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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Criminalidade


Deolindo Amorim (espírito)
O aumento da criminalidade nos dias atuais, em proporções verdadeiramente alarmantes, podemos dizer no mundo inteiro, está provocando muito interesse pela Criminologia, que era a bem dizer uma ciência circunscrita ao domínio dos especialistas. Principalmente depois da II Guerra Mundial, com maior explosão da violência, ora na forma primária de eliminação brutal, ora com requintes de perversidade friamente calculada, a preocupação como crime tomou-se um estado de espírito generalizado, porque todos estão inquietos, para não dizer amedrontados. Não é um problema apenas dos grandes centros urbanos, pois também há violência e crime nas zonas rurais e menos populosas.
Mas a incidência é maior e mais freqüente nas cidades de população mais concentrada, onde é mais forte a confluência de fatores predisponentes. E nenhum sistema de vigilância e defesa da pessoa humana consegue conter a impetuosidade do crime. Estamos diante de verdadeiro fenômeno de patologia social, sob este ponto de vista. A sociedade tem o seu lado bom, nas manifestações de pureza, dignidade, amor ao próximo, mas tem as suas doenças, como nos organismos biológicos. E a criminalidade é uma dessas doenças.
Justamente por causa das dolorosas circunstâncias em que se encontra a sociedade, a Criminologia deixou de ser simples disciplina acadêmica, então configurada nos círculos mais restritos de estudos, e passou a ser, na realidade, um campo aberto a vários tipos de inquirições e reflexões sérias.
E quem é, no momento, que não está querendo as luzes de uma ciência que seja capaz de oferecer soluções, ou, pelo menos, explicar as causas da criminalidade, que é um problema absorvente? Mas a Criminologia, justamente por ser uma ciência, e toda ciência há de passar por um processo de evolução, não pode indicar uma receita única nem consagrar uma fórmula geral e definitiva. Entre os especialistas, há muita discussão, notadamente quanto às causas. Seja como for, ela está em seu grande momento. Até mesmo no ângulo da cultura geral, que é o mais comum, suas elucidações atualmente se fazem muito necessárias.
Aliás, como nenhuma outra ciência, a Criminologia não é em tudo por tudo autônoma, como se fosse uma ilha sem comunicação. Tem, ela, necessariamente, relações com diversos ramos do conhecimento científico. Com o Direito antes de tudo, não apenas no campo penal, mas na própria estrutura jurídica, porque estuda um fenômeno que ameaça o equilíbrio social. Com a Endocrinologia, ao mesmo tempo, porque o estudo das glândulas está cada vez mais associado à etiologia criminal. O psiquismo, além do componente espiritual que existe na personalidade humana, com sua bagagem reencarnatório, depende da tiróide e das glândulas sexuais, como é sabido, daí a síntese de Nicola Pende: A beleza - harmonia das formas ; A saúde - harmonia das funções; A bondade - harmonia dos sentimentos; A sabedoria - harmonia da inteligência.
Como vínhamos dizendo, a Criminologia tem relações com a Psiquiatria porque fere diretamente o aspecto patológico da criminalidade. Com a Psicologia, porque o estudo da delinqüência tem muito o que ver com a repercussão dos distúrbios glandulares no psiquismo e, portanto, na definição da personalidade doentia. Com a Sociologia, porque não se pode interpretar o fenômeno da criminalidade com abstração do meio social e das influências concorrentes na sociedade. Com a Antropologia, em suma, porque os padrões de cultura, com os seus valores, atualmente estão sendo levados muito em conta nas reações contundentes.
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Não se pode ter uma visão única do problema criminal.
Os próprios mestres no assunto, pelo que se lê, estão divididos quanto aos fatores determinantes. Enquanto os autores que se fixam muito na Endocrinologia atribuem às glândulas uma força preponderante na delinqüência, dando a impressão de que o indivíduo levado ao crime é um joguete de seu sistema endócrino e, portanto, irresponsável, desde que determinada glândula não esteja funcionando bem, os partidários da explicação social já entendem que a força determinante está nas pressões do meio em que vive. Neste caso, é o meio social, e não os distúrbios glandulares que deve ser responsabilizado pelo caldo gerador da criminalidade. Outras opiniões existem encarando o problema pelo lado patológico capitulando o criminoso entre os doentes...
Se é verdade que nenhuma explicação daria, por si só, a chave da interpretação certa, não deixa de ser verdade, entretanto, que em todas elas, pelo menos em síntese, há observações válidas e, por isso mesmo, não podem ser desprezadas na consideração global do problema.
Que o organismo tem muita influência no comportamento, não há dúvida, pois a experiência cotidiana está aí, apresentando casos e mais casos. A desordem do mecanismo de certa glândula pode determinar atitudes irrefletidas e violentas. Quando há um órgão doente, poucos, relativamente, são os indivíduos que são capazes de controlar seus impulsos ou medir as conseqüências de seus arrebatamentos ou de suas depressões. Não é sem motivo que o jargão corrente fala em indivíduos de "maus bofes"...
Dizem os entendidos que o fígado é responsável por muitos desatinos e destemperos de linguagem. Entendamos que ainda não chegamos a analisar o tema sob a ática espírita.
Faremos isto mais adiante. O caso é que há muita correspondência entre o psíquico e o orgânico. Nem é preciso recorrer a tratados de Psicologia ou de Fisiologia para saber disto. Os casos estão na experiência comum.
Na avaliação, porém, dos fatores sociais, que são atualmente dos mais sensíveis, está bem claro que a miséria (não propriamente a pobreza) concorre intensamente para a criminalidade. E a miséria material predispõe à miséria moral.
Uma criatura faminta, abandonada e desesperada, revoltada contra tudo e contra todos, não tem condições de discernir em relação a princípios morais. Guia-se pelo instinto de sobrevivência, mas cegamente, disposta a enfrentar todos os riscos. Têm razão, portanto, devemos reconhecer sensatamente, os que enfocam muito a força dos fatores sociais na criminalidade. Como, porém, o ser humano é muito complexo, e cada criatura é um mundo próprio e desconhecido, naturalmente nenhuma posição interpretativa deve ser tomada em sentido absoluto ou integral, ao que nos parece.
Dentro do quadro social, por exemplo, ao lado da miséria, que aumenta espantosamente ( ! ), há outros elementos que também devem pesar bastante na conjuntura.
Um deles, constantemente proclamado, é a ignorância, e, com efeito, até certo ponto ela, a ignorância, contribui muito para o aumento de atos violentos. Mas o crime não é fruto exclusivo da ignorância. Quantos crimes, e crimes tenebrosos, estão ocorrendo constantemente entre elementos de países considerados "altamente civilizados"?!...
Porventura são analfabetos todos os malfeitores que enchem as crônicas criminais em diversos países da América e da Europa, a despeito da cadeira-elétrica, e de outros meios repressivos de eliminação? Evidentemente - não ! Claro que se deve combater a ignorância, já que a instrução é uma das necessidades básicas da sociedade. Todavia, é indispensável erradicar, antes de tudo, as causas da criminalidade.
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É agora que entra a Doutrina Espírita.
Veja-se a questão 930 de O LIVRO DOS ESPÍRITOS:
"Numa sociedade organizada segundo a Lei do Cristo ninguém deve morrer de fome".
O que está faltando na civilização é, justamente a Mensagem do Cristo. Ataca-se muito a ignorância, mas é necessário observar e sentir o problema da criminalidade através de uma conjuntura, e não por um aspecto apenas. É muito importante abrir escolas, o primeiro empreendimento ou seja, o foco inicial de luz. Todavia, o simples preparo intelectual sem uma boa educação, sem uma formação moral capaz de penetrar a alma, sem amor, pode transformar-se em instrumento perigoso, se o homem não souber fazer bom uso do que aprende. Assim, o caso não é instruir, apenas, porque a instrução é um meio, não é o fim em si. O caso é educar, acima de tudo. Como já se disse muitas vezes, a instrução informa ao passo que a educação forma.
Nesta linha de idéias, podemos fazer uma verificação muito expressiva. O pensamento da Doutrina Espírita sobre esses problemas, que estão atormentando a Humanidade atual, foi expresso há mais de cem anos e, nada obstante, retrata o que está acontecendo hoje. Leia-se o comentário de Allan Kardec à questão 685 do mesmo livro já citado, tocando exatamente no desemprego como fator de convulsão social.
Reproduzamos o texto do Codificador:
"Dizer que o homem deve trabalhar não é dizer tudo. É preciso que aquele que tira a subsistência de seu trabalho, encontre em que ocupar-se. E isto nem sempre se dá. Quando se generaliza a falta de trabalho, o caso toma as proporções de um flagelo, como a fome." E não é a dura realidade do momento? Mas o Codificador vai mais longe quando afirma, no mesmo trecho mais o seguinte: "A ciência econômica procura o remédio no equilíbrio entre a produção e o consumo. Mas este equilíbrio, admitido que se tomasse possível, terá sempre intermitência e durante os intervalos os trabalhadores devem viver. Há um elemento que não foi suficientemente considerado na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de teoria: a educação".
Educação puramente formal ou de verniz?
Obviamente que não. Por isso mesmo, Allan Kardec frisa bem o seu pensamento: "Não a educação intelectual, mas a educação moral; não a educação livresca, mas a que consiste na arte de formar caracteres, que dá hábitos. " Kardec próprio define a educação como sendo o conjunto de hábitos adquiridos.
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Apesar da grande contribuição dos tratadistas, cada vez mais preocupados com as causas e a expansão da criminalidade no mundo, embora entre eles haja interpretações divergentes, não podemos perder de vista a orientação básica do ensino espírita. Já vimos que a Criminologia é uma ciência que se socorre ora do Direito, ora da Psiquiatria, da Psicologia, da Sociologia e assim por diante. A Psiquiatria, por exemplo, tem meios para revelar o quadro patológico dos indivíduos portadores de desequilíbrios, ainda que as aparências nem sempre denunciem anormalidades. Criminalidade e insanidade são termos muito próximos, tanto que esta última atenua a culpabilidade, pois o doente mental é um irresponsável.
Mas a Psicologia, embora ocupe uma área vizinha, tem outras lentes de análise, com as quais identifica certos delinqüentes como tipos recalcados ou frustrados, sempre inconformados e desajustados em qualquer grupo social.
Envenenados espiritualmente pelas frustrações ou pelo despeito, tais elementos podem provocar conflitos de conseqüências imprevisíveis por motivos pueris.
Há outras visões do problema. Os chamados crimes de honra, por exemplo, sob o pretexto de lavar a honra com sangue, embora tenham sido incentivados muitas vezes pelo irracionalismo de uma personalidade doentia - podem estar vinculados, ainda que remotamente, a três fatores conjugados, a saber: preconceito, declínio social e defeito de educação.
Muitas lutas de família, noutros tempos, tiveram como ponto de partida exatamente o empenho da honra! Nesta categoria, é bom acentuar, já foram catalogados muitos homens bem intelectualizados, e não apenas analfabetos.
Logo, o caso não é apenas de ignorância. Por causa de um preconceito enraizado (de cor ou de raça, de posição social também), quando é aceito e imposto pelo grupo, condiciona o indivíduo de tal maneira que ele é capaz de odiar, brigar e até matar alguém porque a alma está enceguecida. A noção de honra passada pelos valores do grupo social só admite uma única opção digna: a desforra física!
Assim, se a educação é falha ou convencional, porque calcada em discriminações preconceituosas ostensivas, temos aí um ponto de referência muito sensível para o estudo da criminalidade, cujas origens não podem ser procuradas apenas na Psiquiatria, nas faixas das doenças chamadas de "personalidades mórbidas". Os valores que o indivíduo cultiva, não raro através de uma herança social que passa de geração a geração, têm esses valores muita influência no comportamento. Isto porque, para não discrepar dos padrões do grupo ou das concepções dominantes na sociedade em que vive, muita gente agride na presunção de estar sendo fiel às idéias que lhe modelaram a personalidade pois sob essa predominância de idéias é que se elaborou todo o processo de sua educação. Desta maneira, conflitos fechados podem tornar-se abertos, criando incompatibilidades irreconciliáveis. Uma vez exacerbadas, qualquer motivo serve de estopim de uma explosão emocional. O conflito degenera em crime.
Mais uma vez se confirma, então, a visão realista de Allan Kardec, quando realça a importância da educação. Mas de uma educação que seja capaz de corrigir preconceitos e substituir velhas noções deformadas. O conceito de honra, distorcido por uma formação profundamente prejudicada por idéias preconceituosas, já provocou tragédias em ambientes desde os mais obscuros até nas camadas mais esclarecidas (pelo menos é o que se presume) da sociedade.
Quando, por outro lado, a educação mediante as informações atinentes à vida espiritual e aos valores morais consegue modificar este conceito e formar uma mentalidade nova, mais arejada, mais espiritualizada, naturalmente não será difícil compreender que ninguém lava a honra com sangue !... Embora honra seja um valor muito subjetivo, não deve ser entendida como o melindre que se sente ferido até mesmo por uma palavra inadvertida justamente por ser conceito alimentado de prevenções e de desconfianças artificiais. Não. Honra deve ser compreendida como dignidade, como nobreza espiritual, fora e muito acima das criações convencionais. Sendo assim, não pode ser lavada com sangue, como é previsto naqueles grupos sociais onde se admite ou mesmo se impõe o revide brutal.
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Se o meio social tem realmente influência em muitos conflitos sangrentos, há quem atribua ao meio natural, por sua vez, alguma participação no problema criminal, encarado no âmbito regional ou por contingências mesológicas ou ambientais de ordem local. O que se pretende por assim dizer é que as condições físicas (a terra, a paisagem, a topografia, etc.) de certo modo agravam as reações coletivas e individuais.
Nesta ordem de idéias, dá-se o clima, por exemplo, um quinhão de interferência nos ímpetos de agressividade, de impaciência, de rebeldia. Diz-se que a temperatura muito quente pode precipitar uma crise de conseqüências fatais, pois o calor altera o estado de espírito e a reflexão serena, segundo a hipótese aqui referida. Concomitantemente, a teoria do determinismo geográfico, teoria que, aliás, chegou a formar escola e teve ilustres adeptos, condiciona muito o caráter de certos movimentos à configuração do terreno. Se há entrechoques surpreendentes sob o calor intenso, também há conflitos tremendos sob estação fria. Há quem mate por causa da fome, tanto faz na planície quanto na montanha, no inverno ou na primavera. Há quem mate de ódio ou de medo...
E quantos já se desviaram apenas pelo desejo de se tomarem famosos ou aparecerem nos jornais! É o reflexo de um psiquismo primário. (...) Justamente por ser um desvio da normalidade, conjugado a causas muito complexas, a criminalidade é um desafio não somente ao Estado e aos especialistas, mas a todos quantos pensam seriamente na melhoria do homem, seja qual for o plano social ou intelectual em que se encontre.
A ótica, porém, não pode ser a mesma em todas as circunstâncias. E antes de terminar nossas considerações com a luz da Doutrina Espírita clareando o nosso entendimento, de passagem lembraríamos ainda algumas sugestões clássicas, já bastante discutidas. Senão, vejamos ainda:
Se alguns interpretam a tendência maléfica da hereditariedade por via do equipamento genético, outros (como César Lombroso na famosa teoria do criminoso nato) acreditavam na conformação craniana. Neste particular, a Doutrina Espírita é de uma clareza insofismável quando nos ensina que os pais transmitem uma contribuição de traços e de elementos plasmadores da organização morfológica (cor da pele, tipo de cabelos, formato do nariz, cor dos olhos, etc.). Nelas os pais não transmitem nunca as qualidades espirituais nem os compromissos pretéritos.
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A Doutrina Espírita fornece-nos valiosos subsídios para a compreensão da criminalidade. Vejamos que subsídios são estes: a) no cômputo geral dos fatores desta problemática tão atual em nossos dias, o ser humano sofre, até certo ponto, a influência do corpo e, por isso, as reações e atitudes muitas vezes têm relações estreitas com distúrbios e deficiências físicas; b) o ser humano absorve ao mesmo tempo influências diversas, e não apenas glandulares, pois nele se polarizam reflexos do meio físico, do meio social, do acervo cultural, assim como da educação e da crença religiosa; c) sendo o ser humano, porém, um ser reencarnado, com personalidade, com compromissos e experiências próprias, pois os Espíritos são desiguais, é natural que cada qual reaja de um modo e, por isso mesmo, nem todos cedem passiva e facilmente a influências do organismo ou do ambiente.
Com esta perspectiva, diante dos textos espíritas, não podemos atribuir aos fatores orgânicos e ambientais uma influência determinante ou inevitável em todos os casos. Não. Há influências, sim, pois os elementos internos e externos interagem no envolvimento da criatura humana. Mas a predominância desses elementos nas atitudes depende muito da situação espiritual. E se assim não fosse, teríamos de negar, forçosamente, o livre-arbítrio.
Se, de fato, há criaturas que são como que jogadas pelo temperamento e pelas injunções do meio em que vivem, como se fossem robôs, muitas outras, contrariamente, embora tenham doenças incuráveis, ou defeitos que não possam ser corrigidos, conseguem superar as deficiências e dominar os nervos, como se diz na linguagem coloquial. Há o determinismo da contenção física ou emocional, sim, porém o livre-arbítrio também existe no fato de o paciente não ceder, não se deixar arrebatar.
Onde está, conseqüentemente, a causa da diferença de reações naqueles que vivem nos mesmos meios e trazem no corpo os mesmos problemas?
Pela lógica da reencarnação, a diferença está na desigualdade dos Espíritos. Os Espíritos reencarnam em situações diversas: provas, missões, expiações... É certo que o organismo exerce influência no Espírito, mas a influência é recíproca. Quanto mais se desenvolve o Espírito, moral e
intelectualmente, menos forte será a ação da matéria em suas inclinações. Este ponto aparece muito bem explanado em O LIVRO DOS ESPÍRITOS, questão 367 e seguintes. O determinismo, portanto, é relativo, assim como o livre-arbítrio. Mas não se excluem. Demais, não há fatalidade naquilo que diz respeito aos atos morais, como também aprendemos em O LIVRO DOS ESPÍRITOS na questão 861.
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(...) Se, realmente, os fatores orgânicos, emocionais, ambientais ou mesológicos, onde se enquadram também os sociais, se estes fatores estão associados a certas atitudes violentas, convém notar, por outro lado, que a educação, a fé esclarecida, o bom exemplo, o tratamento afetivo contornam muitos problemas e neutralizam o ódio e a revolta. Quando a criatura humana é despertada ou encontra a sua estrada de Damasco - modifica-se profundamente. A fera humana, dominada pelo desespero ou pelo instinto sanguinário, pode transformar-se no homem cordato e prestante, se for bem orientado em relação à vida espiritual e à Justiça Divina. A Mensagem do Cristo penetra nas almas mais rudes, como nos corações mais endurecidos. A sugestão muito insistente pode desviar muita gente do bom caminho e abrir um abismo para os crimes; mas também a sugestão caridosa, dirigida no sentido de fazer o Bem, é uma força poderosa e, por isso mesmo, capaz de contrabalançar os efeitos da sugestão ruinosa.
(...) Os diagnósticos sociais ainda não se interessam pelo argumento reencarnacionista, mas também não explicam satisfatoriamente as antipatias e aversões entre irmãos, entre pais e filhos, entre colegas, etc. Por que se repelem irmãos do mesmo sangue? Se, afinal, não houve neste mundo, motivo para este ódio, qual a causa? Herança? Avaria de alguma glândula? Estrutura cerebral? Não há explicação fisiológica porque é problema inerente ao espírito. São criaturas rivais, de outras existências, agora reencarnadas sob o mesmo teto para o necessário reajustamento. As antipatias podem levar à luta e ao crime, mas podem ser desfeitas pela mudança de idéias, quando cada qual cai em si e toma a disposição de apagar a "mancha" do passado. O progresso há de vir, mais cedo ou mais tarde...
A supremacia do Espírito, ao estancar os assomos de agressividade, é uma prova de que o homem não é um autômato. A lição de Hahnemann (o fundador da Homeopatia) em comunicação dada em 1863 e constante do livro O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, capítulo IX, n° l0, acerca da cólera, vem ajustar-se inteiramente ao nosso raciocínio de que o corpo e o Espírito se relacionam muito nas atitudes da criatura humana.
"Indubitavelmente - diz Hahnemann - temperamentos há que se prestam mais que outros a atos violentos, como há músculos mais flexíveis, que se prestam melhor aos atos de força. Não acrediteis, porém, que aí reside a causa primordial da cólera. " E continua: "um Espírito pacífico, ainda que num corpo bilioso, será sempre pacífico; um Espírito violento, mesmo que num corpo linfático, não será brando..." Vale a pena repetir o que este Espírito ensina na mensagem citada:
"O corpo não dá cólera àquele que não a tem, do mesmo modo que não dá os outros vícios. Todas as virtudes e todos os vícios são inerentes ao Espírito. A não ser assim, onde estariam o mérito e a responsabilidade? O homem deformado não pode tomar-se direito, porque o Espírito nenhuma parte tem nisso. Mas pode modificar o que é do Espírito, quando o quer com vontade firme." Se o homem não tivesse possibilidades de se corrigir, ou de vencer a cólera, o desânimo, a degradação moral, não haveria a lei do progresso, como arremata Hahnemann.
É certo que em muitos casos a obsessão incute idéias perniciosas ou lança sementes de ódio ou de desconfiança.
Quando, porém, a vítima é bem preparada pelo esclarecimento e pela educação espiritual, ela encontra forças, em si mesma, para reagir às sugestões inferiores.
Convém destacar que o esforço empregado em penitenciárias e favelas, junto a elementos considerados marginais, presta um auxílio considerável à sociedade, exatamente porque é um trabalho de educação e reforma interior. Muitos contraventores e criminosos foram regenerados em prisões e até na vadiagem pela ação educativa e pela suavidade da mensagem espírita, mensagem que reergue e reconduz à normalidade sem imposição, sem o temor de castigos, mas pela clareza e pela exemplificação do amor ao próximo. Muitos caíram ou se deixaram devorar pelos vícios ou foram esbarrar nas grades da prisão justamente porque não conheciam o Cristo. Sem qualquer preocupação de proselitismo, a assistência espírita se reanima cada vez mais na palavra do Cristo, principalmente aos doentes da alma.
Temos aqui, para terminar, um dos mais edificantes exemplos da ação espírita no campo criminal. É um documento que deve ficar na história do Espiritismo no Brasil. O jornal A Flama Espírita, de Uberaba (Minas), publicou uma carta do Dr. Wandyr de Assis, Promotor da Justiça da cidade de Prata, também Minas (jornal de 21/10/ 8 li na qual a autoridade judiciária agradece a eficiente e zelosa colaboração dos espíritos junto aos detentos na Cadeia Pública.
É uma carta escrita em termos tais, que nos comovem pela beleza do depoimento e pela relevância dos fatos relatados. A carta do Promotor é dirigida ao Grupo Espírita "Corações Unidos", daquela cidade mineira. Afirma ele, com toda franqueza, que já verificou resultados surpreendentes na recuperação de presas, encaminhando-os ao bom caminho, mediante uma pregação sistemática e profícua. A declaração, como estamos vendo, é de uma autoridade, que reconhece os beneficias prestados pela assistência espírita na Cadeia.
Em expressões repassadas de nobreza espiritual, apesar de sua condição de católico romano praticante, o Promotor Wandyr de Assis realça o trabalho espírita e toma como exemplo de regeneração o seguinte caso: Será ainda lembrado o nosso amigo Célio de Oliveira, homem devotado ao crime, incorrigível cidadão, que sempre se colocou diante dos guardas e pedia para ser surrado, pois era indomável. Indiciado em mais de cem delitos, entretanto, após algumas leituras do Evangelho e ouvir os elucidários deste maravilhoso Grupo, deixara para trás o embrutecimento de suas atitudes, para encontrar a paz o carinho e a vida social.
Deixou a cadeia para se tornar realmente um homem de bem.
Sente-se muita inspiração cristã nas palavras do Dr. Wandyr de Assis. Grande trabalho, portanto, realizado com zelo, dedicação e perseverança. Mais uma prova de que a Doutrina Espírita educa e reforma.
(Pelo espírito Deolindo Amorim – em Violências, Pena de Morte e outros Dramas de Celso Martins)

Não resistais ao que vos fizer mal


Artigo extraído do livro "O Sermão da Montanha" - FEB - 7ª Edição - 6/1989.

A ocupação da Palestina, naquele tempo, ensejava constantes motivos de irritação para os judeus.
É que ali, como em todas as regiões que havia conquistado, a soldadesca romana impunha aos vencidos uma dependência odiosa e intolerável, tantas as humilhações e os vexames por que os faziam passar.
Era comum, por exemplo, um oficial romano dirigir-se de um ponto a outro da Judéia ou da Galiléia e, nessas viagens, obrigar os camponeses judeus que trabalhavam no campo a interromperem seus afazeres para carregar-lhe pesados fardos.
Da mesma sorte, quem saísse de casa com um destino qualquer, nunca poderia ter a certeza de que chegaria ao local desejado, pois, se lhe acontecesse encontrar pelo caminho algum representante das autoridades dominantes, poderia ser obrigado a retroceder ou a mudar completamente de direção, para prestar qualquer serviço que lhe fosse exigido.
Tentasse alguém reagir contra essas arbitrariedades e conheceria logo o preço de sua ousadia: o sarcasmo e crueldades inomináveis.
É de calcular-se, portanto, a amargura com que os judeus tinham de curvar-se em homenagem às bandeiras romanas, sempre que as viam passar conduzidas pelas tropas de César, e com que ardor aguardavam o dia em que pudessem sacudir o jugo do opressor.

***
Achava-se Jesus ensinando ao povo, nas cercanias de uma cidade que era sede de uma guarnição romana, quando a vista de uma companhia de soldados fez que seus ouvintes evocassem a lembrança do infortúnio que pesava sobre o povo israelita.
O Mestre relanceou o olhar pelos que o circundavam e, em suas faces, viu estampado, de forma indisfarçável, o ensaio de vingança que se aninhava em cada coração.
Percebendo que todos o fitavam ansiosamente, esperando fosse ele Aquele que houvesse de lhes dar o poder, a fim de esmagarem seus dominadores, contristou-se, pois bem diferente era a sua missão, e, retomando a palavra, disse-lhes com brandura:
“Tendes ouvido o que foi dito: olho por olho e dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao que vos fizer mal. Se alguém te ferir na face direita, oferece-lhe também a outra; ao que quer demandar contigo em juízo, para tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa; e se qualquer te obrigar a caminhar com ele mil passos, vai com ele ainda mais outros dois mil”. (Mateus, 5:38-41).
Expressando-se dessa maneira, é claro que Jesus não estava a endossar as violências com que a tirania militar da época acostumara-se a supliciar os subjugados. Longe disso.
O que ele quis ensinar nessa oportunidade, como, aliás, o fez durante toda a sua vida terrestre, foi que, malgrado a regra estatuída por Moisés – “olho por olho e dente por dente”, a Lei do Amor que viera revelar proibia terminantemente as desforras, as vinditas, não sendo lícito a ninguém vingar-se a si mesmo.
Unicamente a Deus pertence punir, assim os indivíduos como as nações que transgridam os mandamentos de Sua lei. Melhor do que nós, sabe Ele como obrigar os que erram a corrigir o erro cometido contra os semelhantes.
A oportunidade e a importância desses princípios estabelecidos pelo Mestre incomparável ressaltam ainda hoje. Fosse permitido a cada qual fazer justiça por suas próprias mãos, agindo ao sabor de sua vontade pessoal, e a vida em sociedade seria muito difícil, tais os desmandos e excessos que se verificariam.
Talvez se indague: pessoalmente, teve o Cristo ocasião de exemplificar tão sublime ensinamento?
Sim! Foi oprimido e não teve uma expressão de revolta; cuspiram-lhe na face e não revidou o ultraje; teve as costas lanhadas, sem malquerer os que o feriam, e, através dos séculos, chega até nós, da cruz do Calvário, a oração que proferiu por aqueles que lhe davam a morte: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!”.

Pelos seus frutos os conhecereis


Artigo extraído do livro "O Sermão da Montanha" - FEB - 7ª Edição - 6/1989.

“Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes. Pelos seus frutos os conhecereis. Porventura os homens colhem uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos? Assim, toda árvore boa dá bons frutos, e a má árvore dá maus frutos. Não pode a árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar bons frutos. Toda árvore que não dá bom fruto será cortada e metida no fogo. Assim, pois, pelos frutos deles os conhecereis”. (Mateus, 7:15-20).
Que se deve entender por profeta?
Em sentido restrito, profeta é aquele que adivinha, prevê ou prediz o futuro.
No Evangelho, entretanto, esse termo tem significação mais extensa, aplicando-se a todos os enviados de Deus com a missão de edificarem os homens nas coisas espirituais, mesmo que não façam profecias.
Cada uma das centenas de religiões denominacionais em que se fragmentou o primitivo Cristianismo, ao fazer a exegese do texto acima, classifica como “falsos profetas” quantos esposem e ensinem doutrinas diferentes da sua, suposta a única verdadeira e a única com poderes de salvação.
É um erro, pois o Mestre nos diz claramente que a distinção entre os autênticos e os falsos profetas deve fundamentar-se, não propriamente naquilo que propaguem, mas na observância ou não dos princípios que aconselhem.
Destarte, falsos profetas são os que, em toda e qualquer facção religiosa, apenas se limitam a pregar boas normas de conduta, sem exercitá-la no trato com seus irmãos; são os que invocam constantemente o santo nome de Deus, com palavras melífluas, mas na realidade são servis adoradores de Mamon; são os que fingem ser mansos, humildes e caridosos, mas que, no íntimo, são o reverso do que aparentam.
Quem esteja, efetivamente, a serviço de elevada missão, quem seja mesmo um enviado de Deus, não precisará apregoá-lo para ser acreditado como tal; dar-se-á a conhecer “pelos seus frutos”, isto é, impor-se-á pela excelência das virtudes que exemplifique, pelos atos de altruísmo que pratique.
Os espíritas, mais que quaisquer outros, têm sido apontados como falsos profetas, e até mesmo anticristos, por rejeitarem certos dogmas engendrados pela Teologia tradicional.
Aplique-se-lhes, porém, o método de aferição preconizado pelo Mestre, e ver-se-á que, conquanto possa existir entre eles, como de fato existem, alguns “lobos camuflados com pele de ovelha”, sua influência na sociedade tem sido benéfica e salutar, não só pela gigantesca obra assistencial que realizam em favor da infância desvalida, da velhice desamparada, dos enfermos, enfim, dos desgraçados de todos os matizes, como também pelo esforço que empreendem no sentido do auto-aperfeiçoamento, buscando, cada qual, pela noção que tem de sua responsabilidade pessoal, tornar-se um cidadão útil a si próprio, à família, à pátria e à Humanidade.
Ora, “não podendo a árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar bons frutos”, se os frutos produzidos pelos espíritas são de boa espécie, segue-se que eles não são demônios nem endemoninhados, mas filhos de Deus, tão dignos de respeito e consideração quanto os demais.
Portanto, ao invés de tacharmo-nos uns aos outros de falsos profetas, por motivo de divergência religiosa, tratemos, todos, de operar o bem, para não termos a mesma sorte das árvores estéreis que, um dia, serão cortadas e lançadas ao fogo.
Se não dermos bons frutos, poderemos, ao se fechar o presente ciclo evolutivo da Terra, ser banidos para um mundo inferior e, ali, provarmos o fogo depurador das mais tristes e dolorosas expiações.

A Teoria do Subconsciente e as Aquisições Anteriores


Artigo publicado na Revista Internacional de Espiritismo - Abril de 1925

Há quase três quartos de século o Espiritismo apresentou-se no mundo com um corpo filosófico e religioso, erguido sobre as bases sólidas de seus fatos incontestes.
Logo após as primeiras manifestações dos Espíritos, sofreram os seus fenômenos a repulsa do espírito de negação, pois, parecia impossível às gentes, quer da ciência, quer da religião, que o homem, depois de morto, pudesse aparecer e se comunicar com os vivos.
A luta foi grande, mas o negativismo teve de descer de sua cadeira de mestre, e ficou estabelecido, por um acordo unânime, que os FATOS, de fato, eram reais, verídicos, como a água que bebemos, como o ar que aspiramos, como o sol que nos ilumina.
Mas as idéias enraizadas costumam ter longa duração e, embora houvessem aceitado os fatos, tais como eles se nos apresentam, a sua causa, entretanto, as inteligências que as produziam, foram postas à margem, e surgiram diversas teorias para explicar os maravilhosos fenômenos que vinham nos dar a prova patente da Imortalidade da alma.
Católicos e Protestantes proclamaram a teoria diabólica, como única capaz de explicar os fenômenos.
Teosofistas e Ocultistas, num vôo de imaginação, conceberam a teoria gnômica, que consiste nos pseudognomos, duendes, fadas e diabretes, que julgavam viverem em roda de nós. E, como estas, outras tantas teorias irrisórias e decrépitas foram constituídas causantes dos fenômenos que avassalavam o mundo todo. Afinal, alguns materialistas, aferrados ao seu saduceismo, deliberaram criar a teoria da dupla personalidade aliada à do ser coletivo, invocando como justificativa à ousada hipótese, a inconsciência dos assistentes às sessões, e a subconsciência do médium.
Esta hipótese consiste no seguinte: “um fluido especial se desprende do médium, combina-se com o fluido das pessoas presentes para constituir um personagem novo, temporário, independente em certa proporção, para produzir os fenômenos conhecidos”. Noutro caso: o médium se desdobra em múltiplas personalidades, auxiliado pelo pensamento inconsciente dos assistentes, e produz fenômenos muito acima da sua capacidade intelectual.
Esta doutrina, tal como a tem concebido vários teoristas da velha guarda, para explicar os fenômenos espíritas e anímicos, é a prova da mais refinada insensatez dos homens da nossa época.
Como se pode conceber que fluidos nervosos e cerebrais, resultantes do trabalho molecular, constituam um ser que raciocina, que age, que sabe, ainda mais que todos os presentes à sessão, produzindo fenômenos que ninguém em seu estado normal o é capaz de fazer! Que falta de critério é essa, que menosprezo à lógica, à razão!
Dizem, porém, os adeptos dessa teoria, que em vista da produção dos fenômenos conscientes de um lado, e inconscientes de outro, observados nas experiências psíquicas a que assistiram, não podem eles compreender a causa desses fenômenos por outra maneira!
E o que são fenômenos do subconsciente senão a relação de fatos ou de conhecimentos que se achavam adormecidos e despertam na memória, devido a um estado particular da alma?
O fato de estarem esquecidos, serem lembrados e depois se apagarem novamente da memória normal autoriza, porventura, a criação de outra personalidade a quem se quer dar a autoria do fenômeno?
Se assim fosse, mesmo na existência terrestre, neste curto lapso de tempo que passamos no mundo, não representaríamos uma única individualidade, mas muitas, visto como diversos fatos, mesmo os de grande importância, ocorridos durante a vida atual se conservam esquecidos até da “memória física”, e, quando são lembrados, voltam logo após ao “inconsciente fisiológico”.
Não parece racional que o homem seja um conjunto de almas produzidas pelo trabalho molecular do corpo, e que se manifestam, ora uma, ora outra, quando a tensão arterial ou nervosa assim o exige.
O que é mais racional e lógico é que sendo o homem um Espírito encarnado num corpo, tem de reagir contra esse desequilíbrio para relembrar fatos, e reger o seu “escafandro” de forma tal que os conhecimentos adquiridos anteriormente, em dada ocasião, possam transparecer, embora lhe seja preciso diminuir a tensão arterial ou nervosa, como acontece nos casos de sonambulismo natural ou provocado.
Não há “personalidade dupla”; uma só é a personalidade, cuja ação se faz sentir de acordo com a necessidade de momento.
O Eu psíquico existe independente do corpo, como demonstram os fenômenos de animismo; e existia antes do corpo, assim como sobreviverá ao aniquilamento deste, como provam os fatos espíritas.
Cada vida terrestre é um cenário, onde o espírito desempenha o papel que lhe é peculiar e, mais ou menos, de acordo com as resoluções tomadas anteriormente.
Alguém comparou este mundo a um teatro e cada indivíduo a um ator em pleno desempenho do papel que aceitou no drama que se desenrola no mundo. Quando a alma volta à vida normal, que é a Espiritual, é como o ator que fora do palco volta à vida ordinária.
Em cada existência terrestre, o Espírito conquista um conhecimento e todas as cenas que observou gravam-se-lhe na alma, de modo que em sua vida extraterrestre, ou extracorpórea, ele pode ter lembrança nítida de tudo, assim como é senhor dos conhecimentos que adquiriu. É assim que se verificam nos sonâmbulos, fenômenos interessantes de mais elevado alcance que o indivíduo no estado de vigília não poderia produzir.
O Espírito não é, pois, um ser simples que só tem o que adquiriu na existência terrestre em que vive.
O Espírito é um ser complexo, portador de muitas faculdades que conquistou através das encarnações neste e noutros mundos, assim como na vida livre do Espaço. O fim da vida da alma não é o fim da vida terrestre; esta não representa mais que uma floresta da Vida, que a alma atravessa. Foi, com certeza, justificando esta verdade, que Jesus, inquirido por Nicodemus sobre os “milagres” que produzia, e referindo-se às múltiplas existências terrestres que atravessamos, disse “o vento sopra onde quer, ouvis a sua voz, mas não sabeis donde ele vem, nem para onde vai, assim é o nascido de espírito”.
As “personalidades”, que os sábios dizem nascer do “subliminal”, do “subconsciente”, não são, portanto, “personalidades”, são aquisições de conhecimentos, de luzes, de virtudes, de faculdades feitas no percurso da existência integral, durante o caminho percorrido, do nascimento ao momento em que nos achamos. Não são candeias que aparecem, são luzes que jazem latentes, não são causadas pelo esforço neuro-cerebral, mas sim expansões da alma, não são fontes novas que fazem jorrar água, mas sim caudais de uma mesma fonte que é o próprio Espírito, ou para melhor dizer – o nosso próprio Eu.

"Fiat lux"


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

“A terra era vã e vazia; e as trevas cobriam a face do abismo... E disse, então, Deus: Faça-se a luz; e a luz foi feita”. Gênesis, 1:2 e 3.

Assim como era a Terra no principio, assim é hoje, espiritualmente, a sua sociedade, em que pese à presunção dos super-homens que a dirigem e orientam. As trevas envolvem a mente e os corações. No seio da Humanidade verifica-se a predominância daqueles dois traços que assinalaram os tempos primitivos; tudo é vão e vazio.

Os magnos problemas sociais são ventilados através dos séculos e dos milênios. Sobre cada um deles avoluma-se uma avalancha de teorias e opiniões eivadas do personalismo dos seus respectivos autores. Muito se discute e muito se controverte. Nada obstante, os referidos problemas continuam insolúveis. A enfermidade e a dor, sob seus multiformes aspectos, continuam a todos flagelando. A miséria, o vício e o crime se alastram e se multiplicam como vivo protesto à decantada civilização hodierna. A guerra cruenta, impiedosa e bárbara prossegue seu curso, como outrora, na sua faina devastadora, espalhando a morte e a desolação por quase toda a face do planeta. O direito brutal da força predomina sobre a força serena do direito. A materialidade reinante abafa o surto de espiritualismo onde quer que o mesmo ouse levantar o seu brado de protesto ou de alarme. As trevas cobrem a face do abismo!
Urge que, de novo, o divino Verbo profira a excelsa sentença através dos arautos celestes. Fiat lux! Sim, faça-se a luz, no íntimo das almas que habitam o orbe terráqueo. Somente mediante tal acontecimento se logrará reformar o mundo, substituindo-se os usos e costumes selvagens pelos hábitos e maneiras consentâneas com os precípuos postulados da verdadeira civilização. As providencias tomadas fora deste programa não passam de paliativos e remendos, com resultados muito relativos. Não será, jamais, com “fly-tox” que se extinguirão os mosquitos, mas sim com medidas higiênicas de saneamento do solo onde aqueles insetos encontram meio propício à sua proliferação. Enquanto as trevas cobrirem a face do abismo, a Terra continuará sendo o teatro de lutas fratricidas, ambiência propícia à eclosão do crime e do vício, da miséria e da enfermidade. Os homens têm curado de tudo que concerne à matéria, relegando o Espírito para plano secundário. Vestiram o corpo de púrpura e de linho finíssimo, deixando a alma esfarrapada, seminua, coberta de andrajos e molambos. Escolas que moralizem e instruam, educando o coração e o cérebro da nossa infância e da nossa juventude – eis a grande, a maior de todas as necessidades reclamadas pelo momento que atravessamos.
Se é triste, disse Victor Hugo, ver um corpo morrendo por falta de pão, mais triste ainda é ver uma alma estiolando por falta de luz.
Fiat lux! Dissipem-se as trevas que cobrem a face do abismo em que a materialidade do século precipitou o nosso orbe. Tudo o mais nos será dado de graça e por acréscimo.

As gerações futuras


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

As gerações futuras não serão diferentes da presente, com todos os seus defeitos e prejuízos de ordem moral, se não tratarmos da educação da infância e da juventude; dessa juventude que será a sociedade de amanhã.
Jesus disse que não põe remendo de pano novo em roupa velha, por isso que a rasgadura se tornará maior. E, igualmente, não se põe vinho novo em odres velhos, porque estes não resistem à sua fermentação, e se rompem.
É claro que o Excelso Mestre se refere, nesta alegoria, à natureza do ideal que propagava, do qual era a viva encarnação. Esse ideal novo, reformador, quase revolucionário, revestido pela Terceira Revelação, deve ser anunciado, de preferência à juventude, às crianças, porquanto estes elementos representam a terra virgem, aberta à boa sementeira. Semear no meio de abrolhos e semear em terreno isento de ervas daninhas hão de dar resultados bem diversos. As messes, de uma e de outra, dessas culturas, serão, por certo, distintas dizendo por si mesmas qual delas é a mais vantajosa.
E, meus amigos, até agora, não temos feito outra coisa senão semear no meio de cardos, remendar roupa velha com pano novo e deitar o vinho espumante da vindima espírita em odres carunchentos, incapazes de suportarem a sua fermentação.
Educar é salvar, é remir, é libertar; é desenvolver os poderes ocultos, mergulhados nas profundezas das nossas almas.
A diferença entre um sábio e um ignorante; entre o bom e o mau; o santo e o criminoso; o justo e o ímpio – nada mais é que o efeito da educação. Entre aquelas que edificam e aqueles que destroem; entre os que tiram a vida do seu próximo levando por toda parte a desolação e a ruína e aqueles que dão a vida própria a prol do bem da coletividade, verifica-se, apenas, uma dessemelhança: educação – na sua acepção verdadeira, que significa o harmônico desenvolvimento das faculdades espirituais. Os homens são todos iguais. A diferença entre eles não é de essência, mas de grau evolutivo determinado pela educação.
Conta-se que Licurgo, célebre orador ateniense, fora, certa ocasião, convidado para falar sobre a Educação. Aceitou o convite, sob a condição de lhe concederem três meses de prazo. Findo esse tempo, apresentou-se perante numerosa e seleta assembléia, que aguardava, ávida de curiosidade, a palavra do consagrado tribuno.
Licurgo apareceu, então, trazendo consigo dois cães e duas lebres. Soltou o primeiro mastim e uma das lebres. A cena foi chocante e bárbara. O cão avança furioso sobre a lebre e a despedaça. Soltou, em seguida, o segundo cachorro e a outra lebre. Aquele pôs-se a brincar com esta amistosamente. Ambos os animais corriam de um para outro lado, encontrando-se aqui e acolá para se afagarem mutuamente.
Ergue-se, então, Licurgo na tribuna e conclui, dirigindo-se ao seleto auditório:
“Eis aí o que é educação. O primeiro cão é da mesma raça e idade que o segundo. Foi tratado e alimentado em idênticas condições. A diferença entre eles, é que um foi educado, e o outro não”.
O objetivo máximo do Espiritismo é precisamente esse: educar para salvar. Iluminar o interior dos homens para libertar a Humanidade de todas as formas de selvajaria; de todas as modalidades de crueza e de impiedade; e de todas as atitudes e gestos de rivalidade feroz e deselegância moral. Esta conquista diz respeito ao sentimento, ao senso religioso, que os homens do século perderam, ou melhor, que jamais chegaram a possuir.

A criança asilada


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

Excerto de uma conferência proferida no “Colégio Piracicabano” durante a “Semana da Criança”.

O tema é bastante delicado. Criança asilada! Criança ao desamparo, ao léu, sem família, sem lar, sem pão! Ave implume sem o aconchego do ninho, sem os cuidados de uma proteção amiga e solícita reclamada pela precariedade das condições de quem não sabe e não pode dirigir-se por si; de quem se encontra desprovido dos meios de defesa pessoal e das possibilidades de prever e prover a manutenção própria! Eis, numa síntese ou mais ou menos lacônica, a amargura da soledade em que vegetam inúmeras crianças na sociedade aristocrática de uma civilização febril e voluptuosa, expressa nos arranha-céus, aviões, rádios e... Metralhadoras.

Falar na criança asilada é tocar no problema da orfandade, problema esse que, ao lado de outros de grande relevância, permanece insolúvel em nosso país.
Órfã, a nosso ver, não é precisamente a criança que perdeu os pais, ambos, ou um deles. Órfã é a criança sem lar, portanto, sem carinhos, pela qual não há quem se interesse, entregue aos azares dos imprevistos, estejam ou não contados no número dos chamados vivos os seus genitores.
É comum vermos, ao cair da noite, crianças maltrapilhas, desasseadas, cabelo em desalinho, sobraçando marmitas e latas amolgadas, pedindo, aqui e acolá, restos de comida, nacos de pão, etc. Dessas crianças, a maioria é órfã por viver completamente abandonada, perambulando pelas ruas e praças, a despeito de se achar em companhia dos pais. Estes, geralmente, exploram os filhos, permanecendo em casa à espera da colheita mais ou menos farta que as crianças conseguem fazer em sua cotidiana peregrinação. Todavia, não os condenamos por isso, antes os lamentamos; pois se trata de indivíduos ignorantes, destituídos do senso da vida, verdadeiros parias, órfãos, a seu turno, de vez que são outras tantas crianças, espiritualmente falando, desprotegidas e desamparadas dos cuidados requeridos pela sua condição.
A orfandade, como a mendicância, a invalidez, o analfabetismo, as endemias, o pauperismo, o vício e o crime são problemas sociais; ao Estado compete, como precípua e indeclinável obrigação, empregar os meios ao seu alcance para solucioná-los. O direito impõe deveres, quando não nasce do próprio dever, O Estado, usando, e até abusando do direito de intervir na vida do cidadão, tributando e condicionando sua atividade, retirando, por esse processo, uma quota daquilo que ele produz, está, por isso, no dever de acudir aos inválidos, aos incapazes, aos miseráveis, e, particularmente, às crianças que, não estando ainda em condições de produzir, constituem, todavia, presumíveis fatores do engrandecimento material e moral de uma nação; e, tanto mais lícito é esperar-se do seu porvir, quanto mais e melhor se haja feito, no presente, em prol da sua educação, sob todos os pontos de vista.
Pondo de parte as múltiplas e complexas questões sociais, consideremos apenas a da criança desvalida, pois que é precisamente o assunto que ora abordamos.
Os orfanatos e asilos resolverão o caso em apreço? Respondemos pela negativa, considerando que a orfandade se apresenta sob dois aspectos distintos: o material e o moral. O primeiro se reporta às exigências físicas da criança; o segundo respeita às suas necessidades psíquicas ou morais. Aquele atende ao corpo, este, ao Espírito.
Ora, os orfanatos podem satisfazer plenamente aos reclamos do físico; porém, nunca, aos do Espírito.
O regime que, por força das circunstâncias, vigora nesses estabelecimentos, regime mais ou menos semelhante ao dos quartéis, expressos nos uniformes, nos dormitórios em comum, na sineta que chama às refeições e determina a hora de se erguerem do leito, enfim, aquele conjunto de regras e regulamentos próprios de tais instituições, age sobre o moral das crianças como um ferrete avivando a sua lamentável condição de órfãs.
Os asilos não são nem podem ser para as crianças o que são as chocadeiras e as criadeiras para os pintos. Estes requerem somente certos cuidados com a alimentação, com a higiene e a temperatura do ambiente, onde se desenvolvem. As criadeiras, portanto, preenchem perfeitamente os fins a que se destinam. A vida humana, porém, é muito mais complexa; tem gamas e nuanças delicadas, que não podem ser esquecidas, sem que de tal olvido resultem sérios prejuízos.
Os asilos perpetuam, não extinguem a orfandade, condição esta que permanece na mente do asilado como estigma indelével. Mesmo depois de adulto, quando alguém se refere a ele, usa desta expressão: é aquele moço, órfão de tal asilo. Ou então: Fulano se casou com uma órfã do abrigo de tal localidade.
Por isso, salvo raras exceções que não infirmam a regra, a criança asilada é sempre tristonha, tímida e desconfiada. Cresce debaixo da dolorosa impressão de dependência, sabendo que vive da caridade pública, que não existem para ela os carinhos maternos e o zelo de um pai que vele pelo seu futuro e em cujo amparo possa confiar!
Certamente a criança não tem este raciocínio; mas, a despeito disso, sente o efeito inelutável da ausência daqueles fatores que tão grande influência exercem e exercerão em sua vida psíquica, confirmando plenamente o pensamento do poeta:

as almas infantis

são brancas como a neve,
são pérolas de leite
em urnas virginais;
tudo quanto se grava
e ali se escreve
cristaliza em seguida
e não se apaga mais.

E o que diremos de certos asilos que expõem os orfãozinhos, devidamente caracterizados, aos olhos do público, visando com isso inspirar compaixão? E quando fazem as próprias crianças estenderem as mãos aos óbolos obtidos por semelhante processo desumano e humilhante?

A infância é a época em que o ser reclama maiores desvelos e cuidados. Trata-se de lançar as bases de uma edificação cuja solidez, como sói acontecer a toda espécie de construção, depende dos alicerces.
A nosso ver, salvo melhor juízo, somente no seio da família, no lar bem organizado, encontramos o meio propicio, o terreno adequado para lançarmos o embasamento capaz de suportar a edificação dos caracteres que constituirão as individualidades mais ou menos acabadas.
Para a fome, alimento; para a sede, água; para a criança, o regaço materno, o lar doméstico. Só aí se depara o clima propicio á sua delicadeza, ao seu estado e condições especialíssimos.
Fora desse meio, ela poderá viver e crescer como certas plantinhas débeis entre as frinchas de uma rocha. Jamais, porém, logrará florescer e frutificar como as árvores que tiveram a ventura de nascer e crescer em solo aberto e franco, expostas aos raios benéficos do sol e às chuvas fecundantes do outono.
Mas, objetar-me-ão, talvez: Onde encontrar lares para todos os órfãos espalhados por este orbe?
A dificuldade não está na carestia de lares, mas na esterilidade dos corações. A orfandade é um dos crimes do egoísmo. Se distribuíssemos os órfãos todos deste mundo entre as famílias constituídas, não tocaria, talvez, uma criança para cada grupo de cinqüenta habitações. Na estreiteza de sentimentos é que não há lugar para resolver o velho e angustioso caso da orfandade. Os asilos, remediando o mal, constituem a prova eloqüente do reinado do egoísmo entre os homens. Só a perfilhação ou adoção encerra o remédio radical da criança desvalida. Quando ela encontrar alguém, a quem possa dar, espontaneamente, sem obedecer às injunções calculistas de terceiros, o doce nome de mãe, terá, então, arrancado para sempre de sua fronte infantil o negro véu da orfandade.
Existem, nos centros populosos, ricos solares, luxuosos palacetes e velinos artísticos, de rígidos estilos, em cujos recintos os cães de raça comem à mesa dos seus donos e dormem em leitos macios, resguardados da importunação das moscas, mas onde não resplende a graça evangélica de uma criança, onde não se escuta o sorriso nem se ouve o alvoroço daqueles que Jesus costumava reunir em torno de si, dizendo: Deixai vir a mim os pequeninos, porque deles é o reino dos céus.
Em compensação, nesses suntuosos lares, ouve-se, nas cavalariças, o relinchar de corcéis de puro-sangue, cobertos com mantas bordadas, e, no confortável canil, o ganido e o rosnar de nédios e luzidios mastins, trazendo ao pescoço finas coleiras, chapeadas de metal reluzente!
Não existem asas implumes sem ninho, ao abandono. As mesmas feras não deixam sem furna os seus cachorrinhos. Só na sociedade humana se encontram crianças ao desabrigo, vagando a esmo sem família e sem penates!
Será sempre assim o mundo? Acreditamos que não. A Evolução é lei incoercível. A natureza não dá saltos; porém, lentamente, tudo se vai modificando, tudo se vai transformando, e o Universo marcha para frente e para o alto. Cremos piamente na melhoria do nosso estado social. O relógio do progresso avança em seu movimento isócrono; e, quando interesses malsãos procurem retardar-lhe a caminhada, determinando desacordo com a posição do sol que ilumina a trajetória da Vida, dizem que o dono do relógio põe a mão no ponteiro e... acerta as horas.
É assim que se explica a queda da escravidão, do feudalismo, dos latifúndios, da inquisição, do absolutismo e de outras instituições iníquas. “Toda árvore que o Pai não plantou será arrancada”.
A melhoria da Humanidade está na razão direta da nova orientação que as mães de hoje possam dar aos seus filhos. E toda mulher é sempre mãe, seja qual for a sua idade e o seu estado civil. É da mulher que nascem as auroras de novos dias de esperança e de fé. Trabalhemos pela criança, melhorando as condições dos lares existentes e constituindo outros sob aspectos mais excelentes, que sejam verdadeiras retortas, onde se destilem as gotas do amor, desse amor que opera prodígios e realiza milagres.
Note-se, porém, o seguinte:
Não somos inimigos dos asilos. De maneira nenhuma pretendemos que se cerrem as suas portas. Queremos, sim, que o seu número – que reputamos demasiadamente limitado – se multiplique, se centuplique, de modo que o seio de cada família seja o refúgio da criança desamparada; que cada lar seja um abrigo franco aos menores desvalidos; que, finalmente, cada coração seja um asilo aberto, onde a orfandade se extingue, desaparecendo ao sopro divinal do amor.

A criança


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

Recordemos duas sentenças acerca da criança, proferidas pelo Profeta de Nazaré. Disse ele: “Deixai vir a mim os pequeninos; não os impeçais, porque deles é o reino dos céus”.
E mais: “Em verdade vos digo, que, se não vos fizerdes como as crianças, não entrareis no reino dos céus”.
A primeira destas duas assertivas não exprime tão somente uma expressão carinhosa, um gesto afetuoso, aliás, muito próprio do caráter e da personalidade do Divino Mestre; encerra também sabedoria, revelando o perfeito conhecimento das condições em que as crianças se encontram ao encetarem a sua entrada no seio da Humanidade, e, ao mesmo tempo, recorda e põe em destaque os compromissos daqueles que aqui as recebem, notadamente os pais e preceptores.
A criança – notemos bem – não é uma entidade recém-criada: é, apenas, recém-nascida, fenômeno este que se consuma em cada uma das vezes que o Espírito imortal reveste a indumentária carnal, permanecendo no plano terreno por tempo incerto, que pode ser mais ou menos dilatado.
Quando, pois, Jesus diz – deixai vir a mim os pequeninos – adverte-nos quanto à época propícia ao lançamento das bases educativas.
Não forçamos a interpretação. Jesus não é mestre? O mister que exerceu neste mundo, não foi ensinar a curar?
Portanto, encaminhar as crianças a ele, importa em educá-las segundo os preceitos de sua escola. Consideremos ainda o que Jesus afirmou de si mesmo: Eu sou a Verdade. Eu sou a luz do mundo.
Ora, o que é educar, no legítimo sentido da expressão, senão orientar o Espírito na aquisição parcial, porém progressiva, da Verdade? Dessa Verdade que é luz; dessa luz que é redenção? - na conformidade de mais esta frase elucidativa da missão do Verbo encarnado: Se permanecerdes nas minhas palavras, sereis realmente meus discípulos; e conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará?
Esquadrinhemos o quanto possível o pensamento do Mestre:
Após o – deixai vir a mim os pequeninos – ele acrescentou: Não os impeçais – isto, porque os discípulos pretenderam impedir que as crianças se aproximassem dele. Nós – nos dias de hoje, descurando da educação infantil – o que estamos fazendo senão impedir que as crianças se instruam e se iluminem conforme os preceitos da escola cristã?
Deixar de proporcionar à infância essa oportunidade, é contribuir para o seu extravio, quando está em nossas possibilidades conduzi-la àquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida.
Prosseguindo, consideremos a terceira parte da sentença ora comentada: porque delas – das crianças – é o reino dos céus.
A velha ortodoxia ensina que o reino dos céus lhes pertence porque elas são inocentes, e, assim, desencarnando nessa condição, vão integrar-se naquele reino.
Semelhante interpretação, porém, não procede; não resiste mesmo ao mais ligeiro sopro de raciocínio.
Senão vejamos: Onde o mérito da criança para obter o céu? Que fez ela digno de tamanha recompensa, considerando, sobretudo, o conceito desta frase, que foi enfaticamente proclamada por Jesus?!: A cada um será dado segundo as suas obras.
Se não é licito imputar culpa às crianças, também, de igual modo, não lhes podemos conceder merecimentos. A prevalecer aquele postulado, isto é, que a criança desencarnada vai para o céu, a melhor ventura, o maior bem que lhe poderia suceder, seria, por certo, a morte. Em tal hipótese deveriam desaparecer a Puericultura e a Pediatria como ciências heréticas, e levantar-se um monumento a Herodes I, o tetrarca, da Galiléia, porque tendo decretado a degola de milhares de crianças nascidas em Belém e suas cercanias, enviou ao reino dos céus grande falange de almas sem pecado. Tampouco teria fundamento os protestos da nossa imprensa chamando a atenção das autoridades para o vultoso número de crianças que sucumbem em nossa sociedade; antes, fariam jus, essas autoridades, a louvores, por estarem carreando essas levas sucessivas de inocentes para os tabernáculos eternos.
Semelhante erronia procede do desconhecimento da verdade a respeito da criança e das leis que regem e regulam a marcha evolutiva dos seres conscientes, e, por isso, responsáveis.
Sendo a criança que nasce um Espírito que se reencarna, a sua inocência resulta da ignorância do mal no decurso dos primeiros anos de cada existência. E, mais ainda, porque o novo aparelho, a matéria, em vias de desenvolvimento, obscurece a mente, constrangendo o Espírito dentro de limites acanhados, determinando um recomeço. Assim é necessário, pois é mediante essas reiniciações verificadas através das existências sucessivas que se processam as retificações que a alma imortal vai imprimindo na linha mais ou menos sinuosa de sua evolução.
Cada passagem pela Terra importa numa oportunidade, sendo que os sete anos iniciais são os mais adequados e propícios ao lançamento das bases educativas, segundo ensinam os nossos irmãos maiores, devendo, por isso, merecer dos pais e dos preceptores os mais atentos cuidados.
É após aquele período que o Espírito integra o seu aprisionamento na carne, sendo, portanto, a fase mais adequada às iniciações renovadoras.
A criança nessa época ignora os preconceitos de raça, nacionalidade, classe, credos e posição social. Elas são propensas a se confraternizarem. Se, por vezes, rixam e se hostilizam mutuamente, não guardam ressentimentos, pois jamais o sol se põe sem que se hajam reconciliado. Às contendas da manhã, sucedem, invariavelmente, as fraternas amistosidades da tarde.
É tão acentuada a naturalidade de suas atitudes, que, desconhecendo o direito de propriedade que vigora em nossa sociedade da maneira mais rigorosa, as crianças vão-se apossando de qualquer objeto ou brinquedo que encontram ao alcance e lhes desperta interesse, desfrutando o prazer de admirá-lo e dele se servirem como coisa sua.
Conforme verificamos, tanto no fato de não guardarem animosidade, como também no que respeita ao modo como encaram as utilidades da vida, as crianças dão lições aos homens, justificando estes dizeres do Divino Educador: se não vos fizerdes como as crianças não entrareis no reino de Deus.
Cada nova existência importa, pois, no retorno do aluno ao ciclo de aprendizagem, e ao centro de experiências renovadas. Desprezar tais oportunidades, deixando de orientar e conduzir as crianças – é crime de lesa-humanidade cometido pelos responsáveis, considerando que, dentre estes, nós, os espíritas, assumimos a parte mais acentuada dentro do critério desta luminosa sentença do Cristo de Deus: A quem muito foi dado, muito será exigido.
Pensemos, portanto, no problema da Educação, dando escola às crianças, pois do contrário estaremos falhando lamentavelmente ao cumprimento do mais imperioso dever que nos cabe desempenhar.

Kardec, o operariado e a educação


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

Allan Kardec, inteligentemente cognominado por Flammarion – o bom senso encarnado, comentando, em “O Livro dos Espíritos”, certos conceitos provindos do Mais Alto, a propósito do trabalho e do operariado, assim se exprime:
“ Não basta se diga ao homem que lhe corre o dever de trabalhar. É preciso que aquele que tem de prover à sua existência por meio do trabalho encontre em que se ocupar, o que nem sempre acontece. Quando se generaliza, a suspensão do trabalho assume as proporções de um flagelo, qual a miséria. A ciência econômica procura remédio para isso no equilíbrio entre a produção e o consumo. Mas, esse equilíbrio, dado seja possível estabelecer-se, sofrerá sempre intermitências, durante as quais não deixa o trabalhador de ter que viver. Há um elemento, que se não costuma fazer pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de simples teoria. Esse elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. Não nos referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Considerando-se a aluvião de indivíduos que todos os dias são lançados na torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues a seus próprios instintos, serão de espantar as conseqüências desastrosas que daí decorrem? Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem terá no mundo hábitos de ordem e de previdência para consigo mesmo e para com os seus, de respeito a tudo o que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar menos penosamente os maus dias inevitáveis. A desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação bem entendida pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o penhor da segurança de todos ”.
A falta daquele elemento insubstituível, a que alude o inolvidável codificador da Doutrina Espírita, há perto de um século, ainda perdura, lamentavelmente.
Tudo que se tem feito até aqui, a prol das classes obreiras, ressente-se de uma lacuna, sem cujo preenchimento de pouco proveito serão os benefícios que lhes pretendem outorgar as leis em vigor e outras mais que posteriormente se decretem em favor das mesmas. A omissão em apreço é aquela apontada por Kardec: a educação; não a educação intelectual isoladamente, mas a educação moral; não ainda essa moral espetaculosa que se reduz às aparências e exterioridades, interessando apenas os sentidos, porém a educação moral que forma e consolida caracteres; que, apelando para a razão e para o coração, cria personalidades, eleva o nível evolutivo e desperta no indivíduo o senso da dignidade própria e do valor pessoal, decorrentes da conduta e fruto legítimo dos seus atos no seio da família e da sociedade.
É disso que ainda não cogitaram os nossos legisladores. Se, porém, eles olvidarem essa medida de tanta relevância, cumpre aos espíritas lembrar-lhes a obrigação de fazê-lo, dando o exemplo dentro da esfera em que exercem suas atividades.
É certo que as leis trabalhistas, nascidas da evolução social que em todo o orbe se processa, são, em tese, necessárias e boas; porém, não é menos certo que às mesmas é imprescindível adicionar os processos educativos de cunho espiritual, uma vez que “Não só de pão viverá o homem”, segundo o sábio dizer do maior e do mais generoso dos amigos e defensores dos humildes – Jesus Cristo.
Não basta focalizarmos o analfabetismo como a nódoa vergonhosa de nossa decantada civilização. A decadência moral, a corrupção de costumes, a repetição cotidiana de crimes repugnantes e bárbaros, a desfaçatez e a impudência com que se tramam e se urdem as transações venais, em todos os setores, constituem, em seu conjunto, algo que enodoa, conspurca e macula mais o nome, a história e o conceito de um povo do que o analfabetismo.
O desenvolvimento da inteligência, desacompanhado da vigilância e orientação dos sentimentos, produz mais malefícios que proveitos, porque amplia e dilata as possibilidades de êxito na prática de velhacarias e vilezas, como na maneira astuta e sagaz de fugir às responsabilidades, iludindo as massas ingênuas e incautas. É ainda produto da inteligência impudente o forrar-se à obrigação de dar contas dos mandatos, seja na esfera pública, seja na particular, acoroçoando assim o regime da irresponsabilidade, cujas conseqüências funestas explicam a desordem e a indisciplina que, partindo das altas camadas, se derramam e se espraiam por todas as baixadas.
Não basta que acenemos às classes obreiras com certos direitos que até há pouco, criminosamente, não se lhes concedia; cumpre completar a obra da sua reabilitação, incutindo-lhes noções do dever, base e fundamento do direito natural e legitimo.
Do contrário, estaremos semeando em sua mente idéias desordenadas, subversivas e contraproducentes, cavando, ao mesmo tempo, profundo vale de separação entre aqueles de cujo mútuo entendimento e cooperação dependem a ordem e a prosperidade das nações.
É óbvio que o desequilíbrio entre o dever e o direito é responsável pela confusão e pelo desajustamento, que cada vez se manifestam mais acentuados em nosso meio.
Façamos obra cristã, e não demagógica, em beneficio dos nossos irmãos que manejam os músculos e os braços, visando em realidade o seu progresso, soerguendo-lhes o nível consciente do valor que enobrece, em todo sentido, máxime e particularmente no que concerne à formação do caráter, condição esta indispensável ao bom êxito em qualquer empreendimento humano; necessidade essa de que carecem tanto os dirigentes com os dirigidos, mais ainda os primeiros que os últimos, levando em consideração a maior soma de responsabilidade que lhes cabe.
Do menosprezo a tão grande problema resulta o estado lamentável de nossa sociedade, o que deu lugar às seguintes judiciosas considerações de Kardec, acima citadas.
Honremos e dignifiquemos a memória daquele que, tendo “olhos de ver”, soube deduzir de um simples e corriqueiro caso de tiptologia – tal como fez Newton observando a queda de uma maçã desprendida do caule -, a magnífica e esplêndida Doutrina Espírita, conjugando ciência, filosofia e religião, ou seja, todos os grandes ramos de especulações que absorvem a inteligência e o sentimento humano.
Rendamos-lhes a maior e a mais eficiente homenagem, a que condiz com aquele critério e aquele bom senso que sempre o distinguiu, fundando escolas que venham preencher a grande lacuna por ele apontada há mais de um século, lacuna que ainda persiste.
Esse, o monumento condigno que os espíritas devem erigir, num gesto de gratidão, em memória do amigo e assistente de João Henrique Pestalozzi, o inolvidável educador e consumado pedagogo de Zurique.
Educa e transformarás a irracionalidade em inteligência, a inteligência em humanidade e a humanidade em angelitude – diz Emmanuel.

Dever paterno


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

Duas verdades muito simples devem estar presentes na imaginação dos pais: De um saco vazio nada podemos tirar. De um terreno inculto, abandonado, nenhum bom grão podemos colher.
Estas duas asserções, banais em aparência, naturalmente servirão para lhes trazer à mente um fato de suma importância: a educação dos filhos.
Sim, se eles descurarem o cumprimento deste dever, chegará o dia em que debalde procurarão obter alguma coisa dos filhos. Estes lhes darão o que se pode tirar de um saco vazio ou aquilo que se pode colher de um terreno abandonado.
A autoridade paterna, elemento indispensável na orientação e direção da mocidade, não surge do vácuo nas ocasiões prementes das grandes necessidades, dos lances aflitivos em que ela é reclamada. Se essa autoridade existe, apresenta-se, impõe-se, age, luta e consegue. Se não existe, é escusado apelar-se para ela, no paroxismo de qualquer aflição. A autoridade paterna se desenvolve paulatinamente, como fruto da educação que os pais dão aos filhos, quando essa educação se funda na base sólida de exemplos dignos e elevados. Ela se desenvolve e frutifica como as plantas de valor. Pretendê-las num dado momento, como façanha de prestidigitador, é ilusão que nenhum pai sensato de alimentar.
Há exemplos, não contestados, de filhos bons e dignos, à revelia da influência doméstica, e outros que são maus, a despeito dos desvelos paternos; porém tais casos são exceções que não anulam a regra e, menos ainda, os deveres dos pais, no que concerne á formação do caráter de seus filhos.
Sabemos que nossos filhos são espíritos reencarnados, os quais semelhantemente ao vento, segundo disse Jesus, ninguém sabe donde vêm. É possível que sejam espíritos de sentimento e moral elevados; assim sendo, não nos darão maior trabalho: é a exceção. Caso contrário, como é de regra, trarão consigo defeitos, vícios e paixões, para cujo extermínio cumpre providenciarmos, empenhando todos os meios ao nosso alcance. E isto se obtém, ministrando a educação cristã, firmada sobre os alicerces de exemplificações acordes com aquela doutrina.
Educar é salvar. O Espiritismo é a religião da educação. Não há lugar para superstições, na trama urdida pelos postulados cristãos que o Espiritismo veio restaurar em toda a sua verdade.
Eduquemo-nos, pois, e eduquemos nossos filhos. Um mau chefe de família nunca pode ser um bom espírita.