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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A Teoria do Subconsciente e as Aquisições Anteriores


Artigo publicado na Revista Internacional de Espiritismo - Abril de 1925

Há quase três quartos de século o Espiritismo apresentou-se no mundo com um corpo filosófico e religioso, erguido sobre as bases sólidas de seus fatos incontestes.
Logo após as primeiras manifestações dos Espíritos, sofreram os seus fenômenos a repulsa do espírito de negação, pois, parecia impossível às gentes, quer da ciência, quer da religião, que o homem, depois de morto, pudesse aparecer e se comunicar com os vivos.
A luta foi grande, mas o negativismo teve de descer de sua cadeira de mestre, e ficou estabelecido, por um acordo unânime, que os FATOS, de fato, eram reais, verídicos, como a água que bebemos, como o ar que aspiramos, como o sol que nos ilumina.
Mas as idéias enraizadas costumam ter longa duração e, embora houvessem aceitado os fatos, tais como eles se nos apresentam, a sua causa, entretanto, as inteligências que as produziam, foram postas à margem, e surgiram diversas teorias para explicar os maravilhosos fenômenos que vinham nos dar a prova patente da Imortalidade da alma.
Católicos e Protestantes proclamaram a teoria diabólica, como única capaz de explicar os fenômenos.
Teosofistas e Ocultistas, num vôo de imaginação, conceberam a teoria gnômica, que consiste nos pseudognomos, duendes, fadas e diabretes, que julgavam viverem em roda de nós. E, como estas, outras tantas teorias irrisórias e decrépitas foram constituídas causantes dos fenômenos que avassalavam o mundo todo. Afinal, alguns materialistas, aferrados ao seu saduceismo, deliberaram criar a teoria da dupla personalidade aliada à do ser coletivo, invocando como justificativa à ousada hipótese, a inconsciência dos assistentes às sessões, e a subconsciência do médium.
Esta hipótese consiste no seguinte: “um fluido especial se desprende do médium, combina-se com o fluido das pessoas presentes para constituir um personagem novo, temporário, independente em certa proporção, para produzir os fenômenos conhecidos”. Noutro caso: o médium se desdobra em múltiplas personalidades, auxiliado pelo pensamento inconsciente dos assistentes, e produz fenômenos muito acima da sua capacidade intelectual.
Esta doutrina, tal como a tem concebido vários teoristas da velha guarda, para explicar os fenômenos espíritas e anímicos, é a prova da mais refinada insensatez dos homens da nossa época.
Como se pode conceber que fluidos nervosos e cerebrais, resultantes do trabalho molecular, constituam um ser que raciocina, que age, que sabe, ainda mais que todos os presentes à sessão, produzindo fenômenos que ninguém em seu estado normal o é capaz de fazer! Que falta de critério é essa, que menosprezo à lógica, à razão!
Dizem, porém, os adeptos dessa teoria, que em vista da produção dos fenômenos conscientes de um lado, e inconscientes de outro, observados nas experiências psíquicas a que assistiram, não podem eles compreender a causa desses fenômenos por outra maneira!
E o que são fenômenos do subconsciente senão a relação de fatos ou de conhecimentos que se achavam adormecidos e despertam na memória, devido a um estado particular da alma?
O fato de estarem esquecidos, serem lembrados e depois se apagarem novamente da memória normal autoriza, porventura, a criação de outra personalidade a quem se quer dar a autoria do fenômeno?
Se assim fosse, mesmo na existência terrestre, neste curto lapso de tempo que passamos no mundo, não representaríamos uma única individualidade, mas muitas, visto como diversos fatos, mesmo os de grande importância, ocorridos durante a vida atual se conservam esquecidos até da “memória física”, e, quando são lembrados, voltam logo após ao “inconsciente fisiológico”.
Não parece racional que o homem seja um conjunto de almas produzidas pelo trabalho molecular do corpo, e que se manifestam, ora uma, ora outra, quando a tensão arterial ou nervosa assim o exige.
O que é mais racional e lógico é que sendo o homem um Espírito encarnado num corpo, tem de reagir contra esse desequilíbrio para relembrar fatos, e reger o seu “escafandro” de forma tal que os conhecimentos adquiridos anteriormente, em dada ocasião, possam transparecer, embora lhe seja preciso diminuir a tensão arterial ou nervosa, como acontece nos casos de sonambulismo natural ou provocado.
Não há “personalidade dupla”; uma só é a personalidade, cuja ação se faz sentir de acordo com a necessidade de momento.
O Eu psíquico existe independente do corpo, como demonstram os fenômenos de animismo; e existia antes do corpo, assim como sobreviverá ao aniquilamento deste, como provam os fatos espíritas.
Cada vida terrestre é um cenário, onde o espírito desempenha o papel que lhe é peculiar e, mais ou menos, de acordo com as resoluções tomadas anteriormente.
Alguém comparou este mundo a um teatro e cada indivíduo a um ator em pleno desempenho do papel que aceitou no drama que se desenrola no mundo. Quando a alma volta à vida normal, que é a Espiritual, é como o ator que fora do palco volta à vida ordinária.
Em cada existência terrestre, o Espírito conquista um conhecimento e todas as cenas que observou gravam-se-lhe na alma, de modo que em sua vida extraterrestre, ou extracorpórea, ele pode ter lembrança nítida de tudo, assim como é senhor dos conhecimentos que adquiriu. É assim que se verificam nos sonâmbulos, fenômenos interessantes de mais elevado alcance que o indivíduo no estado de vigília não poderia produzir.
O Espírito não é, pois, um ser simples que só tem o que adquiriu na existência terrestre em que vive.
O Espírito é um ser complexo, portador de muitas faculdades que conquistou através das encarnações neste e noutros mundos, assim como na vida livre do Espaço. O fim da vida da alma não é o fim da vida terrestre; esta não representa mais que uma floresta da Vida, que a alma atravessa. Foi, com certeza, justificando esta verdade, que Jesus, inquirido por Nicodemus sobre os “milagres” que produzia, e referindo-se às múltiplas existências terrestres que atravessamos, disse “o vento sopra onde quer, ouvis a sua voz, mas não sabeis donde ele vem, nem para onde vai, assim é o nascido de espírito”.
As “personalidades”, que os sábios dizem nascer do “subliminal”, do “subconsciente”, não são, portanto, “personalidades”, são aquisições de conhecimentos, de luzes, de virtudes, de faculdades feitas no percurso da existência integral, durante o caminho percorrido, do nascimento ao momento em que nos achamos. Não são candeias que aparecem, são luzes que jazem latentes, não são causadas pelo esforço neuro-cerebral, mas sim expansões da alma, não são fontes novas que fazem jorrar água, mas sim caudais de uma mesma fonte que é o próprio Espírito, ou para melhor dizer – o nosso próprio Eu.

"Fiat lux"


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

“A terra era vã e vazia; e as trevas cobriam a face do abismo... E disse, então, Deus: Faça-se a luz; e a luz foi feita”. Gênesis, 1:2 e 3.

Assim como era a Terra no principio, assim é hoje, espiritualmente, a sua sociedade, em que pese à presunção dos super-homens que a dirigem e orientam. As trevas envolvem a mente e os corações. No seio da Humanidade verifica-se a predominância daqueles dois traços que assinalaram os tempos primitivos; tudo é vão e vazio.

Os magnos problemas sociais são ventilados através dos séculos e dos milênios. Sobre cada um deles avoluma-se uma avalancha de teorias e opiniões eivadas do personalismo dos seus respectivos autores. Muito se discute e muito se controverte. Nada obstante, os referidos problemas continuam insolúveis. A enfermidade e a dor, sob seus multiformes aspectos, continuam a todos flagelando. A miséria, o vício e o crime se alastram e se multiplicam como vivo protesto à decantada civilização hodierna. A guerra cruenta, impiedosa e bárbara prossegue seu curso, como outrora, na sua faina devastadora, espalhando a morte e a desolação por quase toda a face do planeta. O direito brutal da força predomina sobre a força serena do direito. A materialidade reinante abafa o surto de espiritualismo onde quer que o mesmo ouse levantar o seu brado de protesto ou de alarme. As trevas cobrem a face do abismo!
Urge que, de novo, o divino Verbo profira a excelsa sentença através dos arautos celestes. Fiat lux! Sim, faça-se a luz, no íntimo das almas que habitam o orbe terráqueo. Somente mediante tal acontecimento se logrará reformar o mundo, substituindo-se os usos e costumes selvagens pelos hábitos e maneiras consentâneas com os precípuos postulados da verdadeira civilização. As providencias tomadas fora deste programa não passam de paliativos e remendos, com resultados muito relativos. Não será, jamais, com “fly-tox” que se extinguirão os mosquitos, mas sim com medidas higiênicas de saneamento do solo onde aqueles insetos encontram meio propício à sua proliferação. Enquanto as trevas cobrirem a face do abismo, a Terra continuará sendo o teatro de lutas fratricidas, ambiência propícia à eclosão do crime e do vício, da miséria e da enfermidade. Os homens têm curado de tudo que concerne à matéria, relegando o Espírito para plano secundário. Vestiram o corpo de púrpura e de linho finíssimo, deixando a alma esfarrapada, seminua, coberta de andrajos e molambos. Escolas que moralizem e instruam, educando o coração e o cérebro da nossa infância e da nossa juventude – eis a grande, a maior de todas as necessidades reclamadas pelo momento que atravessamos.
Se é triste, disse Victor Hugo, ver um corpo morrendo por falta de pão, mais triste ainda é ver uma alma estiolando por falta de luz.
Fiat lux! Dissipem-se as trevas que cobrem a face do abismo em que a materialidade do século precipitou o nosso orbe. Tudo o mais nos será dado de graça e por acréscimo.

As gerações futuras


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

As gerações futuras não serão diferentes da presente, com todos os seus defeitos e prejuízos de ordem moral, se não tratarmos da educação da infância e da juventude; dessa juventude que será a sociedade de amanhã.
Jesus disse que não põe remendo de pano novo em roupa velha, por isso que a rasgadura se tornará maior. E, igualmente, não se põe vinho novo em odres velhos, porque estes não resistem à sua fermentação, e se rompem.
É claro que o Excelso Mestre se refere, nesta alegoria, à natureza do ideal que propagava, do qual era a viva encarnação. Esse ideal novo, reformador, quase revolucionário, revestido pela Terceira Revelação, deve ser anunciado, de preferência à juventude, às crianças, porquanto estes elementos representam a terra virgem, aberta à boa sementeira. Semear no meio de abrolhos e semear em terreno isento de ervas daninhas hão de dar resultados bem diversos. As messes, de uma e de outra, dessas culturas, serão, por certo, distintas dizendo por si mesmas qual delas é a mais vantajosa.
E, meus amigos, até agora, não temos feito outra coisa senão semear no meio de cardos, remendar roupa velha com pano novo e deitar o vinho espumante da vindima espírita em odres carunchentos, incapazes de suportarem a sua fermentação.
Educar é salvar, é remir, é libertar; é desenvolver os poderes ocultos, mergulhados nas profundezas das nossas almas.
A diferença entre um sábio e um ignorante; entre o bom e o mau; o santo e o criminoso; o justo e o ímpio – nada mais é que o efeito da educação. Entre aquelas que edificam e aqueles que destroem; entre os que tiram a vida do seu próximo levando por toda parte a desolação e a ruína e aqueles que dão a vida própria a prol do bem da coletividade, verifica-se, apenas, uma dessemelhança: educação – na sua acepção verdadeira, que significa o harmônico desenvolvimento das faculdades espirituais. Os homens são todos iguais. A diferença entre eles não é de essência, mas de grau evolutivo determinado pela educação.
Conta-se que Licurgo, célebre orador ateniense, fora, certa ocasião, convidado para falar sobre a Educação. Aceitou o convite, sob a condição de lhe concederem três meses de prazo. Findo esse tempo, apresentou-se perante numerosa e seleta assembléia, que aguardava, ávida de curiosidade, a palavra do consagrado tribuno.
Licurgo apareceu, então, trazendo consigo dois cães e duas lebres. Soltou o primeiro mastim e uma das lebres. A cena foi chocante e bárbara. O cão avança furioso sobre a lebre e a despedaça. Soltou, em seguida, o segundo cachorro e a outra lebre. Aquele pôs-se a brincar com esta amistosamente. Ambos os animais corriam de um para outro lado, encontrando-se aqui e acolá para se afagarem mutuamente.
Ergue-se, então, Licurgo na tribuna e conclui, dirigindo-se ao seleto auditório:
“Eis aí o que é educação. O primeiro cão é da mesma raça e idade que o segundo. Foi tratado e alimentado em idênticas condições. A diferença entre eles, é que um foi educado, e o outro não”.
O objetivo máximo do Espiritismo é precisamente esse: educar para salvar. Iluminar o interior dos homens para libertar a Humanidade de todas as formas de selvajaria; de todas as modalidades de crueza e de impiedade; e de todas as atitudes e gestos de rivalidade feroz e deselegância moral. Esta conquista diz respeito ao sentimento, ao senso religioso, que os homens do século perderam, ou melhor, que jamais chegaram a possuir.

A criança asilada


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

Excerto de uma conferência proferida no “Colégio Piracicabano” durante a “Semana da Criança”.

O tema é bastante delicado. Criança asilada! Criança ao desamparo, ao léu, sem família, sem lar, sem pão! Ave implume sem o aconchego do ninho, sem os cuidados de uma proteção amiga e solícita reclamada pela precariedade das condições de quem não sabe e não pode dirigir-se por si; de quem se encontra desprovido dos meios de defesa pessoal e das possibilidades de prever e prover a manutenção própria! Eis, numa síntese ou mais ou menos lacônica, a amargura da soledade em que vegetam inúmeras crianças na sociedade aristocrática de uma civilização febril e voluptuosa, expressa nos arranha-céus, aviões, rádios e... Metralhadoras.

Falar na criança asilada é tocar no problema da orfandade, problema esse que, ao lado de outros de grande relevância, permanece insolúvel em nosso país.
Órfã, a nosso ver, não é precisamente a criança que perdeu os pais, ambos, ou um deles. Órfã é a criança sem lar, portanto, sem carinhos, pela qual não há quem se interesse, entregue aos azares dos imprevistos, estejam ou não contados no número dos chamados vivos os seus genitores.
É comum vermos, ao cair da noite, crianças maltrapilhas, desasseadas, cabelo em desalinho, sobraçando marmitas e latas amolgadas, pedindo, aqui e acolá, restos de comida, nacos de pão, etc. Dessas crianças, a maioria é órfã por viver completamente abandonada, perambulando pelas ruas e praças, a despeito de se achar em companhia dos pais. Estes, geralmente, exploram os filhos, permanecendo em casa à espera da colheita mais ou menos farta que as crianças conseguem fazer em sua cotidiana peregrinação. Todavia, não os condenamos por isso, antes os lamentamos; pois se trata de indivíduos ignorantes, destituídos do senso da vida, verdadeiros parias, órfãos, a seu turno, de vez que são outras tantas crianças, espiritualmente falando, desprotegidas e desamparadas dos cuidados requeridos pela sua condição.
A orfandade, como a mendicância, a invalidez, o analfabetismo, as endemias, o pauperismo, o vício e o crime são problemas sociais; ao Estado compete, como precípua e indeclinável obrigação, empregar os meios ao seu alcance para solucioná-los. O direito impõe deveres, quando não nasce do próprio dever, O Estado, usando, e até abusando do direito de intervir na vida do cidadão, tributando e condicionando sua atividade, retirando, por esse processo, uma quota daquilo que ele produz, está, por isso, no dever de acudir aos inválidos, aos incapazes, aos miseráveis, e, particularmente, às crianças que, não estando ainda em condições de produzir, constituem, todavia, presumíveis fatores do engrandecimento material e moral de uma nação; e, tanto mais lícito é esperar-se do seu porvir, quanto mais e melhor se haja feito, no presente, em prol da sua educação, sob todos os pontos de vista.
Pondo de parte as múltiplas e complexas questões sociais, consideremos apenas a da criança desvalida, pois que é precisamente o assunto que ora abordamos.
Os orfanatos e asilos resolverão o caso em apreço? Respondemos pela negativa, considerando que a orfandade se apresenta sob dois aspectos distintos: o material e o moral. O primeiro se reporta às exigências físicas da criança; o segundo respeita às suas necessidades psíquicas ou morais. Aquele atende ao corpo, este, ao Espírito.
Ora, os orfanatos podem satisfazer plenamente aos reclamos do físico; porém, nunca, aos do Espírito.
O regime que, por força das circunstâncias, vigora nesses estabelecimentos, regime mais ou menos semelhante ao dos quartéis, expressos nos uniformes, nos dormitórios em comum, na sineta que chama às refeições e determina a hora de se erguerem do leito, enfim, aquele conjunto de regras e regulamentos próprios de tais instituições, age sobre o moral das crianças como um ferrete avivando a sua lamentável condição de órfãs.
Os asilos não são nem podem ser para as crianças o que são as chocadeiras e as criadeiras para os pintos. Estes requerem somente certos cuidados com a alimentação, com a higiene e a temperatura do ambiente, onde se desenvolvem. As criadeiras, portanto, preenchem perfeitamente os fins a que se destinam. A vida humana, porém, é muito mais complexa; tem gamas e nuanças delicadas, que não podem ser esquecidas, sem que de tal olvido resultem sérios prejuízos.
Os asilos perpetuam, não extinguem a orfandade, condição esta que permanece na mente do asilado como estigma indelével. Mesmo depois de adulto, quando alguém se refere a ele, usa desta expressão: é aquele moço, órfão de tal asilo. Ou então: Fulano se casou com uma órfã do abrigo de tal localidade.
Por isso, salvo raras exceções que não infirmam a regra, a criança asilada é sempre tristonha, tímida e desconfiada. Cresce debaixo da dolorosa impressão de dependência, sabendo que vive da caridade pública, que não existem para ela os carinhos maternos e o zelo de um pai que vele pelo seu futuro e em cujo amparo possa confiar!
Certamente a criança não tem este raciocínio; mas, a despeito disso, sente o efeito inelutável da ausência daqueles fatores que tão grande influência exercem e exercerão em sua vida psíquica, confirmando plenamente o pensamento do poeta:

as almas infantis

são brancas como a neve,
são pérolas de leite
em urnas virginais;
tudo quanto se grava
e ali se escreve
cristaliza em seguida
e não se apaga mais.

E o que diremos de certos asilos que expõem os orfãozinhos, devidamente caracterizados, aos olhos do público, visando com isso inspirar compaixão? E quando fazem as próprias crianças estenderem as mãos aos óbolos obtidos por semelhante processo desumano e humilhante?

A infância é a época em que o ser reclama maiores desvelos e cuidados. Trata-se de lançar as bases de uma edificação cuja solidez, como sói acontecer a toda espécie de construção, depende dos alicerces.
A nosso ver, salvo melhor juízo, somente no seio da família, no lar bem organizado, encontramos o meio propicio, o terreno adequado para lançarmos o embasamento capaz de suportar a edificação dos caracteres que constituirão as individualidades mais ou menos acabadas.
Para a fome, alimento; para a sede, água; para a criança, o regaço materno, o lar doméstico. Só aí se depara o clima propicio á sua delicadeza, ao seu estado e condições especialíssimos.
Fora desse meio, ela poderá viver e crescer como certas plantinhas débeis entre as frinchas de uma rocha. Jamais, porém, logrará florescer e frutificar como as árvores que tiveram a ventura de nascer e crescer em solo aberto e franco, expostas aos raios benéficos do sol e às chuvas fecundantes do outono.
Mas, objetar-me-ão, talvez: Onde encontrar lares para todos os órfãos espalhados por este orbe?
A dificuldade não está na carestia de lares, mas na esterilidade dos corações. A orfandade é um dos crimes do egoísmo. Se distribuíssemos os órfãos todos deste mundo entre as famílias constituídas, não tocaria, talvez, uma criança para cada grupo de cinqüenta habitações. Na estreiteza de sentimentos é que não há lugar para resolver o velho e angustioso caso da orfandade. Os asilos, remediando o mal, constituem a prova eloqüente do reinado do egoísmo entre os homens. Só a perfilhação ou adoção encerra o remédio radical da criança desvalida. Quando ela encontrar alguém, a quem possa dar, espontaneamente, sem obedecer às injunções calculistas de terceiros, o doce nome de mãe, terá, então, arrancado para sempre de sua fronte infantil o negro véu da orfandade.
Existem, nos centros populosos, ricos solares, luxuosos palacetes e velinos artísticos, de rígidos estilos, em cujos recintos os cães de raça comem à mesa dos seus donos e dormem em leitos macios, resguardados da importunação das moscas, mas onde não resplende a graça evangélica de uma criança, onde não se escuta o sorriso nem se ouve o alvoroço daqueles que Jesus costumava reunir em torno de si, dizendo: Deixai vir a mim os pequeninos, porque deles é o reino dos céus.
Em compensação, nesses suntuosos lares, ouve-se, nas cavalariças, o relinchar de corcéis de puro-sangue, cobertos com mantas bordadas, e, no confortável canil, o ganido e o rosnar de nédios e luzidios mastins, trazendo ao pescoço finas coleiras, chapeadas de metal reluzente!
Não existem asas implumes sem ninho, ao abandono. As mesmas feras não deixam sem furna os seus cachorrinhos. Só na sociedade humana se encontram crianças ao desabrigo, vagando a esmo sem família e sem penates!
Será sempre assim o mundo? Acreditamos que não. A Evolução é lei incoercível. A natureza não dá saltos; porém, lentamente, tudo se vai modificando, tudo se vai transformando, e o Universo marcha para frente e para o alto. Cremos piamente na melhoria do nosso estado social. O relógio do progresso avança em seu movimento isócrono; e, quando interesses malsãos procurem retardar-lhe a caminhada, determinando desacordo com a posição do sol que ilumina a trajetória da Vida, dizem que o dono do relógio põe a mão no ponteiro e... acerta as horas.
É assim que se explica a queda da escravidão, do feudalismo, dos latifúndios, da inquisição, do absolutismo e de outras instituições iníquas. “Toda árvore que o Pai não plantou será arrancada”.
A melhoria da Humanidade está na razão direta da nova orientação que as mães de hoje possam dar aos seus filhos. E toda mulher é sempre mãe, seja qual for a sua idade e o seu estado civil. É da mulher que nascem as auroras de novos dias de esperança e de fé. Trabalhemos pela criança, melhorando as condições dos lares existentes e constituindo outros sob aspectos mais excelentes, que sejam verdadeiras retortas, onde se destilem as gotas do amor, desse amor que opera prodígios e realiza milagres.
Note-se, porém, o seguinte:
Não somos inimigos dos asilos. De maneira nenhuma pretendemos que se cerrem as suas portas. Queremos, sim, que o seu número – que reputamos demasiadamente limitado – se multiplique, se centuplique, de modo que o seio de cada família seja o refúgio da criança desamparada; que cada lar seja um abrigo franco aos menores desvalidos; que, finalmente, cada coração seja um asilo aberto, onde a orfandade se extingue, desaparecendo ao sopro divinal do amor.

A criança


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

Recordemos duas sentenças acerca da criança, proferidas pelo Profeta de Nazaré. Disse ele: “Deixai vir a mim os pequeninos; não os impeçais, porque deles é o reino dos céus”.
E mais: “Em verdade vos digo, que, se não vos fizerdes como as crianças, não entrareis no reino dos céus”.
A primeira destas duas assertivas não exprime tão somente uma expressão carinhosa, um gesto afetuoso, aliás, muito próprio do caráter e da personalidade do Divino Mestre; encerra também sabedoria, revelando o perfeito conhecimento das condições em que as crianças se encontram ao encetarem a sua entrada no seio da Humanidade, e, ao mesmo tempo, recorda e põe em destaque os compromissos daqueles que aqui as recebem, notadamente os pais e preceptores.
A criança – notemos bem – não é uma entidade recém-criada: é, apenas, recém-nascida, fenômeno este que se consuma em cada uma das vezes que o Espírito imortal reveste a indumentária carnal, permanecendo no plano terreno por tempo incerto, que pode ser mais ou menos dilatado.
Quando, pois, Jesus diz – deixai vir a mim os pequeninos – adverte-nos quanto à época propícia ao lançamento das bases educativas.
Não forçamos a interpretação. Jesus não é mestre? O mister que exerceu neste mundo, não foi ensinar a curar?
Portanto, encaminhar as crianças a ele, importa em educá-las segundo os preceitos de sua escola. Consideremos ainda o que Jesus afirmou de si mesmo: Eu sou a Verdade. Eu sou a luz do mundo.
Ora, o que é educar, no legítimo sentido da expressão, senão orientar o Espírito na aquisição parcial, porém progressiva, da Verdade? Dessa Verdade que é luz; dessa luz que é redenção? - na conformidade de mais esta frase elucidativa da missão do Verbo encarnado: Se permanecerdes nas minhas palavras, sereis realmente meus discípulos; e conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará?
Esquadrinhemos o quanto possível o pensamento do Mestre:
Após o – deixai vir a mim os pequeninos – ele acrescentou: Não os impeçais – isto, porque os discípulos pretenderam impedir que as crianças se aproximassem dele. Nós – nos dias de hoje, descurando da educação infantil – o que estamos fazendo senão impedir que as crianças se instruam e se iluminem conforme os preceitos da escola cristã?
Deixar de proporcionar à infância essa oportunidade, é contribuir para o seu extravio, quando está em nossas possibilidades conduzi-la àquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida.
Prosseguindo, consideremos a terceira parte da sentença ora comentada: porque delas – das crianças – é o reino dos céus.
A velha ortodoxia ensina que o reino dos céus lhes pertence porque elas são inocentes, e, assim, desencarnando nessa condição, vão integrar-se naquele reino.
Semelhante interpretação, porém, não procede; não resiste mesmo ao mais ligeiro sopro de raciocínio.
Senão vejamos: Onde o mérito da criança para obter o céu? Que fez ela digno de tamanha recompensa, considerando, sobretudo, o conceito desta frase, que foi enfaticamente proclamada por Jesus?!: A cada um será dado segundo as suas obras.
Se não é licito imputar culpa às crianças, também, de igual modo, não lhes podemos conceder merecimentos. A prevalecer aquele postulado, isto é, que a criança desencarnada vai para o céu, a melhor ventura, o maior bem que lhe poderia suceder, seria, por certo, a morte. Em tal hipótese deveriam desaparecer a Puericultura e a Pediatria como ciências heréticas, e levantar-se um monumento a Herodes I, o tetrarca, da Galiléia, porque tendo decretado a degola de milhares de crianças nascidas em Belém e suas cercanias, enviou ao reino dos céus grande falange de almas sem pecado. Tampouco teria fundamento os protestos da nossa imprensa chamando a atenção das autoridades para o vultoso número de crianças que sucumbem em nossa sociedade; antes, fariam jus, essas autoridades, a louvores, por estarem carreando essas levas sucessivas de inocentes para os tabernáculos eternos.
Semelhante erronia procede do desconhecimento da verdade a respeito da criança e das leis que regem e regulam a marcha evolutiva dos seres conscientes, e, por isso, responsáveis.
Sendo a criança que nasce um Espírito que se reencarna, a sua inocência resulta da ignorância do mal no decurso dos primeiros anos de cada existência. E, mais ainda, porque o novo aparelho, a matéria, em vias de desenvolvimento, obscurece a mente, constrangendo o Espírito dentro de limites acanhados, determinando um recomeço. Assim é necessário, pois é mediante essas reiniciações verificadas através das existências sucessivas que se processam as retificações que a alma imortal vai imprimindo na linha mais ou menos sinuosa de sua evolução.
Cada passagem pela Terra importa numa oportunidade, sendo que os sete anos iniciais são os mais adequados e propícios ao lançamento das bases educativas, segundo ensinam os nossos irmãos maiores, devendo, por isso, merecer dos pais e dos preceptores os mais atentos cuidados.
É após aquele período que o Espírito integra o seu aprisionamento na carne, sendo, portanto, a fase mais adequada às iniciações renovadoras.
A criança nessa época ignora os preconceitos de raça, nacionalidade, classe, credos e posição social. Elas são propensas a se confraternizarem. Se, por vezes, rixam e se hostilizam mutuamente, não guardam ressentimentos, pois jamais o sol se põe sem que se hajam reconciliado. Às contendas da manhã, sucedem, invariavelmente, as fraternas amistosidades da tarde.
É tão acentuada a naturalidade de suas atitudes, que, desconhecendo o direito de propriedade que vigora em nossa sociedade da maneira mais rigorosa, as crianças vão-se apossando de qualquer objeto ou brinquedo que encontram ao alcance e lhes desperta interesse, desfrutando o prazer de admirá-lo e dele se servirem como coisa sua.
Conforme verificamos, tanto no fato de não guardarem animosidade, como também no que respeita ao modo como encaram as utilidades da vida, as crianças dão lições aos homens, justificando estes dizeres do Divino Educador: se não vos fizerdes como as crianças não entrareis no reino de Deus.
Cada nova existência importa, pois, no retorno do aluno ao ciclo de aprendizagem, e ao centro de experiências renovadas. Desprezar tais oportunidades, deixando de orientar e conduzir as crianças – é crime de lesa-humanidade cometido pelos responsáveis, considerando que, dentre estes, nós, os espíritas, assumimos a parte mais acentuada dentro do critério desta luminosa sentença do Cristo de Deus: A quem muito foi dado, muito será exigido.
Pensemos, portanto, no problema da Educação, dando escola às crianças, pois do contrário estaremos falhando lamentavelmente ao cumprimento do mais imperioso dever que nos cabe desempenhar.

Kardec, o operariado e a educação


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

Allan Kardec, inteligentemente cognominado por Flammarion – o bom senso encarnado, comentando, em “O Livro dos Espíritos”, certos conceitos provindos do Mais Alto, a propósito do trabalho e do operariado, assim se exprime:
“ Não basta se diga ao homem que lhe corre o dever de trabalhar. É preciso que aquele que tem de prover à sua existência por meio do trabalho encontre em que se ocupar, o que nem sempre acontece. Quando se generaliza, a suspensão do trabalho assume as proporções de um flagelo, qual a miséria. A ciência econômica procura remédio para isso no equilíbrio entre a produção e o consumo. Mas, esse equilíbrio, dado seja possível estabelecer-se, sofrerá sempre intermitências, durante as quais não deixa o trabalhador de ter que viver. Há um elemento, que se não costuma fazer pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de simples teoria. Esse elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. Não nos referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Considerando-se a aluvião de indivíduos que todos os dias são lançados na torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues a seus próprios instintos, serão de espantar as conseqüências desastrosas que daí decorrem? Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem terá no mundo hábitos de ordem e de previdência para consigo mesmo e para com os seus, de respeito a tudo o que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar menos penosamente os maus dias inevitáveis. A desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação bem entendida pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o penhor da segurança de todos ”.
A falta daquele elemento insubstituível, a que alude o inolvidável codificador da Doutrina Espírita, há perto de um século, ainda perdura, lamentavelmente.
Tudo que se tem feito até aqui, a prol das classes obreiras, ressente-se de uma lacuna, sem cujo preenchimento de pouco proveito serão os benefícios que lhes pretendem outorgar as leis em vigor e outras mais que posteriormente se decretem em favor das mesmas. A omissão em apreço é aquela apontada por Kardec: a educação; não a educação intelectual isoladamente, mas a educação moral; não ainda essa moral espetaculosa que se reduz às aparências e exterioridades, interessando apenas os sentidos, porém a educação moral que forma e consolida caracteres; que, apelando para a razão e para o coração, cria personalidades, eleva o nível evolutivo e desperta no indivíduo o senso da dignidade própria e do valor pessoal, decorrentes da conduta e fruto legítimo dos seus atos no seio da família e da sociedade.
É disso que ainda não cogitaram os nossos legisladores. Se, porém, eles olvidarem essa medida de tanta relevância, cumpre aos espíritas lembrar-lhes a obrigação de fazê-lo, dando o exemplo dentro da esfera em que exercem suas atividades.
É certo que as leis trabalhistas, nascidas da evolução social que em todo o orbe se processa, são, em tese, necessárias e boas; porém, não é menos certo que às mesmas é imprescindível adicionar os processos educativos de cunho espiritual, uma vez que “Não só de pão viverá o homem”, segundo o sábio dizer do maior e do mais generoso dos amigos e defensores dos humildes – Jesus Cristo.
Não basta focalizarmos o analfabetismo como a nódoa vergonhosa de nossa decantada civilização. A decadência moral, a corrupção de costumes, a repetição cotidiana de crimes repugnantes e bárbaros, a desfaçatez e a impudência com que se tramam e se urdem as transações venais, em todos os setores, constituem, em seu conjunto, algo que enodoa, conspurca e macula mais o nome, a história e o conceito de um povo do que o analfabetismo.
O desenvolvimento da inteligência, desacompanhado da vigilância e orientação dos sentimentos, produz mais malefícios que proveitos, porque amplia e dilata as possibilidades de êxito na prática de velhacarias e vilezas, como na maneira astuta e sagaz de fugir às responsabilidades, iludindo as massas ingênuas e incautas. É ainda produto da inteligência impudente o forrar-se à obrigação de dar contas dos mandatos, seja na esfera pública, seja na particular, acoroçoando assim o regime da irresponsabilidade, cujas conseqüências funestas explicam a desordem e a indisciplina que, partindo das altas camadas, se derramam e se espraiam por todas as baixadas.
Não basta que acenemos às classes obreiras com certos direitos que até há pouco, criminosamente, não se lhes concedia; cumpre completar a obra da sua reabilitação, incutindo-lhes noções do dever, base e fundamento do direito natural e legitimo.
Do contrário, estaremos semeando em sua mente idéias desordenadas, subversivas e contraproducentes, cavando, ao mesmo tempo, profundo vale de separação entre aqueles de cujo mútuo entendimento e cooperação dependem a ordem e a prosperidade das nações.
É óbvio que o desequilíbrio entre o dever e o direito é responsável pela confusão e pelo desajustamento, que cada vez se manifestam mais acentuados em nosso meio.
Façamos obra cristã, e não demagógica, em beneficio dos nossos irmãos que manejam os músculos e os braços, visando em realidade o seu progresso, soerguendo-lhes o nível consciente do valor que enobrece, em todo sentido, máxime e particularmente no que concerne à formação do caráter, condição esta indispensável ao bom êxito em qualquer empreendimento humano; necessidade essa de que carecem tanto os dirigentes com os dirigidos, mais ainda os primeiros que os últimos, levando em consideração a maior soma de responsabilidade que lhes cabe.
Do menosprezo a tão grande problema resulta o estado lamentável de nossa sociedade, o que deu lugar às seguintes judiciosas considerações de Kardec, acima citadas.
Honremos e dignifiquemos a memória daquele que, tendo “olhos de ver”, soube deduzir de um simples e corriqueiro caso de tiptologia – tal como fez Newton observando a queda de uma maçã desprendida do caule -, a magnífica e esplêndida Doutrina Espírita, conjugando ciência, filosofia e religião, ou seja, todos os grandes ramos de especulações que absorvem a inteligência e o sentimento humano.
Rendamos-lhes a maior e a mais eficiente homenagem, a que condiz com aquele critério e aquele bom senso que sempre o distinguiu, fundando escolas que venham preencher a grande lacuna por ele apontada há mais de um século, lacuna que ainda persiste.
Esse, o monumento condigno que os espíritas devem erigir, num gesto de gratidão, em memória do amigo e assistente de João Henrique Pestalozzi, o inolvidável educador e consumado pedagogo de Zurique.
Educa e transformarás a irracionalidade em inteligência, a inteligência em humanidade e a humanidade em angelitude – diz Emmanuel.

Dever paterno


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

Duas verdades muito simples devem estar presentes na imaginação dos pais: De um saco vazio nada podemos tirar. De um terreno inculto, abandonado, nenhum bom grão podemos colher.
Estas duas asserções, banais em aparência, naturalmente servirão para lhes trazer à mente um fato de suma importância: a educação dos filhos.
Sim, se eles descurarem o cumprimento deste dever, chegará o dia em que debalde procurarão obter alguma coisa dos filhos. Estes lhes darão o que se pode tirar de um saco vazio ou aquilo que se pode colher de um terreno abandonado.
A autoridade paterna, elemento indispensável na orientação e direção da mocidade, não surge do vácuo nas ocasiões prementes das grandes necessidades, dos lances aflitivos em que ela é reclamada. Se essa autoridade existe, apresenta-se, impõe-se, age, luta e consegue. Se não existe, é escusado apelar-se para ela, no paroxismo de qualquer aflição. A autoridade paterna se desenvolve paulatinamente, como fruto da educação que os pais dão aos filhos, quando essa educação se funda na base sólida de exemplos dignos e elevados. Ela se desenvolve e frutifica como as plantas de valor. Pretendê-las num dado momento, como façanha de prestidigitador, é ilusão que nenhum pai sensato de alimentar.
Há exemplos, não contestados, de filhos bons e dignos, à revelia da influência doméstica, e outros que são maus, a despeito dos desvelos paternos; porém tais casos são exceções que não anulam a regra e, menos ainda, os deveres dos pais, no que concerne á formação do caráter de seus filhos.
Sabemos que nossos filhos são espíritos reencarnados, os quais semelhantemente ao vento, segundo disse Jesus, ninguém sabe donde vêm. É possível que sejam espíritos de sentimento e moral elevados; assim sendo, não nos darão maior trabalho: é a exceção. Caso contrário, como é de regra, trarão consigo defeitos, vícios e paixões, para cujo extermínio cumpre providenciarmos, empenhando todos os meios ao nosso alcance. E isto se obtém, ministrando a educação cristã, firmada sobre os alicerces de exemplificações acordes com aquela doutrina.
Educar é salvar. O Espiritismo é a religião da educação. Não há lugar para superstições, na trama urdida pelos postulados cristãos que o Espiritismo veio restaurar em toda a sua verdade.
Eduquemo-nos, pois, e eduquemos nossos filhos. Um mau chefe de família nunca pode ser um bom espírita.

A Parábola do Mordomo Infiel

Artigo extraído do livro "Em Busca do Mestre" - 4ª Edição - Março de 1995 - Edições FEESP.

“Havia um homem rico, que tinha um administrador; e este lhe foi denunciado como esbanjador de seus bens. Chamou-o e perguntou-lhe: Que é isto que ouço dizer de ti? Dá conta de tua mordomia; pois já não podes mais ser meu mordomo. Disse, então consigo, o administrador: Que farei agora, já que meu amo me tira a mordomia? Não tenho forças para cavar, e, de mendigar tenho vergonha. Eu sei, porém, o que me cumpre fazer, para que, despedido da mordomia, tenha quem me receba em suas casas. Em seguida, convocou os devedores do seu amo, dizendo ao primeiro deles: Quanto deves ao meu amo? Respondeu ele: cem cados de azeite. Disse-lhe, então: Senta-te depressa, e escreve cinqüenta. Depois indagou de outro: E tu quanto deves? Respondeu ele: cem coros de trigo. Disse-lhe: Toma a tua conta, e escreve oitenta. E assim fez com os demais. E o amo, sabendo disso, louvou o administrador iníquo, por haver procedido sabiamente; pois os filhos deste mundo são mais sábios para com sua geração do que os filhos da luz. E eu vos digo: Granjeai amigos com as riquezas da iniqüidade, para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos. Quem é fiel no pouco, também o será no muito. Se, pois, não fostes fiéis nas riquezas iníquas, quem vos confiará as verdadeiras? E se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que ficará sendo vosso? Nenhum servo pode servir a dois senhores; pois ou há de aborrecer a um e servir o outro, ou há de unir-se a um e desprezar o outro. Não podeis, pois, servir a Deus e a Mamom”.
Sintetizemos a parábola, interpretando os seus personagens: O amo ou proprietário: Deus.
O mordomo infiel: o homem.
Os devedores beneficiados: nosso próximo, os sofredores em geral.
A propriedade agrícola: O mundo que habitamos.
Moralidade: o homem é mordomo infiel porque se apodera dos bens que lhe são confiados para administrar, como se tais bens constituíssem propriedade sua. Acumula esses bens, visando exclusivamente a proveitos pessoais: restringe sua expansão, assenhoreia-se da terra cuja capacidade produtiva delimita e compromete. Enfim, todo o seu modo de agir com relação à propriedade que lhe foi confiada para administrar, é no sentido de monopolizá-la em benefício próprio, menosprezando assim os legítimos direitos do Proprietário. Diante de tal proceder irregular, o Senhorio vê-se na contingência de demiti-lo. Essa exoneração, que não é lavrada a pedido, consuma-se com a morte. Todo o Espírito que desencarna é um mordomo despedido do emprego. A parábola figura um deles, cuja prudência é motivo de elogios. É aquele que, sabendo que ia ser despedido, e que nada poderia levar consigo, nem lhe assistia tampouco o que alegar em seu abono diante da demissão, procura, com os bens alheios ainda em seu poder, prevenir o seu futuro. E, como faz, granjeia amigos com a riqueza da iniqüidade, isto é, lança mão dos bens acumulados, que representam a riqueza do Amo sob sua guarda, e, com ela, beneficia os vários devedores, cuja amizade, de tal maneira consegue conquistar! E o Amo (DEUS) louva a ação do mordomo (homem) que assim procede, pois esse a quem ele aqui no mundo beneficiaria serão aqueles que futuramente o receberão nos Tabernáculos eternos (páramos celestiais, céus, espaço, etc.).
O grande ensinamento desta importante parábola está no seguinte: Toda riqueza é iníqua. Não há nenhuma legítima no terreno das temporalidades do século. Riquezas legítimas ou verdadeiras são unicamente as de ordem intelectual e moral: o saber e a virtude. Não assiste ao homem o direito de monopolizar a terra, nem de açambarcar os bens que dela derivam. Seu direito não vai além do usufruto. Como, porém, todos os homens são ainda egoístas e querem monopolizar os bens terrenos em proveito exclusivo, o Mestre aconselha, com muita justeza, que, ao menos, façam como o Mordomo Infiel: Granjeiem amigos com esses bens dos quais ilegalmente se apossaram, reduzindo, assim, o débito dos que, nesta existência, resgatam culpas.
A parábola em apreço contém, em sua essência, transcendente lição de sociologia, encerrando um libelo contra à avareza, e belíssima apologia da liberalidade e do altruísmo, virtudes cardeais do Cristianismo.
Obedecem ao mesmo critério acima exposto, estes outros dizeres: Quem é fiel no pouco também será fiel no muito. Se não fostes fiel nas riquezas injustas, quem vos confiará as legítimas? E se não destes boas contas do alheio, quem vos dará aquilo que se tornará vosso?
É claro que a riqueza classificada como sendo o “pouco”, como sendo iníqua e alheia é a que consiste nos bens materiais; enquanto que, a riqueza reputada como sendo o “muito”, à legítima e a que constitui propriedade inalienável é aquela representada pelos predicados de caráter, pela virtude, numa palavra, pela evolução conquistada pelo Espírito no transcurso das existências que se sucedem na eternidade da vida.
A terra constitui propriedade de ninguém: é patrimônio comum. E, como a terra, qualquer outra espécie de bens, visto como toda a riqueza é produto da terra. Ao homem é dado desfrutá-la na proporção das suas legítimas necessidades. Tudo que passa daí é uma apropriação indébita. Não se acumula ar, luz e calor para atender reclamos do corpo. O homem serve-se naturalmente daqueles elementos, sem as egoísticas pretensões de entesourar.
O testemunho eloqüente dos fatos demonstra que o solo quanto mais dividido e retalhado, mais prosperidade, mais riquezas e felicidade assegura aos povos e às nações.
De outra sorte, comprova também que a causa fundamental das guerras – esse flagelo, essa expressão de barbárie, selvageria e bruteza – está na ambição e na megalomania de possuir e dominar o mundo, como se este pudesse constituir propriedade do homem.

A escada de Jacó


Artigo extraído do livro "Educação para a Morte" - 5ª Edição - Setembro de 1996 - Editora Espírita Correio Fraterno do ABC.

Nascimento e morte determinam o trânsito especial entre o Céu e a Terra. Dia e noite, sem cessar, descem e sobem os anjos pela escada simbólica da visão bíblica de Jacó. Anjos são espíritos, e o Apóstolo Paulo esclareceu que são mensageiros. Trazem e levam mensagens de um plano para o outro. São mensagens de amor, de estímulo, de orientação e encorajamento. As mensagens são dadas, na maioria, através de intuições, na Terra, aos destinatários encarnados. Mas há também as que são dadas por via mediúnica, através de um médium, ou por sonhos. Essa comunhão espiritual permanente é conhecida desde as épocas mais remotas. Mas só em 1857, com a publicação de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, em Paris, o problema foi encarado como positivo e levado à consideração dos sábios e das instituições cientificas. As Igrejas Cristãs, tendo à frente a Católica Romana, levantaram-se contra essa colocação, que diziam simplória, de um grave problema teológico. Só os clérigos e os teólogos, segundo elas, tinham direito a tratar do assunto. Um século depois, a questão estava nas mãos das Ciências e a Ciência Espírita, fundada por Kardec era colocada à margem do mundo científico, por não possuir um objeto legitimamente científico, material, ao alcance dos sentidos humanos. Richet levantara, na Metapsíquica, à tese do sexto sentido, e Kardec sustentava que os fenômenos mediúnicos, pelo fato mesmo de serem fenômenos, constituíam o objeto sensível da Ciência Espírita.
Em 1830 os professores Joseph Banques Rhine e William McDougall lançavam na Universidade de Duke, na Carolina do Sul (Estados Unidos da América) a nova Ciência da Parapsicologia, para a investigação desses mesmos fenômenos. E em 1840 ambos proclamavam com seus colaboradores, a prova científica da Clarividência. Dali por diante cresceu rapidamente no mundo o interesse pelo assunto e surgiram pesquisas e cátedras em todas as grandes Universidades da América e da Europa. Hoje a questão é pacífica no plano científico, e mesmo no religioso, pois a Igreja aceitou a realidade dos fenômenos e interessou-se efetivamente pelas pesquisas. A Parapsicologia avançou rapidamente, seguindo a trilha da Ciência Espírita, sem nenhum desvio.
Vencida a barreira dos preconceitos e das sistemáticas a que se apegavam numerosos cientistas, a Parapsicologia definiu-se como a Ciência do Homem. Rhine, ao aposentar-se na Universidade de Duke, estabeleceu a Fundação para a Pesquisa da Natureza Humana. A Parapsicologia sustenta a natureza espiritual do homem e suas possibilidades de ação extensiva e intensiva no plano físico e mental ou espiritual. “A mente, que não é física, age sobre a matéria por vias não físicas”, declarou Rhine, apoiado por grandes nomes da Ciência em todo o mundo. Essa declaração mudou o panorama cultural do planeta. Hoje ninguém duvida, quando nasce uma criança, que se trata de um espírito humano reencarnado biologicamente na Terra. Embora ainda existam setores científicos infensos, à nova Ciência, firmou-se no mundo de maneira definitiva. Os cientistas que a negam ou rejeitam são considerados retrógrados ou se definem a si mesmos como pertencentes a religiões que não devem aceitar os novos princípios.
A morte perdeu o sentido de negação da vida. Os fenômenos Teta, um dos últimos tipos de fenômenos paranormais pesquisados pela Parapsicologia, nada mais são do que as comunicações mediúnicas. Além do trânsito entre a Terra e o Céu – o mais movimentado do mundo – existe agora a comunicação permanente entre os homens e os espíritos. As descobertas físicas no plano das pesquisas sobre a estrutura da matéria mostraram que não vivemos num mundo tridimensional, mas multidimensional. Os que morrem na Terra passam para os planos da esfera semimaterial, de matéria rarefeita, que a circunda, e, conforme o seu grau evolutivo, para as hipóstases espirituais entrevistas por Plotino, na fase helenista da Filosofia Grega. Nas sessões espíritas, em todo o mundo, milhares de pessoas conseguem conversar com amigos e parentes mortos, que dão provas evidentes de sua sobrevivência após a morte. As restrições dos sistemáticos e preconceituosos continuam, mas a realidade se impõe de tal maneira que essas restrições já diminuíram assustadoramente. A Terra se espiritualiza, apesar do materialismo das religiões e a morte já não amedronta milhares dos milhões de criaturas que morrem todos os dias.
Geralmente não se pensa no que isso representa para a Humanidade. Entregues às suas preocupações absorventes do seu dia a dia, homens e mulheres ainda vivem na Terra como há milhões de anos. Cuidam da vida sem se preocuparem com a morte. Essa posição anestésica é útil na Terra, mas desastrosa nos planos espirituais. Nas manifestações de espíritos (fenômenos teta) pode-se avaliar o prejuízo causado às criaturas por essa alienação à matéria. Embriagados pelos seus anseios de conquistas materiais, praticamente tragados pela vida prática, a maioria dos que morrem não têm a menor noção do que seja a morte. Entram em pânico após o trespasse, apegam-se depois a pessoas amigas de suas relações, perturbando-as sem querer ou procurando, através delas, sentirem um pouco da segurança perdida na Terra. Além desses prejuízos, a falta de educação para a morte causa o prejuízo maior dos desesperos, angústias existenciais e loucuras que hoje varrem a Terra em toda a sua extensão. Por outro lado é preciso considerar-se os prejuízos imensos produzidos pela ignorância das finalidades da vida. As próprias Ciências sofrem dessa ignorância, que lhe barra o caminho de descobertas necessárias para a melhoria das condições da vida terrena.
Por mais atilados e dedicados que sejam os cientistas, se não tiverem conhecimento das leis fundamentais que regem o planeta e condiciona, a Humanidade, não podem penetrar nas causas dos males e problemas que enfrentam. É questão pacífica que a falta de conhecimento preciso e amplo do meio em que estamos nos deixa entregues a perigos que não podemos prever. É o que agora mesmo acontece, no caso da poluição perigosíssima do planeta pelas exigências do desenvolvimento industrial. A falta de interesse pela Ecologia mergulhou o mundo numa situação desastrosa, que ainda não sabemos como poderemos superar. A Ciência ateve-se aos efeitos, deixando as causas por conta da Filosofia e da Religião. Esta última fechou-se em dogmas ilusórios, mandando às calendas a questão fundamental das causas. Entregues aos conhecimentos empíricos da realidade constatada nos efeitos, os homens conseguiram realizar a façanha trágica da poluição total do planeta, com os mais graves prejuízos para a vida humana, bem como os vegetais e aos animais. Descuidamos da morte e perdemos a vida. Se não mudarmos urgente de atitude, transformaremos a Terra numa Lua sem atmosfera.
A nossa insistência na consideração escatológica da morte, na sua função essencialmente destruidora – negando-lhe o papel fundamental de controladora da vida e a de renovadora das civilizações, parece ter provocado uma reação em nossa própria estrutura ôntica que nos transformou em nadificadores de nós mesmos e de toda a realidade. O estranho privilégio que pretendemos, de sermos os únicos seres condenados ao nada, um Universo em que tudo se renova e se eleva, constitui a mais espantosa contradição de toda a História Humana. Essa contradição monstruosa deforma a figura do homem no mundo que ao invés de imagem e semelhança de Deus, aparece como a fera mais temível do planeta, onde as feras selvagens são sistematicamente destruídas e devoradas pelo animal dotado de inteligência criadora, sentimento, moral, compreensão de sua espiritualidade e sensibilidade ética e estética. O humanismo apaixonado de Marx, que sonhava sem o saber com o Reino de Deus na Terra negou-se a si mesmo ao formular a teoria do poder totalitário e absoluto de uma classe social contra as outras. Larissa Reissner, que lutou pelos bolchevistas de armas na mão, mostra-se desolada, nas páginas brilhantes de seu livro Homens e Máquinas, ao referir-se aos campos de trabalhos forçados da URSS, em que antigos e bravos companheiros de luta pagavam sob o poder soviético o preço de suas ilusões para o fortalecimento do Estado-Leviatã de Hobbes. A terrível dialética das revoluções sociais materialistas, sem Deus e sem coração, levou o Marxismo ao pelourinho da lei de negação da negação, negando-se a si mesma no processo histórico. Sem o respeito do homem por si mesmo, pela sua condição humana, todas as tentativas de melhorar o mundo, acabam na asfixia da liberdade, nadificando o homem depois de transformá-lo em objeto. É essa também a contradição fundamental de Sartre em O Ser e o Nada e na Crítica da Razão Dialética. Mas é precisamente das contradições entre a tese e antítese que podemos obter a síntese que nos dá a verdade possível de cada problema.
Os anjos que descem pela escada de Jacó, na alegoria bíblica representam a tese da proposição existencial. A verdade possível do Céu, ou seja, dos planos divinos, entendendo-se por divino aquilo que supera a condição material. Mas são esses mesmos anjos que voltam para o Céu representando a antítese. O trânsito espacial resulta da síntese humana em que a proposta terrena e a resposta celeste se fundem no processo existencial da transcendência. Por isso Kardec rejeitou as revelações proféticas do passado, individuais e exclusivistas, que geraram as religiões da morte, estabelecendo o princípio das revelações conjugadas, de natureza cientifica, em que o mundo é a tese, o homem é a antítese e a verdade é a síntese. Essa síntese, como acentuou Léon Denis, a mundividência espírita, de difícil compreensão para os anjos que descem e ficam na rotina terrena, no círculo vicioso das reencarnações repetitivas. A verdade possível é interditada a eles, não por condenação divina, mas por opção própria. Quando eles romperem o círculo vicioso poderão compreender essa verdade, a verdade possível, ao alcance do homem que soube transcender-se. Na dialética espírita o homem propõe a tese, o espírito responde com a antítese e a Razão elabora a síntese do conhecimento possível. A religião, como ensinou Kardec, é a conseqüência da revelação espiritual fundida com a revelação cientifica. A verdade possível tem sua legitimidade e sua validade precisamente nessa fusão. Os limites da vida terrena condicionam a realidade humana às possibilidades cognoscitivas da mente humana atualizada na matéria. O espírito revela um princípio espiritual e o cientista revela a lei terrena a ela correspondente. Só nesse processo de perfeito equilíbrio o homem pode evitar os perigos do misticismo alienante, para viver na Terra em marcha para a transcendência, através da Existência. É esse o processo que permite a fusão dialética de Ciência e Religião, como fundamento de toda a verdade possível na Era Cósmica. Por isso, não insistimos no Espiritismo por sectarismo ou proselitismo, mas pelo fato inconteste de só ele nos oferecer os instrumentos conceptuais necessários à conquista da realidade. Sem a fusão da efetividade com a razão não poderíamos atingir a síntese do conhecimento geral, na fragmentação dos efeitos sem o esclarecimento das causas. O método indutivo da Ciência permite-nos reunir os efeitos para a compreensão possível da causa única e transcendente.

As dimensões da educação

As dimensões da educação

Artigo extraído do livro "Pedagogia Espírita" - 1ª Edição - Maio de 1985 - Editora Cultural Espírita Ltda - EDICEL.

A educação só se tornou problemática nos momentos em que se desligou da religião. Isso é visível nos momentos históricos de desligamento parcial, como no mundo clássico, particularmente no apogeu da civilização grega, e na fase de emancipação total que começa no Renascimento e vai encontrar seu ponto culminante em Rousseau. Enquanto as religiões incorporaram, em suas estruturas gerais, o conceito de educação como salvação e a prática educativa como catequese, não havia problema. Quando, porém, o pensamento crítico se desenvolveu, a ponto de atingir a própria substância da fé, retirando ao homem a base ingênua de certezas tradicionais em que ele se sentia seguro dentro do mundo, tornou-se evidente a necessidade de criação de sistemas educacionais autônomos e surgiu a problemática da educação.

O episódio dos sofistas, seguido dos esforços de Sócrates, Platão e Aristóteles, é bastante elucidativo desse fato. A transformação da estrutura estática do antigo estado grego na estrutura dinâmica do imperialismo de Péricles, como esclarece Jaeger, exige a “racionalização da educação política”, como “um caso particular da racionalização de toda a vida grega, que mais do que nunca se funda na ação e no êxito”. A educação supera os seus estágios familial e épico, ambos dominados pela concepção mítico-religiosa, para adquirir uma nova dimensão: a cívica ou política. Esse problema da “ação e do êxito” é também examinado por Marrou, que nos oferece um estudo do mecanismo de transição da educação épica para a técnica, na “passagem progressiva de uma cultura de nobres guerreiros para uma cultura de escribas”.

A reincorporação da educação à estrutura religiosa, que se verifica na Idade Média, não representa um retrocesso, porque se realiza num plano de enriquecimento conceptual. Quer dizer: a educação medieval, conquanto dominada pela concepção religiosa e submetida ao controle eclesiástico, já se processa numa perspectiva racional. As contribuições do racionalismo grego, do pensamento jurídico romano e do providencialismo cristão misturam-se nessa perspectiva, em que se elabora, desde o declínio do Império, essa fusão conceptual que, segundo Dilthey, “aflui como metafísica para os povos modernos”. A homogeneidade do pensamento medieval não era mais do que o resultado de um lento processo de caldeamento em que a educação também se caldeava em novas possibilidades formais. O processo histórico não se interrompe, mas prossegue, não mais em extensão, mas em profundidade, como assimilação. E na medida em que vão surgindo, nas linhas sucessivas desse processo, as dimensões espirituais do homem, a educação naturalmente se desenvolve em perspectivas dimensionais.

Esta possibilidade de encararmos a educação num plano de desenvolvimento progressivo, não apenas histórico, mas, sobretudo historicista, parece-nos bastante fecunda para melhor compreensão do problema educacional. A partir da educação primitiva, como simples forma de integração, passamos às formas religiosa e cívica, como processos de domesticação, para atingirmos os conceitos clássico e moderno de formação cultural em que as condições de imanência social são finalmente rompidas pelo impulso da transcendência espiritual. Encontramos assim uma dialética da educação que nos permite o processo educativo de maneira dinâmica, acima dos traçados rígidos da História como conseqüência de fases e das condições deterministas bio-psico-sociais.

Essa dialética talvez nos forneça os meios de que necessitamos, com tanta urgência, para superarmos o impasse em que se encontra o problema da educação em nossos dias, no entrechoque de tantas teorias contraditórias. Se pudermos encarar a educação como um processo de desenvolvimento dimensional da cultura, não como substituição de fases históricas condicionadas pelo tempo, mas de um processo que se serve do tempo, estaremos mais próximos de uma visão global do problema. Parece-nos, pelo menos, que dessa maneira poderemos superar a representação esquemática, fragmentária que hoje possuímos do processo, gerando posições diversas e contraditórias na sua enfocação teórica, para encontrarmos as linhas gerais de uma verdadeira Filosofia da Educação.


As dimensões do homem


É evidente que as dimensões da educação decorrem das dimensões do homem. Se o homem pode ser encarado, tanto espiritual como socialmente, numa perspectiva de sucessões dimensionais, então o processo educativo também será susceptível dessa visualização. E é precisamente numa teoria dimensional do homem que vamos buscar as possibilidades de uma formulação teórica da educação nesse sentido. Formulação, aliás, que pode levar-nos a maiores possibilidades metodológicas na colocação filosófica do processo educacional.

Apesar de termos nos referido a História e a historicistas, não é num historicista que vamos encontrar a teoria, mas no existencialista Jean Sartre com seu famoso ensaio de ontologia fenomenológica. Tanto melhor, pois esse simples fato reforça a nossa referência às possibilidades de transcendência do processo educacional. Embora Sartre tenha encontrado a transcendência em termos fenomenológicos no plano social, a sua teoria nos leva, por um impulso dialético, a superar a polaridade ontológico-social da educação. E essa superação vai nos fazer sentir as suas possibilidades num ensaio de Denis de Rougemont sobre o desenvolvimento das dimensões humanas na civilização ocidental. É nesse ensaio que podemos avaliar a fecundidade da aplicação da teoria dimensional aos processos sociais

O homem é apresentado por Sartre, em L’être et lê Néant, na sua conhecida formulação dialética: uma forma rígida ou fechada, len-soi, primeira dimensão do ser, que se nega a si mesma na especificidade humana, atingindo em le pour soi a segunda dimensão, da qual resulta necessariamente a terceira dimensão de l’être pour autrui, na relação social. Essa formulação se repete no capítulo sobre a terceira dimensão ontológica do corpo da seguinte maneira: antes de tudo, o corpo existe, e este existir é a sua primeira dimensão; depois, o corpo entra em relação com os outros, e nesta relação surge a sua segunda dimensão; por fim, no conhecimento do corpo pelos outros tem ele a sua terceira dimensão. (“J’existe pour moi comme connusion ontologique de mon corps”.)

Em Denis de Rougemont essa dialética das dimensões adquire maior densidade ontológica, passando do plano da fenomenologia para o da metafísica. Apresenta-se, porém, numa perspectiva fideísta. A transcendência do ser, que é a sua terceira dimensão, equivale a um duplo processo de relações: no plano social como amor do próximo, e no metafísico como amor de Deus. Essas dimensões se tornam mais claras numa enfocação histórico-cultural: a primeira dimensão é a do horizonte tribal, que o autor define servindo-se da teoria do corpo mágico ou corpo-sagrado do ensaísta austríaco Rudolf Kessner, e em que o homem primitivo aparece como simples parcela de um todo fechado sobre si mesmo; a segunda dimensão é a do horizonte civilizado em que surge o indivíduo urbano que se torna cidadão. A terceira dimensão é a do transcendente em que o homem se torna cristão, integrando-se nos princípios espirituais da civilização. Esse particularismo de Rougemont equivale, entretanto, ao conceito universal da transcendência pela cultura, que encontramos no horizonte profético de John Murphy em seus estudos sobre as Origens e a História das Religiões.

Vemos, assim, que as limitações daquilo que chamamos perspectiva fideísta, no ensaio de Rougemont, não diminuem a importância de sua tentativa de aplicação da teoria das dimensões humanas num plano mais fecundo que o da ontologia fenomenológica de Sartre. Vejamos de que maneira Rougemont esquematiza a sua teoria das dimensões do espírito ocidental, que se eleva à terceira dimensão pelo impacto de uma religião oriental. É curiosa essa aplicação sectária da teoria das dimensões, que servindo-se de elementos orientais, faz surgir no ocidente, no fenômeno da pessoa, o homem tridimensional, ao mesmo tempo que nega aos orientais essa possibilidade.

É o seguinte o esquema apresentado pelo próprio Denis de Rougemont: “Se o homem do clã, da tribo ou da casta, só tinha uma dimensão real: sua relação com o corpo sagrado; se a segunda dimensão, inventada pelos gregos, é a que reúne o indivíduo e seu modo de relações, a cidade; São Paulo definiu a terceira dimensão: a relação dialética com o transcendente, religando o indivíduo como vocação divina à comunidade, como amor do próximo. Esse homem, melhor liberado que o indivíduo grego, melhor entrosado que o cidadão romano, mais livre pela fé mesma que o entrosa, é o arquétipo do Ocidente que nasce, é a pessoa”.

Murphy, porém, ao tratar do horizonte-profético como uma conseqüência universal do desenvolvimento do horizonte civilizado, acentua o aparecimento “das condições novas que tornaram possível o advento de grandes individualidades, profetas, filósofos, instrutores éticos e religiosos, desde cerca de dois mil anos antes da nossa era”. Situando o período desse desenvolvimento entre o XI e o III séculos antes de Cristo, e limitando-o geograficamente à região compreendida entre a Grécia e o Egito, passando pela Palestina e a Mesopotâmia, até a índia e a China, demonstra historicamente o aparecimento da pessoa, equivalente à terceira dimensão de Rougemont, muito antes do advento do Cristianismo. Anulamos, assim, o exagero fideísta de Rougemont, como esse mesmo exagero anulou o negativismo existencial de Sartre, que limitava a terceira dimensão ao plano das relações sociais. E assim, por um processo dialético, temos a pureza conceptual da teoria das dimensões humanas, capazes de nos servir, sem qualquer limitação sectarista, para uma possível tentativa de elaboração metodológica, visando à mais ampla e mais profunda enfocação filosófica do problema da educação.

A validade da teoria dimensional do espírito parece-nos pelo menos bem sustentada nas formulações de Dilthey, Sartre e Rougemont. Claro que ela se funda, para o primeiro e o último, nos pressupostos da evolução histórica, e para o segundo, na problemática do ser. Temos assim, na sua base, a polaridade ontológica-social, com todas as implicações que vão de um pólo a outro. Convém lembrar, como demonstra Jean Vahl, que as raízes da teoria dimensional, por assim dizer, se aprofundam no passado filosófico. De qualquer maneira, o que nos interessa é a possibilidade de sua aplicação metodológica. Essa possibilidade parece fecunda principalmente por oferecer à Filosofia da Educação perspectivas filosóficas para a solução dos seus problemas até agora frustrados, em grande parte, pela falta dessas perspectivas.


Educação e Filosofia


A inquietação atual do pensamento pedagógico, à procura de uma Filosofia da Educação que realmente corresponda às exigências do mundo em transformação, resulta não só do fato mesmo dessa transformação, como também da falta de unidade, ou pelo menos de uma confluência de vistas a respeito dos problemas a serem postos em equação. Quando, em 1941, a National Society for the Study of Education, dos Estados Unidos, resolveu dedicar um dos seus anuários ao problema da Filosofia da Educação, essa falta de unidade fundamental se tornou bem patente. Na introdução que escreveu para o anuário, publicado em 1942, o Prof. John Brubacher, da Universidade de Yale, esclarece que o intuito da Natinal Society era conseguir que “as diversas filosofias se dirigissem de maneira clara e inequívoca, aos pontos importantes de seus desacordos”. Entretanto, os colaboradores convidados, representantes das várias escolas atuais de Filosofia, e particularmente de Filosofia da Educação, não puderam atender a esse apelo.

No decorrer destes últimos anos muitos esforços foram desenvolvidos no sentido da superação desse estado de coisas. Mas a superação não era fácil, pois os desacordos eram ainda mais profundos, como podemos ver neste trecho do prefácio de Brubacher: “Afortunada ou desgraçadamente, esse plano não foi adotado porque no Comitê da obra, não somente se pode chegar a um acordo com referência aos problemas que seriam selecionados, como nem mesmo foi possível uma coincidência a respeito do que constitui um problema na Filosofia da Educação. Em conseqüência decidiu-se permitir a cada colaborador a exposição do seu sistema de Filosofia da Educação na forma que lhe parecesse mais adequada”.

Mortimer Adler, que colaborou no anuário escrevendo uma defesa da Filosofia da Educação, pôs em relevo a necessidade de uma definição do seu objeto como solução dos desacordos existentes. Lamentou a posição individual e irredutível de vários filósofos que só tinham a expor “a sua opinião, o seu ponto de vista sobre educação, ou o seu sistema de filosofia”, e acentuou a urgência de se afastarem de cogitação os elementos que, não sendo filosóficos, sobrecarregam as escolas atuais de Filosofia da Educação. Dez anos depois, ao publicar o seu Traité de Pedagogie Generale, na França, René Hubert denunciava essa mesma situação e procurava lançar as bases realmente filosóficas de uma Filosofia da Educação.

O problema se torna claro nestas palavras de Paul Desjardins, que Hubert reproduz no prefácio da sua obra: “Os reformadores da educação, que temos observado, descobriram a verdade em quase todas as questões de detalhe: este, sobre a educação dos sentidos e sobre o processo do juízo na primeira infância; aquele, sobre a aplicação do trabalho manual; um, sobre a ginástica racional; outro, sobre a maneira de ensinar idiomas, ou a Física, ou o Desenho, ou a Música vocal, etc; descobrimentos contemporâneos e diversos, cujo centro, se refletimos a respeito, aparece como único; entretanto, este centro, de que tudo parte, não está assinalado com suficiente ênfase em nenhum lugar, e isso é o que falta determinar numa escola pensada à francesa”. Hubert comenta: “Porque este centro é o homem, e o mestre cuja memória acabamos de evocar teria sem dúvida acrescentado conosco que escola pensada à francesa é a que se dedica a ensinar e fazer nascer o Homem”.

É curioso que tenhamos encontrado, no próprio pensamento francês contemporâneo, as sugestões para uma resposta ao reclamo de Desjardins. A escola pensada à francesa, que põe a sua ênfase no objeto e centro da educação, o homem, só poderá aparecer, no campo vasto e contraditório da Filosofia da Educação, com base num esforço metodológico essencialmente humanista. A sugestão do esquema sartreano das dimensões do espírito parece-nos abrir amplas possibilidades nesse sentido. Da mesma maneira porque no estudo das religiões a aplicação do método dos horizontes culturais alargou a compreensão do problema, podemos esperar que um método dimensional permita o reajuste necessário do problema filosófico da educação.


Um método integral


Poderíamos aspirar a um método integral que, aplicado à história da Educação e a toda à problemática educacional, nos possibilitasse a investigação de todos os seus aspectos, ou que pelo menos nos desse, no plano da interpretação, uma visão geral e dinâmica do processo educativo? Os métodos históricos, comparativos e culturais não chegam a tanto. O método dos horizontes culturais oferece perspectiva mesológica em extensão, mas falta-lhe a profundidade ontológica que é procurada na complementação de pesquisas psicológicas. Entretanto a Psicologia é um particularismo, uma especialização, como a Sociologia. Suas pesquisas se referem a problemas particulares de estrutura e função, como as sociológicas aos problemas de relação. A Filosofia da Educação, porém, abrange todo o contexto de ações e reações objetivas e subjetivas que vai do ser como ser ao social e como cultura. A Filosofia da Educação extravasa, assim, da extensão de sua própria polaridade no momento em que transcende o social para penetrar no cultural, no pleno domínio do espírito. É o que estuda Hubert, com admirável clareza e segurança, no seu tratado.

É possível que estejamos exagerando as possibilidades do método dimensional e só os especialistas em metodologia poderão responder até onde as nossas esperanças são viáveis. O Prof. Cannabrava, que se destaca no estudo dos problemas metodológicos entre nós, procurou solucionar a diversidade dos conceitos de verdade empírica e verdade formal através do objetivismo-crítico, propondo o método único da síntese-reflexiva. “A Filosofia elaborou um método – declara – que permite conjugar a análise da estrutura lógica do conhecimento com a interpretação sintético-funcional dos processos empíricos que se relacionam diretamente com a atividade cognitiva”. A mesma unidade no tocante aos problemas gerais da Filosofia da Educação, em sua relação específica com o objeto do problema educacional, não poderá ser tentada?

Investigar as possibilidades metodológicas da teoria das dimensões humanas parece-nos, pois, tarefa das mais promissoras. Partindo da análise do corpo-mágico, da feliz formulação de Kessner, onde o homem se apresenta na sua primeira dimensão, um método dimensional nos levaria ao exame de todas as implicações da passagem para a segunda dimensão e desta para a terceira. Esse método global ou integral penetraria, assim, em todas as estruturas e conexões da polaridade pedagógica, abrangendo a simultaneidade do ser como ser – existindo em si, agindo no para-si e se transcendendo no cultural – do bio-pisiquismo em sua dinâmica funcional e do social em sua dinâmica de relações. Para essa penetração simultânea o método deveria dispor das técnicas específicas necessárias, subordinadas sempre ao contexto dimensional. Essa solução, se possível, livraria a Filosofia da Educação das contradições atuais, eliminando o atomismo das teorizações pessoais que tanto se apóiam em métodos filosóficos quanto em métodos científicos ou simples técnicas de pesquisa.

Esta busca da unidade pode parecer um desejo de volta, em termos psicanalíticos, à homogeneidade religiosa a que nos referimos no início. A educação, à maneira do Positivismo comteano, encontraria assim um meio de negar a sua natureza problemática para adormecer de novo no seio das certezas tradicionais. Mas o exemplo medieval a que já aludimos bastaria para mostrar-nos a irreversibilidade do processo evolutivo. Assim como na Idade Média o império religioso desenvolveu-se em plano racional e crítico, elaborando a autonomia mais completa do pensamento que eclodiria na Renascença, assim também a volta à unidade, no presente, não seria um simples retrocesso, mas um reajuste dialético. Poderíamos apelar para o princípio marxista da negação para explicar este aspecto do problema.

Não resta dúvida que a unidade metodológica é uma tentativa de superação de problemas, mas não de anulação da natureza problemática do processo educativo, o que seria impossível. Essa busca, como já vimos, existe na Filosofia Geral, como existia nas Ciências. Busca-se não apenas a unidade metodológica nesses dois campos, mas também a unidade conceptual, como vemos na obra de Einstein. E se o objetivo do conhecimento é a reconstrução do Universo pela síntese após a análise, essa busca não é a conseqüência de um complexo inconsciente, mas um imperativo do próprio desenvolvimento cultural.

No caso da educação, superar a situação conflitiva do presente para encontrar um plano de unidade equivalerá realmente a reconstruir a homogeneidade religiosa, porque o destino do homem, segundo Hubert, “consiste em ser espírito”, e o fim da educação, segundo Kerchensteiner, é “a criação de um ser espiritual”. Entretanto, não se trata da colocação do problema nos termos da antiga metafísica religiosa e sim nos da moderna ontologia. O espírito, nessa nova homogeneidade religiosa, é uma entidade cultural acessível às indagações do pensamento científico e filosófico. Murphy já o disse na introdução do seu estudo sobre as origens da religião, que citamos acima: “O homem é o produto da evolução, tanto no seu corpo quanto no seu espírito”. Assim, para usarmos uma expressão de Tagore, “a religião do homem” seria a nova homogeneidade em que a educação poderia reconstruir-se, não mais na base ingênua de certezas tradicionais, mas na base dinâmica da expansão do conhecimento em busca de novas dimensões do espírito.


Educação e religião


O problema do aparecimento e desenvolvimento da escola leiga, do laicismo pedagógico, tem sua fonte em três grandes equívocos que felizmente estão agora em fase de extinção. Vejamo-los:

1.º - O equívoco do Materialismo, que na verdade só apareceu de maneira clara, perfeitamente definida, na época moderna. Tudo quanto se considera como materialismo na Antiguidade só entra nessa classificação de maneira forçada. Foi o desenvolvimento das Ciências que permitiu uma fundamentação positiva para o Materialismo e conseqüentemente a sua formulação filosófica. Desde então surgiu o conflito Ciência versus Religião. Os homens cultos e os espíritos fortes opuseram-se ao ensino da Religião nas escolas por considerá-lo determinante de retrocessos culturais.

Nesse caso, o equívoco do Materialismo estava certo, porque o ensino religioso e o seu predomínio na Educação eram também um perigoso e lamentável equívoco, de vez que as religiões se equivocavam no tocante a pontos fundamentais do Conhecimento. O laicismo tinha por finalidade garantir uma educação liberta de superstições e preconceitos que as religiões semeavam e estimulavam no espírito dos educandos.

2.º - O equívoco do Espiritualismo, que partindo de premissas certas, na base das Revelações antigas, desenvolveu-se em várias formas de falsos silogismos, chegando a conclusões erradas na elaboração de suas teologias, teogonias e dogmáticas. Esse equívoco, traduzido violentamente no sectarismo das Igrejas foi à razão fundamental da luta entre Ciência e Religião. O sectarismo violento queria apossar-se de tudo, a começar pela criança, que desde os primeiros rudimentos de compreensão devia ser absorvida por ele. Daí o domínio da escola, de que até hoje não desistiu, porque através dela o sectarismo pretende moldar a mentalidade das gerações.

3.º - O equívoco da Filosofia, que através da Gnosiologia, da Teoria do Conhecimento, acabou referendando os dois equívocos acima, particularmente a partir do criticismo kantiano, que delimitou o campo do Conhecimento possível, relegando para o impossível – e portanto fora do alcance científico – os problemas espirituais. A separação entre Ciência e Religião foi então oficializada no plano cultural. Se o homem só podia conhecer através da Ciência pelo uso da Razão, não havia motivo algum que justificasse nas escolas a disciplina religiosa. A escola se tornava instrumento da Ciência. A Religião devia restringir-se ao âmbito familial e ser ministrada nas igrejas.

Temos nesse quadro, segundo me parece, o esquema geral do nascimento da Escola Leiga. Os homens de cultura tinham dois motivos bastante fortes para rejeitar a Religião na escola. De um lado, ela não podia oferecer dados positivos e, portanto verdadeiros sobre o que pretendia ensinar. De outro lado o seu ensino contrariava a Ciência, prejudicando a formação cultural dos alunos, e, além disso, criava e estimulava desentendimentos entre os homens, pelas pretensões exclusivistas do sectarismo. Longe de religar, ela na verdade desligava e gerava conflitos insensatos, sempre extremamente violentos porque baseados no fanatismo.


Situação atual


As campanhas pela escola laica abalaram o mundo e conseguiram vitórias parciais muito importantes. Apesar disso, o sectarismo religioso não desistiu e não desistirá jamais das suas pretensões, pois não há nada mais insistente do que o fanatismo, mormente quando aliado a interesses materiais. Não obstante, a situação atual no campo do conhecimento já traz em si mesma a solução para esse velho problema. Basta que os homens responsáveis encarem o assunto a sério e procurem resolvê-lo no interesse superior das coletividades, sem prejuízo para os sectarismos religiosos nem para os defensores da independência cultural.

Procuremos encarar a situação atual nos três campos acima especificados, vendo como seriam solucionados os impasses seculares a respeito:

1.º - O materialismo perdeu, com a rápida evolução dos conhecimentos científicos nestes últimos anos, os seus elementos de sustentação no campo da Razão. O próprio conceito de matéria, tanto no Materialismo mecanicista do passado quanto no Materialismo dialético de hoje, perdeu a sua substância. Além da descoberta de que a matéria é simples condensação de energia, temos agora o grande passo da física na descoberta da antimatéria. Numa verdadeira ação de pinça, as Ciências Físicas de um lado e as Ciências Psicológicas de outro, através das pesquisas nucleares e parapsicológicas, demonstraram positivamente a existência de outras dimensões do Universo e, portanto das coisas e dos seres. Já se pode falar cientificamente no Outro Mundo, sem qualquer implicação religiosa, em bases puramente científicas, pois se admite em face de provas de laboratório a existência do mundo da antimatéria. Na Parapsicologia a tese vitoriosa é a da existência do extrafísico no próprio homem, demonstrando a possibilidade científica da sobrevivência após a morte. E para coroar essa conquista do invisível os cientistas soviéticos acabaram de descobrir o corpo bioplástico do homem, um corpo de forma humana e de natureza energética, visível através da Câmara Kirlian de fotografia com adaptação de lentes óticas. Está rompida a barreira kantiana entre o conhecimento positivo e o chamado conhecimento sobrenatural. Não há sobrenatural: a Natureza continua em outras dimensões, que já estão sendo incorporadas ao conhecimento racional e sujeitas à pesquisa científica.

2.º - O Espiritualismo, até mesmo no seio das igrejas mais sólidas e tradicionais, modificou-se e continua a modificar-se profundamente, ameaçado nas suas fortalezas antiquadas pelo avanço dos conhecimentos. Há um acelerado processo de transformação nas Igrejas, que já atingiu a própria essência de várias delas obrigando-as a modificar não só a sistemática tradicional dos cultos, mas também a sua Teologia. O caso Theilhard de Chardin na Igreja Católica e o caso das Novas Teologias nas Igrejas da Reforma e suas constelações de satélites são suficientes para mostrar a profundidade da revolução havida e cujo processo continua a se desenrolar. É verdade que o sectarismo fanático e retrógrado procura reagir, mas é evidente que os seus estertores são tipicamente agônicos. O fanatismo obscurantista não tem mais nenhuma possibilidade de manter o seu domínio nos povos.

3.º - A Filosofia está francamente de volta às suas raízes espiritualistas, à sua verdadeira tradição, pois ela sempre foi um campo de cogitação sobre os problemas do espírito. Passado o surto de sarampo intelectual do Existencialismo ateu de Sartre, que punha a sua ênfase na existência e aniquilava o Ser, vemo-la de volta, ainda convalescentes, aos braços do misticismo alemão renascido em Heidegger, com a afirmação enfática do Ser como único objeto real da cogitação filosófica. Por outro lado, a Filosofia se impôs de novo como o elemento fundamental e aglutinador do Conhecimento, com sua plana capacidade de restabelecer a unidade do Saber, até agora dividido em regiões indevidamente antípodas.

Assim a situação atual se revela inteiramente favorável à solução do impasse educacional criado pelo fanatismo religioso. Científica e filosoficamente já se reconhece que a Religião é uma das províncias principais do conhecimento. As pesquisas antropológicas, sociológicas e etnológicas, apoiadas nos dados arqueológicos e na investigação psicológica e parapsicológica, demonstraram de sobejo que o homem não é apenas o animal político de Aristóteles, mas também e, sobretudo o ser religioso de Arnold Toynbee, cujas construções mais grandiosas têm sempre como esteio o seu substrato fideísta.

O ecumenismo católico, embora não tenha o poder que só o desprendimento, o desapego dos bens terrenos lhe poderia dar, nem por isso deixa de ser um sinal dos tempos, uma prova de que a conciliação das crenças se impõe ao mundo religioso como uma exigência da nova situação. Como acentuou Garaudy, passamos da era do anátema à era do diálogo. A Religião tenta superar o fanatismo e o pragmatismo sectário que a haviam desfigurado. Ventos novos estão soprando na atmosfera poluída do planeta e devemos esperar que a renovem, afastando e extinguindo os elementos de poluição.


Religião nas escolas


Ao lado de todos esses eventos auspiciosos devemos assinalar o desenvolvimento das pesquisas e dos estudos universitários sobre a Religião abrangendo todos os aspectos do problema. Há um conceito novo de fé, uma nova interpretação dos fatos religiosos. A contribuição espírita – que impregnou, consciente ou inconscientemente a obra de Chardin e dos renovadores da Teologia em geral, já faz sentir a sua ação benéfica por toda parte. O próprio Espiritismo começa a ser compreendido – e pelos próprios adeptos – não mais como uma nova seita destinada a substituir as anteriores, mas como aquela forma de síntese do Conhecimento de que nos falaram Kardec, Léon Denis e Sir Oliver Lodge, entre outros.

Tudo isso facilita a compreensão de que não podemos ter Educação sem Religião, de que o sonho da Educação Laica não passou de resposta aos grandes equívocos do passado a que acima me referi. O laicismo foi apenas um elemento histórico, inegavelmente necessário, mas que agora tem de ser substituído por um novo elemento. E qual seria essa novidade? Não, certamente, o restabelecimento das formas arcaicas e anacrônicas do ensino religioso sectário nas escolas. Isso seria um retrocesso e, portanto uma negação de todas as grandes conquistas que vimos na apreciação da situação atual.

Reconhecendo que a Religião corresponde a uma exigência natural da condição humana e a uma exigência da consciência humana, e que pertence de maneira irrevogável ao campo do Conhecimento, devemos reconduzi-la à escola, mas desprovida da roupagem imprópria do sectarismo. Temos de introduzir nos currículos escolares, em todos os graus de ensino, a disciplina Religião ao lado da Ciência e da Filosofia. Sua necessidade é inegável, pois sem atender aos reclamos do transcendente no homem não atingiremos aos objetivos da Paidéia grega: a educação completa do ser para o desenvolvimento integral e harmoniosa de todas as suas possibilidades.

Façamos agora justiça a Kant, que acima ficou um tanto prejudicado por sua posição agnóstica. Lembremos que, fiel aos rigores metodológicos da sua investigação, ele teve de separar o falso do real dentro das condições do saber do seu tempo. Nem por isso, entretanto, deixou de reconhecer a legitimidade dos impulsos afetivos do homem, e na Crítica do Juízo abriu perspectivas para a compreensão que hoje atingimos. Nele encontramos a idéia de Deus reconhecida como o supremo conceito que é dado à criatura humana formular, pois que essa idéia suprema representa uma síntese do Todo. E nele encontramos também a definição de Educação como desenvolvimento no homem de toda a sua perfectibilidade possível.

O próprio Kant, portanto, que respondeu pelo divisionismo do campo do Conhecimento, pode agora responder pela sua reunificação. E é realmente o que acontece, no momento, graças à corrente neokantiana da Filosofia contemporânea, onde deparamos com a Pedagogia renovadora de Kerchensteiner e Rena Hubert aquele na Alemanha e este na França, pregando uma Educação que tem por fundamento a Filosofia do Espírito. Nessa forma nova de Educação a Religião comparece, não como um ensino dogmático e sectário, mas como uma resposta às exigências conscienciais do homem, esclarecendo-lhe os problemas da existência de Deus, da natureza espiritual das criaturas e da sua destinação transcendente. Não é o padre, nem o pastor, nem o rabi, nem a catequista que vão dirigir a cadeira, mas o professor especializado no assunto, tratando dos problemas religiosos como se trata dos filosóficos e dos científicos.

De posse dos dados fornecidos pela disciplina escolar o educando decidirá por si mesmo, de acordo com a sua vocação, as suas tendências e preferências, o setor religioso em que se localizará, se for o caso. Mas poderá também se apoiar nesses dados para o desenvolvimento da sua própria religião, da sua posição pessoal – pois como demonstrou Bergson, comprovando Pestalozzi, existe a religião dinâmica individual que não se cristaliza em estruturas sociais.

Alegarão certamente os sectários que essa forma de ensino religioso livre e optativo (compreenda-se bem: optativo no sentido de facultar ao educando escolher ou não uma religião, mas obrigatório nos currículos escolares) equivale ao laicismo vigente. Porque o sectário só entende por religião válida a que ele professa. Aconteceria o mesmo no campo da Filosofia se um professor fanático entendesse que só a escola filosófica de sua preferência devesse ser ensinada. Mas os espíritos arejados, abertos compreenderão a importância do ensino religioso como disciplina universitária nos cursos superiores e como matéria didática de informação geral no primário e no secundário.

Os programas incluirão, nesse caso, os dados objetivos da Origem e História das Religiões, da Filosofia da Religião, da Sociologia e da Psicologia da Religião, dentro do objetivo de formação cultural do aluno. Claro que no curso primário o programa seria adequado, tratando da existência de Deus, de seu poder criador e mantenedor do Universo, do sentimento religioso que a sua existência desperta nas criaturas, das relações entre Deus e o homem, da função das religiões na vida humana, da importância dos valores religiosos para a formação da personalidade e assim por diante. No secundário já se poderia, além do necessário desenvolvimento maior desses temas, incluir elementos de História das Religiões, das provas da sobrevivência do homem após a morte, das relações entre o mundo visível e o mundo invisível, da função pragmática das religiões e assim por diante.

Dessa maneira a Educação não seria parcial, voltada apenas para os problemas imediatos da vida, mas forneceria elementos racionais para a formação espiritual do educando. E por isso mesmo não seria também religiosa no sentido estreito e superado do sectarismo ainda hoje dominante. Essa providencia me parece urgente, pois estamos, como já vimos, às portas de uma civilização espiritualista e não podemos continuar educando as crianças e os jovens nos moldes obsoletos do passado. Educação sem religião é atualmente absurda, como absurda é também a educação materialista que continuamos a aplicar.