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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Deus e os Deuses




Herculano Pires/ Livro: Concepção Existencial de Deus

O Deus judeu, exclusivista e autoritário, definiu-se na Bíblia com esta afirmação: Eu sou aquele que é. Os homens já percebiam, então, que a multiplicidade dos deuses era contraditória em si mesma, militava contra a idéia de Deus. Se Iavé ou Jeová se apresentava como o Único, sua posição era lógica e respondia às exigências de coerência do novo pensamento que se desenvolvia em Israel e no mundo. Mas o exclusivismo de Iavé parecia demasiado arrogante. O poder esmagador de Júpiter, que através das legiões romanas ameaçava dominar o mundo inteiro, não deixava lugar para esse deusinho petulante de uma pequena província do Império. Caberia, talvez, a Zeus, senhor do Olimpo, que levara os gregos a um desenvolvimento cultural sem precedentes, impor-se como Deus único. Mas quando o Messias judeu, Jesus de Nazaré, adoçou a arrogância judia chamando Iavé de Pai, abriu-se a possibilidade de uma aceitação universal do monoteísmo hebraico. O desenvolvimento posterior do Cristianismo, facilmente infiltrado nas populações subjugadas do Império Romano, provou a eficácia da intervenção messiânica. Todos os deuses foram perdendo os seus adeptos para aquele Deus desconhecido com o qual o Apóstolo Paulo identificara Iavé em Atenas.
Kerchensteiner, em notável estudo, analisou em nossos dias a fisiologia do mito, mostrando as leis que regem o processo mitológico. Os deuses não foram inventados pelos homens, como querem as teorias simplórias de Taylor e Spencer, ainda hoje sustentadas até mesmo pelo chamado materialismo científico. Os mitos nascem do seio da Mãe-Terra, evocados pelo coração dos homens, e sobem aos céus escalando montanhas ou nos vapores d’água que se acumulam na atmosfera. Daí a facilidade com que se tomava a nuvem por Juno ou o relâmpago por Júpiter. Da Terra-Mãe surgem as pedras e os rios, as matas e os animais e, por fim, os homens. Mas os homens trazem a idéia de Deus no coração e possuem a capacidade mental de projetar-se nas coisas e nos seres. A dinâmica do animismo primitivo gera a floração dos deuses que protegem os povos. Mas os deuses particulares, das tribos e depois das nações, nada mais são do que a fragmentação ilusória da unidade primitiva e irredutível. Assim como, partindo das coisas isoladas – a terra, a água, os vegetais, os animais, etc. – os homens vão depois descobrindo a unidade da realidade indivisível, pois a realidade é uma só, formada de inumeráveis conjuntos, assim também a multiplicidade dos deuses tribais vai aos poucos se fundindo nas pequenas unidades do sistema solar e à unificação atual do Cosmo, maiores das mitologias nacionais. O homem finito não pode conceber o infinito como uno e absoluto senão através das experiências do real. A unificação da idéia de Deus precedeu à unificação copérnica da unidade do sistema solar e a unificação atual do Cosmo, como exigência primária do desenvolvimento da razão. Por isso os gregos anteciparam o monoteísmo no plano filosófico, pelo qual Sócrates teve de pagar o preço da taça de cicuta. Mas a unidade religiosa só foi possível na reforma do Judaísmo por Jesus de Nazaré, que os gregos apoiaram chamando-o de Cristo (um nome grego) e que teve de pagar um preço mais alto com a crucificação romana. Os homens partem das coisas mínimas para chegarem pouco a pouco às máximas. O mito é, ao mesmo tempo, a projeção da alma humana nas coisas e a absorção das coisas pelo poder anímico do homem. A mitologia não foi também a invenção gratuita dos deuses pela imaginação dos homens, nem a busca de proteção ante a insegurança da vida precária, mas a tentativa necessária de racionalização do mundo. Superando o sensível da teoria platônica, os homens converteram o mundo num organismo vivo e inteligível, através dos mitos. O Olimpo se assemelhava às cortes dos Soberanos terrenos, com a hierarquia humana de funções e poderes, não por imitação, mas porque somente assim os homens poderiam compreender o mistério do mundo. Não foi o medo, mas a curiosidade que gerou os deuses. A prova histórica disso está na teoria diltheiana do caldeirão medieval, onde, só naquela fase específica da teocracia medieval a Razão se fundia numa peça única, destinada à preparação do Renascimento como Idade da Razão.
A embriaguez racional, como acontece aos indivíduos na passagem da mitologia infantil para o alvorecer racional da puberdade e da adolescência, levou os homens à rebeldia dos primeiros tempos de liberdade, geradora do ateísmo e do materialismo. O desenvolvimento das Ciências segue os rumos da crise da adolescência, no esquema do famoso estudo de Maurice Debesse. Os homens do Renascimento, do Mundo Moderno e até mesmo do Mundo Contemporâneo portaram-se como adolescentes no chamado conflito de gerações. Já agora, porém, nas vésperas da Era Cósmica, os achados do Renascimento precisam ser revisados, para que a problemática humana seja respondida em termos de razão; mesmo porque é na razão que temos a imagem de Deus no homem, não em sua forma corpórea, que o assemelha aos símios. A concepção antropomórfica de Deus foi uma traquinagem da Humanidade adolescente. Essa traquinagem se justifica em seu tempo, como simples ensaio religioso para uma tentativa posterior de colocação da idéia de Deus em termos racionais. Kardec, em seu livro O Céu e o Inferno, comparando a mitologia greco-romana com a mitologia cristã, mostrou as incongruências tipicamente adolescentes da reformulação teológica da idéia de prêmio e castigo após a morte. O Céu cristão aparece ingênuo e fantasioso como um sonho de meninotes e o Inferno cristão impiedoso e injusto como uma descrição de terrores infantis. Tão mais impiedoso e desarrazoado é esse inferno do que o pagão, que chegamos a rir das graves proposições teológicas formuladas por teólogos e clérigos eminentes.
O poder temporal da Igreja, que submeteu ao seu arbítrio as cortes européias, estendendo-se depois a todas as áreas mundiais da conversão, impediu a análise dessas criações monstruosas e incentivou o desenvolvimento do ateísmo e do materialismo. O panteísmo de Espinosa foi a única reação madura aos absurdos teológicos, colocando a concepção monoteísta em termos realmente racionais. Mas a posição panteísta incide no erro de confundir a Criação com o Criador, o que diminuiu a eficácia da proposição espinosiana. O campo continuou livre para o materialismo.
Espinosa teve o mérito de desfazer o engano da concepção antropomórfica da Bíblia e substituir o símbolo da criação alegórica do homem numa proposição filosófica de integração cósmica da criatura humana. A orgulhosa pretensão de separatividade e privilégio, que ainda hoje é pregada nos seminários de várias igrejas cristãs, foi esmagada pela sua inteligência. O homem, simples modo ou afecção da substância terrena, nas muitas manifestações do poder divino, brota da natureza como todas as coisas e a ela volta com a morte. Mas nem por isso o seu panteísmo caiu no materialismo. A Natureza naturata representa a Criação, é natureza sensível. Mas por baixo do sensível existe o inteligível, que é a Natureza naturans, o próprio Deus, fonte geradora de toda a realidade. Deus é imanente no mundo e todas as coisas e todos os seres nascem dele, como as fontes e os vegetais. A exposição matemática de Espinosa em A Ética faz desse pequeno judeu excomungado o restaurador da grandeza moral e espiritual do judaísmo. Os rabinos esbravejaram nas sinagogas, mas ele arrancou da sua fé judaica independente uma contribuição heróica para a concepção existencial de Deus que apareceria mais tarde na obra de Kardec.
Na Antigüidade encontramos algumas posições que podem ser consideradas precursoras da posição espinosiana. Encontramos na China o conceito do Tao, que gerou o Taoísmo, em que o Céu é o próprio Deus e ao mesmo tempo o caminho da redenção; na Pérsia arcaica a proposição dinâmica de Zoroastro, que toma o fogo como a única imagem possível de Deus; em Pitágoras, na Grécia arcaica, a visão cósmica de um Universo integrado em que os reinos da Natureza permutam incessantemente as suas energias, inclusive o humano; e, ainda, entre os gregos a concepção isoloísta da Terra como um ser vivo e gerador de vida. A Música das Esferas, girando no Infinito, podia ser captada pelos ouvidos sensíveis e dava a essa concepção o valor estético de uma criação musical. Nenhuma dessas concepções elevadas, entretanto, conseguiu socializar-se e conquistar o povo. Foram clarões da inteligência humana que não comoveram o homem, o que Jesus de Nazaré conseguiu, transformando o mundo, não obstante as igrejas nascidas do seu pensamento o houvessem deturpado com incríveis enxertos do mais primário paganismo. O próprio Jesus foi transformado num mito em que há pinceladas fortes de Apolo e Osíris. Ritos simplórios das religiões pagãs, como as bênçãos de aspersão (de origem fálica) perderam a sua naturalidade ingênua e pura e se transformaram em ritos sofisticados e desprovidos de seu sentido genético. Igrejas pagãs foram transformadas pela força e embuste em templos cristãos, como a igreja rústica da deusa Lutécia, em Paris, sobre a qual foi erguida mais tarde a Catedral de Notre Dame, que guarda em seu porão os restos da igreja pagã.
Os herdeiros do Cristianismo primitivo sufocaram as práticas mediúnicas de que o Apóstolo Paulo dá notícias em sua I Epístola aos Coríntios, asfixiaram as manifestações do espírito (o pneuma grego), introduziram altares e imagens no culto cristão e negaram o princípio da reencarnação constante de vários trechos dos Evangelhos. Ao invés de desenvolverem a concepção cristã de Deus, restabeleceram a concepção mitológica de Iavé como Deus dos Exércitos e voltaram à violência bíblica que Jesus havia substituído pelo amor e a caridade, implantando as guerras de conquista em nome do Deus judaico antigo, chegando mesmo a adotar a imagem de um Deus iracundo e cruel, vingativo e ordenador de matanças e devastações do tipo bíblico da conquista de Canaã.
O Deus mitológico dos judeus absorveu em sua concepção, como Deus do Cristianismo deformado, os deuses da Antigüidade mais violentos, num processo de sincretismo religioso até então sem precedentes. Todas essas deturpações vingaram entre as populações incultas da Europa, a partir do século IV da Era Cristã, asfixiando a essência dos ensinos renovadores do Cristo e criando condições propícias para a revolta do ateísmo e do materialismo que explodiria na Era da Razão, após a Idade Média. A unicidade de Deus, que devia ampliar e elevar o conceito de Deus no mundo, transformou-se na multiplicidade dos deuses, no politeísmo dos altares carregados de imagens destinadas à adoração dos crentes interessados em milagres e no comércio de indulgências. A Reforma do século XVI, iniciada por Lutero, com objetivo de retorno ao Cristianismo puro, foi também desfigurada pela influência de inovadores violentos, como Calvino, apegado à violência bíblica.
Apesar de todas essas deformações, o Cristianismo, particularmente após a Reforma de Lutero e a publicação dos Evangelhos em línguas populares de várias nações, contribuiu poderosamente para modificar a selvageria dos homens; porque os princípios cristãos, vividos por clérigos humildes e humanos como Francisco de Assis e outros, conseguiram tocar os corações sensíveis em todo o mundo.Victor Hugo, em seu Prefácio de Cromwell, considerado como manifesto do romantismo, traçou em pinceladas ardentes a modificação profunda que o Cristianismo conseguiu, apesar de todos os percalços, promover no pensamento europeu, com reflexos mundiais. O conceito de Deus como o Pai era tão poderoso, correspondia de tal maneira aos anseios de populações cansadas de guerras e violências, que conseguiu superar os malefícios, embora em parte, das adulterações ocorridas em dois mil anos e ainda hoje em desenvolvimento. Essa constitui uma prova altamente significativa, na dura experiência religiosa da Terra, da importância do conceito de Deus para a evolução planetária. Por isso, apesar de tudo, podemos ainda esperar que o restabelecimento progressivo, lento e difícil, da pureza dos ensinos de Jesus, juntamente com o avanço cultural e científico do nosso tempo, que leva a Ciência à necessária conversão, prepare nos próximos séculos condições mais favoráveis à espiritualização racional da Terra. A razão conturbada por tantos absurdos deverá restabelecer-se em seus fundamentos espirituais, pois quem diz razão não se refere à matéria, mas ao espírito. Apesar das confusões materialistas a respeito de cérebro e mente, já se começa a compreender essa coisa tão simples e clara: que a razão é função do espírito e, como assinalou Rhine, que o pensamento é uma energia extrafísica. Enquadrando-se nessa nova perspectiva e conceito existencial de Deus, é possível que a guerra nuclear desapareça com o advento das novas gerações, libertas dos prejuízos do passado e do presente. É sempre melhor pensar no melhor.

O PROGRAMA DO SENHOR

01 - O PROGRAMA DO SENHOR
A frente da turba faminta, Jesus multiplicou os pães e os peixes, atendendo à necessidade
dos circunstantes.
O fenômeno maravilhara.
O povo jazia entre o êxtase e o júbilo intraduzíveis.
Fora quinhoado por um sinal do Céu, maior que os de Moisés e Josué.
Frêmito de admiração e assombro dominava a massa compacta.
Relacionavam-se, ali, pessoas procedentes das regiões mais diversas.
Além dos peregrinos, em grande número, que se adensavam habitualmente em torno do
Senhor, buscando consolação e cura, mercadores da Iduméia, negociantes da Síria,
soldados romanos e cameleiros do deserto ali se congregavam em multidão, na qual se
destacavam as exclamações das mulheres e o choro das criancinhas.
O povo, convenientemente sentado na relva, recebia, com interjeições gratulatórias, o
saboroso pão que resultara do milagre sublime.
Água pura em grandes bilhas era servida, após o substancioso repasto, pelas mãos robustas
e felizes dos apóstolos.
E Jesus, após renovar as promessas do Reino de Deus, de semblante melancólico e sereno
contemplava os seguidores, da eminência do monte.
Semelhava-se, realmente, a um príncipe, materializado, de súbito, na Terra, pela suavidade
que lhe transparecia da fronte excelsa, tocada pelo vento que soprava, de leve...
Expressões de júbilo eram ouvidas, aqui e ali.
Não fornecera Ele provas de inexcedível poder? não era o maior de todos os profetas? não
seria o libertador da raça escolhida?
Recolhiam os discípulos a sobra abundante do inesperado banquete, quando Malebel,
espadaúdo assessor da Justiça em Jerusalém, acercou-se do Mestre e clamou para a
multidão haver encontrado o restaurador de Israel. Esclareceu que conviria receber-lhe as
determinações, desde aquela hora inesquecível, e os ouvintes reergueram-se, à pressa,
engrossando fileiras, ao redor do Messias Nazareno.
Jesus, em silêncio, esperou que alguém lhe endereçasse a palavra e, efetivamente, Malebel
não se fez rogado.
– Senhor – indagou, exultante –, és, em verdade, o arauto do novo Reino?
– Sim – respondeu o Cristo, sem, titubear.
– Em que alicerces será estabelecida a nova ordem? – prosseguiu o oficial do Sinédrio,
dilatando o diálogo.

– Em obrigações de trabalho para todos.
O interlocutor esfregou o sobrecenho com a mão direita, evidentemente inquieto, e
continuou:
– Instituir-se-á, porém, uma organização hierárquica?
– Como não? – acentuou o Mestre, sorrindo.
– Qual a função dos melhores?
– Melhorar os piores.
– E a ocupação dos mais inteligentes?
– Instruir os ignorantes.
– Senhor, e os bons? Que farão os homens bons, dentro do novo sistema?
Ajudarão aos maus, á fim de que estes se façam igualmente bons.
– E o encargo dos ricos?
– Amparar os mais pobres para que também se enriqueçam de recursos e conhecimentos.
– Mestre – tornou Malebel, desapontado –, quem ditará semelhantes normas?
– O amor pelo sacrifício, que florescerá em obras de paz no caminho de todos.
– E quem fiscalizará o funcionamento do novo regime?
– A compreensão da responsabilidade em cada um de nós.
– Senhor, como tudo isto é estranho! – considerou o noviço, alarmado – desejarás dizer que
o Reino diferente prescindirá de palácios, exércitos, prisões, impostos e castigos?

– Sim – aclarou Jesus, abertamente –, dispensará tudo isso e reclamará o espírito de
renúncia, de serviço, de humildade, de paciência, de fraternidade, de sinceridade e,
sobretudo, do amor de que somos credores, uns para com os outros, e a nossa vitória
permanecerá muito mais na ação incessante do bem com o desprendimento da posse, na
esfera de cada um, que nos próprios fundamentos da Justiça, até agora conhecidos no
mundo.

Nesse instante, justamente quando os doentes e os aleijados, os pobres e os aflitos desciam
da colina tomados de intenso júbilo, Malebel, o destacado funcionário de Jerusalém, exibindo
terrível máscara de sarcasmo na fisionomia dantes respeitosa, voltou as costas ao Senhor, e,
acompanhado por algumas centenas de pessoas bem situadas na vida, deu-se pressa em
retirar-se, proferindo frases de insulto e zombaria...
O milagre dos pães fora rapidamente esquecido, dando a entender que a memória funciona
dificilmente nos estômagos cheios
, e, se Jesus não quis perder o contacto com a multidão,
naquela hora célebre, foi obrigado a descer também
.

Livro: Pontos e Contos /Irmão X por Francisco Candido Xavier

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Divina Semente

A proximidade do Natal nos convida a refletir sobre a presença de Jesus na Terra.
O Mestre foi a encarnação do Verbo Divino entre os homens; foi uma idéia materializada no corpo humano, a fim de fecundar as almas; uma semente plantada no psiquismo da Humanidade para que se desenvolvesse ao longo dos séculos... Essa semente, plantada por Deus, há dois mil anos atrás, ainda germina dentro de cada um...
Jesus é o protótipo da idéia-vida; o Mestre é o Ideal acalentado pelo Criador em benefício da criatura...
Jesus viajou no tempo, veio do futuro ao passado, para conduzir no presente, a Humanidade ao porvir, onde Ele nos aguarda.
Esta semente plantada pelo Criador está se desenvolvendo lentamente, mas com segurança, haverá de florescer e frutescer. Em alguns, naqueles que consideramos gênios e heróis da Humanidade a semente a que nos referimos eclodiu mais depressa, ao ponto que em outros, na maioria, somente agora ela começa a dar sinal de vida.
Interessante observarmos como, dentro de nós mesmos, germina no tempo a idéia do Cristo; como, paulatinamente, o Cristo vai ocupando nosso espaço interior, que é infinitamente maior que o espaço do próprio Universo!
Está definitivamente plantada no homem a semente que é o próprio Cristo dentro de cada um... Por mais que o homem resista, por mais que cultive dentro de si a erva daninha do orgulho, por mais que preserve a floresta da própria ignorância, o processo de germinação da Semente Divina é irreversível, porque todos os homens, o que significa dizer todos os espíritos, vinculados a Terra, encarnados e desencarnados, foram fecundados desde o nascimento do Senhor sobre o mundo!
Reparemos que, há dois mil anos, Cristo era uma semente recusada pela terra, um verbo sem eco, uma presença que o homem não suportava; no entanto, ao longo destes vinte séculos, reparamos que a idéia vai, devagar, tomando conta do homem; é verdade que ainda existem resistências, é verdade que o Cristo continua, até hoje sendo combatido, mas é verdade também que se tem corporificado no planeta espíritos que outrora combateram essa idéia e que, agora, estão encarregados de fazê-las desenvolver...
Nas páginas do Novo Testamento, está claro que Herodes tentou eliminar a semente, tentou destruir a idéia que o Senhor da Vida viera plantar na gleba dos corações. Hoje, ainda os Herodes de ontem pelejam contra o Evangelho; mudaram de tática, mas têm combatido, sem tréguas, de modo sistemático, a Boa Nova. Mesmo na Doutrina Espírita, abençoado celeiro da semente que Jesus representa mesmo na Doutrina Espírita, repetimos, existem aqueles que desejam afastar a presença do Cristo.
É indispensável, prezados irmãos que deixemos, dentro de nós, crescer e alastrar-se a semente Divina. Paulo de Tarso, quando afirmou: “Não sou eu quem vivo mas, sim, o Cristo que vive em mim”, demonstrou que nele a semente que germinou ao Sol causticante do deserto, às portas de Damasco, se desenvolveu de forma prodigiosa... Paulo transformou-se num semeador das sementes provindas das sementes primeiras!
Sejamos todos semeadores da semente que em nos foi plantada. Semeemos, espalhemos a semente cristã, para que o mundo se transforme em sementeira do Senhor.
Jesus a de nos abençoar e, sem dúvida, apesar de nossa indiferença, a semente à qual nos referimos vingará e, um dia, haveremos de nos transformar em uma árvore de grandes bênçãos para a Humanidade inteira!...


Irmão José
Mediunidade, Corpo e Alma
Carlos A Baccelli

Espíritos a Distância

O médium há que ter muita firmeza no cumprimento do dever.
Os companheiros que participam de uma reunião mediúnica necessitam estar integrados, unidos na mesma comunhão de pensamentos.
Os espíritos que aqui vieram, por mais rebelados se mostrem, são todos espíritos enfermos, enfermos e necessitados de auxílio espiritual...
Por mais ergam a voz em desespero, por mais chorem em rebeldia e por mais blasfemem, são espíritos doentes, por assim dizer, indigente da Vida Espiritual que aqui são trazidos em busca de lenitivo; no entanto, além dos limites materiais e espirituais do templo que nos recebe, permanecem aquelas entidades mais ou menos conscientes quanto à sua situação de revolta diante das Leis Divinas...
Essas entidades, a distância, dardejam vibrações contra o grupo no intuito de atrapalhar o bom andamento de suas atividades. Esses nossos irmãos, ainda mais infelizes do que aqueles que aqui se encontram, enviam constantes emissões mentais negativas com o propósito de envolver o médium que se dispõe ao serviço de intercâmbio; é como se, lá fora, ao longe, alguém estivesse, caprichosamente, nos arremessando pedras contra o telhado...
Neste sentido é que tomamos a liberdade de chamar-lhes a atenção, porquanto, em contato com as entidades que aqui foram trazidas ou que aqui vieram espontaneamente, muitos talvez se admirem da condição espiritual desses irmãos desenfaixados do corpo físico, mas, se aqui vieram, é porque se encontram em condições melhores do que aqueles que não puderam vir, e tramam, a distância, nas dimensões espirituais em que erram, o comprometimento da tarefa em que todos nos encontramos empenhados. Daí ser imperioso que o médium tenha firmeza e não se intimide, não tenha receio do contato com essas entidades infelizes que lhe batem as portas do psiquismo, mas que se acautele contra esses outros nossos irmãos que aqui não vêm e que permanecem, à espreita, tramando, ao longe, a ruína do grupo.


Odilon Fernandes
Carlos A. Baccelli
Mediunidade Corpo e Alma

Centros Mal – Orientados

Infelizmente, algumas casas espíritas prestam um desserviço à Doutrina dão-nos a impressão de que foram construídas apenas para atender a vaidade dos médiuns que as edificaram.
Não somos contrários aos diretores reconhecidamente bem intencionados e idealistas que permanecem por longo tempo nos cargos que ocupam. A causa espírita necessita dos que não abram mão de seus deveres para com ela. Excesso de liberalidade doutrinária é tão prejudicial à casa espírita quanto aos regimes ditatoriais impostos por alguns diretores, que anseiam por se perpetuar nos postos de direção.
Por vezes, a renovação da diretoria é de vital importância para que a casa espírita se renove em suas atividades, com a descentralização do poder. No entanto precisamos reconhecer que, por outro lado, muitos novos diretores costumam ser um desastre, pois, consentindo que o cargo lhes suba à cabeça, tomam atitudes arbitrárias e passam a ser elementos desagregadores.
Não se admite em um núcleo espírita, a luta pelo poder. Jesus nos advertiu quanto aos perigos de uma casa dividida, afirmando que ela não seria capaz de se manter de pé.
Nos centros espíritas de boa formação doutrinária, prevalece o espírito de equipe; ninguém trabalha com o desejo de aparecer, de reter as chaves da instituição no bolso, de modo que certas portas não sejam abertas sem a sua presença... Não se tecem comentários desairosos sobre os companheiros, como se, o que se pretendesse, fosse desestabilizá-los nas tarefas que permanecem sob a sua responsabilidade.
Os dirigentes de uma instituição espírita necessitam ter pulso firme, transparência nas decisões, fraternidade no trato para com todos, submetendo-se sempre à orientação da Doutrina. Pontos de vista estritamente pessoais não devem ter espaços no Movimento.
Centros espíritas mal orientados passam para a comunidade uma imagem deturpada do Espiritismo. A divulgação da Doutrina começa pela fachada de uma casa espírita. Até o seu ambiente físico carece ser acolhedor, iluminado. Construções suntuosas muitas vezes espiritualmente estão vazias. Os centros espíritas devem ter a preocupação de ser a continuidade da Casa dos Apóstolos, em Jerusalém amparo aos desvalidos e luz para os que vagueiam nas sombras, sempre, em nome do Senhor, de portas descerradas à necessidade de quem quer que seja.
Num templo espírita é indispensável à divisão de tarefas; muitos núcleos permanecem de portas fechadas na maioria dos dias da semana, porque os seus dirigentes não sabem promover os companheiros... O ciúme e o apego injustificável de muitos dirigentes acabam por deixar ocioso o espaço de uma casa espírita, quase a semana inteira. Não vale a justificativa de que os seareiros sejam poucos... Cuide-se das atividades doutrinárias de base a evangelização e a mocidade e não se terá o problema de escassez de braços para o trabalho doutrinário.
Nos centros mal orientados, nos quais o campo de serviço é restrito, os Espíritos Superiores não têm muito que fazer. Quanto mais numerosas, diversificadas e sérias as atividades de uma casa espírita, maior a tutela da Espiritualidade e maior a equipe dos desencarnados que com ela se dispõem a colaborar.
Os dirigentes, médiuns responderão pela sua omissão e arbitrariedade à frente de um núcleo espírita.

Livro: Conversando com os Médiuns.
Espírito: Odilon Fernandes.
Médium: Carlos A. Baccelli.

Observe para Atender

A piedade é o melancólico, mas
celeste precursor da caridade.
primeira das virtudes que a tem
por irmã e cujos benefícios ela
prepara e enobrece.
(Alan Kardec, E.S.E. Cap.XIII- ltem 17).

Você comentará falhas alheias, sem resultado edificante, e se fará dilapidador das fraquezas do próximo. Você censurará o vizinho, sem lhe retificar a posição, e se converterá em juiz impiedoso das vicissitudes dos outros.
Você discutirá as imperfeições do amigo, sem lhe modificar a situação moral, e se transformará em algoz de
quem já é vitima de si mesmo.
Você debaterá problemas dos conhecidos, sem os solucionar, e se tornará leviano examinador das causas
que lhe não pertencem.
Você exporá feridas do caráter das pessoas, sem as medicar, e se situará na condição de enfermeiro negligente em doenças a que lhe não cabe oferecer assistência.
*
Cale o verbo que não ajuda, observe e sirva.
Você caminha sob a mesma ameaça. Os outros observam-no também.
Deixe que a tentação da censura morra asfixiada no algodão do silêncio.
Ninguém é infeliz por prazer.
Os que mais erram são doentes contumazes que requerem o medicamento fraterno da prece e do entendimento.
O comentário improdutivo é gás que asfixia as plantas da esperança alheia.
Sua censura é espinho na alma do vizinho.
A exposição dos insucessos do próximo é estilete a ferir-lhe a chaga aberta.
*
Recorde o Mestre e examine-se.
Sua ascensão apóia-se na ascensão dos companheiros.
A queda de alguém é embaraço em seu caminho.
Auxilie sem exigência e indistintamente.
Permita ao grande tempo a tarefa de corrigir e educar. Confira a você mesmo o impositivo somente de ajudar.
* * *
Franco, Divaldo Pereira. Da obra: Glossário Espírita-Cristão.
Ditado pelo Espírito Marco Prisco.
4a edição. Salvador, BA: LEAL, 1993.

OS TESOUROS DO CORAÇÃO



Queridos irmãos de jornada, devotados companheiros do ideal do Amor e da Luz:
a Bondade de Jesus é o cântico que, dia a dia, nos alcança, seja através do brilho do Sol, seja pela riqueza da convivência entre os semelhantes, invariavelmente entre brisas e flores, trabalho e experiência, esperanças e sonhos...
A vida, mesmo quando as dores e as provações surgem, é a expressão da Presença de Deus, osculando-nos as almas e inspirando-nos as virtudes da caridade e do perdão...
Quando nos dispomos a aprender e a servir, sob as claridades dos ensinos de Nosso Senhor Jesus Cristo, fácil se torna para nós a visão espiritual de todas as coisas, de modo que os tesouros do coração se nos revelam a todo instante, enaltecendo-nos o existir, os projetos, o comportamento...
Meus amigos: tudo o que o Espiritismo com Jesus nos ensina é o reflexo inteligente e ordenado da Vida Abundante.
Quando uma criança toma contato com as primeiras letras na Escola, insere-se ela no universo da cultura e da educação que dignifica a vida social, definindo o caráter das civilizações. Conhecer os valores eternos da Criação e as realidades do Espírito em permanente comunhão entre a Terra e o Céu, significa para um coração encarnado a conquista dos mais valiosos tesouros, porque, sinceramente, meus irmãos, impossível torna-se a alguém enxergar a Luz e permanecer totalmente indiferente a seus valores transcendentais!...
Caminhamos todos de mãos dadas... às vezes, ocorre alguma deserção que perdura o tempo necessário à ilusão cultuada do indivíduo, que visitado pelas dores consequentes à sua deserção e rebeldia, retorna ao aprisco e passa a valorizar a amizade e a ternura, o serviço do Bem e o Amor de Jesus!
Temos de novo à nossa frente o Natal... e a sublimidade daquela noite de Belém como que se reedita, deixando irradiar o excelso Amor que foi depositado na inesquecível Manjedoura, sob o calor devotado de Maria e José, entre cânticos de louvores e bem-aventuranças!...
Compreendemos que a caminhada da nossa ignorância e rebeldia em direção da Grande Luz da Misericórdia tem sido dura, entre decepções e amarguras, sofrimentos e dores. No entanto, amigos, como aprender o caminho sem os benditos aguilhões que nos guiam os sentimentos e os passos?!... como assumir a espiritualidade latente de nossa alma sem quebrar as carapaças grosseiras do egoísmo e do orgulho, das vaidades e dos vícios?!...
Temos, todos nós, infinitos motivos de júbilo e esperança. E é nosso dever moral a gratidão a Deus, a Jesus, aos Bons Espíritos e também aos semelhantes encarnados – sejam eles quem sejam!
O universo do Pai é uma sinfonia de Amor e Alegria! Quando as escamas da presunção caem de nossos olhos espirituais, o deslumbramento é inevitável e o único caminho que nos resta, ante a magnificente beleza e perfeição do Pai é o sentimento reverente, entre a humildade e a doçura de coração – os tesouros eternos do Espírito!
Por isso, por compreender todas as dores dos irmãos da Terra, solidariamente convidamos aos que nos honram com seu carinho e com sua atenção – o que sinceramente não julgamos merecer – a seguirmos com Jesus, fazendo de nossa Doutrina Espírita o caminho da Vida, o coroamento das lutas, pela adoção da Caridade!
Nossos votos de união e fraternidade entre nós. Que o Senhor, através denossa Mãe Santíssima, nos ampare e nos inspire o Bem!
Do irmão e servidor de sempre,
Chico Xavier.
(Mensagem psicografada pelo médium Wagner G. Paixão, em reunião pública do Grupo Espírita da Bênção, em Mário Campos, MG, na noite de 12 de novembro de 2012)

A Moral e os Recursos da Natureza

Deolindo amorim

Artigo publicado no periódico Estudos Psíquicos - Janeiro de 1949

Entre o passe magnético e o passe espírita, conquanto ambos produzam efeitos curativos, há distinção evidente. Ainda há pouco tempo, encontrando-se no Rio de Janeiro, o Dr. Aribaldo Lelis, residente em Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, ex-presidente da Federação Espírita daquele Estado, médico, fez uma conferência sobre este assunto, na Liga Espírita do Brasil. Demonstrou o abalizado conferencista que o passe magnético pode ser perfeitamente explicado nos domínios da Física, desde que se tenha conhecimento das leis do Magnetismo. Lembrando que tanto em determinados minerais, como em árvores e animais pode ser encontrada a força magnética em potencial bem adiantado, estabeleceu, de maneira magistral, o paralelo entre o passe espírita e o passe magnético.
É verdade que tanto se faz cura pelo passe magnético, e há numerosos fatos a este respeito, como pelo passe espírita. O passe magnético é de origem humana, enquanto o passe espírita é de origem espiritual. Embora se trate de elucidação elementar, visto que qualquer estudioso do assunto sabe que há pessoas dotadas de força magnética em estado bem adiantado, ainda existe confusão neste terreno. Confusão, aliás, sem razão de ser, porquanto o passe espírita não provém do fluido animal, embora tenha necessidade do fluido humano. Sabe-se que o médium, com seus fluidos próprios, colabora com o espírito; mas é preciso ter em vista que o médium não passa de instrumento do espírito. O passe não é do médium, mas do espírito, cujos fluidos, ninguém o negaria, se combinam com os fluidos do médium. Há, entretanto, quem ainda confunda médium com magnetizador.
A mediunidade está sujeita a sanções morais. O médium não é uma criatura biologicamente diferente das outras, nem é um ser privilegiado; mas, em função da mediunidade, que tem um fim superior, em qualquer grau em que se manifeste, o médium não deixa de ter grande responsabilidade moral. A confusão entre o médium e o magnetizador pode trazer prejuízos de ordem moral, justamente porque, uma vez reduzida a mediunidade ao valor de uma força puramente humana, cai muito a responsabilidade do médium. O magnetizador, conforme seja a sua concepção da vida ou as suas tendências morais, poderá dizer que o fluido animal é seu, e que, portanto, faz desse fluido o uso que quiser; o médium, porém, não pode dizer assim, porque a mediunidade traz uma soma não pequena de deveres morais, sobretudo porque a faculdade mediúnica vem para o progresso espiritual e não para fins exclusivamente materiais.

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Em sã consciência, todas as forças que a natureza põe a serviço do homem devem ser empregadas para o bem. O magnetismo, de qualquer forma, é uma força que o homem não inventou nem adquiriu por compra. Logo, à luz da razão e da moral, a força magnética não é também propriedade do magnetizador. O homem, afinal de contas, não é dono de nenhuma força da natureza; mas é sempre necessário considerar que a mediunidade se distingue do magnetismo, porque tem leis e fins especiais. O magnetismo, entretanto, não está absolutamente, como pode parecer, fora da lei moral.
O fato de um indivíduo ter força magnética e não provir essa força de entidades espirituais, o que mostra a distinção entre o passe espírita e o passe magnético, não quer dizer que o indivíduo pode utilizar o magnetismo para fins de exploração. Quando o magnetizador tem boa formação moral, quando sabe, portanto, fazer bom uso de suas faculdades, não emprega a força magnética senão a serviço do bem. A distinção entre o magnetismo e a mediunidade não exclui o magnetizador da sanção moral quando faz de seus poderes magnéticos um instrumento do mal.
A Doutrina Espírita mostra que todos os recursos da natureza devem ter fim útil, porque esses recursos pertencem à grande obra da criação divina. Como a mediunidade, o magnetismo, os dons da inteligência, todos esses recursos podem ser úteis ou maléficos, conforme o estado moral de quem os possui. O magnetismo é, igualmente, um instrumento do bem, um meio de se aliviar o sofrimento do próximo. Logo, esse instrumento, que não é, convém repetir, propriedade do homem, deve ter aplicação honesta. Tanto em relação ao médium, que é instrumento dos espíritos, como em relação ao magnetizador, que é instrumento de forças da natureza, o “denominador comum” é sempre a moral. Sem a moral ensinada e exemplificada por Jesus, tanto a mediunidade como o magnetismo, como quaisquer outros dons, são instrumentos perigosos a serviço do mal. Implante-se a moral no homem, e todos os dons, venham da natureza ou do mundo espiritual, serão empregados para o bem da humanidade. A moral, portanto, é o bastão com que o homem há de dirigir e utilizar os recursos que recebe da Providência.
Assim abroquelado, o verdadeiro magnetizador poderá conseguir autênticos milagres terapêuticos, tendo sempre em vista o auxilio que o Alto nunca regateia a quem trabalha desinteressadamente, utilizando os recursos infinitos da Natureza.
O charlatanismo é que se deve evitar sempre, em beneficio de uma doutrina de amor e caridade que procura elevar o homem, imunizando-o o mais possível contra os germes derrotistas que buscam a sombra para exercer a sua ação maléfica.

Restrições ao Livre-Arbítrio

Deolindo amorim

Artigo publicado na Revista Internacional de Espiritismo - Janeiro de 1956- Número 12

Faz pouco tempo, estávamos discorrendo, aliás, perfunctoriamente, sobre o problema do livre-arbítrio e do determinismo, durante uma palestra espírita, e lá estava um moço (estudante de Medicina), que, não sendo espírita, aparecera no Centro, apenas para acompanhar um amigo seu.
Terminada a palestra, fomos informados, à saída, de que o estudante de Medicina, fazendo críticas aos nossos comentários, dissera o seguinte: Ora tudo isso está explicado pela endocrinologia; são as glândulas endócrinas que determinam o caráter e o comportamento do homem.
Queria ele dizer, pelo que nos informaram, que a evolução do espírito não tem influência alguma no caráter e nas atitudes: tudo depende das glândulas de secreção interna.
Toda generalização é perigosa. A endocrinologia explica muita coisa, não há dúvida, mas é preciso notar que o caráter do homem não depende exclusivamente do estado das glândulas.
É justamente aqui, neste ponto, que o campo da especialização médica, por exemplo, embora restrito e privativo, não pode deixar de permitir a penetração de certos princípios filosóficos.
Não é mais possível, hoje em dia, colocar no vestíbulo da cultura especializada uma legenda ou advertência proibitória, semelhante àquela que o filósofo antigo colocou à porta de seu retiro: Aqui não entra quem não souber Geometria!
Não há, presentemente, um ramo da cultura que possa ficar, como se diz, hermeticamente fechado à incidência de solicitações e discussões mais amplas, fora do círculo restrito dos iniciados. Já dissemos isto mesmo, sobre a obra de Fernando Ortiz – La Filosofia Penal de los Espiritistas, precisamente porque o criminalista cubano, sem ser espírita, sai do campo limitado de uma especialidade e vai procurar, na filosofia do Espiritismo, a solução para muitos problemas de Direito Penal. (1)
É natural que um estudante de Medicina, principalmente quando desconhece inteiramente a Doutrina Espírita, veja o problema do caráter pelo prisma exclusivo do funcionamento de certas glândulas. Se fosse realmente assim, nada mais fácil do que classificar os tipos humanos de acordo com o seu sistema endócrino.
A Doutrina Espírita não desconhece a influência das glândulas endócrinas no comportamento do homem, mas o que a Doutrina afirma, ao mesmo tempo, é que essa influência não destrói a tese filosófica do livre-arbítrio.
Vejamos o que diz a Doutrina Espírita sobre este problema, que é, hoje, mais atual do que nunca:
“O exercício das faculdades do espírito depende dos órgãos que lhe servem de instrumento. Aquelas (as faculdades) são enfraquecidas pela grosseria da matéria”. (“Livro dos Espíritos”, questão n.º 367)
Afirma-se aí, inegavelmente, em tese geral, a influência do organismo sobre a matéria ou, para usar linguagem técnica, a influência do soma sobre o psíquico. Se o organismo, pela grosseria da matéria, pode enfraquecer as faculdades do espírito, dificultando-lhe, portanto, a percepção, é claro que a vontade sofre restrições inevitáveis. Isto quer dizer, portanto, que o espírito, quando encarnado, não goza da plenitude de sua vontade. Tese cediça na Doutrina Espírita. Acontece, porém, que a Doutrina, ainda no mesmo capítulo, esclarece que: não são os órgãos que dão as faculdades, mas estas que promovem o desenvolvimento dos órgãos.
Já se vê que é pela ação do espírito, pela vontade, finalmente, que os órgãos materiais se desenvolvem; não fosse a vontade, ficariam atrofiados. Logo, a influência do organismo sobre a alma não é absoluta, não chega ao extremo de anular completamente o livre-arbítrio. Não devemos perder de vista o esclarecimento pessoal de Allan Kardec, logo ao pé da resposta que lhe dera o espírito instrutor:
“Se as faculdades tivessem seu principio nos órgãos, o homem seria uma máquina, sem livre-arbítrio e sem a responsabilidade de seus atos. Fora necessário admitir que os maiores gênios, os sábios, os poetas, os artistas o são apenas porque o acaso lhes deu órgãos especiais, de onde se segue que sem tais órgãos eles não teriam sido gênios e que o mais imbecil poderia ter sido um Newton, um Virgilio ou um Rafael, desde que tivesse sido provido de certos órgãos”.
O órgão é o instrumento de que se serve o espírito para manifestar as suas tendências e aptidões. É claro que o espírito necessita de órgãos indispensáveis ao exercício de funções humanas, mas, daí, não se pode concluir que, pelo fato de possuir tais e quais órgãos, um espírito venha a ser, somente por isso, um gênio, um iluminado, ainda que não tenha o necessário refinamento.
A influência da matéria sobre a alma cria dificuldade à percepção, porque restringe muito o campo de projeção, uma vez que o ritmo vibratório sofre limitações inevitáveis. Entretanto – e é neste ponto que o Espiritismo se afasta do radicalismo determinista de certas correntes e escolas – a evolução do espírito modifica, de modo gradativo, a ação da matéria.
Se, realmente, a deficiência de um órgão ou qualquer distúrbio endócrino pode alterar o comportamento de um indivíduo, sacrificando-lhe, em grande parte, o livre-arbítrio, também é verdade que, em determinados indivíduos, tais anomalias são superadas pelo desenvolvimento espiritual.
Logo, a evolução do espírito pode levar o indivíduo a se sobrepor a tudo quanto lhe causa dificuldade à manifestação da vontade. Não é regra geral, mas disto decorre um principio importante: quanto mais adiantado é o espírito, mais facilidade tem ele para superar todas as restrições a seu livre-arbítrio, sejam restrições físicas (doenças, defeitos, etc.), sejam restrições sociais.
Há indivíduos que, mesmo quando portadores de certas moléstias graves ou quando têm defeitos aberrantes, procuram evitar a formação de complexos, criam derivativos e chegam até à sublimação, e não se deixam vencer. Isto é prova de evolução espiritual. O livre-arbítrio não é, aí, absolutamente tolhido, como parece.
Foi este o ponto que o moço estudante quis refutar, quando fazíamos a nossa palestra sobre o livre-arbítrio e determinismo, tema velho e já muito surrado. Entendia o moço, dentro de uma concepção fundada sobre uma espécie de supremacia das glândulas endócrinas, que o homem não procede, não pode agir como quer, uma vez que está na dependência do estado de suas glândulas, principalmente a tiróide.
Se assim é, podemos concluir que todo o mecanismo dos atos humanos, toda a expressão do caráter, depende exclusivamente das glândulas.
Neste caso, a endocrinologia, que é apenas um campo de especialização, teria uma extensão incalculável, tal como a Filosofia, na Grécia antiga.
A endocrinologia, se lhe quiséssemos dar tanta amplitude, terminaria invadindo a própria seara da Filosofia, porque, assim, passaria a explicar tudo quanto se refere à vontade e às ações do homem no composto matéria-espírito.
No caso de admitirmos que a solução de todos os problemas do comportamento e até das atitudes íntimas da criatura humana esteja exclusivamente na endocrinologia, teremos de chegar à conclusão inevitável de que a reforma do homem é um problema clinico, é questão de tratamento das glândulas, não é um problema moral...
Como decorrência disto, poderemos dizer que a Doutrina Espírita nada mais tem que fazer, nem é necessário tentar corrigir o homem e a sociedade, por meio da doutrinação, pelo esclarecimento evangélico, porque é nas glândulas endócrinas que está a solução do problema. Isto é o que se pode chamar posição extremada.
Nem mesmo a criminologia, que já teve época em que se agarrou muito ao chamado “arbítrio das glândulas”, poderia esposar, hoje em dia, todas as afirmativas desta corrente cientifica. Há, na personalidade humana, elementos oriundos de existências anteriores.
Já dissemos aqui, como o fizemos por ocasião de nossa palestra, que o Espiritismo reconhece a influência do organismo sobre as faculdades e as ações da alma unida ao corpo. Não vai, porém, ao exagero de generalizar a explicação de fenômenos e atos cuja causa não pode, de forma alguma, ser encontrada no sistema endócrino.
A Doutrina Espírita é ainda mais objetiva quando diz que uma aberração física pode tolher a liberdade (Livro dos Espíritos, questão n.º 847). Isto, porém, não constitui nem pode constituir argumento para se negar à tese de que, pela evolução, o espírito encarnado pode superar deficiências orgânicas, e, assim, usar o seu livre-arbítrio. Uma aberração não destrói um principio. Ainda assim, dentro de outro principio da filosofia espírita – o de que o espírito, ao voltar à Terra, pela reencarnação, vai ter um corpo adequado às condições de vida em que terá de cumprir as suas provas ou desempenhar sua missão – ainda assim, repetimos, não fica anulado o livre-arbítrio, porque o espírito escolhe a prova antes de se realizar a reencarnação. Veja-se o Livro dos Espíritos, questão n.º 258, em cujo texto se lê o seguinte:
“Ele próprio (espírito) escolhe o gênero de provas que quer sofrer, e é nisto que consiste o livre-arbítrio”.
Por detrás de uma anomalia física, por detrás de uma aberração horrenda, ainda que o espírito encarnado seja tolhido na manifestação de sua vontade, nesta existência, se esconde um principio filosófico e se revela, até nisto, a existência do livre-arbítrio, porque o espírito pode amenizar os efeitos da prova.
É claro que, se ficarmos no campo restrito da endocrinologia, sem subirmos à esfera filosófica do problema, não poderemos compreender a incógnita...
Seja como for, a influência das glândulas no comportamento do homem, por força da ação do corpo sobre a alma, é tese pacífica, e pretender contrariá-la inteiramente é assumir posição anticientifica ou desconhecer o sentido progressivo do Espiritismo, em relação com o desenvolvimento da cultura humana.
Todavia, o que o Espiritismo repele, e repele em termos lógicos, com base na experiência, é a tese absoluta de que o homem não tem vontade, não é senhor de suas ações, é um irresponsável, porque todas as suas atitudes são determinadas pelas glândulas.
(1) A obra de Ortiz foi traduzida por Carlos Imbassahy e publicada pela Livraria Allan Kardec Editora (LAKE), de S. Paulo.

A Parábola das Bodas


Artigo extraído do livro "Em Busca do Mestre" - Edições FEESP - 4ª Edição - Março de 1995.

“De novo começou Jesus a falar em parábolas, dizendo-lhes: O reino dos céus é semelhante a um rei, que celebrou as bodas de seu filho. E enviou os seus servos a chamar os convidados para a festa, e estes não quiseram vir. Enviou ainda outros servos com este recado: Dizei aos convidados: Tenho já preparado o meu banquete; as minhas rezes e os meus cevados estão mortos, e tudo está pronto; vinde às bodas. Mas eles não fizeram caso e foram, um para seu campo, outro para o seu negócio; e outros, agarrando os servos, os ultrajaram e mataram. Mas, irou-se o rei, e mandou as suas tropas exterminarem aqueles assassinos e incendiarem a sua cidade. Então disse aos servos: As bodas estão preparadas, mas os convidados não eram dignos; ide, pois, às encruzilhadas dos caminhos e chamai para as bodas a quantos encontrardes. Indo aqueles servos pelos caminhos, reuniram todos os que encontraram, maus e bons; e a sala nupcial ficou cheia de convivas. Mas, entrando o rei para ver os convivas, notou ali um homem que não trajava veste nupcial, e perguntou-lhe: Amigo, como entraste aqui sem veste nupcial? Ele, porém, emudeceu. – Então, o rei disse aos servos: Atai-o de pés e mãos, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá o choro e o ranger de dentes. Porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos”.
Trata-se de um Soberano que promove um banquete de bodas, para o qual convida as pessoas gradas do seu reino.
Este acontecimento deve ser tomado em acepção espiritual, visto como Jesus o relaciona e compara com o reino dos céus, conforme reza o verso 2 da alegoria em apreço. Assim, pois, o Soberano Senhor do Universo tem preparado um festim celeste, um banquete original, por isso que se não destina à gratificação dos sentidos nem visa proporcionar deleites ao corpo, mas para regozijo e conforto das almas. Essa festividade de cunho eminentemente religioso, consiste na comunhão entre os dois planos de vida – o terreno e o celestial, ou seja, na comunhão do Céu com a Terra. Notemos que o banquete é de bodas – portanto, é festa de núpcias entre Cristo e sua igreja, participando a militante aqui na Terra e a triunfante do Além. “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estarei eu no meio deles”, tal é a solene promessa do Senhor, e em tal importa a constituição de sua igreja viva, estruturada de corações fiéis à sua palavra e aos seus exemplos, onde quer que se congreguem. Decorre, outrossim, desta circunstância o caráter de universalidade que distingue e assimila a igreja cristã.
Assim, pois, o banquete divino a que se alude na alegoria ora comentada, consiste na eucaristia de amor que se opera toda vez que os cristãos encarnados, ainda prisioneiros da carne, entram em contacto com os cristãos libertos, recebendo o influxo bendito de sua solidariedade, e o conforto incomparável do seu afeto e simpatia. A coragem que daí resulta, o bem que desse ósculo trocado entre os imortais e os mortais decorre transmitindo-lhes a coragem necessária para darem o testemunho da fé na imortalidade, na vida eterna anunciada pelo Cristo de Deus. Assim, e só assim, eles puderam manter-se firmes e intrépidos enfrentando o suplício, fosse esse suplício de que natureza fosse.
Uma coisa é ter idéia da vida futura, aceitar e mesmo crer na imortalidade como doutrina e como postulado da crença que adotamos, e outra coisa é sentir a realidade, a evidência da outra vida palpitar em nosso íntimo mediante o contacto dos Espíritos libertos, dos Espíritos que compõem a falange do Consolador, cuja assistência Jesus no-la promete solenemente em seu Evangelho.
Sabeis, por certo, o que é euforia. É o estado do indivíduo que se sente bem, é a sensação de abundância, de força e coragem, de valor e bom ânimo. Os seres superiores transmitem aos homens essa sensação que deles irradia naturalmente. Francisco de Assis, o grande místico, cuja vida foi um exemplo de humanidade, desfrutava a incomparável ventura de experimentar em seu íntimo a plenitude das graças celestiais, recebidas dessa fonte. Daí o seu desprezo pelas grandezas, pelos faustos e por todas as temporalidades do século. Joana D’Arc, a donzela de Orleans, aquela moça de guerra, liberta a sua pátria da invasão inimiga, mediante a influência de entidades espirituais que dela se serviam como instrumento, provando e demonstrando ao mundo o quanto pode e de que é capaz a ação dos Espíritos sobre os mortais. Ainda nos seus últimos momentos, supliciada na fogueira acesa na praça de Ruão, Joana dizia-se amparada pelas vozes do Céu de quem recebia energia, valor e inspiração.
A humanidade terrena não está isolada do todo. As entidades do Além penetram o plano terráqueo influindo positivamente nos atos e na conduta humana. As duas sociedades se encontram nos mútuos e recíprocos fenômenos de ação e reação.
João, em seu transcendente evangelho, diz que a lei veio por Moisés, porém a verdade e a graça nos são dadas mediante Jesus Cristo. Isto importa no fato de Moisés ter sido o intérprete da Lei, o escolhido para transmitir aos homens o teor do código divino expresso no Decálogo. A Jesus, porém, foi cometida a missão de completar o espírito da Lei, a obra de Justiça que deve culminar na Misericórdia. Por isso, a Ele compete presidir ao banquete celeste de entrelaçamento das almas – de um e de outro hemisfério, como lídima expressão da suprema graça concedida aos homens. Nós, míseros pecadores, podemos participar, por esse meio, da felicidade que fruem os Espíritos Superiores, os veros discípulos e apóstolos do Mestre Excelso, que já conquistaram a imortalidade integrando-se na vida eterna.
E não é só a graça que Jesus nos traz: Ele é também o portador da Verdade, dessa Verdade que é mais do que a ciência porque é sabedoria. Queremos nos reportar às revelações. Os maiores conhecimentos, as mais extraordinárias descobertas e as mais estupendas conquistas que o homem tem alcançado na terra, procedem da revelação. O homem é sempre, creia ou não creia, dirigido, orientado e conduzido pelos Seres Superiores, que carinhosamente acompanham seus passos no caminho de todas as tentativas nobres e elevadas a que o homem dedica os seus esforços e a sua inteligência.
A inspiração, porém, como a graça, apressamo-nos em assinalar, não vem para os indolentes, para os comodistas, gozadores e abúlicos, mas para os operosos e diligentes, adotem eles esta ou aquela crença, pouco importa. É o prêmio destinado aos que se esforçam e perseveram, aos que porfiam e lutam sem esmorecimento. É da fonte inexaurível da inspiração que emana a linfa cristalina e pura que mitiga a sede de saber, a sede de arte, a sede de Justiça, do bem, do belo e do verdadeiro que padecem as almas nobres, os Espíritos varonis. Bem-aventurados os que têm fome e sede de Justiça porque serão saciados – eis a promessa que se cumpre no manancial das várias formas de revelações, sempre renovadas, frescas e progressivas.
Prossigamos, agora, nossos comentários sobre a passagem em questão. Preparado o festim, o Senhor e Soberano despachou emissários convidando as pessoas gradas para assistir a ele. Estas, porém, desdenharam o convite real, entregando-se às suas ocupações habituais. Fizeram ainda mais: ultrajaram os régios mandatários, perseguiram-nos e até assassinaram alguns deles.
Este passo da parábola refere-se claramente às revelações e advertências transmitidas pelos profetas, que era como se denominavam os médiuns, na antiguidade. Essas mensagens celestes, que deviam interessar aos mais avançados e mais responsáveis, por isso que dirigentes, foram sistematicamente desprezadas e ridicularizadas. Aqueles, portanto, cuja posição social justificava a primazia do convite, não se mostraram dignos dessa distinção.
Generalizando o caso, vemos que, realmente, é o que tem sucedido em toda parte, com relação à atitude dos membros da elite social diante das manifestações do plano espiritual. Tanto os ditos intelectuais, como aqueles que por outros motivos e razões ocupam posição de destaque na sociedade, receberam aqueles testemunhos de outra vida, com sarcasmos, levando-os ao ridículo. Os encarregados ou escolhidos do Senhor para funcionar como instrumentos do Alto, foram perseguidos, encarcerados e cobertos de opróbrios. Tal tem sido, através dos séculos, salvo raras e honrosas exceções, o procedimento dos homens de maior responsabilidade pelos destinos das gentes por isso que exercem autoridade sobre as massas populares. Portanto, como diz o texto, os primeiros convidados mostraram-se indignos da prerrogativa que lhes fora conferida.
Chegamos à parte mais interessante deste apólogo, visto como nos diz respeito muito de perto. Este tópico reporta-se evidentemente ao advento do Espiritismo. O surto invulgar que esta doutrina tomou em pouco mais de meio século, tempo este que muito pouco representa para a evolução de uma idéia, é realmente espantoso. Por toda parte fala-se no Espiritismo. Não há recanto da terra onde não se comentem os postulados da nova fé; não há família em cujo seio não se tenha dado algum fenômeno espírita. Em todos os meios sociais o Espiritismo constitui tema e assunto de discussões. Da choupana do pobre ao palácio dos abastados; dos insipientes aos eruditos; dos grandes aos parias – vão-se veiculando as idéias espíritas em marcha insopitável, num surto incoercível, que nenhuma força ou poder adverso pode sustar. Todas as formas de mediunidade estão em franca eclosão. As de natureza mais empolgantes, tais como a de materialização e voz direta, outrora raras, vão-se vulgarizando. A mediunidade de incorporação, mediante a qual é possível a cirurgiões do espaço realizarem intervenções de baixa e alta cirurgia; a tiptológica, a de transportes, de vidência e audição pululam aqui e acolá. A mediunidade mecânica que, através de Francisco Cândido Xavier, tem assombrado os pensadores honestos desta Pátria do Evangelho, pela sua fertilidade invulgar e pelas provas incontestáveis de autenticidade de que se reveste, desafiando a crítica mais exigente dos mais pirrônicos negativistas. Tudo isso é o que, se não a generalização do convite, ora extensivo a todos, sem distinção de classe e, mesmo, de méritos? A figura parabólica torna-se patente com o sol a pino. Só não a verá os cegos que obstinadamente fecharam os olhos para permanecerem nas trevas. As portas do salão nupcial estão abertas de par em par. O acesso é franqueado aos que o quiserem. Por isso, o augusto recinto está repleto de convivas bons e maus. Notemos bem este pormenor: bons e maus, não há escolha, não há seleção, não há preferência – os que quiserem, podem entrar, sem nenhum impedimento.
Esta figura parabólica também se acha plenamente concretizada na história do Espiritismo. Os charlatões e impostores de alto e baixo coturno apresentam-se rotulados de espíritas, pontificando em nome da Terceira Revelação. Os mercantilizadores, os exploradores da ingenuidade, da crendice e da ignorância exercem seu ignominioso comércio, a sua indecorosa e execrável simonia. Macumbeiros e feiticeiros são classificados e tidos como expressão do que se convencionou denominar – baixo espiritismo. Adeptos de todos os matizes engrossam as fieiras do novo credo: leais e dissimuladores; crentes verazes cujas convicções são baseadas no raciocínio e na observação; crentes que comprovam a justeza de sua fé pelas transformações que imprimem em si próprios; crédulos que tudo aceitam sem exame nem estudo e cujos caracteres não se modificam, permanecendo tais quais eram antes de se dizerem espíritas; estudiosos e diligentes que pedem, batem e procuram, agindo como quem sabe que o Espiritismo nada promete aos preguiçosos; curiosos, amantes de sensação, que só querem ver fenômenos, maravilhas e prodígios; almas sensitivas que desejam aprimorar seus sentimentos educando os próprios corações; homens honestos que vêm no Espiritismo à força única capaz de tirar o mundo do caos onde se debate; almas possuídas de fé que aguardam serenas e calmas o cumprimento da palavra evangélica; indivíduos atrabiliários, demagogistas, inovadores, irrequietos e insofridos – em suma – toda essa amálgama, todos esses elementos heterogêneos, com aspirações dispares e objetivos antagônicos entram no salão de bodas, confirmando o que reza o texto evangélico: Convidai indistintamente a quantos encontrardes pelas encruzilhadas dos caminhos: bons e maus. Gravemos indelevelmente em nossa mente essa particularidade, para que não nos escandalizemos a cada momento nem tenhamos decepções que nos possam arrefecer o entusiasmo e entibiar o ardor com que devemos pugnar pela vitória da verdade. Lembremo-nos de que a árvore se conhece pelos frutos, e mais ainda – que a cada um será dado segundo as suas obras. No decorrer animado e tumultuoso do festim nupcial, o Soberano Senhor entra no salão e, observando os convivas, nota que ali se acha alguém com indumentária comum, isto é, sem o traje próprio e adequado àquela cerimônia. Interroga-o então: Amigo, como entraste aqui sem veste ou túnica nupcial? O interpelado, porém, emudece. Continuando, disse o rei aos servos: Atai-o de pés e mãos, e lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes. Porque muitos são os chamados, mas poucos escolhidos – versos 11 a 14.
A exegese deste tópico com que o Divino Mestre fecha a parábola, é de tal evidência, que por si mesma se impõe. A veste nupcial prefigura o escrúpulo, o respeito e a santidade de que se devem revestir aqueles que tomam parte em sessões espíritas.
Quando Moisés percebeu os primeiros sinais da manifestação celestial que o procurava para transmitir-lhe o Decálogo, ouviu uma voz que dizia: Descalça as tuas sandálias porque é santa a terra que pisas. Santa, por que? Porque naquele local ia verificar-se o consórcio do céu com a terra, dos seres imortais, mensageiros e delegados de Deus com o homem. Da mesma sorte, hoje sucede. A comunhão com os Espíritos do Senhor é a eucaristia viva, eucaristia da graça com que Deus favorece o pecador através do seu Ungido, Cristo Jesus. O sentimento do bem, o desejo de alcançar mais um pouco de luz, como processo e meio de melhorar suas condições morais e intelectuais – tais são os objetivos que justificam a sagrada eucaristia. O espírito de religiosidade, a máxima sinceridade, o anseio de vencer os defeitos próprios, à vontade de contribuir para minorar as alheias aflições, de mitigar as dores do próximo, quer físicas quer psíquicas, eis os fios com que se tece e urde a túnica nupcial para o divino banquete. Comparecer ali, com as vestes da curiosidade, da presunção e do orgulho, de interesses inconfessáveis, de objetivos e malsãos – é expor-se a conseqüências funestas que variam da obsessão e possessão ao confucionismo, ao estado caótico em que o indivíduo, como Pilatos, começa a indagar: o que é a verdade? Stainton Moses, autor da obra – Ensinos Espiritualistas – cuja leitura recomendamos, narra, naquele livro, o que lhe sucedeu em uma sessão espírita onde compareceu despreocupadamente, assim como quem vai assistir a um espetáculo. Após os acontecimentos que então se deram com ele, dos quais quase resultou a sua morte, Stainton Moses – médico culto e experimentado – aconselha que jamais se promovam reuniões e trabalhos espíritas desacompanhados do espírito religioso, que deve presidi-las. E, por falar nesse espírito religioso, lembrado pelo autor em apreço, ocorre-nos à mente que certos espíritas pretendem que o Espiritismo seja ciência, tão somente ciência, nada tendo que ver com religião, por isso que é doutrina isenta de ritos e cerimônias. A nosso ver, esse juízo é destituído de fundamento, procede de uma falsa visão. Em que ramo da ciência estará o Espiritismo? Estará acaso na Química, na Astronomia, na Fisiologia, na Botânica ou na Sociologia? Ou se fará mister criar um vocábulo novo, com pronúncia arrevesada, de raiz grega, para substituir o nome plebeu com que o batizaram? O Espiritismo está em todos os ramos da ciência, sendo ainda a ciência do coração, a ciência da moral, do Destino, numa palavra – a ciência da vida, por isso que veio comprovar a imortalidade. Cumpre também considerar que uma das suas grandes realizações consiste precisamente na conjugação que veio estabelecer entre a ciência e a religião, a fé e a razão, apagando as causas de dissídio entre aquelas expressões. Com o seu advento a “fé encara a razão face a face em todas as épocas da humanidade”, e a religião caminha de mãos dadas com a ciência, visto como se a pequena ciência nega a Divindade, a grande ciência a confirma e atesta em todas as suas mais transcendentes conquistas, em todas as suas mais empolgantes pesquisas e indagações, promovendo assim a religião do homem com Deus, o que importa no verdadeiro espírito da religião. Assim o compreendeu o grande sábio Flammarion, astrônomo e matemático, conforme vemos em sua belíssima obra intitulada: DEUS NA NATUREZA, livro primoroso através de cujas páginas aprendemos a admirar a Divindade no altar santíssimo da sua infinita criação. Acaso, Flammarion consideraria o Espiritismo apenas como ciência, quando escreveu a citada produção? Se o Espiritismo não contivesse em sua estrutura o ideal religioso, não sabemos por que Kardec, o compilador dos seus postulados, se referiu à fé, à moral cristã, aos ensinamentos e aos exemplos do humilde filho do carpinteiro, intitulando um dos seus livros: O Evangelho segundo o Espiritismo. Não compreendemos igualmente por que denominam o Espiritismo de Terceira Revelação. Ora, revelação é mensagem dos Espíritos Superiores, contendo advertência, conselhos e exortações de natureza moral, relativa ao procedimento e à conduta dos homens. Reportam-se geralmente à lei que rege o nosso destino, às conseqüências dos nossos atos repercutindo no outro plano da vida; não tratam precisamente de assuntos científicos na acepção em que os homens tomam essas expressões. Revelação é termo de significado puramente religioso, sendo neste conceito que está aplicado ao Espiritismo. Tirai do Espiritismo o cunho religioso, e tereis, com isso, abolido a sua missão de consolar, de suavizar e lenir as dores humanas, destituindo-o dessa maneira do seu mais belo e glorioso apanágio.
Tirai do Espiritismo o seu caráter religioso e tereis destruído nele aquele poder miraculoso de enxugar o pranto dos aflitos, convertendo em gozo os mais acerbados sofrimentos, conforme tem feito e continua fazendo.
Tirai do Espiritismo a feição religiosa e tereis secado a sua fonte de bênçãos e de conforto moral, onde tantas almas sedentas de amor se têm saciado.
Tirai, finalmente, do Espiritismo a sua qualidade de religião e tê-lo-eis reduzido à fria condição de objeto de curiosidades e de especulações meramente diletantes, inócuas e estéreis, quando não fossem prejudiciais, por isso que sem finalidade moral.
O Espiritismo encerra um programa educacional completo: dirige-se ao cérebro e ao coração, promove o culto da inteligência ao lado do culto do sentimento.
Mas, não nos admiremos de que nem todos ainda o vejam por esse prisma; o salão está cheio de convivas de toda a espécie. Soa, no entanto, a hora da seleção. O mundo atravessa uma crise de reajustamento sob todos os aspectos e em todos os setores de atividade humana. Aproxima-se, pois, o momento em que se cumprirá a profecia contida na derradeira sentença desta parábola: MUITOS SÃO OS CHAMADOS, MAS POUCOS OS ESCOLHIDOS.
Quanto aos que não envergam a túnica nupcial, colherão os efeitos de sua atitude irreverente, caindo no confucionismo, deblaterando no caos, sem rumo, impossibilitados de prosseguir em seus intentos criminosos, conforme prefigura a sentença do promotor do festim: A marrai-o de pés e mãos e lançai-o nas trevas exteriores: ali haverá choro e ranger de dentes.