Irmão X
Conta-se que existiu um cristão inteligente e sincero,
de convicções forte e maneiras francas, que, onde estivesse, atento às
letras evangélicas, não deixava de semear a palavra do Senhor.
Excelente conversador, ocupava a tribuna com êxito
invariável. As imagens felizes fluíam-lhe dos lábios quais arabescos
maravilhosos de som. Ensinava sempre, conduzia com lógica, aconselhava com
acerto, espalhava tesouros verbais. No entanto, reconhecia-se
incompreendido de toda gente.
Em verdade, no fundo, exaltava o amor; todavia, acima
de tudo, queria ser amado. Salientava os benefícios da cooperação;
contudo, estimava a colaboração alheia, sentindo-se diminuído quando as
situações lhe reclamavam concurso fraterno. Sorria, contente, ao receber o
titulo de orientador; entretanto, dificilmente sabia utilizar o titulo de
irmão. Habituara-se, por isso, ao patriarcado absorvente criado pelos
homens na imitação do patriarcado libertador de Deus.
Com a passagem do tempo, todavia, suas palavras
perderam o brilho. Faltava-lhe a claridade interior que somente a
integração com Jesus pode proporcionar.
Servo caprichoso e rígido, insulou-se no estudo das
letras sagradas e buscou situar-se nos símbolos da Boa Nova, descobrindo
para ele mesmo a posição do semeador incompreendido.
As estações correram sucessivas e a luz de cada dia
encontrou-o sempre sozinho e distante...
Dizia-se enfastiado das criaturas. Semeara entre elas,
afirmava triste, as melhores noções da vida, recebendo, em troca, a
ingratidão e o abandono. Sentia-se ausente de sua época, desajustado entre
os companheiros e descrente do mundo. E porque não desejava contrariar a
si mesmo, retirara-se das atividades sociais, a fim de aguardar a morte.
Efetivamente, o anjo libertador, decorrido algum tempo,
veio subtraí-lo ao corpo físico.
Estranho, agora, durante muitos anos. Mantinha-se
apagada a lâmpada de seu coração. Não possuía suficiente luz para
identificar os caminhos novos ou para ser visto pelos emissários celestes.
O inteligente instrutor, por fim, valeu-se da prece.
Afinal, fora sincero em seus pontos de vista e leal a si próprio. E tanto
movimentou os recursos da oração que o Senhor, ouvindo-lhe as suplicas bem
urdidas, desceu em pessoa aos círculos penumbrosos.
Sentindo-se agraciado, o infeliz alinhou frases
preciosas que Jesus anotava em silencio.
Depois de longa exposição verbal do aprendiz, perguntou
o Mestre, amável:
- Que missão desempenhaste entre os homens?
O interpelado fixou o gesto de quem sofre o golpe da
injustiça e esclareceu:
- Senhor, minha tarefa foi semelhante à daquele
semeador de tua parábola. Gastei varias dezenas de anos, espalhando tuas
lições na Terra. No entanto, não fui bem-sucedido no ministério. As
sementes que espargi a mancheias sempre caíram em terra sáfara. Quando não
eram eliminadas pelas pedras do orgulho, apareciam monstros da vaidade,
destruindo-as, surgiam espinhos da insensatez sufocando-as, crescia o lodo
do mal, anulando-me o serviço. Nunca fugi ao esforço de oferecer teus
ensinamentos com abundância. Atirei-os aos quatro cantos do mundo, através
da tribuna privada ou da praça livre. Todavia, meu salário tem sido o
pessimismo e a derrota...
Jesus fitava-o, condoído. E porque os lábios divinos
nada respondessem, o aprendiz acentuou:
- Portanto, é imperioso reconhecer que te observei as
advertências... Fui sincero contigo e fiel a mim mesmo...
Verificando-se novo intervalo, disse o Senhor com
imperturbável serenidade:
- Se atiraste tantas semente a esmo, que fazias do
solo? Acreditas que o Supremo Criador conferiu eternidade ao pântano e ao
espinheiro? Que dizer do lavrador que planta desordenadamente, que não
retira as pedras do campo, nem socorre o brejo infeliz? É fácil espalhar
sementes porque os principais sublimes da vida procedem originariamente da
Providencia Divina. A preparação do solo, porém, exige cooperação direta
do servo disposto a contribuir com o próprio suor. Que fizeste em favor
dos corações que converteste em terra de tua semeadura? Esperavas, acaso
que o logo lodacento te procurasse as mãos para ser drenado, que as pedras
te rogassem remoção, que os carrascais te pedissem corrigenda?
Permaneceria a sementeira fora do plano educativo estabelecido pelo Pai
Eterno para o Universo inteiro?
Ante nova pausa que se fizera, o crente, desapontado,
objetou:
- Contudo, tua parábola não se refere aos nossos
deveres para com o solo...
- Oh! – tornou Jesus, complacente – estará o mestre
obrigado a resolver os problemas dos discípulos? Não me reportei a Vinha
do Mundo, à charrua do esforço, ao trigo da verdade e ao joio da mentira?
Não expliquei que o maior no Reino dos Céus será sempre aquele que se
transformou em servo de todos? Não comentei, muitas vezes, as necessidades
do serviço?
O ex-instrutor silenciou em pranto convulso.
O Senhor, todavia, afagou-lhe pacientemente a fronte e
recomendou:
- Volta, meu amigo, ao campo do trabalho terrestre e
não te esqueças do solo, antes de semear. Cada coração respira em clima
diferente. Enquanto muitos permanecem na zona fria da ignorância outros se
demoram na esfera tórrida das paixões desvairadas. Volta e vive com eles,
amparando a cada um, segundo as suas necessidades. Aduba a sementeira do
bem, de conformidade com as exigências de cada região. Esse ministério
abençoado reclama renuncia e sacrifício. Atendendo aos outros, ajustarás a
ti mesmo. Por enquanto, és apenas o semeador incompleto. Espargiste as
sementes, mas não consultaste as necessidade de chão. Cada gleba tem as
suas dificuldades, os seus problemas e percalços diversos. Vai e, antes de
tudo, distribuí o adubo da fraternidade e do entendimento.
Nesse instante, o ex-pregador da verdade sentiu-se
impelido por vento forte. A lei do renascimento arrebatava-o às esferas
mais baixas, onde, novamente internado na carne, trabalharia, não para ser
compreendido, mas para compreender.
Livro:
Pontos e Contos
Psicografia Francisco Cândido Xavier - Pelo espírito: Irmão
X