. Você tem de assumir a responsabilidade que rejeitou da outra vez…
_ Lavar, passar e ainda costurar a máquina!
_ Não é vexame nenhum isso aí…
_ Eu, uma escrava daquele bando de crianças…
_ Se você os tivesse aceitado da outra vez, eles iriam crescer e ajudar, quando você fosse mais velha. Iriam trabalhar… Talvez você terminasse a vida em perfeita paz e conforto.
_ Não sei, não. Por que a gente…
_ É. Você tem razão. Por que a gente erra, não é? Uma pena…
_ Não é porque a gente erra, não. Não estou dizendo isso. Meu deus do céu, como é que você fica? Você vai para o mundo, o mundo tem uma porção de coisas que são atraentes, que você quer. Você é uma mulher bonita, você… ué!
Você não tem que viver? A gente tem os instintos… Você tem que viver. Por que Deus criou essas coisas?
_ Está muito bem. Mas você pode exercer seus instintos, atender suas solicitações, mas não precisa matar ninguém, não é , minha irmã?
_ Que matei? Aborto não é matar ninguém!
_ É um assassinato. Não há diferença. A criatura não pode nem defender-se.
_ Engraçado! No meio disso tudo, desse bando de crianças… até me mostraram lá um  “retrato”, tem um menino… um só… que eu não vou ter problema com ele.
Ele gosta de mim. De onde ele gosta de mim, não sei. Ainda não apurei isso.
Ele gosta de mim. Então, dizem que ele pediu, ele quer vir… É o segundo irmão: eu, depois ele, porque assim ele vai ajudar.
_ Que bom! Já vai melhorar um pouco o sofrimento.
_ Ah, que nada! Acontece que ele está pedindo isso. É diferente. Eu, não: eu tenho que aceitar, contra a minha vontade. Porque, vou lhe falar com toda franqueza, se fosse para dizer “Você escolhe”, eu não ia, não. Não ia, porque tenho minhas dúvidas se vou aguentar um negócio desses. É um “negócio” muito pesado. Não estou acostumada com isso. Eu tive uma vida de princesa, de rainha, com todo mundo… Quer dizer, não fui princesa ou rainha, foi uma vida de princesa, de rainha, todo mundo fazendo o que eu queria, com os homens ali, botando a capa no chão pra eu pisar por cima e passar… Agora, de repente… Quer dizer, estou acostumada com isso… Nunca usei minhas mãos para lavar roupa. Agora, você já imaginou? Eu tenho que lavar roupa, com as minhas mãos! Com estas mãos aqui… Vou ter que ficar numa máquinam costurando. Vou ter que criar calos. Tudo por causa de irmão! Vou ter uma raiva danada deles! Tenho medo!
_ Se cometer tolice, você vai complicar-se ainda mais. Olhe que aí não vai ser mais caminhar na chuva, não; vai ser muito pior.
_ Por que isso? Será que você não “dava” um jeito? Você conhece eles lá (os nossos amigos espirituais). Você não pode pedir pra eles… “maneirar” um pouquinho o negócio pra mim? Vai lá, fala, pede… Diz que eu sou sua parenta, sua conhecida… qualquer coisa.
_ Você acha que eu vou chegar lá pregando mentira?
_ Mas você não diz que sou sua irmã? Então! Você podia ir lá falar…
“_ Minha filha, você sabe lá? Se fossem cobrar tudo mesmo, aí, sim, você não iria aguentar.
_ Mas você não acha que isso é demais?
_ Não. Não acho.
_ Puxa! Que você está pensando? São dez crianças! São nove porque eu sou o dez… Vou ser mãe de nove crianças.
_ Imagine se fossem 30 ou 40…
_ É, você é doido mesmo…
_ Imagine se você tivesse que nascer cega ou paralítica, ou surda…
_ Ah, pelo menos ia ter alguém que cuidasse de mim.
_ Não sei. Muita gente passa a vida toda cega, sem ter quem cuide. A solidão é uma coisa terrível, minha irmã. Afinal de contas, você vai ter uma família. Quando eles crescerem, mesmo que não te retribuam, vai haver um para te ajudar, amar e respeitar. Vai partilhar com você essas agonias todas. Mas, quem sabe, mesmo entre eles, os outros sete ou oito, alguns
pensem: “Essa irmã sacrificou-se. Eu não gostava dela, mas, afinal de contas, ela foi boa para a gente.”
_ Não está com jeito, não. Do jeito que eu vejo, vai ser tudo um bando de ingratos, que vão fazer de mim gato e sapato. Isso é que eu acho.
_ Se você usar sua inteligência, sua capacidade de amar, poderá transformá-los em seres que te amem.
_ E a minha vida de moça?
_ Isso é tão importante assim? Você teve uma vida de moça e não a utilizou corretamente. Você mesma disse aí, no princípio, que não usou bem os seus encantos. Usou-os para dominar, para corromper, enfim, para fazer tudo quanto veio à cabeça.
_ Isso tudo é tão complicado! Se a gente soubesse a confusão que dá, não faria certas coisas. Vou lhe contar, não faria mesmo!
_ Veja bem. Você sabe agora. Agora você está sabendo.
_ Pois é, mas agora que eu sei, é tarde. Vou ter que aguentar. E tem mais, eu não lhe falei. Vou ter um pai, não é? Mas esse pai vai ser um alcoólatra.
Disseram-me que, numa outra vida, eu fiz dele um alcoólatra. Ele teve um desgosto e deu de beber, beber… e acabou morto, numa sarjeta, por minha causa, porque se apaixonou por mim. Agora, que mulher pode ter culpa se um homem se apaixona por ela? Eu tenho culpa? Se amanhã você se apaixona por mim… Vamos ver. O que eu vou fazer? Você se apaixonou porque quis. Mas aí, deixa eu contar, pra você ver o quadro como é preto. Então, vou ter esse pai, que vai ser outra carga em cima de mim. Quer dizer, vou ter que ficar com o peso todo, porque ele vai chegar em casa bêbado. Vou ter que ajudar, vou ter que… Ó meu Deus! Parece coisa de novela, não parece? Parece história de folhetim. Se contar, ninguém acredita. E eu vou… Quer dizer… É um romance que já está escrito. Já foi escrito! Mostraram-me tudo lá. E um romance que já está escrito!

(Trecho do livro As mil faces da realidade espiritual, escrito por Herminio C. Miranda - Ed.CEAC)

Desencarna Herminio Miranda " Um grande Espírita nos deixa com legados "

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Escrito por Eliana Haddad   
Ter, 09 de Julho de 2013 10:21
herminio mirandaDesencarnou nesta segunda- feira,  às 16 horas, o escritor e pesquisador espírita Hermínio Corrêa de Miranda. Seu corpo será velado a partir das 10h30 da  terça-feira, 9 de julho, e será sepultado  às 15 horas, no cemitério do Jardim-Parque da Saudade, em Paciência, Rio de Janeiro.
À Editora Correio Fraterno, Herminio deixa  um legado de obras extraordinárias - A Feira dos Casamentos (tradução), A dama da Noite, A irmã do Vizir, O exilado e As mãos de minha irmã, O que é o fenômeno mediúnico  e O que é o fenômeno anímico. Nosso imenso carinho  e gratidão a ele, que sempre nos extasiou com seu grande exemplo de trabalho, bom ânimo e amor pela doutrina dos espíritos.
Em maio do ano passado, Herminio enviou um e-mail ao jornal Correio Fraterno, sugerindo a publicação de uma das histórias  que os espíritos contaram, diante do "lamentável e funesto propósito do governo de legalizar o aborto em nosso país". O assunto acabou virando capa da edição 446. Incentivador da pesquisa e do estudo, em 2011, escreveu uma carta emocionante aos participantes do 7º Encontro da Liga dos Pesquisadores Espíritas, realizado em São Paulo.
No último contato por telefone com a redação do Correio Fraterno, há dois meses, quando acertávamos detalhes para edição de mais uma obra, Hermínio carinhosamente agradecia e dizia que gostaria de escrever muito mais. Falava sobre as naturais limitações da idade do corpo físico e mostrava a tranquilidade e resignação do verdadeiro cristão que aceita os percalços da vida, não desanima e confia sempre:
"...Deus sabe de mim!..." concluia ele.
É claro que sabe, grande Herminio. Que seu caminho continue a iluminar também as nossas estradas. Siga em paz! Saudades.

Um retrato do mercado editorial espírita

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Escrito por Izabel Vitusso e Eliana Haddad   
richard simonetti 6
Com 53 livros publicados, Richard Simonetti, 77anos, nasceu em Bauru. Filho de duas tradicionais famílias de descendência italiana, conviveu desde cedo com atividades sociais. Sua mãe, Adélia, dirigiu por várias décadas uma oficina de costura, no Centro Espírita Amor e Caridade, atendendo migrantes e famílias pobres da região. Casado com Tânia Regina Simonetti, é pai de Graziela, Alexandre, Carolina e Giovana e avô de Rafaela. Com mais de dois milhões e duzentos mil exemplares vendidos, é membro da Academia Bauruense de Letras.
Simonetti foi funcionário do Banco do Brasil. Desde que se aposentou, em 1986, passou a se dedicar inteiramente às atividades espíritas, particularmente no Centro Espírita Amor e Caridade, ao qual está ligado desde a infância, que desenvolve importante trabalho no campo social – albergue, triagem de migrantes, atendimento à população de rua, creche, assistência familiar e cursos profissionalizantes – beneficiando anualmente cerca de 25 mil pessoas.
Expositor espírita nacional e internacional, com centenas de artigos publicados em jornais, revistas e portais, é de opinião que a imprensa espírita hoje está comportada “até demais”, nela faltando um espaço para críticas e resenhas literárias.
Em 1970, articulou o movimento inicial de instalação dos clubes do livro espírita no Brasil. E é justamente sobre esse mercado editorial que ele fala nessa entrevista. Acompanhe.
Como está o mercado do livro?
Há um problema sério: a concorrência. Há muita gente escrevendo, muitas editoras produzindo livros espíritas, não raro sem qualidade, sem conteúdo doutrinário, Médiuns psicografam algumas mensagens e entendem que devem ser publicadas, confundindo exercícios de psicografia com material para um livro.
Em sua opinião qual o maior desafio do mercado editorial espírita?
Sustentar a pureza doutrinária. Depois que Chico Xavier desencarnou “soltaram a tampa da revelação”. Médiuns transmitem fantasias sobre a vida espiritual, situando-as como desdobramentos do conhecimento espírita. Livros assim vendem bem, fazem mal ao movimento.
Por que o senhor acha que vendem tanto esses livros? É o pessoal que não sabe escolher ou é o que se está oferecendo a eles?
Falta de cultura doutrinária. Gostam de fantasia, principalmente quando romanceada. Aceita-se tudo sem a pergunta essencial: é compatível com a doutrina?
Como fazem a escolha de romances em seu centro?
Impossível analisar tudo o que é publicado. Um bom recurso é selecionar editoras sérias, que publicam livros observando o conteúdo doutrinário.
O senhor acha que essa situação de mercado é consequência apenas da parte comercial, de ser preciso ganhar dinheiro, ou pode ser um movimento das trevas?
Ingenuidade atribuir tudo às trevas. O problema maior é a falta de compromisso com a doutrina, superada pelo empenho de vender mais, ter mais associados, lucrar mais.
O senhor, como autor, presidente do Ceac, foi também o grande incentivador do clube do livro. Como avalia esse projeto hoje?
Em 1976 realizamos, sob os auspícios da USE-Bauru, um amplo movimento de divulgação do Clube do Livro Espírita. Conseguimos contabilizar perto de 200 CLEs. Hoje há um número bem maior, realizando o mais importante trabalho de divulgação do livro espírita. Os CLEs vendem muito.
Qual foi a dinâmica pensada para o funcionamento do clube?
O CLE é muito simples. Organiza-se uma lista de adesões. Em seguida é feita a compra do livro junto à editora, com distribuição ao associado que paga a mensalidade e recebe o seu exemplar. Quando fizemos a campanha de instalação do CLE o slogan era “O Ovo de Colombo” da divulgação espírita. Fizemos inclusive no Correio Fraterno. Muito simples, prático e objetivo.
A ideia era fazer um livro vendendo-o bem mais barato antes de ele sair para as distribuidoras, ganhando-se no volume das vendas, é isso?
Sim e, o mais importante: todos ganham. A editora, que publica mais livros, o CLE, que vende muito, e o leitor, que paga mais barato o livro.
Mas sabe-se que algumas pessoas não honram o compromisso de vender exclusivamente para clubes o que compram com grande desconto, e acabam prejudicando a própria dinâmica do mercado.
Normalmente não deve acontecer, porquanto um CLE costuma ter no mínimo 50 associados. Nenhuma livraria compra tantos livros de um mesmo título.
O que o senhor mudaria se tivesse que lançar o clube do livro hoje?
Tentaria mudar a mentalidade dos dirigentes de clube de livro. Hoje temos um problema sério. Para fazer publicar um romance, a editora vai desembolsar, por exemplo, cinco reais e cinquenta centavos. Os clubes cobram do associado cerca de vinte reais. Mas eles querem comprar da editora por no máximo 6,50. A editora vai receber um real de lucro bruto em cima do custo do livro, que não inclui o custo de manutenção da própria editora. Já escrevi sobre isso. É preocupante como os dirigentes de clube lidam com isso, interessados sempre no lucro. Muitos querem preço, o livro barato. E nem sempre estão preocupados com o conteúdo nem com a sobrevivência das editoras.
Há casos de trabalhadores em casas espíritas que, entusiastas na divulgação da doutrina, vendem livros em porta de centros pelo preço que conseguem nas distribuidoras, o que tem causado problemas com livrarias espíritas há muito estabelecidas nas cidades. Vale tudo em nome da divulgação?
Vender livros nas portas do centro até abaixo do preço de custo pode ser um belo ideal, mas não é compatível com o bom senso. É preciso cuidado para preservar as livrarias. Elas têm despesas, precisam de uma margem de lucro para se sustentar. Considere-se, ainda, que o leitor pode comprar apenas porque está barato. Será que irá ler?
Comenta-se que 60% das pessoas que assinam o clube de livro espírita não são espíritas, gostam de ler romance por prazer. O senhor tem alguma informação sobre isso?
Provavelmente isso acontece. Segundo o IBGE apenas 2% da população brasileira dizem-se espíritas. Certamente haverá muita gente associada ao CLE sem vinculação ao Espiritismo. Os CLEs fazem um excelente trabalho de divulgação entre os simpatizantes, mas seria conveniente uma dosagem quanto ao conteúdo, não ficando apenas em romances, que nem sempre são de conteúdo legitimamente espírita.
E sobre os temas abordados nos livros? O que poderia se fazer de novo em termos de conteúdo?
Pela minha experiência como escritor, acho que a literatura espírita deve ser clara, objetiva, agradável, bem-humorada. Procuro fazer isso, tanto que há pessoas usando os meus livros para fazer palestras e citações. Não há necessidade do uso de dicionário.
É fácil escrever fácil?
Mario Moacyr Porto diz que é fácil escrever difícil; difícil é escrever fácil. Posso escrever um artigo em rápidos minutos, mas é provável que o leitor tenha dificuldade para entender. É fundamental fazê-lo de forma objetiva, eliminar termos de difícil entendimento, demonstrar clareza de linguagem. Isso dá muito trabalho.
O público hoje compra muito mais os lançamentos e deixa de comprar os livros básicos, as obras subsidiárias, se assim podemos dizer, como Kardec, Emmanuel, Denis, Yvonne Pereira, Herculano. O que acontece?
As obras de Allan Kardec vendem bem. Outros autores talvez careçam de maior divulgação. Herculano Pires escreveu muitos livros, mas quase não os vemos, edições esgotadas. É um autor dos mais importantes.
O senhor acha que o público mudou ou continua precisando das mesmas coisas?
Há uma elevação do nível cultural do brasileiro. Natural que hoje se exija mais dos autores.
O que deve ter um bom romance espírita?
Deve ter história envolvente, que prenda a atenção, mas com temática legitimamente espírita que ofereça ao leitor subsídios para uma visão doutrinária da existência humana. Vemos isso na obra de André Luiz. Histórias que fluem bem, mas em cada página há algo para pensar.
Alguns editores têm se manifestado sobre a questão de livros, como o caso dos de Chico Xavier, que ainda não estão em domínio público, mas já estão sendo disponibilizados para serem baixados na internet. É esse o caminho para a divulgação?
Se não houver autorização do autor ou da editora, é uma desonestidade, incompatível com os princípios espíritas. Ressalte-se, porém, que esse movimento não tem grande repercussão. Ler em monitor de computador não é convidativo.(Por Izabel Vitusso e Eliana Haddad)

Entrevista publicada no jornal Correio Fraterno - edição 448 - novembro/dezembro 2012

Um encontro real entre nós dois

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De repente você se dá conta, como eu, de que acaba de ingressar no clube dos macróbios. No meu caso, 90 anos. E aí começa a perceber que o mundo não é mais aquele que você conheceu, especialmente não mais estão ali as pessoas que conheceu e amou. Quase todas desapareceram na invisibilidade. Bem sei que é uma ausência temporária, pois lá estão na dimensão espiritual à nossa espera para as emoções do reencontro. Mas que umas tantas delas deixam aberto em nós um espaço maior, isso também é verdade.
Para mim a ausência mais doída é a da querida dona Helena, minha mãe.
Talvez você se lembre que eu abri para ela um capítulo especial no livro Nossos filhos são espíritos.
Ela partiu para o outro lado da vida em 1960, aos 66 anos. Eu tinha 40.
Portanto, já se passaram cinquenta anos. Ao longo desse tempo, muita coisa aconteceu, claro. Cerca de trinta deles, participando de trabalhos mediúnicos. Duas vezes ela me enviou mensagens psicografadas e uma vez falei com ela através de médium de minha confiança. Ela me proporcionou evidências indiscutíveis, citando fatos dos quais só ela e eu sabíamos.
Recentemente – cerca de um ano ou dois – tive com ela um sonho do qual só me ficou na memória de vigília um episódio marcante. No sonho, ela veio ao meu encontro e ajoelhou-se a meus pés.  Recuperado da impactante perplexidade que a cena me suscitou, ajoelhei-me também diante dela e o trocamos um beijo saudoso, aqueles que somente ocorrem entre mãe e filho.
Bem, a historinha ainda não ficou aí concluída. Uma semana depois, recebi um e-mail de outra amiga, médium com a qual trabalhei num grupinho doméstico, do qual, entre outros queridos amigos e amigas, Deolindo Amorim sentava-se à minha esquerda e ela, à direita.
A amiga frequentava uma instituição espírita no Rio.
Dizia-me naquela carta inesperada que ao encerrarem-se os trabalhos mediúnicos da casa, aproximara-se dela uma entidade – que ela descreveu sumariamente, mas não da qual não guardara o nome. “Diga ao Herminio – pediu ela – que não foi somente um sonho. Houve um encontro real entre nós dois.”
A amiga médium, em conversa posterior comigo, ao telefone, acrescentou um detalhe que não mencionara no e-mail: o gesto dela se reportava à remota existência minha, aí pela Idade Média, quando eu lhe proporcionara a grande alegria, tornando-me sacerdote católico, sonho dela não realizado nesta vida.
Pois é, leitor/leitora.
Acho que não preciso falar de minha emoção ante esse recado.
Falo agora, porém, para encerrar esta narrativa, repetindo uma frase que usei certa vez e que assim diz:
“Se você perceber neste papel que está lendo, a marca de uma lágrima, não se preocupe. É minha.”

Artigo de Hermínio de Miranda
Site: Correio Fraterno

sábado, 6 de julho de 2013

Dissertação Sobre os Médiuns

XIII
Quando quiserdes receber as comunicações dos Espíritos bons, preparai-vos para essa graça através da concentração, das intenções puras e do desejo de praticar o bem em favor do progresso geral. Lembrai-vos de que o egoísmo sempre retarda a evolução. Lembrai-vos de que se Deus permite a alguns de vós receber o sopro de seus filhos que, por sua conduta, souberam merecer a ventura de compreender sua infinita bondade, é porque deseja, atendendo às nossas solicitações e tendo em conta as vossas boas intenções, conceder-vos os meios de avançar nesse caminho. Assim, pois, médiuns! Aproveitai essa faculdade que Deus vos concedeu. Tende fé na mansuetude de nosso Mestre. Ponde a caridade sempre em ação. Não deixeis jamais de praticar essa virtude sublime, bem como a tolerância. Que vossas ações estejam sempre em harmonia com a vossa consciência. É esse um meio certo de centuplicar vossa felicidade nesta vida passageira e de vos preparar uma existência mil vezes mais suave.
Que o médium que não se sinta com forças de preservar no ensino espírita se abstenha, pois não tornando proveitosa a luz que o esclareceu, será mais culpado e terá de espiar a sua cegueira.
PASCAL

Livro dos Médiuns : Cap. 31" Dissertações - Sobre os Médiuns item 13"
Allan Kardec- Tradutor: J.Herculano Pires

A Cólera

UM ESPÍRITO PROTETOR
Bordeaux, 1863

            9 – O orgulho vos leva a vos julgardes mais do que sois, a não aceitar uma comparação que vos possa rebaixar, e a vos considerardes, ao contrário, de tal maneira acima de vossos irmãos, seja na finura de espírito, seja no tocante à posição social, seja ainda em relação às vantagens pessoais, que o menor paralelo vos irrita e vos fere. E o que acontece, então? Entregai-vos à cólera.
            Procurai a origem desses acessos de demência passageira, que vos assemelham aos brutos, fazendo-vos perder o sangue frio e a razão: procurai-a, e encontrareis quase sempre por base o orgulho ferido. Não é acaso o orgulho ferido por uma contradita, que vos faz repelir as observações justas e rejeitar, encolerizados, os mais sábios conselhos? Até mesmo a impaciência, causada pelas contrariedades, em geral pueris, decorre da importância atribuída à personalidade, perante a qual julgais que todos devem curvar-se.
            No seu frenesi, o homem colérico se volta contra tudo, à própria natureza bruta, aos objetos inanimados, que espedaça, por não o obedecerem. Ah!, se nesses momentos ele pudesse ver-se a sangue frio, teria horror de si mesmo ou se reconheceria ridículo! Que julgue por isso a impressão que deve causar aos outros. Ao menos pelo respeito a si mesmo, deveria esforçar-se, pois, para vencer essa tendência que o torna digno de piedade.
            Se pudesse pensar que a cólera nada resolve,que lhe altera a saúde, compromete a sua própria vida, veria que é ele mesmo a sua primeira vítima. Mas ainda há outra consideração que o deveria deter: o pensamento de que torna infelizes todos os que o cercam. Se tiver coração, não sentirá remorsos por fazer sofrer as criaturas que mais ama? E que mágoa mortal não sentiria se, num acesso de arrebatamento, cometesse um ato de que teria de recriminar-se por toda a vida!
            Em suma: a cólera não exclui certas qualidades do coração, mas impede que se faça muito bem, e pode levar a fazer-se muito mal. Isso deve ser suficiente para incitar os esforços por dominá-la. O espírita, aliás, é incitado por outro motivo: o de que ela é contrária à caridade e à humildade cristãs.       
*
HAHNEMANN
Paris, 1863
                                             
            10 – Segundo a idéia muito falsa de que não se pode reformar a própria natureza, o homem se julga dispensado de fazer esforços para se corrigir dos defeitos em que se compraz voluntariamente, ou que para isso exigiriam muita perseverança. É assim, por exemplo, que o homem inclinado à cólera se desculpa quase sempre com o seu temperamento. Em vez de se considerar culpado, atribui a falta ao seu organismo, acusando assim a Deus pelos seus próprios defeitos. É ainda uma conseqüência do orgulho, que se encontra mesclado a todas as suas imperfeições.
            Não há dúvida que existem temperamentos que se prestam melhor aos atos de violência, como existem músculos mais flexíveis, que melhor se prestam a exercícios físicos. Não penseis, porém, que seja essa a causa fundamental da cólera, e acreditai que um Espírito pacífico, mesmo num corpo bilioso, será sempre pacífico, enquanto um Espírito violento, num corpo linfático, não seria mais dócil. Nesse caso, a violência apenas tomaria outro caráter. Não dispondo de um organismo apropriado à sua manifestação, a cólera seria concentrada, enquanto no caso contrário seria expansiva.
            O corpo não dá impulsos de cólera a quem não os tem, como não dá outros vícios. Todas as virtudes e todos os vícios são inerentes ao Espírito. Sem isso, onde estariam o mérito e a responsabilidade? O homem que é deformado não pode tornar-se direito, porque o Espírito nada tem com isso, mas pode modificar o que se relaciona com o Espírito, quando dispõe de uma vontade firme. A experiência não vos prova, espíritas, até onde pode ir o poder da vontade, pelas transformações verdadeiramente miraculosas que se operam aos vossos olhos? Dizei, pois, que o homem só permanece vicioso porque o quer, mas que aquele que deseja corrigir-se sempre o pode fazer. De outra maneira, a lei do progresso não existiria para o homem.

Fonte: O Evangelho Segundo O Espiritismo. Cap. 9 Bem Aventurados Os Mansos e Pacíficos itens 9 e 10
Allan Kardec- Tradutor: João Herculano Pires

Conhecendo o Livro " O Céu e o Inferno " Suicidas- Parte 9

ANTOINE BELL

Era o caixa de uma casa bancária do Canadá e suicidou-se a 28 de fevereiro de 1865. Um dos nossos correspondentes, médico e farmacêutico residente na mesma cidade, deu-nos dele as informações que se seguem:
"Conhecia-o, havia perto de 20 anos, como homem pacato e chefe de numerosa família. De tempos a certa parte imaginou ter comprado um tóxico na minha farmácia, servindo-se dele para envenenar alguém. Muitas vezes vinha suplicar-me para lhe dizer a época de tal compra, tomado então de alucinações terríveis. Perdia o sono, lamentava-se, batia nos peitos. A família vivia em constante ansiedade das 4 da tarde às 9 da manhã, hora esta em que se dirigia para a casa bancária, onde, aliás, escriturava os seus livros com muita regularidade, sem que jamais cometesse um só erro. Habitualmente dizia sentir dentro de si um ente que o fazia desempenhar com acerto e ordem a sua contabilidade. Quando se afigurava convencido da extravagância das suas idéias, exclamava: - "Não; não; quereis iludir-me... lembro-me... é a verdade..."
A pedido desse amigo, foi ele evocado em Paris, a 17 de abril de 1865.
1. - Evocação. - R. Que pretendeis de mim? Sujeitar-me a um interrogatório? É inútil, tudo confessarei.
2. - Bem longe de nós o pensamento de vos afligir com perguntas indiscretas; desejamos saber apenas qual a vossa posição nesse mundo, bem como se poderemos ser-vos úteis... - R. Ah! Se for possível, ser-vos-ei extremamente grato. Tenho horror ao meu crime e sou muito infeliz!
3. - Temos a esperança de que as nossas preces atenuarão as vossas penas. Afigura-se-nos que vos achais em boas condições, visto como o arrependimento já vos assedia o coração - o que constitui um começo de reabilitação. Deus, infinitamente misericordioso, sempre tem piedade do pecador arrependido. Orai conosco. (Faz-se a prece pelos suicidas, a qual se encontra em O Evangelho segundo o Espiritismo.)
Agora, tende a bondade de nos dizer de quais crimes vos reconheceis culpado. Tal confissão, humildemente feita, ser-vos-á favorável.
- R. Deixai primeiro que vos agradeça por esta esperança que fizestes ralar no meu coração. Oh! há já bastante tempo que vivia numa cidade banhada pelo Mediterrâneo. Amava, então, uma bela moça que me correspondia; mas, pelo fato de ser pobre, fui repelido pela família. A minha eleita participou-me que desposaria o filho de um negociante cujas transações se estendiam para além de dois mares, e assim fui eu desprezado. Louco de dor, resolvi acabar com a vida, não sem deixar de assassinar o detestado rival, saciando o meu desejo de vingança. Repugnando-me os meios violentos, horrorizava-me a perpetração do crime, porém o meu ciúme a tudo sobrepujou. Na véspera do casamento, morria o meu rival envenenado, pelo meio que me pareceu mais fácil. Eis como se explicam as reminiscências do passado... Sim, eu já reencarnei, e preciso é que reencarne ainda... Oh! meu Deus, tende piedade das minhas lágrimas e da minha fraqueza!
4. - Deploramos essa infelicidade que retardou vosso progresso e sinceramente vos lamentamos; dado, porém, que vos arrependais, Deus se compadecerá de vós. Dizei-nos se chegastes a executar o vosso projeto de suicídio...
- R. Não; e confesso, para vergonha minha, que a esperança se me desabrochou novamente no coração, com o desejo de me aproveitar do crime já cometido. Traíram-me, porém, os remorsos e acabei por expiar, no último suplício, aquele meu desvario: enforquei-me.
5. - Na vossa última encarnação tínheis a consciência do mal praticado na penúltima?
- R. Nos últimos anos somente, e eis como: - eu era bom por natureza, e, depois de submetido, como todos os homicidas, ao tormento da visão perseverante da vítima, que me perseguia qual vivo remorso, dela me descartei depois de muitos anos, pelo meu arrependimento e pelas minhas preces. Recomecei outra existência - a última -que atravessei calmo e tímido. Tinha em mim como que vaga intuição da minha inata fraqueza, bem como da culpa anterior, cuja lembrança em estado latente conservara.
Mas um Espírito obsessor e vingativo, que não era outro senão o pai da minha vítima, facilmente se apoderou de mim e fez reviver no meu coração, como em mágico espelho, as lembranças do passado.
Alternadamente influenciado por ele e por meu gula, que me protegia, eu era o envenenador e ao mesmo tempo o pai de família angariando pelo trabalho o sustento dos filhos. Fascinado por esse demônio obsessor, deixei-me arrastar para o suicídio. Sou muito culpado realmente, porém menos do que se deliberasse por mim mesmo. Os suicidas da minha categoria, incapazes por sua fraqueza de resistir aos obsessores, são menos culpados e menos punidos do que os que abandonam a vida por efeito exclusivo da própria vontade.
Orai comigo para que o Espírito que tão fatalmente me obsidiou renuncie à sua vingança, e orai por mim para que adquira a energia, a força necessária para não ceder à prova do suicídio voluntário, prova a que serei submetido, dizem-me, na próxima encarnação.
Ao guia do médium: - Um Espírito obsessor pode, realmente, levar o obsidiado ao suicídio?
- R. Certamente, pois a obsessão que, de si mesma, é já um gênero de provação, pode revestir todas as formas. Mas isso não quer dizer isenção de culpabilidade. O homem dispõe sempre do seu livre-arbítrio e, conseguintemente, está em si o ceder ou resistir às sugestões a que o submetem.
Assim é que, sucumbindo, o faz sempre por assentimento da sua vontade. Quanto ao mais, o Espírito tem razão dizendo que a ação instigada por outrem é menos culposa e repreensível, do que quando voluntariamente cometida. Contudo, nem por isso se inocenta de culpa, visto como, afastando-se do caminho reto, mostra que o bem ainda não está vinculado ao seu coração.
6. - Como, apesar da prece e do arrependimento terem libertado esse Espírito da visão tormentosa da sua vitima, pôde ele ser atingido pela vingança de um obsessor na última encarnação?
- R. O arrependimento, bem o sabeis, é apenas a preliminar indispensável à reabilitação, mas não é o bastante para libertar o culpado de todas as penas. Deus não se contenta com promessas, sendo preciso a prova, por atos, do retorno ao bom caminho. Eis por que o Espírito é submetido a novas provações que o fortalecem, resultando-lhe um merecimento ainda maior quando delas sai triunfante.
O Espírito só arrosta com a perseguição dos maus, dos obsessores, enquanto estes o não encontram assaz forte para resistir-lhes. Encontrando resistência, eles o abandonam, certos da inutilidade dos seus esforços.
    Nota - Estes dois últimos exemplos mostram-nos a renovação da mesma prova em sucessivas encarnações, e por tanto tempo quanto o da sua ineficácia. Antoine BeIl patenteia-nos, enfim, o fato muito instrutivo do homem perseguido pela lembrança de um crime cometido em anterior existência, qual um remorso e um aviso. Vemos ainda por aí que todas as existências são solidárias entre si; que a justiça e bondade divinas se ostentam na faculdade ao homem conferida de progredir gradualmente, sem jamais privá-lo do resgate das faltas; que o culpado é punido pela própria falta, sendo essa punição, em vez de uma vingança de Deus, o meio empregado para fazê-lo progredir.