Fonte: "O Mestre na Educação" - FEB - 6ª Edição
Vamos definir a pessoa e a missão de Jesus, valendo-nos, para isso, da sua própria declaração, segundo consta dos Evangelhos.
Desejando que aqueles homens humildes e bons que escolhera para seus
colaboradores soubessem quem ele era e donde procedera, interrogou-os,
certa vez, indagando: Quem diz o povo que eu sou? Eles retrucaram: Dizem
que sois um dos antigos profetas que ressuscitou. E, vós outros,
prosseguiu o Senhor, quem dizeis que eu sou? Pedro, adiantando-se aos
demais, respondeu: Tu és o Cristo, Filho do Deus vivo.
Jesus, confirmando a resposta do velho pescador, acrescenta:
Bem-aventurado és, Simão Barjonas, pois não foi a carne nem o sangue
quem to revelou, mas meu Pai que está nos céus...
Sabemos, portanto, quem é Jesus, pelo testemunho celeste que veio por
intermédio de Pedro: é o Cristo, isto é, o ungido, o escolhido, Filho de
Deus vivo.
Ungido e escolhido para que? Qual a missão que lhe foi confiada e quais as relações entre ele, o Filho, e o Pai celestial?
Jesus mesmo nos esclarece sobre este ponto, quando, ressuscitado, diz a
Madalena, que pretende lançar-se aos seus pés e abraça-lo: Não me
toques, ainda não subi para o meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso
Deus. Logo, o Deus de Jesus é o Deus da Humanidade, o Pai comum de todos
os homens, sem nenhuma distinção.
Quanto ao compromisso que veio desempenhar neste orbe, nós o vemos
claramente através da atitude que ele assumiu na sociedade terrena. Que
fez Jesus? Começou reunindo algumas pessoas simples, arrebanhadas das
camadas humildes, e foi-lhes ministrando lições e ensinamentos por meio
de parábolas singelas, prédicas e discursos vazados em linguagem
popular, cimentando com exemplos edificantes todas as doutrinas que
transmitia.
A novidade da sua escola consistia particularmente na divulgação destes
princípios: Todos os homens são filhos de Deus, têm todos essa mesma
origem. Da paternidade divina, decorre, como corolário natural, a
fraternidade humana, isto é, todos os homens são irmãos. Portanto, devem
amar-se reciprocamente agindo em tudo segundo a lei de solidariedade.
No entanto, apesar da clareza, lisura e concisão de tal doutrina, são
grandes as dificuldades em torna-la acessível à mente e ao coração
humanos.
Verdades tão naturais, duma lógica irretorquível, comprovadas pelo
testemunho de fatos incontestes, escritas em caracteres palpitantes no
grande livro da Vida, contudo, continuam sendo objeto de controvérsias,
discutidas por uns, rejeitadas por outros.
Ora, a missão de Jesus é precisamente comprovar aquele asserto, vencer
os obstáculos conquistando a Humanidade. Essa obra, sendo de redenção
porque visa libertar o homem dos limites que o prendem à animalidade,
cujos vestígios, nele, são patentes, é, por isso mesmo, obra de
educação.
Daí por que Jesus arrogou a si a denominação de Mestre, considerando
aqueles que o acompanhavam como discípulos. Consignemos que foi o único
título com que se adornou, e nenhum outro. Quando, certa vez, o chamaram
“bom”, retrucou: Bom, só há um, que é Deus. Quando o disseram rei,
repeliu peremptoriamente aquele qualificativo, declarando: O meu reino
não é deste mundo. Apenas quis ser Mestre, e disso fez questão,
advertindo os seus discípulos que só a ele o considerassem como tal. Eu
sou o vosso Mestre, dizia, a ninguém mais concedais essa prerrogativa.
O papel que cabe ao mestre é educar. Entendemos por educação o
desenvolvimento dos poderes psíquicos ou anímicos que todos possuímos em
estado latente, como herança havida d’Aquele de quem todos nós
procedemos.
Pestalozzi define assim a matéria ora em apreço: Educação é o desenvolvimento harmônico de todas as faculdades do indivíduo.
A instrução, portanto, faz parte da educação, por isso que se refere
aos meios e processos empregados no sentido de orientar o indivíduo na
aquisição de conhecimentos sobre determinada disciplina. A instrução
dirige-se conseguintemente à inteligência. E a educação sob seu prisma
intelectual, bem como a ginástica, os exercícios e esportes, criteriosa e
convenientemente orientados, resumem o que denominamos “educação
física”, cuja importância na esfera da higiene está perfeitamente
comprovada.
Ao cultivarmos, porém, esta ou aquela faculdade do Espírito, resta que
não desdenhemos as demais. A monocultura é desaconselhada em todo e
qualquer terreno.
Em matéria educacional, são desastrosos os efeitos da concentração
unilateral de esforços visando determinada cultura em detrimento e com
menoscabo das demais.
Verifica-se, em geral, por parte dos pais, uma grande preocupação – até
certo ponto muito louvável – sobre a educação dos filhos no que
respeita à inteligência. Querem vê-los sobraçando um pergaminho,
aureolados por um título que os habilite ao exercício duma profissão
distinta, a qual, não só lhes assegure a independência econômica – o que
importa, sem dúvida, em justa aspiração – mas que proporcione,
sobretudo, riqueza, fama e glória. O futuro da prole é visto desse
prisma utilitário e vaidoso que encerra, segundo semelhante critério, o
alfa e o Omega da vida.
Há evidentemente uma ilusão nesta maneira de ver e proceder. Somos, nós
os pais, vítimas do egoísmo, esse pecado original com que todos
nascemos e do qual dificilmente nos vamos desvencilhando. Orgulhamo-nos
com o diploma empunhado pelos herdeiros do nosso nome. Queremos vê-los
alvo de aplausos e louvores, seja, embora, na órbita dum intelectualismo
vazio e estéril. A nossa vaidade sente-se lisonjeada com isso,
dando-nos a falsa impressão de havermos cumprido perfeitamente o nosso
dever com relação àqueles que a Previdência Divina nos confiou para que
os orientássemos na sua caminhada pela estrada da vida. Não cogitamos,
senão perfunctoriamente, daquilo que concerne às qualidades morais, à
formação e consolidação do caráter, a direção, em suma, que levará
nossos filhos a criarem personalidade própria; não curamos de fazê-los
homens de bem, independentes e honestos, com aquele mesmo interesse e
afã que empregamos na ilustração do seu intelecto. Preocupamo-nos muito
mais com o cérebro do que com o coração. Fazemos tudo para enriquecê-los
da sabedoria livresca, deixando-os, às vezes, pobres de sentimentos.
Isto não quer dizer, apressamo-nos em declarar, que nós, os pais,
menosprezemos a virtude deixando de reconhecer o valor da educação
moral: absolutamente não. O que se dá é que geralmente se imagina que o
ser bom, justo e verdadeiro; o ser probo, sincero e amorável, não requer
aprendizagem. Supomos que tudo isso seja coisa tão natural e comezinha
que não constitui matéria de ensino! Imagina-se que essa parte da
educação, incontestavelmente a mais excelente, há de efetuar-se por si
mesma, à revelia de cuidados, dispensando o aparelhamento requerido para
outras modalidades de educação.
Tal o grande erro generalizado que é preciso corrigir. A idéia de geração espontânea é quimérica. Do nada, nada se tira.
Tudo o que germina, germina duma semente. Tudo o que evolve, evolve dum
germe ou embrião. Não podemos esperar que aflorem na alma da mocidade
qualidades nobres e elevadas sem que, previamente, tenhamos feito ali a
sua sementeira.
Honestidade, espírito de justiça, noção do dever são as artes, e até
mesmo os misteres mais simples, virtudes que se adquirem tal como é
adquirido o saber neste ou naquele ramo das especulações cientificas.
Tudo depende de estudo, experiência e tirocínio. As ciências requerem
aprendizado.
O saber e a virtude são expressões daquela riqueza inacessível aos
estragos da traça, à pilhagem dos ladrões, e que a própria morte não
logrará arrebatar, por isso que representa o fruto do trabalho e do
esforço próprio e individual. Daí decorre a legitimidade e a
inalienabilidade da sua posse.
Os contemporâneos de Jesus, perplexos diante da sabedoria e do poder
revelados por ele, diziam: Como sabe este letras sem haver aprendido?
Não somos hoje tão ingênuos como os daquela geração, supondo que seja só
este meio onde ora nós nos achamos, o único propicio para aprender, e
que só este planetóide de categoria inferior constitui campo propicio
para o Espírito atuar e agir desenvolvendo suas incalculáveis e
maravilhosas possibilidades. O erro geocêntrico que fazia da Terra o
centro do Universo, passou. Ninguém mais sustenta essa absurdidade.
Podemos, pois, firmar este postulado: aquele que revela conhecimento e
virtudes, caráter reto e íntegro, conquistou-os, aqui ou alhures, não
importa onde, nem quando: constata-se o fato.
O patrimônio cientifico, como o moral, é sempre resultado da educação. A
sementeira do bem e da verdade, do amor e da justiça, nunca se perde.
Sua germinação pode ser imediata ou remota, porém jamais falhará. A obra
da redenção humana é obra de educação. Jesus é o divino educador. Ele
crê piamente na eficiência dessa obra, à qual consagrou a sua vida. Sim,
Jesus nos deu a sua vida, não só no sentido do sacrifício cruento pela
causa da nossa redenção, como na acepção de votar-se, de dedicar-se
continuamente ao desempenho de tão ingente encargo. E de que maneira vem
ele se desobrigando dessa incumbência? Ensinando, influindo e atuando
na alma humana, através dos Espíritos de luz incorporados à Igreja
triunfante que do Alto Jesus dirige. E o que ensinou e continua
ensinando o excelso Mestre? Que diga por nós a eloqüência do inolvidável
tribuno sacro, o grande Antônio Vieira:
“Vindo a sabedoria divina em pessoa, e descendo do Céu á Terra a ser
Mestre dos homens, a nova cadeira que instituiu nesta grande
universidade do mundo, e a ciência que professou foi só ensinar a ser
bom e justo, santo, numa palavra, e nenhuma outra. A retórica deixou-a
aos Tullios e aos Demóstenes; a filosofia, aos Platões e aos
Aristóteles; as matemáticas, aos Ptolomeus e aos Euclides; a médica, aos
Apolos e aos Esculápios; a jurisprudência, aos Eolões e aos Licurgos,
e, para si, tomou só a ciência de salvar e tornar bons os homens”.
Eis aí a matéria, a disciplina que ainda não aprendemos. Sem o seu
conhecimento não solucionaremos os nossos problemas, tanto do presente
como do futuro. Duvidar, descrer dessa ciência e dessa arte que se chama
educação, arte e ciência que têm por fim transformar o indivíduo, é
negar a evidencia da evolução, essa lei incoercível, fartamente
comprovada em todos os planos da Natureza, em todas as fases da Vida no
seu curso infinito e progressivo.
Fora da educação, dessa educação que se transmuda em cada indivíduo em
auto-educação, não há redenção possível. Tudo o mais que se tem
propalado neste terreno não passa de pura fantasia. Quando o homem nota e
percebe em si mesmo, no seu interior, o influxo da força renovadora da
evolução, começa a colaborar conscientemente com Deus na formação da sua
própria individualidade. Ruy Barbosa, num magistral discurso que
pronunciou na Festa do Trabalho, teve a feliz inspiração: O Criador,
disse ele, começa e a criatura acaba a criação de si própria. A segunda
criação, a do homem pelo homem, assemelha, às vezes, em maravilhas, à
mesma criação do homem pelo divino Criador.
Realmente, é isso precisamente o que se dá. O homem é co-autor dessa
entidade misteriosa que é ele mesmo. Nascemos de Deus, fonte inexaurível
da Vida, e renascemos todos os dias, em nós mesmos, através das
transformações por que passamos mediante a influencia da auto-educação,
cumprindo-se assim aquele célebre imperativo de Jesus: Sede perfeitos
como o vosso Pai celestial é perfeito.
A confusão ora reinante na sociedade resulta do descaso a que se tem
votado tão magna questão. Os males que flagelam a humanidade
contemporânea procedem da descrença, do cepticismo e da falta de
confiança na eficiência da educação moral. O mundo está em crise, crise
de dignidade. Desta, se originam as outras. Não é de sábios que
carecemos. Os problemas da inteligência estão, por assim dizer,
resolvidos conforme atesta o surto imenso de progresso material
atingido. Não obstante, o momento que atravessamos é dos mais
angustiosos. Os grandes financistas e economistas não solucionam o
problema do pão. Os estadistas de renome não resolvem satisfatoriamente o
problema político. Os sociólogos de alta envergadura mostram-se
impotentes diante dos problemas sociais tais como o pauperismo, o crime,
o vicio e a enfermidade. Por que? Certamente porque lhes falta a
percepção íntima das grandes realidades da Vida, dessa vida que não
começa no berço nem termina no túmulo; percepção que só se alcança
através do culto sincero da verdade; que só se aprende sondando os
arcanos da consciência e auscultando a sua voz; que só se logra no
estudo e na meditação da ciência da moral, que é a ciência do coração.
Não é de conhecimentos que precisam os homens da atualidade,
responsáveis pela situação aflitiva dos dias que correm: é de
sentimento!
Inteligência desenvolvida e culta, desacompanhada do senso moral,
constitui sério perigo para a sociedade. Os grandes males que
convulsionam o mundo não procedem dos analfabetos e dos ignaros,
elementos mais ou menos inconscientes que agem como instrumentos; que
não dispõem de meios e recursos para levarem a cabo as empresas
maléficas de exploração, de escravatura e de opressões. São as
inteligências cultas e traquejadas, sem moralidade e sem fé, divorciadas
do verdadeiro sentimento religioso, que urdem e executam os planos
diabólicas de usurpação de direitos, de espoliações e de tirania das
consciências.
Todos sabem disso. É um fato que ninguém contesta. Mas, não basta
sabermos, é preciso agirmos. Conhecer a origem dos males que nos afetam,
não é tudo: é necessário atacá-los no seu reduto, desalojá-los para
vencê-los. Não nos iludamos, pois: devemos cuidar da educação do nosso
coração com o mesmo interesse e esmero que cuidamos do nosso cérebro. Se
é vergonhosa a ignorância intelectual, mais ainda é a ignorância moral.
Nem todos podem ser sábios, mas todos podem ser bons. A bondade também é
força, e a mais poderosa e fecunda de todas, porque é força que
constrói, é força que edifica. É com ela que removeremos os obstáculos e
as pedras de tropeço do caminho da nossa evolução, na conquista de
todos os bens, na escalada às regiões luminosas onde a Vida é eterna, e o
amor, sem restrições nem intermitências, reina em todas as almas. Ó vós
que sois pais, lembrai-vos da vossa responsabilidade como mentores dos
vossos filhos. Ó vós, que sois preceptores e mestres, pesai bem o
compromisso que assumis no desempenho da tarefa a que vos dedicais. Pais
e mestres, cerrai fileiras dando as mãos uns aos outros, como legítimos
expoentes do lar e da escola, as duas colunas em que a sociedade se
apóia, os dois templos augustos, os dois santuários onde se exerce o
verdadeiro sacerdócio.
“Sursum Corda!” Elevemo-nos acima das vulgaridades da época.
Desembaracemo-nos das farandulagens do homem velho. Enverguemos a túnica
do homem novo, do homem do futuro. Renasçamos para o porvir que será o
resultado do labor presente. Sacudamos o pó da estrada percorrida.
Abandonemos, de vez, as superstições e as utopias com respeito à nossa
redenção. Sem educação porfiada, paciente e perseverante nada
conseguiremos de positivo na obra da emancipação espiritual. Não é com
pílulas e xaropes que se resolve o problema as saúde: é com higiene, no
seu sentido amplo e lato. Não será com as consolidadas paulistas ou
mineiras nem com as loterias que equilibraremos as nossas finanças
avariadas: há de ser com trabalho e economia. Não é maquilagens e
artifícios semelhantes que alcançarmos beleza e relativo prolongamento
da mocidade: é obedecendo e respeitando a Natureza, cultivando bons
costumes, hábitos honestos e pensamentos puros. Não é, finalmente,
esposando crendices e condescendendo com preconceitos, rituais e
cerimônias cuja essência se desfaz ao sopro do raciocínio, que
lograremos a nossa salvação: é pela obra da auto-educação exercida com
perseverança, sem esmorecimentos, com decidida vontade de nos
espiritualizarmos, de nos aperfeiçoarmos continuamente.
Façamos ponto, citando as palavras autorizadas de Leon Denis sobre este momentoso assunto:
“Como a educação da alma é objeto da Vida, importa em resumir seus
preceitos em palavras: aumentar tudo quanto for intelectual e elevado.
Lutar, combater, sofrer pelo bem dos homens e dos mundos. Iniciar seus
semelhantes nos esplendores do verdadeiro e do belo. Amar a Verdade e a
Justiça, praticar para com todos a caridade, a benevolência – tal o
segredo da felicidade presente e futura, tal o Dever, tal é a fé que
Cristo legou à Humanidade”.
O problema do Brasil, disse o saudoso e humanitário facultativo Dr. Miguel Couto, é um só: Educação.
Parodiando o ilustre cientista patrício, diremos nós: Esse problema não
é só do Brasil, é da Humanidade. Sendo o de cada um de nós, é o
problema de todos, é o problema universal, por isso que é mediante a
auto-educação que se processa a evolução dos seres livres, conscientes e
racionais.