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sábado, 11 de agosto de 2012

QUEIXAS DE INSEGURANÇA

QUEIXAS DE INSEGURANÇA
Francisco Cândido Xavier
A nossa reunião se formava, em grande parte, de amigos procedentes de outros
campos de idéias, apenas simpatizantes, em maioria, da Doutrina Espírita. E quase todos a se
queixarem de insegurança. Muitos apresentavam problemas de desarmonia doméstica,
desajustes psicológicos, temores e angústias. Alguns traziam familiares recentemente saídos
de sanatórios e outros se mostravam em profundo desânimo, com a perda, por desencarnação,
de pessoas amadas.
O Evangelho Segundo o Espiritismo ofereceu-nos o item 13 do seu capítulo V. E
depois dos comentários habituais sobre a leitura, nosso caro Emmanuel escreveu a página
"Dispositivos de Segurança".
DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA
Emmanuel
Procuras segurança e paz.
Preservando, porém, o próprio equilíbrio, não deixes de auxiliar-te,
proporcionando aos outros auxílio que podes doar de ti mesmo.
Nunca te admitas em tamanho cansaço que não possas trabalhar, um tanto mais, em
benefício daqueles que te compartilham a vida.
Irradia compreensão e serenidade, nobres palavras e notícias edificantes.
Onde te sintas com o direito de reclamar, ao invés disso, busca extinguir os
obstáculos existentes, para que os problemas e conflitos se façam diminuídos ou superados.
Se algo deves esclarecer em determinada situação nebulosa, aguarda o momento
justo, em que te expliques sem o fogo da discussão.
Nas áreas de atrito, nas quais te envolvas, quanto se te faça possível, transfigura-te
na escora da harmonização, imunizando a ti mesmo e aos demais contra discórdia e
ressentimento.
Coloca vida e alegria nas menores manifestações, seja num simples sorriso ou num
aperto de mão.
Cultiva o hábito de servir sempre, fazendo o melhor na faixa de experiência em
que te vejas.
E mesmo que a desencarnação de um ente amado te ensombre o mundo íntimo,
quanto puderes, converte a saudade em oração de esperança porque a dor não apenas te
desgasta o coração, mas espanca igualmente a criatura querida, conduzida a outras dimensões.
Aflição habitualmente se define por excesso de carga inútil – nos mecanismos de
nossas resistências, determinando o curto-circuito em nossas melhores forças.
O equilíbrio geral é a soma do esforço conjugado de quantos lhe desfrutam as
vantagens e os benefícios.
Doemos a cooperação que os outros esperam de nós, na garantia do sistema de
segurança e paz, em que se nos levantam os alicerces da felicidade comum e guardemos a
certeza de que a nossa omissão será sempre um ponto de ruptura em nós mesmos, agravando
as nossas próprias inquietações.
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REENCARNAÇÃO E EDUCAÇÃO


Antecedendo as nossas tarefas espirituais, conversávamos – um grupo de amigos –
sobre Reencarnação e Educação. Os companheiros traziam ao assunto aspectos diversos das
modificações atuais na Terra, procurando relacionar os temas aludidos com a instrução em
variados setores das atividades mundiais.
A troca de idéias seguia animada, quando o horário nos chamou para a reunião da
noite. O Livro dos Espíritos nos ofereceu a exame a questão 208. Apreciações proveitosas
foram feitas pelos companheiros. Por fim, o nosso caro Emmanuel escreveu a mensagem
“Considerações no Plano Físico”.
CONSIDERAÇÕES NO PLANO FÍSICO
Emmanuel
Conscientes quanto ao caráter educativo e reeducativo da reencarnação, o empenho a
menor esforço é sempre estranhável naqueles que amadureceram para a aceitação da verdade.
* * *
Afinal, que procuramos quando internados no berço terrestre?
* * *
Se tomamos o corpo físico, claramente sujeito a leis que o transformam
incessantemente, a fim de que sejamos impulsionados à renovação, porque fugir das
dificuldades que nos conduzem à percepção mais alta da vida?
* * *
Se estamos na espiritualidade – criaturas imortais que somos – na posição de
consciências endividadas, ante as culpas adquiridas, renascendo no mundo para o necessário
reajustamento, de que modo solucionar os problemas que se nos fazem característicos, se nos
deixam atravessar a infância absolutamente entregues aos pendores infelizes, sob o pretexto
de que devemos crescer livres?
* * *
Se nos achamos num corpo francamente desmontável, a qualquer hora, na feição de
aprendizes transportando consigo a carteira de lições, no educandário em que provisoriamente
se encontra, que proveito retirar dessa medida, se somos relegados aos próprios enganos,
como barco à matroca?
* * *
Se abominamos o obstáculo, interpretando-o por instrumento de prova, como
efetuar a aquisição das qualidades de que não prescindimos para o trabalho de elevação?
* * *
Se nos revoltamos contra as circunstâncias difícies, como extrair delas o
ensinamento e a providência que nos burilarão sentimentos e raciocínios para a Vida
Superior?
* * *
Que liberdade de escolher teremos nós, se a válvula da responsabilidade não estiver
controlando a nossa independência, já que a independência desorientada quase sempre nos
leva à destruição?
* * *
Que espécie de direito nos favorecerá na justiça da vida, se menosprezarmos o dever
que estabelece o merecimento?
* * *
Que gênero de existência surgirá para nós, se desertarmos da lição que melhora ou
da disciplina que ajuda a construir?
* * *
Com semelhantes perguntas não buscamos louvar o chicote, exaltar a servidão,
reviver a palmatória ou forjar novos grilhões para os nossos irmãos do mundo, mas sim
procuramos ponderar com os amigos encarnados da Terra, quanto aos nossos impositivos de
entendimento em nossas necessidades de educação.

Livro: Caminho de Volta
Chico Xavier/ Emmanuel

NASCIMENTOS ESTRANHOS

NASCIMENTOS ESTRANHOS
Diversos amigos, de passagem por Uberaba, deixaram-nos uma pergunta que nos tomou a atenção: “Por que
nascem crianças em lugares exclusivamente reservados aos tratamentos de doentes mentais?” Com o assunto em
pauta, em nossa reunião pública, O Livro dos Espíritos nos deu a questão 167 para estudo.
Os temas da reencarnação foram comentados. “Recomposição Espiritual”, foi a página que nosso Emmanuel
escreveu ao término das tarefas.
RECOMPOSIÇÃO ESPIRITUAL
Emmanuel
Há quem nos pergunte por que motivo nascem crianças nos recintos de assistência a companheiros em
tratamento de moléstias mentais.
E responderemos com ligeira mostra do assunto.
***
No Mais Além, certo amigo acreditou poder superar o desafio das facilidades humanas e pediu vantagens de
berço no Plano Físico, a fim de cumprir elevada missão.
Ressurgiu, para logo, na linhagem de pais generosos que lhe ficharam o nome, de imediato, na posse de
avantajados recursos materiais.
Desenvolveu-se em refúgio respeitável e opulento.
Encontrou grupo familiar que estendeu apoio e compreensão.
Favorecido por educadores abnegados, senhoreou ingredientes dos mais valiosos para a formação da própria
cultura.
Entretanto, em plena maioridade na experiência humana, por mais advertido fosse pelos princípios da fé que
esposara, decidiu-se pelo abuso.
Traçou infeliz caminho a si próprio.
Sulcou de sofrimento o coração dos pais, feriu companheiros, desbaratou os próprios bens, suscitou a
infelicidade de vastos agrupamentos domésticos, criou dificuldades e sombras e, por fim, precipitando-se em
desregramentos sem nome, desencarnou em lamentável posição de criminalidade.
De regresso ao Mundo Espiritual, reconheceu amigos, recordou afeições, clareou o pensamento, reformulou
pereceres, recompôs idéias e aceitou a culpa que lhe danificava a consciência.
Por mais se lhe dispensasse consolação, mais lhe doía o arrependimento.
Por mais se lhe prestassem favores, mais profundamente sentia o remorso que lhe arruinava todas as forças.
E isso, porque a apreciação de todos os fatos em si procedia dele próprio, no autojuízo a que todos nos
submetemos tão mais intensamente quanto maior o discernimento que venhamos a desfrutar.
Decorrido algum tempo de revisão e reajuste, ei-lo com o novo requerimento de que se supunha necessitado.
Rogava, agora, às autoridades superiores, difícil reencarnação em ambiente obscuro e indefinível, em que
quaisquer vantagens maciças lhe fossem sonegadas.
Foi assim que o vimos renascer, em espaço do Plano Físico totalmente consagrado ao tratamento de nossos
irmãos alienados mentais, recanto esse do qual estamos a vê-lo emergindo muito pouco a pouco, em seus
recursos espirituais, de modo a facear em futuro próximo o grave trabalho de reconquista de que se sente
sequioso, de maneira a reinstalar-se por dentro da própria alma, no respeito a si
Mesmo.
Como, pois, é fácil de entender, somos livres na escolha, mas nos resultados de nossas escolhas, quaisquer que
sejam, de um modo ou de outro, com a nossa própria adesão voluntária à execução da Lei, a Lei sempre se
cumprirá.

Livro: Caminho de Volta
Chico Xavier / Emmanuel

Problemas Religiosos



Ouve-se freqüentemente a pergunta: “O Espiritismo é religião?” E muitas vezes os espíritas não sabem respondê-la. A confusão a respeito provém das campanhas religiosas contra o Espiritismo. As Igrejas Cristãs, descendentes diretas da Igreja Judaica, definem-se como religiosas nos termos tradicionais do formalismo de suas organizações e do culto exterior calcado nos vários cultos dessa natureza que lhes serviram de modelo, em primeiro lugar o judeu e depois os mitológicos, com substanciais influências de Ordens Ocultas como a Maçonaria. As vestes sacerdotais, os paramentos do culto, os instrumentos sagrados – nada disso é de origem cristã, pois o Cristo não se interessou pelos cultos formais e só ensinou o cultivo interior do espírito. Algumas expressões dos Evangelho, alguns gestos e atitudes do Cristo deram motivo à adaptação de ritos e sacramentos judeus ou pagãos pelos cristãos. Como o Espiritismo, fiel ao espírito da renovação cristã, não aceitou o culto exterior, a organização clerical profissional, nem rituais, as Igrejas Cristãs fundaram-se nisso para declarar que o Espiritismo não era religião. Ligadas aos Estados, elas tiveram facilidade de influir nos organismos estatais para fazerem prevalecer a sua tese. Até hoje, no Brasil e em muitos países, certos organismos estatais, principalmente quando influenciados pela Igreja, negam ao Espiritismo o seu caráter de religião. Mas os espíritas precisam saber que o Espiritismo é religião e o Centro Espírita, geralmente religioso, deve insistir no esclarecimento desse problema em suas reuniões.
Não se trata de querer-se obter regalias governamentais para os Centros, mas de se colocar a verdade do fato. E esse fato é aquele que Kardec esclareceu com segurança desde o início do movimento espírita: o Espiritismo é a Ciência do Espírito e de suas relações com os homens; dessa Ciência resulta uma Filosofia e dessa Filosofia as conseqüências religiosas do Espiritismo, que constituem a religião Espírita.
Kardec, como Jesus, não era clérigo de nenhuma religião. Foi pedagogo, cientista e filósofo, diretor de estudos da Universidade de França. Ao enfrentar o problema das manifestações espíritas, que no seu tempo agitavam a América e a Europa, encarou-as como cientista. Observou e pesquisou os fenômenos espíritas, como os cientistas observavam e pesquisavam os fenômenos físicos, descobrindo-lhes as causas, identificando a sua origem, a natureza e descobrindo as leis que os regem. Desse trabalho minucioso e aprofundado, no confronto de hipótese diversas, nasceu no mundo a Ciência Espírita. Grandes nomes das Ciências no século passado e neste século continuaram na linha de pesquisa de Kardec e confirmaram a validade das suas descobertas. Surgiram depois as ciências correlatas, entre as quais se destacaram a Metapsíquica de Richet, a Psicobiofísica de Notzing e por fim, a Parapsicologia atual, todas elas filhas do Espiritismo. A Parapsicologia foi a derradeira e decisiva confirmação do acerto de Kardec e com ela, sob a designação de fenômenos paranormais, os fenômenos espíritas integraram-se nos quadros científicos.
A Ciência Espírita revelou a face oculta da realidade que conhecemos e em que vivemos. Levantou as cortinas que ocultam os bastidores do palco em que representamos os nossos papéis e duplicou os conhecimento humanos, até então restritos ao plano exterior das manifestações da vida.
Cada avanço significativo das Ciências no conhecimento do mundo transforma a nossa concepção da vida e do mundo, gerando uma nova Filosofia e uma nova moral. E a Moral, por sua vez, determinando novas regras de comportamento do homem no mundo, ante os mistérios da vida e da morte, gera uma nova posição religiosa. A Religião Espírita é a conseqüência natural da descoberta científica da sobrevivência e continuidade do homem após a morte. Cientificamente não se pode provar a imortalidade, pois não dispomos de recursos nem de tempo para constatar objetivamente que o homem é imortal em sua essência, mas testemunho dos Espíritos Superiores e as conseqüências lógicas da sobrevivência do homem após a morte nos levam fatalmente à ilação da imortalidade, que o Espiritismo aceitou em seu campo religioso, bem como em sua Filosofia.
A Religião Espírita se funda nas provas cientificas da sobrevivência e da comunicabilidade dos Espíritos com os homens através dos fenômenos paranormais (hoje comprovados cientificamente pela Parapsicologia), na existência de Deus como causa inteligente e primária de todas as coisa e de todos os que seres e nas relações possíveis entre o Homem e Deus através do sentimento religioso inato no homem, na forma de uma lei de adoração e reverência aos poderes superiores que regem o Cosmos em sua plenitude.
Paralelamente ao desenvolvimento das pesquisas espíritas, as pesquisas sociológicas, antropológicas e filosóficas sobre a Religião levaram a cultura atual a rejeitar o antigo conceito de Religião como organismo social dotado de sistemas tradicionais. A existência de religiões desprovidas desses requisitos normais, a começar da simplicidade das religiões primitivas, e o aprofundamento dos estudos a respeito mostraram que o fenômeno religioso independe dessas condições artificiais. Com a tese de Henry Bergson sobre as origens da Moral e da Religião o problema se esclareceu, dando razão ao anúncio de Jesus e às profecias bíblicas sobre a interpretação em espírito e verdade que não se entrosava nos modelos. Bergson estabeleceu a distinção entre as religiões estáticas do formalismo social e a religião dinâmica e independente que se sobrepõe a todo formalismo. A Religião Espírita apareceu então, no quadro das pesquisas, como o modelo ideal das religiões do futuro. Firmada apenas no sentimento religioso, na lei de adoração da tese espírita, a nova Religião apresentava-se liberta dos aparatos do culto exterior, das pesadas e custosas organizações clericais hierárquicas e da suntuosidade arrogante dos templos. A Religião se libertava dos interesses humanos, das ambições de poder e supremacia dos clérigos e voltava-se para Deus.
O problema da Revelação, que caracteriza as Religiões Reveladas, orgulhosas de sua origem divina especial, foi colocado por Kardec no campo das manifestações espíritas, ou seja, da fenomenologia paranormal, e sujeita ao controle dos homens. A Religião Espírita é também revelada, mas através de uma conjugação humano-divina. Os Espíritos Superiores fizeram revelações a Kardec, mas ele não as considerou válidas, reais, enquanto não pôde comprovar sua veracidade através das pesquisas. Kardec formulou a tese da dupla revelação: a que é dada por entidades espirituais ou por homens dotados de poderes paranormais e a que é feita pelos cientistas que investigam a Natureza, descobrem os seus segredos e os revelam no plano científico. É dessa dupla revelação rejeitada pelos místicos e os supersticiosos, que se constitui a Religião Espírita, que não se acomoda na fé cega mas exige a fé raciocinada, sancionada pelos fatos e pela razão esclarecida. Era o fim das fábulas e das superstições, o encontro da razão humana com a Verdade Divina. A importância desse acontecimento histórico foi negligenciada pelos comodistas da tradição supersticiosa e o Espiritismo foi acusado de reviver no mundo, em plena Era Científica, as mais baixas superstições do passado longínquo. Kardec esmagava a superstição com o poder perquiridor da razão e os místicos de braços dados com positivistas e materialistas o condenavam como supersticioso. Mas, apesar de toda essa injustiça e de todas as campanhas difamatórias desencadeadas no mundo contra o Espiritismo, o tempo se incumbiu de dar razão ao seu dono. Hoje, as pessoas realmente cultas e sinceras, estudiosas e livres de preconceitos, sabem que o Espiritismo dos simples é apenas um reflexo do Espiritismo dos sábios, que os próprios sábios materialistas são obrigados a reconhecer como válido. Só criaturas sistemáticas, retardatárias, preconceituosas ou sectárias, incapazes de abrir a mente fechada nas idéias feitas para a compreensão da realidade, continuam a negar a verdade espírita e ao mesmo tempo a sofrer sob o guante invisível dos espíritos obsessores. Porque a seita religiosa fechada é irmã da seita científica amarrada aos seus preconceitos. Um cientista apegado a preconceitos é a própria negação da Ciência.
Mas, estabelecida a Religião Espírita em sua plena liberdade de pensamento, surge no meio dos seus adeptos voluntários o problema dos resíduos do passado. Criaturas que se tornaram espíritas através de experiências paranormais inesperadas não conseguem vencer as barreiras dos temores introjetados em seu inconsciente e começam a misturar suas velhas superstições aos conhecimentos novos que recebe. Não se conformam com a liberdade ampla do Espiritismo. Sentem a falta da canga ao pescoço calejado e procuram transformar os dirigentes de Centros em sacerdotes de um novo tipo e caem de joelhos diante de pobres médiuns falíveis, na esperança de graças impossíveis. Forma-se a farândola dos crentes ansiosos por benefícios especiais. E surgem questões de família e tradição, exigindo batizados, rituais, casamentos suntuosos, missas e promessas aos santos. O espiritismo dispensa todas as encenações rituais e todas as quinquilharias da devoção formal. Para todas as encenações e todos os sacramentos o Espiritismo só tem um substitutivo: a prece espontânea e sincera, gratuita, que parte diretamente do coração da criatura para a Mente Suprema de Deus. No Centro Espírita esse problema deve ser objeto de estudos constantes, de esclarecimento seguro, para que a propagação irrefreável da Doutrina não se faça manchada pelos resíduos de um passado de heresias e fogueiras assassinas em nome de Deus. Embora não ferindo suscetibilidades, os dirigentes do Centro devem manter em pauta os esclarecimentos necessários, mostrando que, no plano do espírito só os elementos espirituais têm valor. Não se pode curar obsessões com sal grosso, folhas de arruda, incenso ou explosão de pólvora, nem com medalhas, crucifixos ou água benta. A obsessão é um processo inteligente desencadeado por espíritos – o que vale dizer por inteligências extra-físicas que não são atingidas por essas coisas. Pois eles vivem no plano espiritual, não no material e conhecem o problema da comunicação mediúnica e do envolvimento fluídico. Só podemos afastar uma entidade obsessiva pela persuasão e a prece, procurando esclarecê-la ao invés de dar-lhe ordens que só fazem irritá-la. Os Centros Espíritas que aceitam os métodos antiquados dos antigos esconjuros e exorcismos revelam a mais grosseira ignorância da Doutrina Espírita que é essencialmente racional. A Razão não pertence à matéria, mas ao espírito. Os fracassos das práticas de exorcismo se comprovam no mundo inteiro através de todas as fases históricas. Enquanto os exorcistas ou exorcisadores gastam energias e perdem tempo, com prejuízo de sua própria saúde e do desgaste físico dos obsedados, chegando, não raro, a resultados tristemente negativos, a doutrinação espírita revela por toda parte a vantagem da ação persuasiva e inteligente sobre os agressores. O valor da prece, mental ou falada, revela-se sempre eficaz, pois a vibração espiritual de uma prece sincera atinge o obsessor de maneira envolvente, chamando-o à razão.
No tocante aos problemas da prece, convém lembrar, como ensina Kardec, que as mais eficazes são as preces espontâneas, não formais e decoradas, mas pronunciadas com sentimento e desejo real, consciente, de beneficiar tanto à vítima quanto ao algoz. Entre as preces formais, a do Pai Nosso se destaca por uma condição especial. Integrado na tradição cristã há dois milênios, essa prece está fixada na mente das gerações e goza o prestígio de ter sido ensinada pelo Cristo. Seu prestígio e sua capacidade de despertar emoções religiosas nos espíritos comprova-se diariamente no mundo. É por isso que ela é empregada sistematicamente na abertura das sessões espíritas. É um tabu, dizem os cépticos, e muitos espíritas, com pretensões racionais agudas, pretendem eliminá-la dos Centros. É um erro grave, pois em toda parte se constatou e se constata, no meio espírita, a sua eficácia. Não é difícil entendermos isso. O Pai Nosso não contém nenhum elemento mágico, mas desde a infância as criaturas nascidas no meio cristão aprenderam a dizê-la e a respeitá-la. Ela foi introjetada na consciência das gerações através dos séculos e dos milênios. Constitui-se numa forma oral e mental carregada de energias espirituais. Tornou-se, no plano religioso, o que é o soneto na poesia ocidental, uma forma oral e mental carregada de poder emocional. Os espíritos perturbadores, que têm consciência de sua posição negativa e criminosa – pois todos a têm – são tocados no íntimo, em sua sensibilidade profunda e em sua afetividade quando ouvem essa prece, principalmente se pronunciada por pessoas que sentem a sua mensagem e conhecem as razões da sua eficácia. Ela soa como um apelido da infância, de juventude emotiva, da vida passada que desencadeia antigas saudades nos homens e nos espíritos. A figura de Jesus, a força ôntica da palavra Pai, que vibra como um apelo a Deus e uma evocação do seu poder supremo e ao mesmo tempo misericordioso, vibra como a primeira nota vigorosa e amorosa de uma imprecação ao Céu, às regiões superiores que desejam atingir, por mais infeliz que seja a sua situação atual. Despertam-se na consciência e na emotividade do espírito as ternas lembranças dos entes queridos, do amor que experimentou na vida familiar terrena, dos momentos de felicidade e alegria que gozou entre criaturas queridas. São esse os toques profundos que o Pai Nosso produz nos corações fluídicos ou encarnados, como uma canção de outros tempos, antiga que, na ternura de suas notas e de sua harmonia, nos faz voltar às oportunidades pedidas.
Criaturas pretensamente racionais analisam e criticam o Pai Nosso, apontando possíveis erros e absurdos no seu texto mais usado e longo, que é o do Evangelho de João. Entidades maldosas costumam soprar a essas criaturas idéias negativas, tentando desviá-las da prática dessa prece. Bastaria esse fato para nos confirmar o valor do Pai Nosso. Os Evangelhos registram formas diferentes da prece de Jesus. A que permaneceu na tradição foi a mais completa, vítima das críticas referidas. Tentemos analisá-la rapidamente em todos os seus termos, desfazendo essas críticas levianas:
Pai – Com essa palavra inicial Jesus deu um golpe vibrante na antiga concepção politeísta de Deus e na idéia bíblica, bem judaica, da posição exclusivista de Deus e na sua condição mitológica de guerreiro, o velho Deus dos Exércitos.
Nosso – Nesta profunda palavra temos a universalização de Deus como Pai de toda a Humanidade. Ela destrói a velha e absurda idéia dos deuses de cada povo, em luta uns com os outros nas guerras dos povos.
que estais no Céu – Afirmação da presença de Deus no infinito, acima de todos os divisionismos humanos, pois o Céu não é um lugar determinado, mas a totalidade cósmica. Deus no Céu cobre na sua misericórdia toda a Terra e todos os mundos, todas as constelações do Infinito.
Santificado seja o Vosso Nome – Que seja reconhecido o nome de Deus como santo por todos os seres, anjos, espíritos e homens, que santificarão o nome de Deus em si mesmos, na sua consciência.
Venha a nós o Vosso Reino – Que o Reino de Deus, ideal superior de Justiça e de Paz perfeita, venha para nós todos.
Seja feita a Vossa vontade, assim na Terra como no Céu  – Que os homens, os espíritos e os anjos cumpram no Céu e na Terra, por toda parte, a vontade suprema de Deus, revelando-se aqui o princípio da comunhão constante e perfeita entre o mundo espiritual e o mundo terreno.
O pão nosso de cada dia dai-nos hoje – O pão simboliza o alimento geral de todos os seres – o espiritual e o material – que os povos daquele tempo repartiam nas mesas simbólicas das cerimônias religiosas. Jesus mesmo repartiu o pão com os discípulos na Ceia da Páscoa, e foi no partir do pão que os discípulos o reconheceram, depois da ressurreição, na estrada de Emaús. Esse alimento essencial é pedido a Deus, que é o Pai, para que não nos falte.
Perdoai as nossas ofensas, como as perdoamos aos nossos inimigos – Os inimigos são os que nos perseguem e caluniam. Alimentados pelo pão espiritual podemos perdoá-los e, só assim, nos fazemos dignos do perdão de Deus, que diariamente ofendemos em nossa ignorância. É o princípio da fraternidade em Deus e por Deus.
Não nos deixeis cair em tentação – Somos frágeis em nossa ignorância e alimentamos desejos e ambições. A tentação está em nós mesmo, mas Deus pode alimentar-nos diariamente o espírito com os verdadeiros anseios da nossa destinação, para não cairmos no torvelinho dos nossos instintos inferiores.
Mas livrai-nos do mal para sempre – Súplica a Deus para nos despertar a consciência nas horas difíceis de cada dia.
Pois vosso é o Reino, o poder e a glória para todo o sempre – O Reino que buscamos é o de Deus, não o dos homens. O poder é de Deus e não dos espíritos inferiores, a glória só a Deus pertence e só Ele nos pode glorificar. Laudação que só aparece no Evangelho de João, como justificação final de toda a prece.
O Pai Nosso é uma prece sintética, modelo dado por Jesus aos seus discípulos, para que nela encontrem, diariamente, a síntese final dos seus ensinos. A dinâmica dessa síntese desperta a memória dos homens e das entidades espirituais para a fé em Deus, a esperança em nossa evolução espiritual e a confiança no poder absoluto e na misericórdia d’Aquele que nos arranca do limo da Terra para as ascensões da evolução universal.
Há pessoas que discordam da prece do Pai Nosso nas sessões espíritas, alegando que se trata de uma oração católica. Jesus nasceu no Judaísmo, recebeu a benção da virilidade no Templo, aos 13 anos, como todos os meninos judeus da sua idade, cresceu e viveu como judeu até o momento em que iniciou a sua pregação própria, da qual nasceria o Cristianismo, porque os seus discípulos e apóstolos o chamavam de Cristo. Ele ensinou a prece do Pai Nosso quando andava pregando na Palestina, muito antes que a sua doutrina chegasse a Roma e fosse transformada num vasto sincretismo religioso do qual surgiria a Igreja Romana. O Pai Nosso virou Padre Nosso em Roma e só neste século voltou à designação primitiva, dada pelos cristãos palestinos que não falavam latim. Não há razão nenhuma para se considerar essa prece como católica. Ela é uma prece cristã pura, dotada de todas as características do pensamento superior de Jesus, que sempre pairou acima dos divisionismos sectários. Se os Evangelhos apresentam o Pai Nosso em formas diferentes, isso acontece pelo simples fato de que cada evangelista redigiu os seus relatos em lugares e épocas diferentes, usando as lembranças e as anotações que possuíam. João, cujo Evangelho foi o último a ser elaborado, conseguiu reunir maiores elementos para dar a prece completa, segundo era pronunciada pelos cristãos primitivos. Como assinalou Renan, e foi confirmado nos séculos seguintes pelos pesquisadores universitários das origens do Cristianismo, as informações de que os evangelistas dispunham procediam dos próprios círculos da intimidade do Mestre, guardando a autenticidade das suas expressões.
A insistência da Igreja Católica em manter a expressões latina Padre (Pater) no nome da prece, lançou nos países de língua latina, como Portugal e o nosso, a falsa sugestão de uma ligação real entre a Igreja (cujos sacerdotes são chamados padres), o que foi duramente contestado pelas Igrejas da Reforma Protestante.
O emprego do Pai Nosso nas reuniões espíritas é perfeitamente válido, tanto em face das característica inegáveis de Renascimento Cristão da Doutrina Espírita, tanto em seu desenvolvimento filosófico, quanto em suas atividades práticas. A alegação de que o Espiritismo mistura Cristianismo com religiões primitivas é simplesmente uma impostura, diante dos estudos aprofundados sobre a formação do sincretismo católico-africano de que o Espiritismo não participou.

Deus no Centro


Deus no Centro

Há bem mais de um século que os sacerdotes, os pastores, os catequistas e as mais altas autoridades das religiões cristãs no mundo de Deus acusam o Espiritismo de Invenção Diabólica e o Centro Espírita de Casa do Diabo. Mas, no ocorrer do tempo, essa situação ingrata foi se modificando. As artimanhas do Diabo foram gradativamente vencendo os escrúpulos dos Ministros de Deus. Padres e freiras, monges e monjas, sacristãos e coroinhas, pastores e ovelhas começam a perceber que os espíritas também são filhos de Deus e merecem a benção do Pai. Assim aliviado do peso das maldições e da pressão dos preconceitos, o Centro Espírita deixou de ser o espantalho dos crentes e passou mesmo a atraí-los. O Centro Espírita caluniado, humilhado e humilde, muitas vezes de pés descalços (como Anchieta em Meritiba) começou a cair nas graças do povo. Porquê? Porque era apenas uma parcela do povo e nele não se exaltava ao Diabo, mas a Deus. “Quem vive de mãos dadas com Demônio não tem o direito de proferir o Santo Nome de Deus”, gritava um padre sincero, cheio de indignação divina, no púlpito de sua igreja, aqui mesmo em São Paulo, nos idos de 1930. Mas o tempo, que tudo cura e tudo prova, curou a fúria do padre e provou que Deus está também no Centro Espírita. Suprema heresia que ninguém pode evitar, pois Deus não pede licença a ninguém para estar em toda parte e em tudo, segundo o próprio dogma da Onipresença Divina, sustentado pelas Igrejas.
Hoje, como nos disse certa vez o Dr. Romeu do Amaral Camargo: “Deus está no Centro”. Custou muito para as Igrejas aceitarem essa possibilidade, através de apenas alguns de seus profitentes. Mas isso não é de espantar a ninguém, pois também somente agora, em recente declaração do Papa Paulo VI, divulgado pela imprensa mundial, o Vaticano reconheceu oficialmente que há uma presença de Deus no Judaísmo. Mas se Deus está na Bíblia e se esta é a palavra de Deus, sobre a qual se assentam todas as religiões cristãs, como só agora se percebeu que Deus está na Sinagoga? Na Costa do Pacífico, nos Estados Unidos, país ciosamente cristão, existem várias Igrejas do Diabo. Quem poderá reconhecer oficialmente a presença do Diabo nessa Igrejas, agora que o Espiritismo provou ser de Deus e não do Diabo? Com o correr do tempo, tornou-se mais fácil provar a existência de Deus em algum lugar do que a presença do Diabo. Não devemos perder muito tempo com essas curiosidades, mas como a memória humana é fraca, precisamos assinalar esse fatos. O trocadilho “Deus está no Centro” encerra uma verdade que todos os espíritos conhecem de perto. No centro do Universo está Deus, não em figura mas em realidade, pois se Deus é o Todo em Essência e tudo provém dele, tudo pertence a Ele, tudo é Ele e Ele dirige e governa tudo, é evidente que o Centro Espírita, onde tudo se faz em nome de Deus, não pode estar sem Deus. Giovani Papini, o famoso escritor católico italiano, autor da famosa obra II Diavolo, causou escândalo na Santa Sé ao sustentar que o Diabo reverterá a Deus. Mas os teólogos aturdidos com as atrocidades da II Guerra Mundial resolveram declarar ao Mundo que: “Deus morreu”. Se isso realmente aconteceu, a situação das Igrejas é insolúvel e toda a Teologia das Igrejas veio abaixo. Pois se Deus morreu, não era imortal, e se o Diabo ficou em apuros, pois não tem quem o perdoa, continua vivo após a morte de Deus e é mais invulnerável que Deus.
No Centro Espírita a notícia dessa morte não causou o menor abalo, porque todos sabem, até os adeptos de inteligência mais modesta, que Deus está ali, talvez sentado liberalmente entre eles, sorrindo da Sua morte impossível. Numa atitude puramente humana, os teólogos quiseram colocar Jesus, provisoriamente, segundo dizem, no Trono de Deus, como legítimo herdeiro do Trono Supremo. E então surgiu esta situação embaraçosa: se Deus morreu e o filho só pode substituí-lo eventualmente – pois não é Deus – então a morte de Deus deixou o trono sob simples regência e com isso surgiu na Terra o Cristianismo Ateu. Precisamos saber essas coisas para sabermos a quem entregaremos as nossas almas na hora da morte. O ateísmo cristão nos deixa em dificuldades e só temos um jeito de buscar Deus: no Centro Espírita. Porque somente ali, na antiga morada do Diabo, não se acredita que Deus morreu e se continua a falar em seu nome. Porque ali se sabe e se prova, diariamente, através dos processos Kardecianos. que nem o homem morre, quanto mais Deus. A Teologia, arrogante e vaidosa Ciência de Deus, fechou as suas portas doiradas com o balanço total da sua falência. Se Deus morreu, acabou-se o negócio.
A onipotência e a onipresença de Deus são dois mistérios teológicos admitidos por quase todas as religiões. Porquê só pode existir um Deus, único e soberano quando seria muito mais fácil compreender-se a multiplicidade dos deuses e a sua disciplinação hierárquica, como nas Mitologias? A resposta a está pergunta, agora reformulada pelos neopoliteístas, nos leva diretamente para o centro do problema cristão e para o centro da mundividência espírita. No Judaísmo arcaico, herdeiro das velhas concepções mesopotâmicas, a existência de Deus Único era uma necessidade orgânica. Derivada do antropomorfismo mais remoto – em que o homem era a síntese e o modelo de todas as coisas – essa concepção figurava o Cosmo como um grande Ser que abrangia em sua conformação ideal a totalidade das coisas e dos seres existentes. O isoloísmo grego, teoria do mundo como um ser vivo, dotado de corpo e alma, confundia a natureza divina com a natureza humana. Ajustando essa idéia estática ao movimento incessante das coisas, Zoroastro, na Pérsia, apresentava a imagem de Deus no fogo, nas labaredas, que são ao mesmo tempo estáveis e instáveis. O Judaísmo, nascido das entranhas da concepção mitológica dos povos da Antigüidade, avançava além dessa concepção, apresentando Deus como um Ser Humano de dimensões inimagináveis, mas dotado do poder (pois possuía todos os poderes de revelar-se aos homens em dimensões humanas). Proibia que se fizesse figuras de Deus, mas na Arca Sagrada havia oculta a sua imagem pintada por mãos humanas. Na Bíblia, essa contradição é bem marcante. Se manifesta na forma humana de Iavé, com todas as imperfeições humanas do amor e do ódio, da ambição e do ciúme, da voracidade cruel e brutal de Baal e da preferência pelo seu povo, com inteiro desprezo pelos demais povos, considerados impuros. O protecionismo a Moisés – tão assassino e ciumento como Caim – lembra as preferências dos deuses mitológicos da Grécia por seus pupilos. Deus local, como os deuses nomos egípcios, mas sem possuir terra própria, leva os judeus à conquista brutal e impiedosa de Canaã, para ali estabelecer o seu feudo, sem a menor contemplação para com o povo cananita. Não é de admirar que Cristianismo igrejeiro, apegado ferozmente à Bíblia, se atrelasse mais tarde ao carro das iniqüidades romanas, massacrando e explorando povos mais fracos. É das entranhas desse Deus humaníssimo, vingativo e mau como os homens, exclusivista e contraditório, que nasce a idéia do Deus Único.
Mas, apesar de tudo isso, a unicidade de Deus é tão necessária como a unicidade do homem. A esquizofrenia nos mostra o que é um homem alienado, um espírito dividido em si mesmo, incapaz de coordenar as suas faculdades e controlar os seus poderes. Um Deus partido em três, segundo o dogma da Trindade, seria um Deus esquizofrênico e sua desordem divina, sua insegurança interna se refletiria no casos de um Universo absurdo. Assim, da dialética das concepções contraditórias a respeito de Deus é que vai nascer a lógica da concepção monoteísta. Deus só pode ser Um, solitário e soberano no inefável, na solidão vazia do Cosmo. Nessa solidão ele cresce em seus poderes até o momento em que, estremecendo e acordando da sua hibernação espantosa, toma a consciência de Si mesmo e realiza, com apenas uma palavra, o fiat da Criação Universal e total. E como a criação preenche os espaços vazios, em todas as direções, Deus permanece no centro, dirigindo e controlando os seus domínios inacessíveis à imaginação humana. Eis porque Deus é Único e só pode ser Único, apesar de poder tudo. As contradições do Politeísmo provinham da concepção caótica do Universo, não permitindo à mente humana uma concepção harmoniosa da realidade. No monoteísmo temos apenas uma contradição, que é a de Deus consigo mesmo, e esta gerar a síntese do Todo, para dar ao homem a possibilidade de compreender a realidade e estruturá-la no conhecimento, sem o qual nada saberíamos nem poderíamos.
É assim que a realidade cósmica, não acessível à inspeção completa do homem, fica ao seu alcance graças à estrutura de leis regulares e universais, que lhe facultam as ligações necessárias a uma visão geral do Universo. Deus é o poder gerador e mantenedor dessa realidade sem limites e o conceito de infinito, vaga suposição da Antigüidade, se torna positivo pela revelação de unidade orgânica – e necessariamente orgânica – do Cosmos. Note-se bem: unidade orgânica, semelhante à da nossa estrutura, que é una apesar da multiplicidade dos seus órgãos e membros, porque todos a eles pertencem a um organismo único. Da mesma maneira, a unidade orgânica do Cosmos deriva de sua centralização em Deus, que mantém a unidade infinita através da subordinação de todas as galáxias ou constelações de mundos, espaços etéreos aparentemente vazios, mas cheios de força e plasma cósmicos. tudo formando o organismo único.
Não seria isso uma ilusão? Os que consideram o Universo como finito e fechado sobre si mesmo dizem que sim. Mas Kardec, já no século passado, antes das conquistas científicas do nosso século, propôs uma teoria que hoje tem a sansão de novas descobertas. Por mais que tentemos dar ao Universo um limite, lembrou ele, por mais que avancemos em nossa imaginação, sempre estaremos em face de espaços que se desenrolam além. Essa prova psicológica da infinitude (baseada ao mesmo tempo em psicologia e lógica) tem hoje a comprovação das conquistas parapsicológicas, que revelam a existência em nós de um poder também sem limites, que é da percepção extra-sensorial de realidades que escapam aos nossos sentidos físicos. Não se trata de simples intuição, mas de captação de realidades que estão fora do alcance dos nossos sentidos e dos nossos instrumentos. O homem sente e intui que o Universo é infinito. Teorias físicas e cálculos matemáticos o contra-dizem. Mas a percepção extra-sensorial, fundada em suas potencialidades inconscientes, continua a dizer-lhe que para as dimensões do Cosmos não há limites.
No Centro Espírita a presença de Deus se faz sentir nas manifestações mediúnicas que derrubam as barreiras da morte, pelas declarações unânimes dos Espíritos Superiores, comprovadamente possuidores de conhecimentos muitos superiores aos nossos, pela revelação, comprovada através de pesquisas e experiências científicas de sábios eminentes do século passado e deste século, de que existem no homem potencialidades muito superiores às que ele revela quando encarnado, sujeito aos condicionamentos da vida carnal. Não se trata de dogmas estabelecidos por concílios de cegos supostamente divinos, mas de pesquisas objetivas e controladas pela metodologia científica. Deus não é uma hipótese, mas uma realidade comprovada pelo princípio científico, segundo o qual, dos efeitos remontamos às causas. Deus é a fonte causal de todas a realidade. Kardec tirou desse princípio, por ilação lógica amparada pelos fatos, a lei espírita segundo a qual: Não há efeitos inteligentes sem causa inteligente e a grandeza dos efeitos revela a grandeza de causa. Esse o raciocínio básico das provas espíritas da existência de Deus.
Mas além disso a presença de Deus no Centro Espírita se comprova pelas manifestações dos seus mensageiros, os Espíritos Superiores a seu serviço por todo o infinito. Essas manifestações não são constantes e gratuitas, mas ocorrem de maneira inesperada e com finalidade certa. Mas é sobretudo no coração dos humildes que Deus se afirma como realidade viva e atuante, nas sessões de auxílio espirituais. Um coração angustiado de mãe que se alivia e alegra ao receber a visita do filho que parecia morto para sempre, numa comunicação mediúnica oral ou numa aparição pela vidência despertada na mãe. Numa comprovação pela aparição tangível ou materialização, como no caso famoso de Frederico Fígner e sua esposa, que, em Belém do Pará, através da mediunidade de Ana Prado, uma mulher humilde, tiveram a oportunidade de retomar sua filha Raquel novamente nos braços, sentá-la no colo e conversar com ela viva e alegre, que censurava a mãe por se trajar de luto. Numa aparição tangível da sua própria mãe, dada a um sábio famoso que combatia o Espiritismo como superstição infundada, como aconteceu com César Lombroso em sessão com a médium Eusápia Paladino, presidida pelo Prof. Chiaia, da Universidade de Milão. Lombroso abraçou a mãe, que falou com ele, e nos dias seguintes declarava num artigo de retratação, pela revista Ombra e Luce, daquela cidade: “Nenhum gigante da força e do pensamento poderia fazer para mim o que fez essa pobre mulher analfabeta – arrancar minha mãe do túmulo e devolvê-la aos meus braços”. Não eram aparições ocasionais, facilmente atribuíveis a fatores psicoemocionais, mas aparições provocadas em nome de Deus, em sessões experimentais em que o ingrediente Deus não havia sido desprezado. “Com a permissão de Deus”, dizem sempre os espíritos agraciados com essa oportunidades de reencontro após a morte.
O Centro Espírita se caracteriza, assim, como o centro de comunicações com os que já deixaram a vida terrena, mas continuam vivos e ativos na outra face da vida. Nada se paga para falar com os mortos, os supostos mortos da nossa ignorância, porque os serviços de Deus são gratuitos desde o nascimento, que é um prodígio de Deus, até a morte, que é a graça de Deus libertando-nos da asfixia da carne, e além da morte, nas maravilhosas possibilidades das manifestações mediúnicas.
Deus está no Centro Espírita em que as criaturas se reúnem de coração puro, confiantes no seu poder infinito. O preço da comunicação é geralmente o aparecimento do espírito ou dos que desejam reencontrá-lo. Os dirigentes de centros precisam meditar diariamente nas responsabilidades que assumem ao aceitar os seus cargos, que na verdade são encargos divinos. Deus não exige de nós mais do que podemos dar. Não quer que nos apresentemos a Ele e aos homens com as vestes nupciais da parábola, que ainda não possuímos. Não podemos enganá-lo com sorriso de falsa bondade, de fraternidade fingida, escondendo nas moitas do coração selvagem a serpente da inveja, da intriga, da censura ao próximo, do julgamento desprezivo do irmão que se senta ao nosso lado. Não vemos Deus no Centro porque não temos condições para isso, mas podemos vê-lo no semblante sincero e ingênuo e no coração puro dos que não alimentam vaidades e preconceitos negativos ao nosso redor. Deus não está ali, diante de nós, como um Ser visível e corporal. Ele impregna o Centro, como impregna o recinto de todos os templos freqüentados por criaturas sem maldade e sem reservas. Mas podemos ver o seu rosto no semblante dos que se entregam com amor ao serviço do bem, tocar as suas mãos nas mãos sinceras e boas dos que nos amam sem restrições. E se os hipócritas nos cercam e nos olham com fingida amizade, podemos ser para eles a mensagem do amor e da sinceridade que flui de Deus para o nosso coração. Deus no Centro é Deus em nós, ajudando-nos a crescer com o fermento da fraternidade, que ele pouco a pouco aumenta em nossa medida de farinha, na proporção em que a farinha do nosso egoísmo absorve o fermento e se transforma no pão que nos alimenta a alma.
Estas não são imagens líricas, mas a verdade espiritual trocada em figuras e expressões de amor, como as que encontramos nos Evangelhos de Jesus. Não é o autor do livro que as produz, mas os Espíritos benevolentes que, em nome da fraternidade humana, as transmitem aos que desejam servir a si mesmo e ao próximo. Porque aqueles que desejam servir-se na mesa do bem, naturalmente repartem o seu pão com os irmãos famintos de bondade, como Jesus o fez com os apóstolos nas estalagem da estrada de Emaús.
Deus no Centro não é a presença exclusiva para ninguém, mas presença inclusiva para todos, a todos incluídos em Seu chamado para a vida do espírito. Os que procurarem compreender e sentir a sua presença no Centro a levarão consigo para casa. As pretensões de superioridade, o desejo egoísta de ser impor aos demais, o ciúme corrosivo e o julgamento do próximo em nosso íntimo ou em nossa língua não nos deixa perceber a bondade de Deus. Os que se sacrificam para melhorar a Terra, dando de si o que podem e muitas vezes o que não podem – esses fazem a Vontade de Deus. Os que batem a língua nos dentes para destilar venenos de serpente não podem perceber a presença de Deus no Centro e só percebem os espíritos malévolos e sofredores.


Livro: O Centro Espírita

As Almas Frágeis


O Centro Espírita é o refúgio das almas, encarnadas e desencarnadas. Substitui no presente os templos do passado, onde as pompas terrenas estimulavam as almas frágeis, sugerindo-lhes o amparo das potências celestes. A riqueza dos templos, o fulgor das luzes nos altares, os paramentos do sacerdote, os vitrais coloridos e a música sagrada reboando nas naves agiam ao mesmo tempo como anestésicos das angústia terrenas e excitantes esperanças celestes. Era toda uma técnica divina, provinda das origens humanas, do silêncio misterioso das selvas das matas, em que a densa folhagem das árvores enormes filtrava a luz do sol em gamas de coloridos arco-irisados. A idéia do Sagrado sugeria a transmissão dos poderes divinos através dos sacramentos e dos rituais. Mas o tempo passou a sua esponja mágica no séculos e nos milênios, amadurecendo as almas frágeis e despertando-as para a consciência de si mesmas. Na esteira das renovações surgiram as reuniões simples dos clãs e dos grupos familiais, junto às fontes murmurantes em que os oráculos e as pitonisas interpretavam a voz dos deuses na voz das coisas. Jesus de Nazaré, que os judeus esperavam como o cristo das novas guerras de conquista, surgiu humilde e simples, modesto filho de uma família operária. De suas mãos surgiram práticas novas, em que o fluxo divino dispensava os paramentos suntuosos dos canais oficiais da Divindade. E, com esse fluir espontâneo do amor e da bondade naturais, derramaram-se na terra dos corações as sementes da Boa-Nova. Foi dessa semeadura nos campos a nas praias, no próprio interior dos templos ou em seus pátios exteriores, ainda sob o fumegar das aras em que se queimavam as ervas sagradas e as carnes dos animais sacrificados, que surgiram os primeiros cultos pneumáticos do Cristianismo Primitivo, os cultos do Espírito.
Poder insuspeitado da Evolução, desencadeando os processos misteriosos da metamorfose, transformaram aos poucos as formas de relação do homem com a Divindade. O Centro Espírita nasceu como Jesus e com Jesus, sem os aparatos inúteis do formalismo religioso, restabelecendo nas almas a confiança em si mesmas, despertando-lhes a percepção de sua natureza divina. As almas frágeis tornaram-se fortes na fraqueza da simplicidade. Em vão se desencadearam os temporais da reação, em que as almas fracas amadureceram nas estufas brutais do martírio. Elas haviam decifrado o enigma, encontrando a pureza na impureza do mundo, a verdade nas palavras do Messias rejeitado e Deus no íntimo de si mesmas. O episódio de Pedro em Jope, recusando-se a atender o centurião Cornélios – impuro comandante de centúrias romanas – mas atendendo-o por mandato mediúnico de inesperada vidência, mostra-nos ainda hoje como se processou a metamorfose do judeu formalista em cristão fraterno. Pedro vai à casa de Cornélios e se surpreende com a família impura tomada pelo Espírito. A manifestação mediúnica em local profano lhe ensinava o que era o Batismo do Espírito que até então ele não pudera compreender. Nascia ali, aos seus olhos, o primeiro Centro Espírita numa casa de família. E Pedro voltou a Jerusalém para contar aos apóstolos o que vira com seus olhos e o que sentira em seus coração. O Céu baixava à Terra e nela se abria como se abrem as flores do campo, com o mesmo esplendor dos lírios que as vestes suntuosas de Salomão não podiam superar. Mas o tempo ainda haveria de fluir nas ampulhetas por quase dois milênios, até que a metamorfose anímica e consciencial se definisse na missão de Kardec.
O Espiritismo abalou as estruturas do mundo artificial dos homens, revelando-lhes assustadoras perspectivas de responsabilidade moral e espiritual. Subverteu a ordem extática das aparências convencionais e soltou sobre as Igrejas, as Academias, as Universidades, os gabinetes dos sábios e toda a estrutura vacilante das Ciências os seus fantasmas até então considerados como simples ficções literárias. Em vão, por toda parte, os conservadores de um passado já morto – embalsamadores de múmias culturais – se levantaram por todo o mundo tentando afugentar os fantasmas invasores. De nada valeram os conluios secretos, as decisões arbitrárias de juízes sem toga, as maldições de prelados poderosos. Os fantasmas não pediam licença para aparecer e tumultuaram o panorama cultural, suscitando polêmicas violentas entre figurões mundiais do saber. Em meio ao temporal as almas frágeis se refugiavam humildes nas reuniões familiais do velho culto pneumático ressuscitado. E dessas reuniões domésticas, como as do Cristianismo Primitivo, das tertúlias à sombra das figueiras de Betânia, com as figuras simples e amorosas de Lázaro, Marta e Maria ao redor do mestre, nasciam e se multiplicavam os Centros Espíritas.
Essa genealogia bimilenar do Centro Espírita, ao mesmo tempo humilde e grandiosa, atesta a sua origem humana e divina, conferindo a Kardec o título de herdeiro de Deus e co-herdeiro de Cristo, segundo a conhecida expressão do Apóstolo Paulo. Um título comum, que Paulo estendeu a todos os que aceitaram e acolheram a Boa-Nova em seus corações. Ninguém o fez com mais sacrifício e dedicação, com mais amor, confiança e fé, do que o Codificador do Espiritismo. E a genealogia prossegue na descendência espiritual de Kardec. Mas não há nisso nenhuma intenção de vaidade ou orgulho mundano, pois as sucessivas gerações espíritas não descendem do sangue, sim do espírito. A filiação à linhagem espiritual de Kardec não nos proporciona títulos honoríficos ou terrenos, mas obrigações muitas vezes dolorosas e sacrificiais, no decorrer de vidas de abnegação ao próximo e de fidelidade ao futuro.
O Centro Espírita, como a relva, nasce por toda parte, e quando os poderes temporais o decompõem ou esmagam, ele renasce com teimosia desafiante. Porque aqueles que viram e conheceram a Verdade, que a sentiram ao menos uma vez em seus corações, jamais a esquecem e jamais a negam. As almas frágeis se fizeram fortes ao sopro dos ventos proféticos. Criaturas ingênuas e desprovidas de tudo, órfãs da cultura secular, sentem-se apoiadas na rocha das experiências vitais do espírito e são capazes de enfrentar os titãs da cultura mundial com a firmeza dos estóicos. Nada as abala, nem sofismas nem maldições, porque experimentaram o toque da Verdade em si mesmas.
Os que dizem ter sido espíritas e deixado a Doutrina, nunca o foram. Se tivessem realmente penetrado no conhecimento doutrinário, de mente e coração, não poderiam voltar à ignorância do niilismo sem fundamento ou às fabulas do religiosismo contraditório e absurdo. Um marinheiro que deixou o mar nunca se esquecerá do marulho das ondas e jamais perderá a lembrança das amplidões marinhas em que navegou.
As almas frágeis são remanescentes dos rebanhos religiosos embalados ao longo dos séculos pelos pastores piedosos, herdeiros da flauta de Pã. Ao som melodioso e enganador das flautas adormeceram no tempo, vigiadas e protegidas. Não são as almas primitivas, pois estas são geralmente fortes e bravas, carregadas dos impulsos animais. Ao contrário destas, elas se acomodam nas sensações agradáveis da vida material e repetem encarnações sucessivas de acomodação e indolência, abusando de seu livre-arbítrio ao invés de utilizá-lo no processo evolutivo. Somente a dor, nas duras provações, consegue arrancá-las do círculo vicioso. Como diz Lázaro, numa das suas mensagens de O Evangelho Segundo o Espiritismo: só podem saltar o obstáculo e avançar “sob a dupla ação do freio e da espora”. As almas frágeis precisam ser constantemente vigiadas e orientadas no Centro Espírita, pois se entregam facilmente a um misticismo inferior, tentando alcançar a angelitude através de submissão interesseira a espíritos mistificadores, dirigentes de vistas curtas e médiuns pretensiosos. Gostam de Ordens, Fraternidade, Escolas Evangélicas, de sacristia e coisas semelhantes, onde possam usar distintivos, insígnias e serem classificadas em graus de evolução. Todas essas modalidades de agrupamentos exclusivistas, separatistas e pretensiosos servem para protegê-las na sua fragilidade. Não gostam de atitudes positivas e enérgicas e fariam do movimento espírita uma Irmandade do Senhor Morto, se conseguissem dominar o meio. Os presidentes e dirigentes de Centros precisam exercer rigorosa vigilância em suas instituições, para que essas almas infantis não deturpem santamente a Doutrina, com as melhores intenções de que o Inferno está cheio. Todas as formas de resíduos do passado igrejeiro agradam a essas almas traumatizadas, que são atraídas ao Espiritismo precisamente para se curarem nele e não para prejudicá-lo.
O Espiritismo não é uma Doutrina de passividade contemplativa. Sua finalidade, como os Espíritos Superiores disseram a Kardec, é revolucionar o mundo inteiro, modificado-o para melhor. A essência cristã do Espiritismo reflete as atitudes vigorosas do Cristo em luta com as estruturas asfixiantes do Mundo Antigo. O Espírita verdadeiro é um construtor do futuro. Cabe-lhe o dever inalienável de estudar a Doutrina, aprofundar-se no seu conhecimento, difundi-la com vigor e confiança para que a sua luz solar afugente as trevas de um passado contraditório de lamúrias, imprecações e louvores subservientes a Deus, como se Deus fosse um tirano injusto à espera do nossos rapapés para nos conceder a sua proteção.
A promessa evangélica do Consolador se cumpre na Doutrina Espírita de maneira positiva e não através de cantigas de ninar, de palavrório anestesiante. A própria dureza do mundo atual, com suas atrocidades, sua ganância, sua criminalidade aviltante, mostra-nos que o tempo dos Contos da Carochinha já passou, que a Humanidade entrou na fase da madureza e tem de aprender a enfrentar os seus problemas por si mesma. Não que Deus nos tenha abandonado ou esquecido, ou que tenha falecido de um enfarte divino – como querem os teólogos do Cristianismo Ateu – mas porque marcou os limites de nossa ilusão comodista, lançando-nos face a face com os resultados do nosso comportamento no mundo. Todas as dificuldades atuais são conseqüências dos abusos que cometemos no uso do nosso livre-arbítrio, apesar de todo o auxílio e de todas as advertências que recebemos do Alto nas etapas sucessivas da nossa evolução, por falta de uma tomada de consciência do que somos e da finalidade superior da nossa própria existência.
O consolo que o Espiritismo nos dá não é a proteção fictícia da fé cega, dos sacramento vazios de sentido, do socorro espiritual egoísta, em forma de privilégio injustificáveis, do paternalismo dos sacerdotes profissionais, dos agrados interesseiros de médiuns venais. O Consolador não se manifesta através de prodígios sobrenaturais, mas na forma de esclarecimentos positivos, de revelação científica das leis naturais que até agora olvidamos ou encaramos como crianças choramingas pedindo colo. O Espiritismo nos consola como o fez o Cristo, provando aos seus discípulos que cada um de nós é um ser imortal, de natureza divina, que nasce para morrer, pois a morte é o fim do aprendizado terreno, de maneira que morremos para ressuscitar em plano superior, a fim de prosseguirmos a nossa evolução em condições mais favoráveis. A Filosofia Existencial do nosso tempo sanciona essa verdade espírita, sustentando que o homem passa pela existência terrena como um viajante que atravessa uma região estranha, aprendendo a vencer por si mesmo as dificuldades, adquirindo experiências para depois avançar em nova direção. Até um cético, como Sartre, viu-se obrigado a admitir que nascemos como seres pré-existentes num plano metafísico, projetando-nos na existência física para fazer uma trajetória de experiências na busca da transcendência, desenvolvendo potencialidades que devem levar-nos à condição divina. Cego de um olho, não conseguiu ver a passagem do ser através da morte e considerou esta como o fim, a frustração dos anseios de transcendência. Mas Martin Heidegger enxergou mais longe e proclamou: “O homem se completa na morte”. Kierkegaard, teólogo dinamarquês protestante, fundador do Existencialismo, entendeu que o homem é o parceiro de Deus na Eternidade e por isso só pode, de fato, comunicar-se com Deus, que é o Outro, no diálogo das almas. O Espiritismo esclarece essas teorias filosóficas ainda confusas, mostrando que a realidade existencial do homem, aqui e no além, pode ser comprovada pelas pesquisas científicas, como na verdade já o foi.
No Centro Espírita as almas frágeis dos rezadores lamurientos encontraram os elementos necessários à recuperação de suas forças, de sua virilidade espiritual, para ressuscitarem-se a si mesmas das cinzas do passado. Percebendo isso de maneira vaga, envoltos ainda nas brumas de um misticismo igrejeiro, muitos espíritas querem transformar os Centro em escolas simplórias, retirando-lhes a prática espírita tradicional ou despindo-os de seus elementos fundamentais, que são as manifestações mediúnicas. Essa é uma tentativa de repetir no Espiritismo a supressão do culto pneumático, ou seja, as sessões mediúnicas em que se realizam os diálogos da doutrinação de encarnados e desencarnados. É esse um equivoco proveniente da ignorância da Doutrina ou do seu conhecimento superficial. Por outro lado, há nessa tentativa a influência do instinto de imitação, que leva criaturas afoitas a quererem renovar o Espiritismo, num tempo em que tudo se renova. Não, percebem, esses espíritas renovadores, que tudo se renova num mundo em que o Espiritismo é a fonte e a mola de todas as renovações. Se toda a cultura terrena está abalada e se renova, é porque estava errada e precisa ser corrigida. Mas o Espiritismo antecipou, nos seus postulados, todas essas renovações, previu-as, anunciou-as e até mesmo delineou-as, como se pode ver no confronto das novidades atuais com o vasto esquema de transformação oferecido ao mundo pelos Espíritos há mais de um século. Só um setor do conhecimento, nesta hora de transição, não necessita renovações, e esse setor é precisamente o Espiritismo. O que ele exige de nós não é renovação doutrinária, mas apenas expurgo de infiltrações espúrias nos Centros, produzidas pela leviandade de praticantes que se desvairam da orientação doutrinária, adotando atitudes, fórmulas e práticas antiquadas.
O terror místico proveniente de um longo passado religioso de mistérios e ameaças não tem mais razão de ser. Não obstante, encontramos no meio espírita um pesado lastro desse terror em forma de traumatismos inconscientes que geram comportamentos antiespíritas. Chegou-se recentemente a introduzir numa grande instituição espírita paulista o princípio do jejum sexual, mesmo para casais. Marido e mulher deviam privar-se de relações impuras, se quisessem preparar-se para uma vida espiritual superior. O tabu do sexo foi sempre um abantesma nos meios religiosos, mas isso jamais impediu os escândalos e as perversões sexuais que o Apóstolo Paulo já denunciava na Igreja de Corinto. A repressão sexual leva fatalmente a situações patológicas. Sexo é lei, é lei básica da Natureza. Querer suprimi-la é querer suprimir a vida. Condená-la é condenar o homem, a criatura humana, é censurar a Deus que a estabeleceu de maneira irrevogável. Se a relação sexual é pecado, somos todos filhos de pecado. Nada e ninguém nasce por geração espontânea, pois mesmo os vírus hoje indicados como prova dessa forma de geração, resultam de forma sexuais específicas das formações cristalinas. Lei dialética de síntese e reprodução, o sexo influi na manutenção de todo o equilíbrio da Natureza. A função sexual não é apenas reprodutora, mas também diretora do equilíbrio orgânico e psíquico da criatura humana. Estabelecer sistemas de abstinência sexual nos Centros, como forma de comportamento espiritual para os espíritas, é simplesmente negar toda a Doutrina, que tem por fundamentos a evolução humana através da reencarnação, dos processos afetivos entre homem e mulher, da criação e educação dos filhos, da formação familial como célula básica de todas as estruturas sociais e raciais. O celibato religioso contradiz os fundamentos da religião. É uma violência contra as fontes da vida. Apague-se o sexo do mundo e voltaremos aos espaços vazios de mundos mortos na mecânica fria dos tempos anteriores à Gênese. Por isso, a Historia Religiosa está povoada de íncubus e súcubus, os espíritos vampirescos que, durante a Idade Média atormentavam freiras e frades na suposta santidade dos mosteiros e conventos. E ainda hoje a ação desses espíritos se faz sentir por toda parte, em manifestações espantosas que, em geral, permanecem ocultas nos arquivos da pesquisa psíquica mundial.
O Centro Espírita não pode pactuar com esses resíduos criminosos de um passado estúpido. Claro que não se quer o abuso, pois isso é naturalmente condenado pelos princípios espíritas da moral evangélica. Essa moral, como vemos nos textos evangélicos, não é condenatória nem repressiva do sexo. O que ela pretende é moralizar o sexo e não condená-lo ou suprimi-lo.
O ensino de Jesus a Nicodemos: “E preciso nascer de novo”, o caso de Madalena, a cortesã compreendida pelo Mestre, o episódio da mulher adúltera que os hipócritas queriam apedrejar mostram de sobejo que a posição de Jesus em face desse problema era de compreensão e respeito pela condição humana. As almas frágeis do meio espírita devem atirar no caminho a bagagem pesada dessas condenações do passado, sem temer as ameaças do Céu nem entregar-se às fascinações da Terra. O espiritismo esclarece a questão sexual em termos racionais, levando em conta a naturalidade das funções humanas na vida terrena. São criminosos inconscientes os que pretendem implantar no meio espírita sistemas que já mostraram sua inconveniência na própria História do Cristianismo. Assim como o homem não regride na sua evolução, a Ciência Suprema do homem que é o Espiritismo, não pode regredir no seu desenvolvimento, tão penosamente realizado na Terra. Os moralistas de vistas curtas nunca perceberam as conseqüências negativas de sua atitudes. A verdadeira moral não se constitui de proibições absurdas, pois estas são a negação de toda moral, em favor dos grandes surtos de imoralidade.

Livro: O Centro Espírita
Professor Herculano Pires

Disciplina Fraterna



O problema da disciplina no Centro Espírita é dos mais melindrosos e deve ser encarado entre as coordenadas da ordem e da tolerância. Não se pode estabelecer e manter no Centro uma disciplina rígida, de tipo militar. O Centro é, além de tudo o que já vimos, um instrumento coordenador das atividades espirituais. No esquema das suas sessões teóricas e práticas a questão do horário é imperiosa, mas não deve sobrepor-se às exigência do amor fraterno. Não é justo deixarmos fora da sessão companheiros dedicados ou necessitados, porque chegaram dois ou três minutos atrasados. Vivemos num mundo material e não espiritual, em que as pessoas lutam com dificuldades várias no tocante à locomoção, de compromissos diversos, e é justo que se dê uma pequena margem de tolerância no horário. Essa margem não deve também ser estabelecida com rigor, mas deixada ao critério do dirigente dos trabalhos, que saberá dosar as coisas de acordo com as conveniências. O rigor exagerado na questão de horário, mormente nas cidades mais populosas, causa aborrecimentos e mágoas a pessoas sensíveis que, depois de aflição e correria para chegar na hora certa, viram-se impedidas de participar da reunião por alguns segundos ou minutos. Temperando-se as exigências da ordem cronológica com o dever da atenção aos companheiros podemos evitar aborrecimentos perfeitamente superáveis. Claro que esse é um problema a ser sempre esclarecido nas reuniões, para que todos possam ter conhecimento da flexibilidade possível no horário. O simples fato de haver essa flexibilidade, já tira à disciplina o seu aspecto opressivo.
Essa mesma dosagem de ordem e tolerância deve ser aplicada a outros problemas, de maneira a assegurar-se, o mais possível, um ambiente geral sem prevenções, que muito ajudará na realização dos trabalhos.
Tratamos das almas frágeis no capítulo anterior. Devemos agora tratar das almas fortes, as mais apegadas ao problema disciplinar. As almas fortes são aquelas que procedem de linhas evolutivas em que os espíritos se aperfeiçoam no uso da independência e da coragem. Por isso mesmo trazem consigo um condicionamento disciplinar que não aceita facilmente as concessões a que aludimos. Uma palavra rude de uma alma forte, embora não intencional, pode ferir a susceptibilidade de uma alma frágil, prejudicando-a no seu equilíbrio por uma insignificância. Ora, segundo a regra geral das relações humanas, o forte deve proteger e amparar o fraco, para ajudá-lo a se fortalecer. Os dirigentes de trabalhos devem cuidar de evitar esses pequenos atritos que não raro têm conseqüências muitas maiores do que se pensa. Por outro lado, as almas fortes precisam controlar os seus impulsos pelo pedido consciencial da fraternidade. Há pessoas que, por se sentirem mais fortes, decisivas e poderosas que as outras, embriagam-se com a ilusão do poder, desrespeitando os direitos alheios e sobrepondo-se, com rompança às opiniões dos outros. Atitudes dessa natureza, no meio espírita e no Centro, causam má impressão e constrangimento no ambiente, fomentando malquerenças desnecessárias. Em se tratando de Espiritismo, tudo se deve fazer para manter-se um ambiente de compreensão e fraternidade, sem exageros, tocado o possível de alegria e camaradagem. Num ambiente assim arejado, desprovido de tensões, a espiritualidade flui com facilidade e os Espíritos orientadores encontram mais oportunidade de tocar os corações e iluminar as mentes.
Por menor que seja, o Centro dispõe sempre de mais de um setor de atividades. Deve-se fazer o possível para que em todos eles reine um ambiente fraterno, que é o mais poderoso antídoto dos desentendimentos. A disciplina desses trabalhos, mesmo quando exija maior severidade, como no caso das sessões de desobsessão, deve ser tocada pela boa vontade e a compreensão fraterna. Sem isso, particularmente em se tratando de desobsessão, dificilmente conseguiríamos resultados satisfatórios. Mas a franqueza também é elemento importante na boa solução dos problemas. Quando necessário, o dirigente deve chamar o obsedado em particular e expor-lhe com clareza o que observou a seu respeito, aconselhando-o a mudar de comportamento para poder melhorar. A verdade deve estar presente em todos os momentos das atividades espirituais, mas a verdade nunca pode ser agressiva, sob pena de produzir o contrário do que se deseja.
Não queremos esmiuçar todos os problemas e todas as situações no funcionamento de um Centro, pois isso seria cansativo e desnecessário. Tocamos apenas em alguns pontos para abrir diretrizes aproveitáveis, segundo a experiência de longos anos nas lides doutrinárias. Outros, com mais capacidade e mais penetração, poderão completar o nosso trabalho com suas contribuições. Nosso desejo é apenas ajudar os companheiros que tantas vezes se aturdem com as dificuldades encontradas. Não propomos regras como possível autoridade, que não somos e ninguém o é, num campo de experiências em que quanto mais se aprofunda mais se tem a aprender.
A disciplina de um Centro Espírita é principalmente moral e espiritual, abrangendo todos os seus aspectos, mas tendo por constante e invariável a orientação e a pureza de intenções. Os que mais contribuem para o Centro são os que trabalham, freqüentam, estudam e procuram seguir um roteiro de fidelidade à codificação Kardeciana. Muito estardalhaço, propaganda, agitação só pode prejudicar as atividades básicas e essenciais do Centro, humanitárias e espirituais, portanto recatadas e silenciosas. Os problemas do Centro são de ordem profunda no campo do espírito. Mas apesar disso não se pode desprezar as oportunidades de divulgação e principalmente de orientação doutrinária para o povo em geral. Não precisamos de aumentar forçadamente os nossos grupos, somos contrário ao proselitismo, sabemos que nem todos podem aceitar os nossos princípios, mas sabemos também que a Verdade deve sempre ser posta ao alcance de todos. Quem quiser encontrá-la não precisará procurar lugares especiais, deve encontrá-la em qualquer parte em que um jornal, um programa de rádio, um livro, um folheto estiver ao seu alcance. Não convertemos nem devemos tentar converter ninguém, pois, como ensinava Kardec, nem todos estão em condições de afinar-se espiritualmente na compreensão dos problemas novos que o Espiritismo apresenta ao mundo em renovação. Mas aqueles que amadureceram na idade espiritual serão úteis na batalha para o amadurecimento de outros.
A disciplina autoritária e rígida teve a sua função na disciplinação dos povos bárbaros após a queda do Império Romano. Essa coerção prosseguiu pelo tempos sombrios do Medievalismo. Mas a Era da Razão que surgiu da noite medieval, reivindicou os direitos individuais do homem, na linha ateniense do esclarecimento cultural. O domínio natural da Igreja esgotou-se nos albores do Renascimento, mas o domínio artificial, fundado nos poderes políticos e econômico-financeiros da organização clerical estenderam-se aos tempos modernos e ainda se exerce, embora enfraquecido e estropiado, no mundo contemporâneo, em pleno alvorecer da Era Cósmica. Essa anomalia histórica, nos entrechoques contraditórios da fase de transição, resolve-se aos nossos olhos num desvio violento provocado pelas forças conjugadas dos interesses em jogo, voltando-se para a tradição de Esparta. A força e a violência se sobrepuseram aos ideais atenienses e o indivíduo esmagado pelo peso das massas acarneiradas refugiou-se na servidão medieval, nas oposições inócuas e na revolta do desespero insensato. As leis históricas seguem o seu curso regular, mas quando as acumulações dos fatores a-históricos, como os lastros esmagadores dos instintos primitivos, acumulados nos socavões do inconsciente coletivo, as obrigam a sair dos canais naturais, elas se desviam à procura dos pontos de retorno. A volta a Esparta, que marcou a fase instintiva das explosões totalitárias, mergulhou o mundo no delírio do arbítrio e da violência. Um terremoto a-histórico rompeu o chão em que florescia a Belle-Epoque, a fase lírica e romântica que Stephan Zweig descreveu em “O mundo que Eu Vi”, precipitando no abismo todos os valores culturais e humanistas dos séculos XVIII e XIX. O próprio Zweig imolou-se, a seguir, no desespero do suicídio. Os abismos da Terra lacerada impediram-nos o acesso a Atenas. Mas restou uma passagem secreta, uma ponte sobre o abismo, sustentada pelas rochas inabaláveis do Evangelho, orientada pelos sinaleiros subjetivos dos arquétipos de Jung nos rumos da transcendência. Essa ponte era a do novo Renascimento do homem e do mundo pelas mãos do Cristo. Era o Espiritismo, que das ruínas da catástrofe histórica fazia ressurgir, ainda cambaleante, a figura fantasmal de Lázaro.
O Mundo Contemporâneo é Lázaro redivivo, ainda envolto em mortalha, com a boca amarrada, os braços e os pés atados, mas atendendo ao chamado do Cristo para reintegrar-se no processo histórico interrompido. Marta e Maria o restabelecem na paz de Betânia, cercada pelas guerras furiosas e as atrocidades produzidas na Terra, no Céu e no Mar pela inconformação e a revolta dos homens. Nessa hora trágica, dantesca (não apenas na imagem do Inferno de Dante, mas na sua própria essência real) a consciência humana desperta para a busca de si mesma. O Centro Espírita, na sua singeleza, na sua humildade e na sua pobreza – pequenina semente que os abismos ameaçam tragar – sustenta a chama da esperança cristã-humanista e trabalha em silêncio na restauração da Verdade. Solitário, desprezado pela ignorância arrogante é o Centro – o ponto ótico ou visual para o qual convergem todas as possibilidades da Ressurreição do Planeta assassinado. Temos necessidade urgente de compreender esse momento histórico, decifrar os seus signos para que a Esfinge não nos devore. A rotina dos trabalhos do Centro, a monotonia das doutrinações exaustivas, a repetição dos ensinos que chegam a parecer inúteis, a insistência das obsessões agressivas, a inquietação dos que se afastam em busca do socorro ilusório de ciências psíquicas ainda informes e retornam desiludidos e cansados – todo esse ritornelo atordoante pode desanimar os que lutam contra a voragem das trevas. Mas é preciso resistir e continuar, é necessário enfrentar a ignorância petulante dos sábios que ainda não aprenderam a lição socrática da humilde intelectual, do sábio que só é sábio quando sabe que nada sabe.
A hora espírita do Mundo é de agonia e desespero. Mas foi agonizando na cruz, injustiçado pelos sábios do seu tempo, que Jesus nos ensinou a lição da ressurreição e da imortalidade espiritual. O Centro Espírita é a cruz da paciência que Jesus nos deixou como herança do seu martírio. Ele nos livra da cruz que o Mestre enfrentou entre ladrões, salvando, morrendo com eles para salvá-los – um através da conformação difícil da dor, outro através da revolta e da indignação que levam ao arrependimento e à reparação.
Por isso a disciplina do Centro não pode ser a dos homens, mas a dos anjos que servem ao Senhor tatalando no Céu as asas simbólicas da Esperança. Deixemos de lado a disciplina exigente, para podermos manter no Centro a disciplina do amor e da tolerância. Não lidamos com soldados e guerreiros, mas com doentes da alma. Nossa disciplina não deve ser exógena, imposta de fora pela violência, mas a do coração. Tem de ser a disciplina endógena, que nasce da consciência lentamente esclarecida aos chamados de Deus em nossa acústica da alma.
A evolução humana se processa no concreto em direção ao abstrato, o que vale dizer da matéria para o espírito ou do corpo para a alma. Na linguagem platônica diríamos: do sensível para o inteligível. Na Era Cósmica que se inicia com as façanhas da Astronáutica essa evolução se define em termos de ciência e tecnologia. O homem das cavernas saiu de sua toca de bicho para dominar a Terra, edificar casas, palácios e torres, templos que apontam para as estrelas, e agora, depois de se librar na atmosfera com asas e hélices, projeta-se além da estratosfera, mergulha no Cosmos, pousa na Lua e regressa à Terra, servindo-se de propulsores terrenos e das forças da gravidade, como se tivesse nascido nos espaços siderais e não do barro do planeta.
Quem não vê nesse esquema gigantesco e dinâmico o roteiro da evolução humana? De outro lado, rompemos os véus misteriosos de Isis nas pesquisas da Física, em que a matéria nos revela as estruturas atômicas da realidade aparentemente compacta e opaca, que se mostra fluída e transparente, e nas pesquisa psíquicas descobrimos que a nossa natureza não é concreta, mas abstrata, pois não somos corpos, mas espíritos.
Sobre os escombros do passado em ruínas, das civilizações mortas, das certeza materiais e sólidas transformadas em pó e ante a ameaça dos cogumelos atômicos desintegrantes, vemos de maneira inegável que a essência de toda a realidade tangível é na verdade intangível. Reconhecemos os enganos produzidos pela ilusão dos sentidos materiais em nosso senso abstrato e somos obrigados a compreender que malbaratamos o tempo nas encarnações desvairadas. As fachadas suntuosas das catedrais, os gigantescos edifícios das Instituições cientificas, os Edifícios do Saber em todos os campos – todo esse acervo de grandiosidade efêmera se reduz a esboços de uma verdade simples que se escondia por milênios na humildade de um casebre de arrabalde ou de uma choupana da roça – o Centro Espírita. Só ali encontramos, entre criaturas anônimas, na intuição dos simples, a Verdade que buscávamos. Assim também aconteceu nas grandes civilizações do passado, que renegaram os ensinos de um carpinteiro galileu. Na penumbra do Centro Espírita, suspeita para os sábios e os poderosos, Deus escondera a chave do mistério.

Livro: O Centro Espírita
Herculano Pires

Sexo e Genética no Espiritismo


Falar em sexo é falar em moral, porque o sexo se tornou, na cultura religiosa, o pivô de todos os sistemas morais. Nas civilizações agrárias e pastoris o problema sexual, embora carregado pelos tabus da selva, não se deixou esmagar por essa carga. A moral das primeiras civilizações revelou-se, de modo geral, muito aberta em relação ao sexo, chegando mesmo a encará-lo como sagrado. Na remota Suméria e mesmo nas civilizações teocráticas a era fálica desenvolveu-se de maneira espantosa. O falo, ou, como dizia Rilke, o membro da geração, era objeto de culto religioso. O ato sexual era considerado sagrado. Podemos ver na Bíblia que a civilização agrária judaica foi, durante os primeiros tempos, bastante liberal no tocante ao sexo. Mas na proporção em que as questões de linhagem e direitos sucessórios exigiram disciplinação, o sexo foi sendo encarado com progressivas suspeitas.
Na Grécia e na Roma arcaicas a licença sexual chegou ao extremo das festas religiosas em homenagem aos deuses da sensualidade e da fecundidade. Por todo o Antigo Oriente o culto sexual dominou amplamente, aprimorando-se as cerimônias do sexo com requintes dionisíacos na China, no Japão, na Arábia, na Pérsia e assim por diante. Técnicas requintadas ainda subsistem atualmente em vários países, servindo para o incentivo do comércio turístico e pesando favoravelmente na balança de exportações. Os ritos da virilidade produziram em Esparta a prática oficial e obrigatória do homossexualismo na educação dos adolescentes, com repercussões acentuadas em Atenas, na Pérsia e em Roma. Na época de Sócrates o problema era encarado com ambivalência, como verificamos no Banquete de Platão. Mas ainda nessa época os gregos chegaram a organizar, como relata Werner Laeger, um exército de andrógenos para conquistar Siracusa, partindo da idéia de que os amantes não se acovardavam quando juntos e queriam brilhar aos olhos uns dos outros. Episódio que mostra a plurivalência do sexo nas culturas clássicas.
No Cristianismo o sexo caiu em desgraça. Nem mesmo os tópicos bíblicos altamente sensuais puderam salvá-lo. Os cristãos caíram no complexo de castração. O sexo transformou-se em pecado mortal e a Igreja instituiu o celibato obrigatório dos clérigos e restabeleceu a virgindade sagrada das vestais, do culto pagão da deusa Vesta. Em conflito com o próprio mandamento divino do crescei e multiplicai-vos, a geração tornou-se impura e as crianças não nasciam inocentes, mas maculadas pelo pecado original. O horror ao sexo provocou epidemias de crises místicas nos conventos e mosteiros, dando incremento às perversões sexuais e aos delírios de histeria. Os íncubos e súcubos, demônios pervertidos, atacavam os padres e as freiras nos dormitórios sagrados, levando-os a pecados horrendos e a penitências e cilícios que geravam explosões satânicas de masoquismo. A asfixia das fontes biológicas da espécie custava tão caro que os clérigos tiveram de apelar à hipocrisia e à mentira. Bispos criaram taxas especiais para que os clérigos pudessem socorrer-se às ocultas, escapando aos delírios do sexo com a compra de autorizações eclesiásticas para pecar sem perigo para a pureza suposta das almas.
E todas essas loucuras, que perduram ainda, repercutiram por todo o mundo em atrocidades de toda a espécie, perseguições e torturas, excomunhões e maldições, fogueiras assassinas, tudo ao canto das litanias piedosas, ao clamor diuturno das preces, no desespero e na angústia das famílias mutiladas, em nome do Cristo que salvara a mulher adúltera da lapidação dos hipócritas e transformara Madalena em santa, porque ela muito amara. O tempo passou, é verdade, mas as almas esmagadas perderam-se na revolta impotente, marcadas a fogo pela descrença em Deus e nos homens.
Não fazemos um libelo tardio, mas não se pode tratar dessas fases históricas com a indiferença dos cínicos. A lição do passado precisa gravar-se em nossas mentes de maneira indelével, com as cores trágicas da loucura, para não cairmos de novo nas armadilhas da arrogância e da ferocidade selvagem que continuam armadas em nós mesmos. Seria um crime de lesa-humanidade ocultar essa verdade áspera. E mais ainda, seria uma traição ao futuro passar de leve sobre um problema tão grave, tão carregado de conseqüências que ainda continuam a ameaçar-nos. A herança tenebrosa corre ainda em nossas veias. A peçonha da serpente edênica envenena o nosso sangue, e o seu sibilar remoto ainda cicia aos nossos ouvidos, incitando-nos à loucura de novas tentativas de santidade e pureza extremas, como se pudéssemos sair do barro da carne para elevar-nos, num segundo, à condição angélica. A pretensão da santidade, formal, feita de atitudes fictícias, de fanatismo bronco, de orgulho satânico, ainda empolgam os que se julgam melhores do que os outros. As duras lições do passado nos mostram que só podemos nos aproximar do Cristianismo através da humildade consciente e da simplicidade espontânea. Basta um grãozinho de orgulho, de pretensão a sabereta ou santo, para perdermos o Cristo de vista e entrarmos na procissão dos anjos de asas de papel.
O Espiritismo nos oferece a última oportunidade de voltarmos a Cristo e reencontrarmos o seu ensino e o seu exemplo. Em todas as religiões cristãs exalta-se a importância do exemplo de Cristo, mas a própria instituição igrejeira, herdada do judaísmo e do paganismo, opõe-se brutalmente a qualquer assimilação da naturalidade cristã pelos adeptos. A erva daninha da vaidade pessoal e de grupo asfixia com suas folhas de urtiga as sementes do Semeador. A suntuosidade das Federações e dos Centros Espíritas com instalações pomposas excitam a vaidade das pessoas simples que as integram com boas intenções, mas logo se embriagam com as posições que assumem, considerando-se autoridades doutrinárias e portanto capazes de ditar normas, estabelecer disciplina, fixar posições doutrinárias e exigir obediência e respeito. Convencidos de possuir um conhecimento superior, muito acima da fatuidade da sabedoria igrejeira e da ignorância espiritual dos sábios materialistas, criaturas desprovidas de um mínimo de cultura geral julgam-se aptas a ensinar a Verdade e até mesmo de reformular a Doutrina com os dados supostos de suas precárias experiências. Não conseguem sequer assimilar os princípios espíritas, mas porque se tornaram figuras socialmente importantes nos quadros institucionais passam a falar grosso e a semear na seara o joio de suas especulações ilógicas. Nada mais desolador do que esse espetáculo de ignorância enfatuada, não raro dado por indivíduos de formação universitária mal assimilada, que se apóiam em seus títulos para sustentar o seu falso prestígio. A última novidade que se espalha no meio espírita é a mais velha de todas: a da castidade para homens e mulheres, a fuga ao sexo, esse instrumento do Diabo que é também o instrumento da criação, do povoamento da Terra pelas criaturas de Deus. Esses anjos assexuados que surgem agora, em revoadas místicas, no meio espírita, não são jejunos apenas em questões genéticas, mas também e principalmente em Espiritismo. Nada conhecem da poderosa síntese histórica e espiritual que Kardec nos deixou. Devem ter saído ontem de alguma sacristia medieval escondida num mosteiro de frades analfabetos do deserto, que para servir a Deus andavam descalços e em trapos, guardavam a sua sagrada ignorância como as vestais a sua virgindade sagrada, e não tomavam banho para terem a glória de morrer em cheiro de santidade, ou seja, de suor e sujeira no corpo desnutrido coberto de chagas.
No Espiritismo não há lugar para a volta à era fálica nem para o restabelecimento das castidades forçadas. Na sua natureza de síntese cultural, o Espiritismo coloca o problema sexual acima das antigas condições de ambivalência do sexo. O capítulo sobre a Lei de Reprodução n’O Livro dos Espíritos é decisivo: a lei de reprodução é encarada como lei natural e humana, de ordem moral, correspondendo às exigências divinas da evolução dos seres, das raças e de toda a Humanidade. O celibato é condenado como fuga egoísta aos compromissos sociais, a menos que seja determinado por motivos graves. O sexo não é nem pode ser pecaminoso. Sua função é evidentemente necessária para o progresso dos espíritos. O que se condena é o excesso, o abuso e o aviltamento do sexo. Lei natural, estabelecida por Deus para todas as formas de vida, o sexo é o meio de transmissão da vida na sucessão das gerações. Nos reinos da Natureza, o vegetal, o animal e o hominal, o sexo é a garantia da continuidade da vida e o fator das reencarnações. As superstições anti-sexuais revelam estreiteza mental, tendência ao misticismo igrejeiro do passado, ao beatismo ignorante, ao masoquismo lúbrico e à necrofilia, ou seja, apego mórbido à morte. Esse é um problema bem conhecido em Psicologia e suas conseqüências pertencem ao campo da Psiquiatria. Esse conjunto de elementos negativos produziu no passado religioso as mais estranhas manifestações de delírios pseudo-místicos e desequilíbrios da afetividade. Incontáveis casos de loucura e pseudo-possessões demoníacas brotaram dos conventos e mosteiros medievais pela prática forçada e criminosa de abstinências sexuais que, não raro, acabavam em perversões.
Os desvios da afetividade levam criaturas inocentes a imperceptíveis ligações amorosas com outras criaturas da mesma tipologia psicológica, chegando a extremos criminosos de perversão de crianças em internatos de rigor espartano, em cujo clima asfixiante as exigências biológicas fazem renascer as flores venenosas das práticas de Esparta. Em contrapartida, surgem também os casos de delírios senis em criaturas envelhecidas, que no declínio da vitalidade se tornam ridículas e perigosas, tentando reativar suas energias genéticas sem a compulsão das frustrações de toda uma vida em que esmagaram seus impulsos afetivos. Já sem forças para sustentar as lutas disciplinares da mocidade contra os impulsos naturais, essas vítimas da ilusão religiosa são condenadas e julgadas como seres depravados que só então revelam o que eram. É o duro preço pago pelos que não tiveram a coragem de escalar as encostas do Olimpo para roubar o fogo celeste de Zeus.
O mesmo acontece no tocante às condenações rigorosas contra as pessoas apegadas a hábitos comuns na sociedade, mas que o puritanismo espírita reprime em nome do bom conceito que os adeptos devem sustentar no meio social, uma imagem forçada, artificial e quase sempre insustentável. Os espíritas não constituem uma comunidade à parte no meio social, não podem e não devem isolar-se ou distinguir-se por atitudes ou comportamento especiais. Jesus podia ter nascido príncipe, como o Buda, ou podia nascer numa família abastada que o encaminhasse para o sacerdócio e as honras do rabinato. Preferiu a humildade de uma família pobre de Nazaré, pequena cidade de uma província desprezada pela sua numerosa população de gentios, e a condição inferior de carpinteiro. Viveu no meio do povo, convivendo com criaturas renegadas como os publicanos, cobradores de impostos, os soldados e centuriões romanos, os pescadores do Mar da Galiléia, os mercadores, os cegos e os leprosos (lixos do povo, desprezados por Deus, segundo as normas do Templo) com os fabricantes de azeite da região de Betânia, os pastores árabes da Transjordânia, sendo anunciado pelo profeta popular do Deserto, João Batista, que se cobria com pele de animais. Comia com eles sem obedecer aos rituais fariseus, não respeitava as leis discriminatórias da pureza judaica, hospedava-se em casas impuras, conversava com samaritanos segregados, defendia em praça pública as mulheres adúlteras, para afinal morrer na cruz infamante entre ladrões, sob o peso da mesma condenação desses companheiros da hora extrema. Nesse convívio com o populacho atendia a todos, semeava as sementes do seu ensino em corações puros ou impuros, sem condená-los pela sua impureza convencional. Os espíritas, que desejam ser os Seus amigos e companheiros de hoje, não podem entregar-se a puritanismos discriminatórios, criando exigências formalistas para si mesmos e para os outros. O verdadeiro cristão é sal do mundo e precisa misturar-se na massa que deve salgar.
O Espiritismo não criou igrejas, não precisa de templos suntuosos e tribunas luxuosas com pregadores enfatuados. Não tem rituais, não dispensa bênçãos, não promete lugar celeste a ninguém, não confere honrarias em títulos ou diplomas especiais, não disputa regalias oficiais. Sua única missão é esclarecer, orientar, indicar o caminho da autenticidade humana e da verdade espiritual do homem. Se não compreendermos isso e nisso não nos integrarmos estaremos sendo pedras de tropeço para os que desejam realmente evoluir, não por fora, mas por dentro. E esse por dentro não quer dizer reforma, mas desenvolvimento das potencialidades do espírito. A teoria da reforma intima é um engodo que levou muitos companheiros aproveitáveis à vaidade adulteradora. Não há reforma para o que não se estraga. O espírito é o mesmo em todos e só necessita de uma coisa: desenvolvimento. Enquanto não desenvolver a sua capacidade de compreender, analisar, julgar, discernir e respeitar a verdade não terá condições para modificar-se por dentro. Mesmo porque essa modificação só pode ocorrer pelo esforço pessoal de cada um. A expressão reforma intima é inadequada, pois implica a idéia de substituição de coisas, conserto, modificação em disposições internas, como numa casa ou numa loja. As disposições internas do espírito correspondem ao seu grau de evolução, como nos mostra a Escala Espírita de Kardec. O espírito é vida e não arranjo. Seu desenvolvimento depende de experiências, estudos, reflexão – tudo isso com mente aberta para a realidade e não fechada em esquemas artificiais. Ninguém se reforma nem pode reformar os outros. Mas todos podem superar as suas condições atuais, romper os limites em que a mente se fechou e transcender-se. Os modelos de figurino espiritual são inócuos e até mesmo prejudiciais. A responsabilidade espírita é individual, cada qual responde por si mesmo e não pode prender-se a supostos mestres espirituais.
Um espírita que se sujeita às lições de um mestre pessoal não é espírita, é um beato seguindo Antônio Conselheiro. O despertar da consciência na experiência é o seu caminho único de progresso. Ele não confia em palavras, mas nos fatos. Não busca a ilusão de uma salvação confessional, mas aprofunda-se no conhecimento doutrinário para saber por si mesmo onde pisa e para onde vai...
Os que precisam de mestres não confiam em si mesmos, fazem-se ovelhas de um rebanho. No Espiritismo não há rebanhos nem pastores: há trabalho a fazer, afinidades a estabelecer entre companheiros em pé de igualdade, toda uma batalha a vencer; há os pesados resíduos teológicos, supersticiosos e obscurantistas que esmagam a ingenuidade das massas. O Espiritismo é uma tomada de consciência da responsabilidade do homem na existência, da sua liberdade e da sua transcendência. Os espíritas que ainda se alimentam de leite – como escreveu Paulo – precisam tratar de crescer e alimentar-se de coisas sólidas, consistentes.
O problema da Genética no Espiritismo refere-se ao princípio da reencarnação. Os críticos da Doutrina denunciam suposto conflito entre a herança biológica e o controle espiritual na formação do novo corpo. Entendem que o determinismo da hereditariedade cria dificuldades ao desenvolvimento do esquema programado para a nova encarnação. O temperamento e as condições biopsíquicas e biofisiológicas do nascituro não estariam sujeitos às exigências reencarnatórias das provas e expiações que o espírito teria de enfrentar na nova existência. Mas essas objeções decorrem do antigo conceito dualista do homem, com separação absoluta dos elementos corporais anímicos. A Ciência Espírita demonstrou que espírito e matéria se conjugam, como energia estruturadora e massa estruturável, subordinando-se, portanto, a matéria ao espírito. Segundo os princípios doutrinários, podemos colocar o problema genético na seguinte disposição no plano evolutivo:
a)   simples ação de aglutinação das partículas materiais livres, dispersas no espaço, para a formação dos átomos e a seguir das estruturas atômicas do reino mineral;
b)  complexa estruturação dos átomos na formação das moléculas no plano vital, para a produção das espécies do reino vegetal;
c)   complexíssima elaboração dos elementos orgânicos, nos reinos anteriores, para a formação dos seres vivos;
d)  transcendente elaboração dos resultados de todo esse processo no plano espiritual para organização das formas matrizes e seus centros de energias padronizadoras, para a organização das formas perispiríticas dos seres vivos e particularmente dos superiores, para a ligação espírito-matéria, em que o primeiro, como inteligência ativa e criadora, exercerá as funções determinantes.
A espantosa intuição dos gregos já havia captado, no desenvolvimento do atomismo filosófico, particularmente entre os fisiólogos, como Leucipo e Demócrito, a existência dos átomos de fogo da alma e das homeomérias, modelos infinitesimais que se ligam para a produção das formas materiais. Essas homeomérias (do grego, homo – semelhante) seriam minúsculas partículas na forma do pé, do braço, da cabeça. e de cada membro a ser produzido. As pesquisas atuais no campo da Biologia comprovaram a existência dos centros padronizadores nos seres vivos. A perna de frente de um embrião de rato, deslocada para o lugar de uma perna traseira (e vice-versa) adquire, no desenvolvimento do animal, a forma de perna traseira. Assim, as homeomérias, que pareciam uma concepção fantasiosa e ingênua, revelam-se como símbolo dos centros padronizadores dos corpos dos seres vivos. Nas pesquisas soviéticas sobre o corpo bioplásmico (perispírito) ficou cientificamente provada a ação modeladora desse corpo sobre o desenvolvimento do corpo material humano.
Dessa maneira, ficou demonstrada a interferência de um poder maior do que o da hereditariedade na formação dos embriões humanos; o determinismo do código genético não pode ser considerado como absoluto e cego, estabelecido por leis mecânicas. A Inteligência Universal que responde pela estruturação de toda a realidade revela-se minuciosa na especificação da infinita variedade das coisas e dos seres. Não há, pois, nenhum conflito entre as forças naturais no processo da reencarnação. Por outro lado, a própria flexibilidade do processo da hereditariedade, há muito cientificamente constatada, que permite o aparecimento surpreendente de caracteres de ancestrais remotos em exemplares de gerações recentes, poderiam contestar as dúvidas dos críticos. Não se precisa ser especialista em Biologia para se compreender esse problema, cuja solução, em face da Doutrina, pertence ao campo da lógica. Por isso Kardec sustentava: “O Espiritismo é uma questão de bom-senso”.
Essas questões de sexo e genética mostram claramente a posição científica do Espiritismo, que não apela jamais para explicações místicas ou soluções imaginosas dos problemas reais. É com os pés na realidade que o Espiritismo avança em todos os sentidos.

Professor Herculano Pires
Curso Dinâmico de Espiritismo