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sábado, 5 de outubro de 2013

HONRAR PAI E MÃE


Emmanuel

        
Declara o mandamento expresso da Lei Antiga:
-  “Honrarás pai e mãe.”
E Jesus, mais tarde em complementação das verdades celestes, afirmou positivo:
-    “Eu não vim destruir a Lei”.
Entretanto, no decurso do apostolado divino, o Senhor chega a dizer:
-          “Aquele que não renunciar ao seu pai e à sua mãe não é digno de ser meu discípulo.”
Ao primeiro exame surge aparente desarmonia nos textos da lição.
Contudo, é preciso encarecer que Jesus não nos endossaria qualquer indiferença para com os benfeitores terrenos que nos ofertam a benção do santuário físico.
O Mestre exortava-nos simplesmente a desistir da exigência de sermos por eles lisonjeados ou mesmo comprometidos.
Prevenia-nos contra o narcisismo pelo qual, muitas vezes, no mundo, pretendemos converter nossos pais em satélites de nossos pontos de vista.
Devemos, sim, renunciar ao egoísmo de guardá-los por escravos de nossos caprichos, no cotidiano, a fim de que lhes possamos dignificar a presença, com a melhor devoção afetiva, perfumada de humildade pura e de carinho incessante.
Em tempo algum, pode um filho, por mais generoso, solver para com os pais a dívida de sacrifício e ternura a que se encontra empenhado.
A Terra não dispõe de recursos suficientes para resgatar os débitos do berço no qual retornamos em nome do Criador, para a regeneração ou elevação de nossos próprios destinos.
Lembra-te ainda do Mestre Incomparável confiando a divina guarda de sues dias ao apóstolo fiel, diante da cruz, e não te creias, em nome do Evangelho, exonerado da obrigação de honrar teus pais humanos, em todos os passos e caminhos do mundo, porque no devotamento incansável dos corações, que nos abrem na Terra as portas da vida, palpita, em verdade, o amor inconcebível do próprio Deus.

Espírito: Emmanuel  Psicografia: Francisco Cândido Xavier Livro: Família

DUPLA BENEFICÊNCIA


Emmanuel

A caridade, na forma externa, é suficientemente conhecida.
Toda organização assistencial é uma bênção de Deus, atenuando a penúria e o sofrimento onde surja.
Existe, porém, a beneficência mais íntima, que se comunica, de alma para alma, nas bases do silêncio e da compreensão.
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A caridade mais íntima socorre a pessoa em necessidade sem aparecer; fala-lhe aos recessos do espírito sem palavras articuladas; apoia-lhe a vida sem mostrar-se; e ilumina-lhe o coração, sem ofuscar-lhe o entendimento.
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Experimenta semelhante trabalho e observarás quanta alegria se te exteriorizará da existência.
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Se conheces a necessidade de alguém, não esperes que esse alguém se coloque de joelhos a suplicar-te favor e estender-lhe o auxílio de que possas dispor; na hipótese de te faltarem recursos para isso, encontrarás os meios de sugerir a companheiros outros para que o façam, sem que a tua influência se mostre.
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Quanto te convenças de que essa ou aquela criatura te requisita atenção para determinado assunto, ainda mesmo que disponhas de tempo escasso, podes dedicar-lhe alguns momentos, nos quais a tua palavra lhe signifique o apreço que te merece.
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Nos problemas de natureza familiar, descobrirás, sem dificuldade, a trilha mental, no instante justo, através da qual consigas transitar, restaurando a harmonia doméstica, sem esperar agradecimentos.
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Ante o amigo que se suponha em erro, saberás despertar-lhe as qualidades superiores que, porventura, estejam adormecidas, afastando-lhe os pensamentos de quaisquer sombras.
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Perante uma criatura querida que te haja desfechado essa ou aquela ofensa, reconhecerás que estará ela em momento difícil e que te cabe esquecer o contratempo havido, já que em lugar desse ou daquele ofensor, poderíamos estar nós com os desacertos e precipitações que ainda nos caracterizam.
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Não nos esqueçamos da beneficência externa que nos irmana uns aos outros, através da existência recíproca, nas experiências do cotidiano, mas atendamos à beneficência mais íntima, que ampara sem mostrar-se, erguendo sentimentos e levantando almas para a elevação de hoje, que perdurará nas alegrias do hoje e sempre.
 
 
Espírito: EMMANUEL Médium: Francisco Cândido Xavier Livro:"Convivência

TRABALHO E CRÍTICA


Emmanuel

Trabalho edificante em andamento no Plano Físico, onde se reúnem milhões de criaturas diferentes entre si, não se desenvolve sem críticas.
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A pancadaria verbal cercará os obreiros.
E explodem objurgatórias, tais quais estas:
- Por que tanta lentidão nos detalhes?
- É impossível não estejam vendo as falhas com que se mostram...
- Aquele cooperador é um desastre...
- Não se compreende uma realização assim tão elevada em mãos tão incompetentes.
- Não consigo colaborar com gente tão despreparada...
- Tudo cairá sobre a turma irresponsável!
- Estão todos errados...
- Aguardemos o fracasso final...
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Quando essas vozes se façam ouvir, não temas e prossegue trabalhando.
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Imperfeições todos temos e teremos, até que possamos alcançar o Plano Divino.
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Problemas evidenciam presença e colaboração.
Dificuldades trazem observações e observações justas geram insegurança.
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Deixa que a censura te vigie e segue adiante.
Apesar de nossos erros e acima de todas as nossas deficiências, a construção do Bem não nos pertence; essencialmente, pertence a Jesus que zelará por ela, em nome de Deus.
E sabemos que o trabalho de Jesus não pode e nem deve parar.
*
A vida não nos pede o impossível para que nos integremos nos mecanismos da caridade, extinguindo as provações que atormentam a Terra, mas, para que o mal desapareça, espera de cada um de nós essa ou aquela migalha do bem.
 
Espírito: EMMANUEL Médium: Francisco Cândido Xavier Livro:"Convivência

HUMANIZAÇÃO


Emmanuel

Hostilidade, aversão, desafeto, ressentimento: semelhantes palavras assinalam estados evolutivos nos quais se fixam, transitoriamente, milhões de criaturas.
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Os antagonismos entre as pessoas, na essência, expressam atritos, nos quais se lhe embatem as forças de envoltório, das quais, por fim, se desvencilham com o tempo, de modo a adquirirem os recursos de elevação que lhes patrocinam a transferência para as Esferas Superiores.
*
A imagem mais adequada ao esclarecimento do assunto, temo-la, mais particularmente, na atualidade, nos foguetes fabricados pelo homem, destinados à pesquisa do Espaço Cósmico.
À medida que alcançam as alturas, os engenhos dessa espécie se desfazem de cápsulas diversas, conquistando leveza e libertação para transitarem sem maiores empeços, à distância do centro de gravitação que os atrai.
Erguendo-se o Plano Físico por região, na qual ainda preponderam os impulsos animais de egoísmo e auto-defesa, quantos se liberam de semelhantes impedimentos se projetam nos altos domínios da compreensão, penetrando outros campos relacionados com a Cúpula do Universo.
Eis porque atingindo a própria humanização, a criatura deixa de conhecer adversários para encontrar unicamente irmãos em qualquer clima evolutivo.
*
Esforcemo-nos, assim, ao máximo, para entender acima de julgar e, pouco a pouco, o conceito de inimigos se nos afastará da mente, porquanto, ainda mesmo nos companheiros que se empenhem a ferir-nos, identificaremos candidatos ao remédio e à piedade e por eles trabalharemos a fim de que o bem nos favoreça, com a dedicação de quem se auxilia, auxiliando aos próprios irmãos.

Espírito: EMMANUEL Médium: Francisco Cândido Xavier Livro:"Convivência"-

CARIDADE E RELACIONAMENTO

Emmanuel

Lições professadas nas faculdades de ensino conferem às criaturas variadas titulações de competência.
Entretanto, embora se observe, na Terra de hoje o imperativo de se formarem valores acadêmicos, no que se refere à comunicação, é justo reconhecer que a ciência do relacionamento, nos acertos precisos, é prerrogativa de Jesus.
Foi na cátedra da caridade que ele, o Mestre Divino, lecionou todas as matérias necessárias à concórdia entre os homens, como sejam: o perdão das ofensas, a oração pelos perseguidores, o amparo aos necessitados, o socorro aos doentes, o bom-ânimo aos tristes e o apoio aos fracos e aos pequeninos.
*
Lembremo-nos disso e atendamos à compreensão para com os outros, a fim de que sejamos compreendidos.
Indaguemos de nós mesmos de quantos contratempos e desgostos nos livraríamos, se houvéssemos humanizado determinados gestos para com os nossos semelhantes e especialmente para com os mais íntimos participantes do nosso círculo doméstico nas horas de crise.
*
Os pais que censuramos, quando se desinteressam de nós; os filhos que se nos afastam da convivência, desconhecendo-nos o amor; os amigos que nos deixam embora as nossas súplicas para que não nos abandonem; os associados que não hesitaram, a nosso ver, em causar-nos prejuízos; os irmãos que nos sonegam apoio e que, segundo o nosso ponto de vista, estão em condições de nos atender... Em todas essas situações, a caridade está pronta a mostrar-nos que não nos cabe exigir-lhes, nem mesmo em se tratando dos entes mais queridos, o que não nos podem doar e que, em muitas ocasiões, não nos comportaríamos de maneira diferente, se estivéssemos no lugar deles.
*
Louvemos as conquistas da inteligência que patrocinam o progresso, nas frentes da cultura, mas ampliemos, quanto possível, a nossa idéia de caridade do amparo material ao campo espiritual propriamente considerado e reconheceremos que a beneficência, em nosso relacionamento recíproco, é a única luz suscetível de nos conduzir ao clima do amor e à vitória da paz.
 
 
Espírito: EMMANUEL Médium: Francisco Cândido Xavier Livro:"Convivência"-

SAI DE TI MESMO


Maria Dolores

Se carregas contigo o tempo atormentado
Sob tristeza e desencanto,
É natural te aflijas, entretanto,
Não te entregues ao luxo de chorar.
Sai de ti mesmo e escuta, em derredor,
Aqueles que se vão sem rumo certo,
Suportando no peito o coração deserto
Na penúria que mora entre a noite e o pesar.
                  
Não importa o que foste e o que sofreste
E nem a dor alheia, em mágoas mudas,
Procurará saber a crença em que te escudas,
Nem pergunta quem és...
Os que seguem no pó do sofrimento,
Vivendo de coragem, semi-morta,
Rogam-te auxílio à porta,
Rojando-se-te aos pés...
 
Desce da torre em que te vês somente
E escuta-lhes a história dolorida:
Esse chora sem lar, outro é quase suicida
Cansado de amargura e solidão;
Aquele envelheceu, sem alguém que o quisesse,
Outra é mãe desprezada, anêmica e sozinha,
Sombra que foi mulher, que respira e caminha,
Sabendo agradecer a fortuna de um pão.
 
Sai de ti mesmo e vem!... Esquece-te em serviço...
É Jesus que te chama ao bem que não se cansa,
Acharás, ao servir, renovada esperança,
Paz e fé, sob a luz de nobres cireneus!...
E sem horas a dar ao desalento e ao tédio,
Quando encontres a noite, cada dia,
Dirás ao Céu, em prece de alegria:
- Por tudo quanto tenho agradeço, meu Deus!...
 

Livro: “Caminhos do Amor” – Psicografia de Francisco Cândido Xavier – Espírito Maria Dolores

ERRE AUXILIANDO

André Luiz
 
Auxilie a todos para o bem.
Auxilie sem condições.
Ainda mesmo por despeito, auxilie sem descansar, na certeza de que, assim, muitas vezes, poderá você conquistar a cooperação dos próprios adversários.
Ainda mesmo por inveja, auxilie infatigavelmente, porque, desse modo, acabará você assimilando as qualidades nobres daqueles que respiram em Plano Superior.
Ainda mesmo por desfastio, auxilie espontaneamente aos que lhe cruzam a estrada, porque, dessa forma, livrar-se-á você dos pesadelos da hora inútil, surpreendendo, por fim, a bênção do trabalho e o templo da alegria.
Ainda mesmo por ostentação, auxilie a quem passa sob o jugo da necessidade e da dor, porque, nessa diretriz, atingirá você o grande entendimento, descobrindo as riquezas ocultas do amor e da humildade.
Ainda mesmo sob a pressão de grande constrangimento, auxilie sem repouso, porque, na tarefa do auxílio, receberá a colaboração natural dos outros, capaz de solve-lhe os problemas e extinguir-lhe as inibições.
Ainda mesmo sob o império da aversão, auxilie sempre, porque o serviço ao próximo dissolver-lhe-á todas as sombras, na generosa luz da compreensão e da simpatia.
Erre auxiliando.
Ainda mesmo nos espinheiros da mágoa ou da ilusão, auxilie sem reclamar o auxílio de outrem, servindo sem amargura e sem paga, porque os erros, filhos do sincero desejo de auxiliar, são também caminhos abençoados que, embora obscuros e pedregosos, nos conduzem o espírito às alegrias do Eterno Bem.
 LIVRO: APOSTILAS DA VIDA - PSICOGRAFIA CHICO XAVIER

O BEM-AVENTURADO

O BEM-AVENTURADO
André Luiz
 
Na paisagem invadida de sombras, a multidão sofria e lutava por encontrar uma porta libertadora.

Na movimentação dos infelizes, surgiam conflitos e padecimentos, incompreensões e entraves que somente serviam para acentuar a penúria e o medo, as aflições e as feridas reinantes no caminho.

Alguns beneméritos apareceram com o objetivo de solucionar o enigma da região.

Culto orientador intelectual elevou-se à grande tribuna, envolvida igualmente de trevas, e procurou instruir e consolar a campacta fileira de sofredores, conquistando o respeito geral; contudo, nem todos lhe compreenderam as palavras e áridas discussões se fizeram no vale da espessa neblina.

Veio um grande benfeitor e, compadecido, distribui vasta provisão de alimento e agasalho aos famintos e aos nus, merecendo o aplauso de muitos; entretanto, achava-se limitado às possibilidades individuais e não pode atender a todos, perseverando o império da dor no círculo popular.

Surgiu um médico e dispôs-se a curar os corpos doentes e amparou a comunidade, quanto lhe foi possível, recebendo expressivo reconhecimento público; mas não conseguiu satisfazer a exigência total do extenso domínio de sombras, mantendo-se o vale na antiga situação de expectativa e discórdia.

Apareceu um filósofo e aconselhou regras especiais de meditação, atraindo o carinho e a gratidão dos pesquisadores intelectualizados; no entanto, era incapaz de resolver todos os problemas e a paisagem prosseguiu dolorosa e escura.

Mas, surgiu um homem de boa vontade que, depois de recolher bênçãos e valores, no serviço aos semelhantes, acendeu uma luz no próprio coração.
Maravilhoso milagre surpreendeu o vale inteiro.
Nem mais contendas, nem mais reclamações.
Precipitou-se a multidão para a claridade daquele que soubera transformar-se em lâmpada viva e brilhante, descortinando a estrada libertadora.

Tal benfeitor correspondia à exigência de todos e solucionara o problema geral.
E, por bem-aventurado, avançou para a frente, com o poder de guiar e auxiliar, por haver improvisado em si mesmo o poder silencioso de amar e servir.

Não duvidemos, em nossas dificuldades, de aprender e ensinar, recebendo as luzes do Alto e distribuindo-as no grande vale da luta humana.

Todos os títulos de fraternidade e benemerência são veneráveis, mas, o coração que se une ao Cristo e se converte em luz para todos os companheiros da romagem terrestre é, sem contestação, o autor feliz da caridade maior.
 LIVRO: APOSTILAS DA VIDA - PSICOGRAFIA CHICO XAVIER

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

ENTREVISTA PARA O FUTURO – 40 ANOS DEPOIS ( Em 1972 concedida por J.Herculano Pires)

ENTREVISTA PARA O FUTURO – 40 ANOS DEPOIS

Entrevista exclusiva que J. Herculano Pires concedeu a Jorge Rizzini, em 14 de julho de 1972, e que foi mantida inédita por 40 anos. A data lembra a Tomada da Bastilha, evento central da Revolução Francesa, ocorrido em 14 de julho de 1789.

J. Herculano PiresJorge Rizzini - Quem vos fala é Jorge Rizzini, e hoje é o dia 14 de julho do ano de 1972. E eu me encontro nesse momento na casa de Herculano Pires a fim de gravar, nesta fita, uma conversa assim, vamos dizer, que será julgada para a posteridade. Esta fita, não vamos divulgá-la na atualidade. É realmente o futuro; visa aos ouvintes do futuro. Isto é muito importante, porque é um depoimento que irá ficar na história do espiritismo, na história do movimento espírita de São Paulo e do Brasil. Informal, sem outro objetivo que não seja aquele de dar o parecer do Herculano Pires, o parecer atual de Herculano Pires, porém projetado no futuro. É uma visão, vamos dizer, à distância e vendo o futuro.
De modo que nós vamos, primeiramente, fazer a seguinte pergunta ao Herculano, porque se trata de um homem que tem realmente uma visão muito ampla, uma visão aprofundada das culturas de vários países e de várias épocas. Vamos perguntar ao Herculano o seguinte: suponhamos que Herculano Pires estivesse no século passado, vivendo na França, e visse nas livrarias de Paris O livro dos espíritos, de Allan Kardec, que então teria sido lançado neste dia. Como Herculano veria essa obra? Qual a impressão que teria após a leitura dessa obra?
J. Herculano Pires - Jorge Rizzini, você me dá uma oportunidade de fazer aqui, já que você não pretende divulgar imediatamente isto – esta é uma fita que vai ficar para o futuro –, eu nunca pensei que tivesse oportunidade de falar para o futuro. Acho que é uma pretensão muito grande, mas em todo caso, como você está abrindo esta porta, eu vou falar para o futuro.
Eu queria dizer a você que no século passado, e isto não é um sonho, uma ilusão, é uma convicção adquirida através de pesquisas que eu fiz – que nunca revelei a ninguém –, mas que eu fiz levado por uma revelação, uma revelação completamente inesperada através de um médium inteiramente ignorante no assunto, e que me abriu o caminho para uma possibilidade muito interessante. Vamos esclarecer isto. No século passado, eu estive na França realmente, mas não era francês; eu era português, eu morava em Portugal, tive uma encarnação em Portugal. Eu fui parar na França como exilado, e como exilado eu tomei conhecimento do espiritismo.
Mas não aceitei o espiritismo, porque eu era católico, e era um tipo de católico muito interessante – muito comum, aliás, em Portugal naquela época –, um católico que discordava dos padres, brigava com o clero e não aceitava muito o catolicismo. O meu desejo era encontrar uma forma de fazer o cristianismo voltar ao seu estado primitivo, quer dizer, voltar à verdade pura do Cristo. Era este o meu desejo. Como naquela época eu era também jornalista, como sou hoje, isso ficou gravado em alguns jornais portugueses – e se pode constatar –, de modo que isso me facilitou muito a verificação da realidade.
Jorge Rizzini - Um pormenor, Herculano: você se lembraria do nome que então você tinha?
J. Herculano Pires - Eu não quero dizê-lo Rizzini, você me perdoa isso; mas eu não quero dizer. Eu sei que nessa ocasião...
Jorge Rizzini - Mas é uma fita para o futuro!
J. Herculano Pires - Sim, mas o futuro depois verá. Mas eu tive então a oportunidade de saber que estava se processando uma nova revelação, aquela coisa toda. Mas como católico, eu tinha ideia de que Portugal era um país profundamente católico e que qualquer infiltração de outra religião lá seria prejudicial, porque o povo não estava à altura – segundo eu pensava – de aceitar uma nova concepção de Deus. Então eu não adotei o espiritismo, continuei católico até o fim, mas um católico às avessas porque completamente em luta com o próprio clero.
Então eu diria a você: eu não tenho certeza se eu vi algum livro espírita. Eu sei que tive conhecimento do espiritismo, mas se eu visse O livro dos espíritos em Paris nesse dia 14 de julho, naquela época, na Tomada da Bastilha, na data da Tomada da Bastilha, certamente não teria o impacto que hoje me provocaria essa visão. Porque não sabia ainda o que era o espiritismo, nem compreendia, nem tinha possibilidade de saber que o espiritismo realizava aquele meu sonho, o sonho da volta ao cristianismo primitivo. Só depois de passar para o mundo espiritual foi que eu tive contato pleno com a nova revelação.
E interessante: foi no espaço em que eu me tornei espírita. Quando eu vim para a Terra, portanto, nascendo aqui no Brasil, dessa vez, e nascendo em Avaré, no estado de São Paulo, no dia 25 de setembro de 1914...
Jorge Rizzini - Um menino católico também...
J. Herculano Pires - Também de uma família católica, tendo educação católica, eu, entretanto, já trazia ideias espíritas bem acentuadas, que foram se revelando em mim independentemente de qualquer influência exterior, de maneira que, agora sim, se eu tivesse depois disso um encontro com O livro dos espíritos, numa livraria de Paris, para mim seria uma grande emoção, uma emoção extraordinária.
Allan KardecJorge Rizzini - E se você encontrasse, nesta hipótese, por uma das ruas do centro de Paris, de súbito, ao dobrar uma esquina, a figura de Allan Kardec?
J. Herculano Pires - Bom, se eu encontrasse agora, nesta época, quer dizer, depois que sou espírita, então para mim seria uma coisa extraordinária, porque Allan Kardec representa para mim a figura exponencial dos novos tempos na Terra. Assim como Jesus veio para implantar no mundo o reino de Deus, e realmente realizou esse trabalho maravilhoso de implantação do reino de Deus, ele o implantou no coração e na consciência dos homens, dos poucos homens que foram capazes de compreendê-lo até hoje, mas implantou na Terra.
E esse reino de Deus vai se desenvolvendo lentamente através dos séculos e vai se realizando apesar dos homens, de maneira que Jesus representou essa figura extraordinária, e Kardec é o seu continuador. Kardec foi aquele que veio trabalhar na era decisiva da implantação do reino de Deus em maior amplitude, quando o reino de Deus vai se efetivar na Terra. Kardec é que trouxe – recebendo o amparo do Espírito da Verdade, a revelação que o Espírito da Verdade transmitiu – esta possibilidade extraordinária de abrir as perspectivas do mundo para uma era inteiramente nova, que está nascendo aos nossos olhos neste momento, neste século 20.
Jorge Rizzini - Muito bem, Herculano. Então se passaram cento e tantos anos que Allan Kardec fez a codificação da doutrina espírita no planeta Terra. Pois bem, como você vê hoje, cento e tantos anos depois, a doutrina espírita em face da humanidade atual?
J. Herculano Pires - Vejo a doutrina espírita, nesse momento, como a única solução para os problemas que afligem a nossa humanidade. Realmente é ela que traz o remédio para todos os males do planeta. Por quê? Porque ela indica os caminhos em todos os sentidos, ela representa, neste momento na Terra, o alicerce de uma nova civilização: a civilização do futuro – para a qual talvez nós estejamos falando nesse momento.
Essa civilização do futuro será construída pelos lineamentos da doutrina espírita. A doutrina espírita é o planejamento geral dessa civilização, e ela está se erguendo nesse sentido, sobre esses alicerces – os alicerces da codificação –, incluindo-se também na codificação, é conveniente dizer, os doze volumes da Revista Espírita do tempo de Allan Kardec, redigidos por ele. Incluindo-se aí, nós temos então um vasto alicerce sobre o qual se desenvolverá a civilização do futuro. Isso nós estamos vendo agora, Rizzini, neste momento, porque nós estamos vendo que tanto no campo das ciências, quanto da filosofia, quanto no campo da religião, os lineamentos do espiritismo estão sendo cumpridos, estão sendo seguidos para a construção de um novo edifício.
Jorge Rizzini - Bem, Herculano, você acaba de abrir um parêntese aqui. Nós vamos formular, de acordo com o que você disse, três perguntas que são básicas para esses ouvintes. Primeira pergunta: como você vê, em face da evolução dos nossos dias, o aspecto científico do espiritismo? É a primeira pergunta. A doutrina espírita responde aos anseios, às interrogações da ciência moderna, nesse momento em que o homem está buscando novos mundos através da astronáutica?
J. Herculano Pires - Você tocou no ponto importante para se desenvolver o problema. Realmente, a simples pesquisa cósmica que se está fazendo neste momento já vem confirmar um dos pontos básicos do espiritismo. É o espiritismo no campo do pensamento moderno, aquela doutrina que afirmou e que vem afirmando há quase um século e meio, vem sustentando a existência real dos mundos habitados no espaço. Assim, o espiritismo precedeu de mais de um século o advento da astronáutica.
Isto bastaria para mostrar que no campo das ciências, nós encontramos no espiritismo uma antecipação muito grande a todas as conquistas atuais, porque a astronáutica, ela não resulta apenas de uma tentativa isolada de penetração no cosmos; a astronáutica resulta de um conjunto de evoluções científicas, de processos de desenvolvimento em vários campos da ciência que permitiram então essa tentativa cósmica. Mas, considerando que a ciência que mais contribuiu para esse desenvolvimento foi a física, nós podemos examinar no campo da física o que se passa neste momento. Nós sabemos que depois da penetração, na estrutura da matéria através da física atômica e depois da física nuclear, nós agora já estamos além da matéria com a descoberta, pela física, da antimatéria.
Ora, a descoberta da antimatéria representa inegavelmente um rompimento de toda estrutura puramente materialista da física do século 18 e do século 19. A física perde, por assim dizer, a sua qualidade de ciência da matéria, porque ela já passou a investigar o campo da antimatéria, reconhecendo que essa antimatéria, não obstante esteja presente junto à matéria, não obstante se entranhe, por assim dizer, na matéria, interpenetrando-a, esta antimatéria não é matéria. Por isso mesmo que lhe dá o nome de antimatéria. Ela representa um outro elemento. E, além disso, nós sabemos que esta conquista da física projetou-se, por exemplo, na astronomia, de uma maneira bastante significativa, porque os astrônomos, diante das conquistas progressivas da física no campo na antimatéria, passaram a admitir a existência de mundos de antimatéria.
Esses mundos de antimatéria no cosmo podem ser considerados por nós, espíritas, como aqueles elementos que constituem o outro mundo, o mundo espiritual de que fala o espiritismo. Ora, descobrindo-se então a existência dos mundos espirituais no espaço, nós estamos em face de uma perspectiva inteiramente nova nas ciências e que vem confirmar princípios básicos do espiritismo. Mas, caminhando ainda no campo da astronomia, nós veremos que até certos enganos verificados nesse processo científico deram resultados favoráveis ao espiritismo.
Isaac AsimovEu quero lembrar aqui, por exemplo, uma teoria exposta no livro de Isaac Asimov sobre o universo, uma teoria que ele formulou para explicar a possibilidade da existência simultânea de mundos de matéria e de antimatéria no espaço. De acordo com o que pensavam os cientistas até há pouco tempo, até a questão de uns dois ou três anos atrás, de acordo com o que pensavam os cientistas, os mundos de antimatéria eram completamente isolados, distanciados dos mundos de matéria. Não poderia haver um encontro, um contato desses mundos, porque eles explodiriam. Isso em virtude do quê? Em virtude de pesquisas de laboratório, onde a criação, a produção de uma partícula que fosse, uma partícula mínima atômica de antimatéria, essa produção não tinha duração, porque ela mal se encontrava com a partícula contrária de matéria, da sua mesma natureza, mas oposta, e as duas explodiam e, dessa explosão, resultava a formação de raios gama.
Então os cientistas chegaram à conclusão de que como há fontes no espaço, grandes fontes distanciadas da Terra, de raios gama, que eram captados aqui, essas fontes deviam representar explosões de mundos materiais e antimateriais que se encontraram. Pois bem, esta teoria levou então os cientistas a procurarem uma hipótese para a explicação da possibilidade de mundos materiais e antimateriais permanecerem conjuntamente no espaço, sem explodir durante milhões e milhões de anos. E a conclusão foi a seguinte: a hipótese mais aventada e que mais conseguiu sustentação foi a que Isaac Asimov expõe nesse livro, a hipótese de que no seu estado natural, grandes massas de antimatéria constituindo mundos, e de matéria também, ao se encontrarem, elas não provocavam explosão imediata porque, agindo uma sobre a outra, produziam um terceiro elemento, que seria uma espécie de intermediário entre a matéria e a antimatéria. A este elemento eles deram o nome de fluido. Um fluido ainda desconhecido, que separava os dois mundos e permitia que eles vivessem conjuntamente.
A explicação de Asimov é muito curiosa, porque ele diz que quando uma gota d’água cai na chapa do fogão, a gota não se evapora imediatamente, porque ao tocar a chapa ela produz vapor; o vapor a levanta sobre a chapa, ela fica no ar, e então continua ainda a existir durante um certo tempo, graças ao vapor que separa a chapa do fogão da água. Esta é a explicação que ele deu para se ter a ideia da possibilidade da convivência dos dois mundos no espaço, de matéria e antimatéria. Pois bem, essa explicação coincide com a teoria espírita do perispírito, que permite a existência conjunta do espírito e da matéria, do corpo material.
O corpo perispiritual, que é considerado no espiritismo como semimaterial, segundo nós vemos no Livro dos espíritos – quer dizer, contendo elementos de matéria e elementos espirituais –, este corpo serve de intermediário entre o espírito e a matéria. Pois bem, a teoria física para explicação da convivência de mundos de antimatéria e mundos de matéria no espaço vem reproduzir simplesmente no plano cósmico a teoria espírita existente para o microcosmo, que é o nosso corpo.
Acho que este passo da ciência é de grande importância. Mas sabemos que posteriormente, dois ou três anos depois, os cientistas soviéticos materialistas descobriram, nas suas pesquisas de laboratório, que a antimatéria existe aqui mesmo na Terra, e ligada mesmo ao átomo; o antiátomo e o átomo estão interpenetrados. Esta outra descoberta traz uma posição também muito favorável ao espiritismo, porque vem confirmar a interpenetração de espírito e matéria, que é sustentada como fundamento da doutrina espírita.
Jorge Rizzini - E você acredita, Herculano Pires, que a ciência materialista dos nossos dias, que já fez essas descobertas formidáveis, que confirmam pelo menos em parte o que a doutrina espírita vem apregoando há mais de um século, você acredita que essa ciência materialista, em particular a parapsicologia, essa ciência irá comprovar todos os fenômenos que Allan Kardec, há mais de cem anos, comprovou e deu em miúdos, em trocados, no seu livro O livro dos médiuns?
Joseph Banks Rhine J. Herculano Pires - Nem há dúvida a respeito. Nem há dúvida pelo seguinte: porque você falou da parapsicologia. Bom, nós estamos falando da física. A física é, como disse o professor Rhine – que é um dos fundadores da parapsicologia moderna –, a física foi até agora a ditadora das ciências. Todas as ciências seguiram os métodos físicos de pesquisa e basearam-se sempre nos conceitos físicos para a sua formulação de hipóteses e as suas concepções. Pois bem. Apesar disso, a física, como nós vimos, já rompeu os limites físicos da sua estrutura, ela penetrou no campo do espírito.
Quanto à parapsicologia, ela não é propriamente uma ciência que possa ser incluída no campo materialista. Aliás, foi uma das declarações mais importantes dos seus fundadores, tanto o professor Willian McDougall, inglês, quanto o professor Joseph Banks Rhine, norte-americano, a declaração de que a parapsicologia era a ciência que dava o primeiro passo no rompimento do arcabouço materialista da nossa concepção científica do universo. Realmente era, porque quando ela provou, em 1940, depois de dez anos de pesquisa intensiva de laboratório, quando a parapsicologia provou a existência da telepatia e da clarividência, sendo em primeiro lugar a clarividência, ela já demonstrou aquilo que o professor Ernesto Bozzano dizia: demonstrou que existe no homem um conteúdo que não é físico, não é material.
William McDougall Então a parapsicologia deu um passo realmente anterior ao passo da física no rompimento do arcabouço materialista da nossa concepção do universo. Mas, na parapsicologia atual, nós já vemos que praticamente a escala de fenômenos paranormais, ou de fenômenos mediúnicos, registrados no Livro dos médiuns, desde a simples transmissão de pensamento até a clarividência, a precognição – ou visão do futuro –, a retrocognição e assim por diante, subindo essa escala, nós vamos passando pelos fenômenos teta, que são os fenômenos de manifestações do espírito, e vamos chegar até mesmo a este último fenômeno que está sendo investigado atualmente que é o da memória extracerebral, ou seja, chegamos ao campo da reencarnação.
Então vemos que a parapsicologia cobriu praticamente, a partir dos fenômenos mais simples, mais rudimentares, como a telepatia e a clarividência, cobriu todo o campo fenomênico do espiritismo. Quanto à materialização, que você lembrou, ela também está incluída, não só pelas pesquisas já feitas pela metapsíquica e que a parapsicologia atual aceita – mas pretende renovar no campo de pesquisas –, mas também pelas pesquisas feitas na parapsicologia sobre os fenômenos psicocinéticos, ou seja, de ação da mente sobre a matéria: os fenômenos chamados psi-kapa.
De maneira que no campo geral da fenomenologia espírita, a parapsicologia como ciência de tipo comum, ligada às ciências normais, sem nenhuma tentativa assim de colocação do problema em termos espíritas, ela já endossou praticamente toda a verdade espírita.
Jorge Rizzini - Perfeito. Vamos então à segunda pergunta, Herculano. E a sua resposta é dirigida aos ouvintes do futuro. Esta fita pretende ser guardada, ser doada ao Museu Espírita da Guanabara. Ela, portanto, pertence ao homem do futuro. Como você vê o espiritismo hoje, em 1972, em face da filosofia?
J. Herculano Pires - Esta pergunta é bastante interessante, Rizzini, porque realmente a filosofia espírita é uma filosofia de renovação, como nós já tivemos a ocasião de ver no início da conversa. É uma filosofia que pretende renovar inteiramente a nossa concepção do mundo, da vida e do homem, e que está – não apenas pretende –, porque ela está realmente na prática promovendo essa transformação.
Nós sabemos que no nosso século, o século 20 em que estamos, a filosofia característica desse século, considerada por todos os que conhecem o assunto, é a chamada filosofia da existência, a filosofia existencial ou, como alguns chamam, o existencialismo. Pois bem, no campo da filosofia da existência, nós temos várias divisões: temos o seu nascimento, por exemplo, no meio puramente protestante, com Søren Kierkegaard. Mas temos também o seu desenvolvimento no campo católico, com Gabriel Marcel, na França, e temos o desenvolvimento também na Alemanha, no campo protestante dessa filosofia, com grandes pastores e grandes pensadores.
E temos, como sabemos, na França, ainda, o grande desenvolvimento dessa filosofia no campo, não digo materialista, mas pelo menos no campo do ceticismo e ligada praticamente ao ateísmo, que é a corrente que tem à sua frente Jean Paul Sartre. O existencialismo sartriano é a filosofia da negação, a filosofia do nada. Mas quando nós investigamos o problema do existencialismo em relação com o espiritismo, nós vemos que o espiritismo se antecipou mais de cem anos ao aparecimento, ao desenvolvimento desta filosofia em nosso tempo. Não digo propriamente o aparecimento, porque Kierkegaard é praticamente um contemporâneo de Kardec.
Søren KierkegaardMas Kierkegaard não fundou uma filosofia; ele apenas deu as notas fundamentais que seriam desenvolvidas posteriormente e que tomariam então, em nosso século, o aspecto de filosofia da existência. Portanto, o problema foi colocado, mas não desenvolvido. Ora, nós verificamos o seguinte: a filosofia da existência tem por finalidade examinar o problema do ser através da existência. A existência nos oferece a possibilidade de uma investigação do ser, não apenas no campo do pensamento abstrato, através da cogitação filosófica, mas diretamente no estudo do homem. O homem é o ser que está concretizado na Terra, manifestado na Terra. Esse homem manifestado na Terra, ele nos oferece uma possibilidade de abordagem para o estudo filosófico do ser, de maneira, podemos dizer, quase concreta.
Pois bem, essa tentativa da filosofia da existência, que inverte os termos da filosofia clássica, em vez de partir do exame dos problemas puramente espirituais para a indagação filosófica, parte da existência viva do homem na Terra – essa posição é precisamente a posição espírita. Quando Kardec afirmou que nós temos de investigar a natureza do homem através da mediunidade – porque a mediunidade oferece um novo campo para a descoberta dessa verdadeira natureza humana –, ele já se colocava na mesma posição de Kierkegaard, com uma diferença: que Kierkegaard partia, como teólogo, de uma posição abstrata, ao passo que Kardec partia, como cientista, de uma posição concreta.
Ele submetia a criatura humana a todas as experiências necessárias para investigar a realidade essencial do homem. E foi através dessa investigação que ele descobriu não só o espírito humano encarnado, mas também a possibilidade das comunicações e manifestações dos espíritos desencarnados. Isto é de importância muito grande. A filosofia da existência implica ainda no exame da importância da existência do homem na Terra, e do seu destino, o seu destino após o terminar a existência.
Podemos lembrar, por exemplo, que Martin Heidegger, na Alemanha, que foi praticamente um dos mestres de Sartre, Martin Heidegger na sua filosofia do ser – ele que se nega a se chamar existencialista, mas que se inclui na filosofia da existência, porque a sua posição é tipicamente existencial –, ele na sua filosofia do ser afirma o seguinte: que o homem, ou melhor, o ser se completa na morte... [inaudível] E de experiências de vital importância para ele, e ele completa realmente um ciclo da sua evolução, partindo então para uma experiência no espaço, da qual voltará em nova existência na Terra. Como vemos, a filosofia, no campo da filosofia, o espiritismo está também confirmado pela mais recente corrente de filosofias atuais, sem contar as confirmações anteriores, que vêm desde Platão, desde os gregos, através de todo espiritualismo na filosofia clássica.
Jorge Rizzini - Perfeito, Herculano Pires. E vamos então à terceira pergunta básica, para os ouvintes do futuro. Como você enxerga, qual a visão que você tem do espiritismo, do ponto de vista religioso, em face do mundo moderno e em face das religiões atuais, em geral?
J. Herculano Pires - Nesse campo também nós assistimos aquilo que podemos dizer uma verdadeira corrida do pensamento contemporâneo em direção aos princípios espíritas. Poderíamos lembrar, por exemplo, inicialmente, no campo do catolicismo, o catolicismo romano, que tem sido o mais renitente, o mais teimoso em permanecer no passado. Nós vemos que a Igreja Católica Apostólica Romana apresenta-se fragmentada e profundamente abalada em nosso tempo. E fragmentada não apenas na sua estrutura religiosa, social e política, mas também fragmentada no tocante ao seu pensamento, à sua solidez teológica, que desapareceu ao impacto do mundo moderno.
Então nós vemos as renovações que se passam no catolicismo, todas elas na direção da verdade espírita. Poderíamos falar exteriormente, no tocante ao culto, à liturgia, às transformações, seguindo essa tese famosa, que se tornou famosa em nosso tempo, do esvaziamento da Igreja, no sentido de esvaziar a Igreja de todos os acessórios que lhe foram dados através dos séculos, para que ela possa voltar ao cristianismo primitivo. A eliminação das imagens, dos altares excessivos, de todos os enfeites que existem na Igreja, a eliminação do ritualismo, de tudo isso que está realmente desaparecendo. Isso tudo está mostrando que, do ponto de vista exterior, as religiões – isto não se passa apenas no catolicismo, como sabemos, mas nas demais religiões –, estão caminhando para aquela simplicidade primitiva do cristianismo que o espiritismo sustenta, defende e prega. Mas no campo teológico, que é o mais importante porque é o substancial, é o campo do pensamento dirigindo as igrejas, nós encontramos essa revolução extraordinária que está aí.
Pierre Teilhard de ChardinPor exemplo, a teologia do padre Teilhard de Chardin no catolicismo. O padre Teilhard de Chardin foi quase fulminado pelos anátemas dos seus contemporâneos. No entanto, agora, a Igreja está caminhando rapidamente para a aceitação de todas as teses do padre Chardin. E quais são essas teses? Basta dizer que o padre Chardin nos parece, quando nós lemos o seu livro fundamental, O fenômeno humano, ou qualquer outro dos seus livros, nos parece um decalque, ou simplesmente uma cópia carbono, modificada um pouco para se adaptar ao pensamento católico, dos livros de Léon Denis, que foi o continuador de Allan Kardec, o discípulo dele.
Jorge Rizzini - Aproveitando essa deixa, vamos abrir um parêntese: você acredita então, Herculano Pires, que a doutrina espírita, avançando como está, avançando dia a dia por toda a superfície da Terra, acredita que o espiritismo, pelo seu desenvolvimento no sentido da amplitude do movimento espírita de todos os países, acredita que o espiritismo irá dominar totalmente, as religiões irão desaparecendo aos poucos, em face das conversões do povo, das massas?
J. Herculano Pires - Rizzini, eu não encaro precisamente assim. Eu acredito que a função do espiritismo, como, aliás, queria Kardec desde o princípio, ele não pretendeu, segundo ele declara positivamente, inclusive no livro O que é o espiritismo, ele não pretendeu de maneira alguma fazer uma nova religião, entre tantas religiões existentes na Terra. Ele queria, como codificador do espiritismo, dar uma contribuição para a modificação das religiões, para a modificação da concepção humana a respeito da vida na Terra.
Essa contribuição é que era importante, era a que ele dava grande importância. Mas nós sabemos que o Espírito da Verdade, em suas comunicações com Kardec, e outros espíritos pertencentes à sua falange, deram grande importância ao problema religioso. Por quê? Porque o problema religioso é fundamental. O homem que não estiver integrado numa concepção religiosa profunda, ele não tem as possibilidades da evolução necessária, não se abrem diante dele as perspectivas do futuro como devem se abrir. É necessário que haja religião.
Eu entendo que o espiritismo não irá dominar a Terra, como uma forma religiosa. Entendo que ele fará o que o cristianismo fez, com relação à transformação do mundo antigo, o mundo clássico greco-romano. Nós sabemos que o cristianismo modificou esse mundo em todos os seus aspectos; modificou no campo da política, modificou no campo jurídico, no campo filosófico, no campo das estruturas sociais, enfim, em todos os sentidos ele modificou, de acordo com os seus lineamentos, os lineamentos cristãos. Estes lineamentos não eram perfeitos, a modificação não foi total. Mas o espiritismo está realizando o completamento dessa obra; o espiritismo está transformando tudo através da influência dos seus princípios fundamentais, porque esses princípios correspondem à realidade, correspondem à verdade.
Jorge Rizzini - Mas o espiritismo, dominando, penetrando em toda a humanidade, reformando, trazendo à humanidade uma nova cultura, uma nova visão de Deus, uma nova visão do destino, uma nova visão cósmica, as religiões irão subsistir?
J. Herculano Pires - Acredito que as religiões podem subsistir. Não todas, é claro, porque há religiões ainda tão retrogradas, tão atrasadas mesmo no seu desenvolvimento, que não podem atingir o futuro, a não ser que se reformulem totalmente. Mas nós sabemos que uma característica do ser, ou seja, da criatura, seja ela humana ou divina, uma característica é a sua individualidade. Cada criatura humana é uma posição na corrente do tempo, assim como um barqueiro na corrente de um rio tem a sua posição própria e o outro tem outra. Cada consciência humana tem, portanto, a sua própria posição diante da vida, do mundo e dos problemas humanos.
Então, nós sabemos que os homens nunca poderiam ser totalmente aglomerados numa posição única. E essas diferenças individuais produzem também as diferenças de agrupamentos. Assim como, apesar do domínio do cristianismo durante os dois mil anos decorridos – apesar do domínio do cristianismo, nós vimos que ele se fragmentou em numerosas posições, determinadas pelas seitas religiosas –, também acredito que a modificação produzida pelo espiritismo não será igualitária do homem, não irá estabelecer uma igualdade absoluta, mas irá criar a possibilidade de uma sintonia, no tocante aos problemas fundamentais. Isto sim. Isto caracterizará a era espírita que, para nós, está surgindo agora no século 20.
Essa era espírita está marcando já os pontos fundamentais, para os quais estão convergindo todas as correntes do conhecimento, como nós vimos no campo da ciência, da filosofia e da religião. É nesse sentido que eu acredito que haja uma igualdade, não total, não massiva, por assim dizer, mas uma igualdade num plano abstrato do pensamento, numa concentração de todos os espíritas para os pontos fundamentais da doutrina espírita.
Jorge Rizzini Jorge Rizzini - Todavia, Herculano, ainda abordando esse aspecto, que é muito importante: com a evolução da técnica, com a evolução da sociedade, da humanidade em geral, escolas, faculdades, universidades, a humanidade alfabetizada, porque está marchando para isso, o problema da fome sendo resolvido no futuro com a técnica, com a ciência, e todos os povos tendo conhecimento da doutrina espírita, espalhando-se centros por todo o nosso orbe, você não acredita que esta humanidade lúcida, culta, consciente da sua posição em face do universo, você não crê que não haverá então, em nosso planeta, condição para as religiões vigentes?
J. Herculano Pires - Acho, Rizzini, que realmente a transformação será tão grande, que nós não podemos prever certos aspectos. E é até uma temeridade nós querermos falar deste assunto para o futuro. Mas em todo o caso, nós estamos dando a medida do nosso alcance no presente.
Jorge Rizzini - Mas eu estou me referindo ao futuro sem marcar data, lembre-se disso.
J. Herculano Pires - Sim, não há dúvida. Mas de qualquer forma, o futuro sempre virá trazendo coisas em que nós nem sequer pensamos hoje. Mas eu acredito que realmente não haverá necessidade de insistirmos no domínio, por exemplo, do pensamento espírita, no sentido como nós o conhecemos hoje, para todo mundo. O importante é que o espiritismo sirva de fermento, aquele fermento de que fala Jesus no Evangelho, o fermento que modifica, que leveda a massa do mundo e a transforma. É esta a grande função do espiritismo.
E ele não tem mesmo pretensões a um domínio religioso, porque ele acha – e os seus postulados são bem claros nesse sentido – que deve haver sempre, como base fundamental para a evolução das criaturas, o princípio da liberdade, sem o qual não haverá também o princípio da responsabilidade. Ora, a liberdade de cada indivíduo e a liberdade de grupos de indivíduo é que possibilitará, dentro mesmo da concepção espírita da vida, que irá dominar o planeta – a concepção espírita sim, esta irá dominar totalmente o planeta –, haverá a possibilidade de formações, de agrupamentos, de ponto de vista religioso, que possam divergir de outros agrupamentos. Acho que poderá haver realmente diversidade de religiões, mas sempre dentro de uma norma geral, que será a norma espírita.
Jorge Rizzini - Bom, de qualquer maneira, é a implantação da doutrina espírita, não nos seus detalhes, mas no seu conjunto na Terra. Seria?
Humberto MariottiJ. Herculano Pires - Sim, o espiritismo, como nós analisamos ao falar da ciência, filosofia e religião, o espiritismo está, como aquilo que escreveu Humberto Mariotti, o nosso companheiro da Argentina: o espiritismo está como uma estrela de amor no horizonte do mundo, esperando que todas as correntes do conhecimento cheguem até ela. A ciência está chegando, a filosofia está chegando, a religião está chegando, a estética está chegando, a técnica está chegando, a descoberta, por exemplo, agora recentemente pelos russos – pelos russos no seu pensamento materialista de Estado, sustentado pelo Estado –, a descoberta que eles fizeram do perispírito é um passo gigantesco no campo da técnica, mostrando que a técnica também está evoluindo para a pesquisa além da matéria e no campo espiritual.
Jorge Rizzini - E sem esquecer, Herculano, a contribuição dos próprios espíritos, através do fenômeno mediúnico.
J. Herculano Pires - Sim, é claro. É como dizia Sir Oliver Lodge: nós estamos trabalhando dos dois lados de uma montanha, furando um túnel, dizia ele. Do lado de lá está o mundo espiritual, do lado de cá o mundo material. Nós cavoucamos o túnel através da montanha, do lado de cá, mas os espíritos estão cavoucando do lado de lá. E vamos nos encontrar no meio do túnel.
Jorge Rizzini – Bem, Herculano, hoje, dia 14 de julho do ano de 1972 – até vamos dar a hora: exatamente às duas horas da madrugada –, vou pedir a você que dê a sua mensagem aos ouvintes, ao povo do futuro, sem data marcada, porque essa fita será apresentada através dos séculos. Nós, Herculano, lutamos muito, estamos em 1972, nós lutamos vinte, trinta anos consecutivos na defesa da doutrina espírita, em polêmicas, na defesa do Cristo, na defesa de Kardec, na defesa dos nossos princípios, na rádio, na televisão, nos jornais. Então eu peço a você, que traz este lastro, esse currículo maravilhoso na defesa da doutrina, que dê a sua mensagem de estímulo aos espíritas do futuro.
J. Herculano Pires - Eu acho, Rizzini, que a minha mensagem não poderá ser de estímulo a eles. Acredito que essa gente do futuro será tão superior a nós, terá tantas possibilidades maiores diante dela, que essa gente do futuro dispensaria qualquer palavra de estímulo de nossa parte.
Eu quero apenas saldar, nesses elementos do futuro, nesses homens maravilhosos de amanhã, nessas criaturas que irão povoar não só o nosso país, o Brasil, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, mas que irão povoar todos os países do mundo, quero saldar neles a aurora do novo mundo que está raiando na Terra. E quem sabe, Rizzini, se nós teremos a esperança de estar também presente nessa humanidade nova. Se nós fizermos jus a essa situação, quem sabe se estaremos participando daqueles que irão realmente efetivar na Terra a construção do reino de Deus, iniciada pelo Cristo há dois mil anos. É bem possível que isso aconteça.
Então, eu, deixando gravadas aqui essas minhas palavras, despretensiosamente – porque o problema delas serem reproduzidas no futuro não é nosso, é um problema que depende apenas dos organismos que forem guardar essa fita –; deixando essas palavras aqui, eu quero dizer a essa gente de amanhã que nós trabalhamos para que o amanhã se realizasse, nós lutamos aqui no Brasil, como lutaram outros na Europa, lutaram outros na América do norte, lutaram outros na América do sul, lutaram outros na Ásia, na África, por toda parte. Lutamos para que o espiritismo pudesse ser estabelecido na Terra como fundamento da nova civilização, do mundo do futuro.
Assim, nós temos de certa maneira um orgulho antecipado, uma satisfação, um encantamento prévio por aquilo que essa gente do futuro estará realizando. Porque nós todos fizemos o nosso esforço, e demos tudo o quanto pudemos para transformar o mundo bárbaro em que vivemos hoje, o mundo do século 20, que é ainda um mundo bárbaro, um mundo de violências, um mundo de guerras, um mundo de provas duríssimas, de tristes e amargos sofrimentos; transformar este mundo bárbaro naquele mundo de maravilhosa civilização, de elevação espiritual, de fraternidade humana, anunciado pelo Cristo no seu Evangelho. Nós procuramos fazer o possível, nas nossas imperfeições, com as nossas deficiências e dificuldades, nós batalhamos sem cessar para isso e continuaremos a batalhar.
Prise de la Bastille, por Jean-Pierre HouëlÉ assim que envio daqui, nessa noite de 14 de julho de 1972, em São Paulo, Brasil, no momento em que nós lembramos as lutas da Revolução Francesa, as lutas para a implantação no mundo do regime político mais suave, melhor; quando os pioneiros do momento em que nós estamos, no presente, também lutaram e sofreram como nós; lembrando a epopeia da queda da Bastilha e lembrando também que, na Revolução Francesa, nos ideólogos dessa Revolução, nas transformações que ela produziu no mundo, nós podemos encontrar muitas raízes, por assim dizer, do pensamento espírita, que se desenvolveram através do tempo – problema esse que eu procurei colocar no meu livro O espírito e o tempo, mostrando a Revolução Francesa como um episódio alegórico da história do mundo, um episódio em que o mito e a história se misturam de tal forma que muitas vezes se confundem.
Lembrando tudo isso, nós queremos dirigir também a nossa saudação neste momento à França de amanhã, à França que viu Kardec nascer, à França que viu o espiritismo nascer em seu seio, na cidade de Paris – que era então o cérebro do mundo –, à França que teve Léon Denis – aquele que Conan Doyle dizia ser um lutador contínuo através do espaço e do tempo –, de Gabriel Delanne, de Alexandre Delanne e de todos os demais, Flammarion, o grande Flammarion, que anteviu a era cósmica com tanta visão, tanta grandeza de visão.
À França de todos esses gênios e de todos os gênios que realmente lutaram para que o mundo se transformasse, nós queremos enviar daqui a nossa saudação à França de amanhã, à França do futuro, na esperança de que ela – que neste momento, no século 20, está ainda numa situação bastante inferior em face do desenvolvimento do espiritismo –, que ela tenha readquirido no futuro o seu elã espiritual, e através disso tenha realmente feito jus à sua condição de berço do espiritismo ao mundo, de berço da doutrina que trouxe a nova civilização. Esperamos muito da França, e temos a certeza de que, se Deus quiser, brilhará sobre a França, no futuro, o triunfo do espiritismo.
Jorge Rizzini - E aqui, ouvintes do futuro, fica o depoimento de José Herculano Pires. Que você possa tirar dessas palavras, saídas da inteligência e do coração de Herculano Pires, o melhor proveito. Que essas palavras sejam para você um estímulo, para que continue a praticar e a divulgar, a propagar a doutrina espírita, que é a redenção da humanidade, dessa humanidade que vai marchando gradativamente a caminho de Deus, que é o criador do universo, o criador da vida e o nosso verdadeiro pai. Que Deus nos abençoe hoje e sempre.

Fonte:http://www.herculanopires.org.br/entrevistaparaofuturo

SESSÕES MEDIÚNICAS COM HERCULANO PIRES

SESSÕES MEDIÚNICAS COM HERCULANO PIRES
Jorge Rizzini
De volta a São Paulo retomou Herculano Pires a desgastante vida profissional nos Diários Associados sem, contudo, descuidar-se dos sucessivos compromissos no movimento espírita nacional. Para recuperar-se realizava, semanalmente, em seu lar sessões mediúnicas, cada vez mais concorridas. O grupo intitulava-se Grupo Espírita Cairbar Schutel. Sua filha Helena revelara-se excelente médium psicofônica e o filho Herculaninho um doutrinador competente. As sessões iniciavam-se com uma prece dita pela cunhada Lourdes e explanação de Herculano Pires sobre um capítulo das obras de Allan Kardec. E terminavam com mensagens ditadas pelos Instrutores Espirituais, quase sempre através de Victor e Assunta, abnegados (e notáveis) médiuns. Ela, vidente, o marido médium de cura e psicofonia. Entre inúmeros casos observados por Herculano Pires, relata ele um em seu Diário. Certo rapaz de nome Wilson gritava dia e noite com violentas dores que os médicos não conseguiam debelar com sedativos. Herculano visitou-o, acompanhado de Victor e Assunta. O rapaz e seus parentes não haviam jamais frequentado sessões mediúnicas.
“Encontramos o Wilson em lastimável estado. Magro, pálido, gritando a todo instante e lançando-se ao chão em contorções. A situação era dificílima: não sabíamos o que fazer. Impossível concentrar e orar ou dar-lhe passes. Sentamo-nos todos na sala e procuramos orar em silêncio. (...) Súbito, o Victor foi tomado e levantou-se de um salto, falando em italiano, com voz forte e enérgica. Era um Espírito esclarecido. Pôs-se imediatamente a repreender duas entidades inferiores que atormentavam o ragazzo. Conseguiu expulsá-las. Wilson estirou-se no soalho, exausto. (...) Dona Assunta relatou o que vira: um dos Espíritos afastados cortava os músculos e nervos do rapaz com uma tesoura fluídica, produzindo-lhe as dores que os médicos não conseguiam explicar. Outro o chicoteava sem cessar. O Espírito bom se despediu com a prece do Pai Nosso. Wilson se levantou com a ajuda de Victor e logo se pôs a andar, tranquilo, refeito, de um lado para outro, falando em Deus. Enquanto respondíamos às perguntas de dona Luizinha (mãe do rapaz), ele se encaminhou para o quarto. Queria deitar-se. Num instante começou a dormir. Quando saímos, ressonava tranquilo. (...) Foi realmente uma prova concreta da verdade espírita que os psiquiatras insistem em negar e combater.”
Memoráveis foram os trabalhos mediúnicos na casa do apóstolo de Allan Kardec. Ao final de cada sessão Virgínia servia café e um bolo de chocolate ou fubá. E só após longa conversa sobre a doutrina (Herculano Pires sempre amável, sorridente) as pessoas se despediam. Era quase uma hora da madrugada... O número de frequentadores crescera tanto que as sessões passaram a ser realizadas na garagem (Herculano não possuía automóvel). Era frequente à noite - e em qualquer dia da semana - o autor deste livro visitar Herculano Pires e, então, ao sentir a presença de espíritos realizavam sessões - ali mesmo, na copa, após Virgínia servir o lanche. Em uma dessas sessões improvisadas houve um fato inusitado. O notável escritor espírita desencarnado Carlos Imbassahy desejava conversar com Herculano Pires, mas recusava incorporar-se. Herculano Pires estranhou o fato e em carta narrou-o ao filho de Imbassahy:
“Tive a ventura de receber, há cerca de vinte dias, uma comunicação de seu pai, que se apresentou inesperadamente, acompanhado do Pedro Granja. Não foi em sessão. Estávamos conversando, na copa de minha casa, eu e o Rizzini (que é médium). Sentimos de repente uma presença espiritual. (Não falávamos dele nem do Granja). Rizzini disse que sentia dificuldades para receber um espírito que desejava manifestar-se mas não queria incorporar-se. Logo mais começou a receber a comunicação do Imbassahy por meio telepático. Uma ligação de mente a mente. O Imbassahy explicou que não queria incorporar mas podia transmitir a mensagem da mesma maneira. Na verdade, estabeleceu conversação comigo, como quando em vida. Deu-me recados do Granja, que não se comunicou. Foi realmente um momento feliz. A identificação era perfeita, na linguagem, nas ideias e na lembrança de nossa correspondência. Não lhe escrevi nada a respeito porque foi, de fato, uma visita de amigo, rápida e sem maiores consequências.”
Carlos de Brito Imbassahy confirmou a veracidade da comunicação, afirmando que seu pai costumava dizer que um Espírito para transmitir mensagens não tinha necessidade da chamada “incorporação”¹.  Foi por essa época que Herculano Pires, tendo acompanhado o desenvolvimento da mediunidade de Jorge Rizzini, prefaciou seu primeiro livro psicografado - Antologia do Mais Além - que enfeixa produções de quarenta e quatro poetas célebres, nacionais e estrangeiros e que teve repercussão, inclusive, fora do movimento espírita.
Grande era a experiência de Herculano Pires no trato da mediunidade, pois dirigia sessões mediúnicas desde os vinte e poucos anos de idade quando presidira o Centro Espírita Humberto de Campos, em Cerqueira César. E, por isso mesmo, a pedido de sua esposa Virgínia, escreveu um livro esclarecendo problemas relacionados à mediunidade que, até então, continuava mal compreendida em nosso país.
“Hoje ainda perduram as confusões a respeito (escreve o apóstolo de Kardec no primeiro capítulo de seu livro Mediunidade). Afirma-se tudo a respeito da mediunidade: é uma manifestação dos poderes cerebrais do homem, esse computador natural que pode programar o mundo; é uma eclosão dos resíduos animais de percepção sem controle de órgãos sensoriais específicos; é uma energia ainda desconhecida do córtex cerebral, mas evidentemente física (Vassiliev); é um despertar de novas energias psicobiológicas do homem, no limiar da era cósmica; é o produto do inconsciente excitado; é uma forma ainda não estudada da sugestão hipnótica. Ninguém se lembra da explicação simples e clara de Kardec: é uma faculdade humana.
Procuramos demonstrar, neste livro, o que é em essência essa faculdade, como funciona em nosso corpo e em relação com o mundo, os homens e os espíritos. (...) Apoiamo-nos nas obras de Kardec, nas conquistas atuais da Parapsicologia, da física, da biologia e da biofísica, sem outro objetivo que o de mostrar as relações dessas conquistas recentes com a estrutura geral da doutrina espírita. Apoiamo-nos também em nossas experiências pessoais de quase toda uma vida no trato dos problemas espíritas em geral e da mediunidade em particular, na observação e tratamento de casos de obsessão, no trato direto e vivencial de casos obsessivos na família e em nós mesmos, nas observações de tratamento em hospitais espíritas e nas instituições doutrinárias.(...) Não fazemos doutrina, procuramos apenas esclarecer, na medida do possível, as questões mais difíceis da teoria e da prática espíritas, hoje conturbadas por verdadeiras aberrações de pessoas inconscientes, que, demasiado confiantes em si mesmas, tripudiam sobre os princípios fundamentais do espiritismo.”
O livro de Herculano Pires Mediunidade, publicado em julho de 1978 pela Editora Edicel, não é didático nem um tratado sobre mediunidade, mas sua leitura agradabilíssima é indispensável porque conceitua a mediunidade e oferece ao leitor uma análise geral, arguta e profunda, dos seus problemas atuais. Esse livro, pois, a nosso ver notável complementa o estudo de O livro dos médiuns, de Allan Kardec. Estudemos a obra. Porque sem estudar com dedicação e humildade, os estudantes passam pela doutrina como gatos sobre brasas, saindo apenas chamuscados e, o que é pior, convencidos de que dominaram o assunto... (A frase é de Herculano Pires).


¹Herculano Pires, em seu livro Mediunidade, escrito anos depois, ensina ser errônea a denominação de “incorporação” para as manifestações orais. O que se dá não é uma incorporação, mas uma interpenetração psíquica, como a da luz atravessando uma vidraça.

Fonte: http://www.fundacaoherculanopires.org.br/apostolo-abertura/324-sessoesmediunicas