Apóstolos do Espiritismo - José Herculano Pires
Artigo extraído do livro "O Centro Espírita" - 4ª Edição - Maio - 1992.
Ouve-se
freqüentemente a pergunta; “O Espiritismo é religião?” E muitas vezes
os espíritas não sabem respondê-la. A confusão a respeito provém das
campanhas religiosas contra o Espiritismo. As igrejas Cristãs,
descendentes diretas da igreja Judaica, definem-se como religiosas nos
termos tradicionais do formalismo de suas organizações e do culto
exterior calcado nos vários cultos dessa natureza que lhes serviram de
modelo, em primeiro lugar o judeu e depois os mitológicos, com
substanciais influências de Ordens Ocultas como a Maçonaria. As vestes
sacerdotais, os paramentos do culto, os instrumentos sagrados – nada
disso é de origem cristã, pois o Cristo não se interessou pelos cultos
formais e só ensinou o cultivo interior do espírito. Algumas expressões
dos Evangelhos, alguns gestos e atitudes do Cristo deram motivos à
adaptação de ritos e sacramentos judeus ou pagãos pelos cristãos. Como o
Espiritismo, fiel ao espírito da renovação cristã, não aceitou o culto
exterior, a organização clerical profissional, nem os rituais, as
igrejas Cristãs fundaram-se nisso para declarar que o Espiritismo não
era religião. Ligadas aos Estados, elas tiveram facilidade em influir
nos organismos estatais para fazerem prevalecer a sua tese. Até hoje, no
Brasil e em muitos países certos organismos estatais, principalmente
quando influenciados pela igreja, negam ao Espiritismo o seu caráter de
religião. Mas os espíritas precisam saber que o Espiritismo é religião e
o Centro Espírita, geralmente religioso, deve insistir no
esclarecimento desse problema em suas reuniões.
Não se trata de querer-se obter regalias governamentais para os
Centros, mas de se colocar a verdade do fato. E esse fato é aquele que
Kardec esclareceu com segurança desde o início do movimento espírita: o
Espiritismo é a Ciência do Espírito e de suas relações com os homens;
dessa Ciência resulta uma Filosofia e dessa Filosofia as conseqüências
religiosas do Espiritismo, que constituem a religião Espírita.
Kardec, como Jesus, não era clérigo de nenhuma religião. Foi pedagogo,
cientista e filósofo, diretor de estudos da Universidade de França. Ao
enfrentar o problema das manifestações espíritas, que no seu tempo
agitavam a América e a Europa, encarou-as como cientista. Observou e
pesquisou os fenômenos espíritas, como os cientistas observavam e
pesquisavam os fenômenos físicos, descobrindo-lhes as causas,
identificando a sua origem, a natureza e descobrindo as leis que os
regem. Desse trabalho minucioso e aprofundado, no confronto de hipóteses
diversas, nasceu no mundo a Ciência Espírita. Grandes nomes das
Ciências no século passado e neste século continuaram na linha de
pesquisas de Kardec e confirmaram a validade das suas descobertas.
Surgiram depois as ciências correlatas, entre as quais se destacaram a
Metapsíquica de Richet, a Psicobiofísica de Notzing e, por fim, a
Parapsicologia atual, todas elas filhas do Espiritismo. A Parapsicologia
foi à derradeira e decisiva confirmação do acerto de Kardec e com ela,
sob a designação de fenômenos paranormais, os fenômenos espíritas
integraram-se nos quadros científicos.
A Ciência Espírita revelou a face oculta da realidade que conhecemos e
em que vivemos. Levantou as cortinas que ocultam os bastidores do palco
em que representamos os nossos papéis e duplicou os conhecimentos
humanos, até então restritos ao plano exterior das manifestações da
vida.
Cada avanço significativo das Ciências no conhecimento do mundo
transforma a nossa concepção da vida e do mundo, gerando uma nova
Filosofia e uma nova moral. E a Moral, por sua vez, determinando novas
regras de comportamento do homem no mundo, ante os mistérios da vida e
da morte, gera uma nova posição religiosa. A Religião Espírita é a
conseqüência natural da descoberta cientifica da sobrevivência e
continuidade do homem após a morte. Cientificamente não se pode provar a
imortalidade, pois não dispomos de recursos nem de tempo para constatar
objetivamente que o homem é imortal em sua essência, mas o testemunho
dos Espíritos Superiores e as conseqüências lógicas da sobrevivência do
homem após a morte nos levam fatalmente à ilação da imortalidade, que o
Espiritismo aceitou em seu campo religioso, bem como em sua Filosofia.
A Religião Espírita se funda nas provas cientificas da sobrevivência e
da comunicabilidade dos Espíritos com os homens através dos fenômenos
paranormais (hoje comprovadas cientificamente pela Parapsicologia), na
existência de Deus como causa inteligente e primária de todas as coisas e
de todos os seres e nas relações possíveis entre o Homem e Deus através
do sentimento religioso inato no homem, na forma de uma lei de adoração
e reverência aos poderes superiores que regem o Cosmos em sua
plenitude.
Paralelamente ao desenvolvimento das pesquisas espíritas, as pesquisas
sociológicas, antropológicas e filosóficas sobre a Religião levaram a
cultura atual a rejeitar o antigo conceito de Religião como organismo
social doado de sistemas tradicionais. A existência de religiões
desprovidas desses requisitos normais, a começar da simplicidade das
religiões primitivas, e o aprofundamento dos estudos a respeito
mostraram que o fenômeno religioso independe dessas condições
artificiais. Com a tese de Henry Bérgson sobre as origens da Moral e da
Religião o problema se esclareceu, dando razão ao anúncio de Jesus e às
profecias bíblicas sobre a interpretação em espírito e verdade que não
se entrosava nos modelos. Bérgson estabeleceu a distinção entre as
religiões estáticas do formalismo social e a religião dinâmica e
independente que se sobrepõe a todo formalismo. A Religião Espírita
apareceu então, no quadro das pesquisas, como o modelo ideal das
religiões do futuro. Firmada apenas no sentimento religioso, na lei de
adoração da tese espírita, a nova Religião apresentava-se liberta dos
aparatos do culto exterior, das pesadas e custosas organizações
clericais hierárquicas e da suntuosidade arrogante dos templos. A
Religião se libertava dos interesses humanos, das ambições de poder e
supremacia dos clérigos e voltava-se para Deus.
O problema da Revelação, que caracteriza as Religiões Reveladas,
orgulhosas de sua origem divina especial, foi colocado por Kardec no
campo das manifestações espíritas, ou seja, da fenomenologia paranormal,
e sujeita ao controle dos homens. A Religião Espírita é também
revelada, mas através de uma conjugação humano-divina. Os Espíritos
Superiores fizeram revelações a Kardec, mas ele não as considerou
válidas, reais, enquanto não pôde comprovar a sua veracidade através das
pesquisas. Kardec formulou a tese da dupla revelação: a que é dada por
entidades espirituais ou por homens dotados de poderes paranormais e a
que é feita pelos cientistas que investigam a Natureza, descobrem os
seus segredos e os revelam no plano cientifico. É dessa dupla revelação
rejeitada pelos místicos e os supersticiosos, que se constitui a
Religião Espírita, que não se acomoda na fé cega, mas exige a fé
raciocinada, sancionada pelos fatos e pela razão esclarecida. Era o fim
das fábulas e das superstições, o encontro da razão humana com a Verdade
Divina. A importância desse acontecimento histórico foi negligenciada
pelos comodistas da tradição supersticiosa e o Espiritismo foi acusado
de reviver no mundo, em plena Era Cientifica, as mais baixas
superstições do passado longínquo. Kardec esmagava a superstição com o
poder perquiridor da razão, e os místicos de braços dados com
positivistas e materialistas o condenavam como supersticioso. Mas,
apesar de toda essa injustiça e de todas as campanhas difamatórias
desencadeadas no mundo contra o Espiritismo, o tempo se incumbiu de dar o
seu ao seu dono. Hoje, as pessoas realmente cultas e sinceras,
estudiosas e livres de preconceitos, sabem que o Espiritismo dos simples
é apenas um reflexo do Espiritismo dos sábios, que os próprios sábios
materialistas são obrigados a reconhecer como válido. Só criaturas
sistemáticas, retardatárias, preconceituosas ou sectárias, incapazes de
abrir a mente fechada nas idéias feitas para a compreensão da realidade,
continuam a negar a verdade espírita e ao mesmo tempo a sofrer sob o
guante invisível dos espíritos obsessores. Porque a seita religiosa
fechada é irmã da seita cientifica amarrada aos seus preconceitos. Um
cientista apegado a preconceito é a própria negação da Ciência.
Mas, estabelecida a Religião Espírita em sua plena liberdade de
pensamento, surge no meio dos seus adeptos voluntários o problema dos
resíduos do passado. Criaturas que se tornaram espíritas através de
experiências paranormais inesperadas, não conseguem vencer as barreiras
dos temores introjetados em seu inconsciente e começam a misturar suas
velhas superstições aos conhecimentos novos que recebe. Não se conformam
com a liberdade ampla do Espiritismo. Sentem a falta da canga ao
pescoço calejado e procuram transformar os dirigentes de Centros em
sacerdotes de um novo tipo e caem de joelhos diante de pobres médiuns
falíveis, na esperança de graças impossíveis. Forma-se a farândoia dos
crentes ansiosos por benefícios especiais. E surgem questões de família e
tradição, exigindo batizados, rituais, casamentos suntuosos, missas e
promessas aos santos. O espiritismo dispensa todas as encenações rituais
e todas as quinquilharias da devoção formal. Para todas as encenações e
todos os sacramentos o Espiritismo só tem um substitutivo: a prece
espontânea e sincera, gratuita, que parte diretamente do coração da
criatura para a Mente Suprema de Deus. No Centro Espírita esse problema
deve ser objeto de estudos constantes, de esclarecimento seguro, para
que a propagação irrefreável da Doutrina não se faça manchada pelos
resíduos de um passado de heresias e fogueiras assassinas em nome de
Deus. Embora não ferindo suscetibilidades, os dirigentes do Centro devem
manter em pauta os esclarecimentos necessários, mostrando que, no plano
do espírito só os elementos espirituais têm valor. Não se pode curar
obsessões com sal grosso, folhas de arruda, incenso ou explosões de
pólvora, nem com medalhas, crucifixos ou água benta. A obsessão é um
processo inteligente desencadeado por espíritos – o que vale dizer por
inteligências extrafísicas que não são atingidas por essas coisas. Pois
eles vivem no plano espiritual, não no material e conhecem o problema da
comunicação mediúnica e do envolvimento fluídico. Só podemos afastar
uma entidade obsessiva pela persuasão e a prece, procurando esclarecê-la
ao invés de dar-lhe ordens que só fazem irritá-la. Os Centros Espíritas
que aceitam os métodos antiquados dos antigos esconjuros e exorcismos
revelam a mais grosseira ignorância da Doutrina Espírita, que é
essencialmente racional. A Razão não pertence à matéria, mas ao
espírito. Os fracassos das práticas de exorcismo se comprovam no mundo
inteiro através de todas as fases históricas. Enquanto os exorcistas ou
exorcisadores gastam energias e perdem tempo, com prejuízo de sua
própria saúde e do desgaste físico dos obsedados, chegando, não raro, a
resultados tristemente negativos, a doutrinação espírita revela por toda
parte a vantagem da ação persuasiva e inteligente sobre os agressores
inteligentes. O valor da prece, mental ou falada, revela-se sempre
eficaz, pois a vibração espiritual de uma prece sincera atinge o
obsessor de maneira envolvente, chamando-o à razão.
No tocante aos problemas da prece, convém lembrar, como ensina Kardec,
que as mais eficazes são as preces espontâneas, não formais e decoradas,
mas pronunciadas com sentimento e desejo real, consciente, de
beneficiar tanto à vítima quanto ao algoz. Entre as preces formais, a do
Pai Nosso se destaca por uma condição especial. Integrado na tradição
cristã há dois milênios, essa prece está fixada na mente das gerações e
goza o prestigio de ter sido ensinada pelo Cristo. Seu prestigio e sua
capacidade de despertar emoções religiosas nos espíritos comprova-se
diariamente no mundo. É por isso que ela é empregada sistematicamente na
abertura das sessões espíritas. É um tabu, dizem os cépticos, e muitos
espíritas com pretensões racionais agudas pretendem eliminá-la dos
Centros. É um erro grave, pois em toda parte se constatou e se constata,
no meio espírita, a sua eficácia. Não é difícil entendermos isso. O Pai
Nosso não contém nenhum elemento mágico, mas desde a infância as
criaturas nascidas no meio cristão aprenderam a dizê-la e a respeitá-la.
Ela foi introjetada na consciência das gerações através dos séculos e
dos milênios. Constitui-se numa forma oral e mental carregada de
energias espirituais. Tornou-se, no plano religioso, o que é o soneto na
poesia ocidental, uma forma oral e mental carregada de poder emocional.
Os espíritos perturbadores, que têm consciência de sua posição negativa
e criminosa – pois todos a têm – são tocados no íntimo, em sua
sensibilidade profunda e em sua afetividade quando ouvem essa prece,
principalmente se pronunciada por pessoas que sentem a sua mensagem e
conhecem as razões da sua eficácia. Ela soa como um apelo da infância,
da juventude emotiva, da vida passada que desencadeia antigas saudades
nos homens e nos espíritos. A figura de Jesus, a força ôntica da palavra
Pai, que vibra como um apelo a Deus e uma evocação do seu poder supremo
e ao mesmo tempo misericordioso, vibra como a primeira nota vigorosa e
amorosa de uma imprecação ao Céu, às regiões superiores que desejam
atingir, por mais infeliz que seja a sua situação atual. Despertam-se na
consciência e na emotividade do espírito as ternas lembranças dos entes
queridos, do amor que experimentou na vida familiar terrena, dos
momentos de felicidade e alegria que gozou entre criaturas queridas. São
esses os toques profundos que o Pai Nosso produz nos corações fluídicos
ou encarnados, como uma canção de outros tempos, antiga, que, na
ternura de suas notas e de sua harmonia, nos faz voltar às oportunidades
perdidas.
Criaturas pretensamente racionais analisam e criticam o Pai Nosso,
apontando possíveis erros e absurdos no seu texto mais usado e longo,
que é o do Evangelho de João. Entidades maldosas costumam soprar a essas
criaturas idéias negativas, tentando desviá-las da prática dessa prece.
Bastaria esse fato para nos confirmar o valor do Pai Nosso. Os
Evangelhos registram formas diferentes da prece de Jesus. A que
permaneceu na tradição foi a mais completa, vítima das criticas
referidas. Tentemos analisá-la rapidamente em todos os seus termos,
desfazendo essas críticas levianas:
PAI – Com essa palavra inicial Jesus deu um golpe vibrante na
antiga concepção politeísta de Deus e na idéia bíblica, bem judaica, da
posição exclusivista de Deus e na sua condição mitológica de guerreiro, o
velho Deus dos Exércitos.
NOSSO – Nesta profunda palavra temos a universalização de Deus
como Pai de toda a Humanidade. Ela destrói a velha e absurda idéia dos
deuses de cada povo, em luta uns com os outros nas guerras dos povos.
QUE ESTAIS NO CÉU – Afirmação da presença de Deus no infinito,
acima de todos os divisionismos humanos, pois o Céu não é um lugar
determinado, mas a totalidade cósmica. Deus no Céu cobre na sua
misericórdia toda a Terra e todos os mundos, todas as constelações do
infinito.
SANTIFICADO SEJA O VOSSO NOME – Que seja reconhecido o nome de
Deus como santo por todos os seres, anjos, espíritos e homens, que
santificarão o nome de Deus em si mesmos, na sua consciência.
ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU – Especificação clara do reconhecimento universal do nome de Deus.
VENHA A NÓS O VOSSO REINO – Que o Reino de Deus, ideal superior de Justiça e de Paz perfeita, venha para nós todos.
SEJA FEITA A VOSSA VONTADE,
ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU – Que os homens, os espíritos e os
anjos cumpram no Céu e na Terra, por toda à parte, a vontade suprema de
Deus, revelando-se aqui o principio da comunhão constante e perfeita
entre o mundo espiritual e o mundo terreno.
O PÃO NOSSO DE CADA DIA,
DAI-NOS HOJE – O pão simboliza o alimento geral de todos os
seres – o espiritual e o material – que os povos daquele tempo repartiam
nas mesas simbólicas das cerimônias religiosas. Jesus mesmo repartiu o
pão com os discípulos na Ceia da Páscoa, e foi no partir do pão que os
discípulos o reconheceram, depois da ressurreição, na estrada de Emaús.
Esse alimento essencial é pedido a Deus, que é o Pai, para que não nos
falte.
PERDOAI AS NOSSAS OFENSAS,
COMO AS PERDOAMOS AOS NOSSOS INIMIGOS – Os inimigos são os que
nos perseguem e caluniam. Alimentados pelo pão espiritual podemos
perdoá-los, e só assim nos fazemos dignos do perdão de Deus, que
diariamente ofendemos em nossa ignorância. É o principio da fraternidade
em Deus e por Deus.
NÃO NOS DEIXEIS CAIR,
EM TENTAÇÃO – Somos frágeis em nossa ignorância e alimentamos
desejos e ambições. A tentação está em nós mesmos, mas Deus pode
alimentar-nos diariamente o espírito com os verdadeiros anseios da nossa
destinação, para não cairmos no torvelinho dos nossos instintos
inferiores.
MAS LIVRAI-NOS DO MAL,
PARA SEMPRE – Súplica a Deus para nos despertar a consciência nas horas difíceis de cada dia.
POIS VOSSO É O REINO, O PODER E,
A GLÓRIA PARA TODO O SEMPRE – O Reino que buscamos é o de Deus,
não o dos homens. O poder é de Deus e não dos espíritos inferiores, a
glória só a Deus pertence e só Ele nos pode glorificar. Laudação que só
aparece no Evangelho de João, como justificação final de toda a prece.
O Pai Nosso é uma prece sintética, modelo dado por Jesus aos seus
discípulos, para que nela encontrem, diariamente, a síntese final dos
seus ensinos. A dinâmica dessa síntese desperta a memória dos homens e
das entidades espirituais para a fé em Deus, a esperança em nossa
evolução espiritual e a confiança no poder absoluto e na misericórdia
d’Aquele que nos arranca do limo da Terra para as ascensões da evolução
universal.
Há pessoas que discordam da prece do Pai Nosso nas sessões espíritas,
alegando que se trata de uma oração católica. Jesus nasceu no Judaísmo,
recebeu a bênção da virilidade no Templo, aos 13 anos, como todos os
meninos judeus da sua idade, cresceu e viveu como judeu até o momento em
que iniciou a sua pregação própria, da qual nasceria o Cristianismo,
porque os seus discípulos e apóstolos o chamavam de Cristo. Ele ensinou a
prece do Pai Nosso quando andava pregando na Palestina, muito antes que
a sua doutrina chegasse a Roma e fosse transformada num vasto
sincretismo religioso do qual surgiria a igreja Romana. O Pai Nosso
virou Padre Nosso em Roma e só neste século voltou à designação
primitiva, dada pelos cristãos palestinos que não falavam latim. Não há
razão nenhuma para se considerar essa prece como católica. Ela é uma
prece cristã pura, dotada de todas as características do pensamento
superior de Jesus, que sempre pairou acima dos divisionismos sectários.
Se os Evangelhos apresentam o Pai Nosso em formas diferentes, isso
acontece pelo simples fato de que cada evangelista redigiu os seus
relatos em lugares e épocas diferentes, usando as lembranças e as
anotações que possuíam. João, cujo Evangelho foi o último a ser
elaborado, conseguiu reunir maiores elementos para dar a prece completa,
segundo era pronunciada pelos cristãos primitivos. Como assinalou
Renan, e foi confirmado nos séculos seguintes pelos pesquisadores
universitários das origens do Cristianismo, as informações de que os
evangelistas dispunham, procediam dos próprios círculos da intimidade do
Mestre, guardando a autenticidade das suas expressões.
A insistência da igreja Católica em manter a expressão latina Padre
(Pater) no nome da prece, lançou nos países de língua latina, como
Portugal e o nosso, a falsa sugestão de uma ligação real entre a igreja
(cujos sacerdotes são chamados padres), o que foi duramente contestado
pelas igrejas da Reforma Protestante.
O emprego do Pai Nosso nas reuniões espíritas é perfeitamente válido,
tanto em face das características inegáveis de Renascimento Cristão da
Doutrina Espírita, tanto em seu desenvolvimento filosófico, quanto em
suas atividades práticas. A alegação de que o Espiritismo mistura
Cristianismo com religiões primitivas é simplesmente uma impostura,
diante dos estudos aprofundados sobre a formação do sincretismo
católico-africano de que o Espiritismo não participou.