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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Pelos seus frutos os conhecereis


Artigo extraído do livro "O Sermão da Montanha" - FEB - 7ª Edição - 6/1989.

“Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes. Pelos seus frutos os conhecereis. Porventura os homens colhem uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos? Assim, toda árvore boa dá bons frutos, e a má árvore dá maus frutos. Não pode a árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar bons frutos. Toda árvore que não dá bom fruto será cortada e metida no fogo. Assim, pois, pelos frutos deles os conhecereis”. (Mateus, 7:15-20).
Que se deve entender por profeta?
Em sentido restrito, profeta é aquele que adivinha, prevê ou prediz o futuro.
No Evangelho, entretanto, esse termo tem significação mais extensa, aplicando-se a todos os enviados de Deus com a missão de edificarem os homens nas coisas espirituais, mesmo que não façam profecias.
Cada uma das centenas de religiões denominacionais em que se fragmentou o primitivo Cristianismo, ao fazer a exegese do texto acima, classifica como “falsos profetas” quantos esposem e ensinem doutrinas diferentes da sua, suposta a única verdadeira e a única com poderes de salvação.
É um erro, pois o Mestre nos diz claramente que a distinção entre os autênticos e os falsos profetas deve fundamentar-se, não propriamente naquilo que propaguem, mas na observância ou não dos princípios que aconselhem.
Destarte, falsos profetas são os que, em toda e qualquer facção religiosa, apenas se limitam a pregar boas normas de conduta, sem exercitá-la no trato com seus irmãos; são os que invocam constantemente o santo nome de Deus, com palavras melífluas, mas na realidade são servis adoradores de Mamon; são os que fingem ser mansos, humildes e caridosos, mas que, no íntimo, são o reverso do que aparentam.
Quem esteja, efetivamente, a serviço de elevada missão, quem seja mesmo um enviado de Deus, não precisará apregoá-lo para ser acreditado como tal; dar-se-á a conhecer “pelos seus frutos”, isto é, impor-se-á pela excelência das virtudes que exemplifique, pelos atos de altruísmo que pratique.
Os espíritas, mais que quaisquer outros, têm sido apontados como falsos profetas, e até mesmo anticristos, por rejeitarem certos dogmas engendrados pela Teologia tradicional.
Aplique-se-lhes, porém, o método de aferição preconizado pelo Mestre, e ver-se-á que, conquanto possa existir entre eles, como de fato existem, alguns “lobos camuflados com pele de ovelha”, sua influência na sociedade tem sido benéfica e salutar, não só pela gigantesca obra assistencial que realizam em favor da infância desvalida, da velhice desamparada, dos enfermos, enfim, dos desgraçados de todos os matizes, como também pelo esforço que empreendem no sentido do auto-aperfeiçoamento, buscando, cada qual, pela noção que tem de sua responsabilidade pessoal, tornar-se um cidadão útil a si próprio, à família, à pátria e à Humanidade.
Ora, “não podendo a árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar bons frutos”, se os frutos produzidos pelos espíritas são de boa espécie, segue-se que eles não são demônios nem endemoninhados, mas filhos de Deus, tão dignos de respeito e consideração quanto os demais.
Portanto, ao invés de tacharmo-nos uns aos outros de falsos profetas, por motivo de divergência religiosa, tratemos, todos, de operar o bem, para não termos a mesma sorte das árvores estéreis que, um dia, serão cortadas e lançadas ao fogo.
Se não dermos bons frutos, poderemos, ao se fechar o presente ciclo evolutivo da Terra, ser banidos para um mundo inferior e, ali, provarmos o fogo depurador das mais tristes e dolorosas expiações.

A Teoria do Subconsciente e as Aquisições Anteriores


Artigo publicado na Revista Internacional de Espiritismo - Abril de 1925

Há quase três quartos de século o Espiritismo apresentou-se no mundo com um corpo filosófico e religioso, erguido sobre as bases sólidas de seus fatos incontestes.
Logo após as primeiras manifestações dos Espíritos, sofreram os seus fenômenos a repulsa do espírito de negação, pois, parecia impossível às gentes, quer da ciência, quer da religião, que o homem, depois de morto, pudesse aparecer e se comunicar com os vivos.
A luta foi grande, mas o negativismo teve de descer de sua cadeira de mestre, e ficou estabelecido, por um acordo unânime, que os FATOS, de fato, eram reais, verídicos, como a água que bebemos, como o ar que aspiramos, como o sol que nos ilumina.
Mas as idéias enraizadas costumam ter longa duração e, embora houvessem aceitado os fatos, tais como eles se nos apresentam, a sua causa, entretanto, as inteligências que as produziam, foram postas à margem, e surgiram diversas teorias para explicar os maravilhosos fenômenos que vinham nos dar a prova patente da Imortalidade da alma.
Católicos e Protestantes proclamaram a teoria diabólica, como única capaz de explicar os fenômenos.
Teosofistas e Ocultistas, num vôo de imaginação, conceberam a teoria gnômica, que consiste nos pseudognomos, duendes, fadas e diabretes, que julgavam viverem em roda de nós. E, como estas, outras tantas teorias irrisórias e decrépitas foram constituídas causantes dos fenômenos que avassalavam o mundo todo. Afinal, alguns materialistas, aferrados ao seu saduceismo, deliberaram criar a teoria da dupla personalidade aliada à do ser coletivo, invocando como justificativa à ousada hipótese, a inconsciência dos assistentes às sessões, e a subconsciência do médium.
Esta hipótese consiste no seguinte: “um fluido especial se desprende do médium, combina-se com o fluido das pessoas presentes para constituir um personagem novo, temporário, independente em certa proporção, para produzir os fenômenos conhecidos”. Noutro caso: o médium se desdobra em múltiplas personalidades, auxiliado pelo pensamento inconsciente dos assistentes, e produz fenômenos muito acima da sua capacidade intelectual.
Esta doutrina, tal como a tem concebido vários teoristas da velha guarda, para explicar os fenômenos espíritas e anímicos, é a prova da mais refinada insensatez dos homens da nossa época.
Como se pode conceber que fluidos nervosos e cerebrais, resultantes do trabalho molecular, constituam um ser que raciocina, que age, que sabe, ainda mais que todos os presentes à sessão, produzindo fenômenos que ninguém em seu estado normal o é capaz de fazer! Que falta de critério é essa, que menosprezo à lógica, à razão!
Dizem, porém, os adeptos dessa teoria, que em vista da produção dos fenômenos conscientes de um lado, e inconscientes de outro, observados nas experiências psíquicas a que assistiram, não podem eles compreender a causa desses fenômenos por outra maneira!
E o que são fenômenos do subconsciente senão a relação de fatos ou de conhecimentos que se achavam adormecidos e despertam na memória, devido a um estado particular da alma?
O fato de estarem esquecidos, serem lembrados e depois se apagarem novamente da memória normal autoriza, porventura, a criação de outra personalidade a quem se quer dar a autoria do fenômeno?
Se assim fosse, mesmo na existência terrestre, neste curto lapso de tempo que passamos no mundo, não representaríamos uma única individualidade, mas muitas, visto como diversos fatos, mesmo os de grande importância, ocorridos durante a vida atual se conservam esquecidos até da “memória física”, e, quando são lembrados, voltam logo após ao “inconsciente fisiológico”.
Não parece racional que o homem seja um conjunto de almas produzidas pelo trabalho molecular do corpo, e que se manifestam, ora uma, ora outra, quando a tensão arterial ou nervosa assim o exige.
O que é mais racional e lógico é que sendo o homem um Espírito encarnado num corpo, tem de reagir contra esse desequilíbrio para relembrar fatos, e reger o seu “escafandro” de forma tal que os conhecimentos adquiridos anteriormente, em dada ocasião, possam transparecer, embora lhe seja preciso diminuir a tensão arterial ou nervosa, como acontece nos casos de sonambulismo natural ou provocado.
Não há “personalidade dupla”; uma só é a personalidade, cuja ação se faz sentir de acordo com a necessidade de momento.
O Eu psíquico existe independente do corpo, como demonstram os fenômenos de animismo; e existia antes do corpo, assim como sobreviverá ao aniquilamento deste, como provam os fatos espíritas.
Cada vida terrestre é um cenário, onde o espírito desempenha o papel que lhe é peculiar e, mais ou menos, de acordo com as resoluções tomadas anteriormente.
Alguém comparou este mundo a um teatro e cada indivíduo a um ator em pleno desempenho do papel que aceitou no drama que se desenrola no mundo. Quando a alma volta à vida normal, que é a Espiritual, é como o ator que fora do palco volta à vida ordinária.
Em cada existência terrestre, o Espírito conquista um conhecimento e todas as cenas que observou gravam-se-lhe na alma, de modo que em sua vida extraterrestre, ou extracorpórea, ele pode ter lembrança nítida de tudo, assim como é senhor dos conhecimentos que adquiriu. É assim que se verificam nos sonâmbulos, fenômenos interessantes de mais elevado alcance que o indivíduo no estado de vigília não poderia produzir.
O Espírito não é, pois, um ser simples que só tem o que adquiriu na existência terrestre em que vive.
O Espírito é um ser complexo, portador de muitas faculdades que conquistou através das encarnações neste e noutros mundos, assim como na vida livre do Espaço. O fim da vida da alma não é o fim da vida terrestre; esta não representa mais que uma floresta da Vida, que a alma atravessa. Foi, com certeza, justificando esta verdade, que Jesus, inquirido por Nicodemus sobre os “milagres” que produzia, e referindo-se às múltiplas existências terrestres que atravessamos, disse “o vento sopra onde quer, ouvis a sua voz, mas não sabeis donde ele vem, nem para onde vai, assim é o nascido de espírito”.
As “personalidades”, que os sábios dizem nascer do “subliminal”, do “subconsciente”, não são, portanto, “personalidades”, são aquisições de conhecimentos, de luzes, de virtudes, de faculdades feitas no percurso da existência integral, durante o caminho percorrido, do nascimento ao momento em que nos achamos. Não são candeias que aparecem, são luzes que jazem latentes, não são causadas pelo esforço neuro-cerebral, mas sim expansões da alma, não são fontes novas que fazem jorrar água, mas sim caudais de uma mesma fonte que é o próprio Espírito, ou para melhor dizer – o nosso próprio Eu.

"Fiat lux"


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

“A terra era vã e vazia; e as trevas cobriam a face do abismo... E disse, então, Deus: Faça-se a luz; e a luz foi feita”. Gênesis, 1:2 e 3.

Assim como era a Terra no principio, assim é hoje, espiritualmente, a sua sociedade, em que pese à presunção dos super-homens que a dirigem e orientam. As trevas envolvem a mente e os corações. No seio da Humanidade verifica-se a predominância daqueles dois traços que assinalaram os tempos primitivos; tudo é vão e vazio.

Os magnos problemas sociais são ventilados através dos séculos e dos milênios. Sobre cada um deles avoluma-se uma avalancha de teorias e opiniões eivadas do personalismo dos seus respectivos autores. Muito se discute e muito se controverte. Nada obstante, os referidos problemas continuam insolúveis. A enfermidade e a dor, sob seus multiformes aspectos, continuam a todos flagelando. A miséria, o vício e o crime se alastram e se multiplicam como vivo protesto à decantada civilização hodierna. A guerra cruenta, impiedosa e bárbara prossegue seu curso, como outrora, na sua faina devastadora, espalhando a morte e a desolação por quase toda a face do planeta. O direito brutal da força predomina sobre a força serena do direito. A materialidade reinante abafa o surto de espiritualismo onde quer que o mesmo ouse levantar o seu brado de protesto ou de alarme. As trevas cobrem a face do abismo!
Urge que, de novo, o divino Verbo profira a excelsa sentença através dos arautos celestes. Fiat lux! Sim, faça-se a luz, no íntimo das almas que habitam o orbe terráqueo. Somente mediante tal acontecimento se logrará reformar o mundo, substituindo-se os usos e costumes selvagens pelos hábitos e maneiras consentâneas com os precípuos postulados da verdadeira civilização. As providencias tomadas fora deste programa não passam de paliativos e remendos, com resultados muito relativos. Não será, jamais, com “fly-tox” que se extinguirão os mosquitos, mas sim com medidas higiênicas de saneamento do solo onde aqueles insetos encontram meio propício à sua proliferação. Enquanto as trevas cobrirem a face do abismo, a Terra continuará sendo o teatro de lutas fratricidas, ambiência propícia à eclosão do crime e do vício, da miséria e da enfermidade. Os homens têm curado de tudo que concerne à matéria, relegando o Espírito para plano secundário. Vestiram o corpo de púrpura e de linho finíssimo, deixando a alma esfarrapada, seminua, coberta de andrajos e molambos. Escolas que moralizem e instruam, educando o coração e o cérebro da nossa infância e da nossa juventude – eis a grande, a maior de todas as necessidades reclamadas pelo momento que atravessamos.
Se é triste, disse Victor Hugo, ver um corpo morrendo por falta de pão, mais triste ainda é ver uma alma estiolando por falta de luz.
Fiat lux! Dissipem-se as trevas que cobrem a face do abismo em que a materialidade do século precipitou o nosso orbe. Tudo o mais nos será dado de graça e por acréscimo.

As gerações futuras


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

As gerações futuras não serão diferentes da presente, com todos os seus defeitos e prejuízos de ordem moral, se não tratarmos da educação da infância e da juventude; dessa juventude que será a sociedade de amanhã.
Jesus disse que não põe remendo de pano novo em roupa velha, por isso que a rasgadura se tornará maior. E, igualmente, não se põe vinho novo em odres velhos, porque estes não resistem à sua fermentação, e se rompem.
É claro que o Excelso Mestre se refere, nesta alegoria, à natureza do ideal que propagava, do qual era a viva encarnação. Esse ideal novo, reformador, quase revolucionário, revestido pela Terceira Revelação, deve ser anunciado, de preferência à juventude, às crianças, porquanto estes elementos representam a terra virgem, aberta à boa sementeira. Semear no meio de abrolhos e semear em terreno isento de ervas daninhas hão de dar resultados bem diversos. As messes, de uma e de outra, dessas culturas, serão, por certo, distintas dizendo por si mesmas qual delas é a mais vantajosa.
E, meus amigos, até agora, não temos feito outra coisa senão semear no meio de cardos, remendar roupa velha com pano novo e deitar o vinho espumante da vindima espírita em odres carunchentos, incapazes de suportarem a sua fermentação.
Educar é salvar, é remir, é libertar; é desenvolver os poderes ocultos, mergulhados nas profundezas das nossas almas.
A diferença entre um sábio e um ignorante; entre o bom e o mau; o santo e o criminoso; o justo e o ímpio – nada mais é que o efeito da educação. Entre aquelas que edificam e aqueles que destroem; entre os que tiram a vida do seu próximo levando por toda parte a desolação e a ruína e aqueles que dão a vida própria a prol do bem da coletividade, verifica-se, apenas, uma dessemelhança: educação – na sua acepção verdadeira, que significa o harmônico desenvolvimento das faculdades espirituais. Os homens são todos iguais. A diferença entre eles não é de essência, mas de grau evolutivo determinado pela educação.
Conta-se que Licurgo, célebre orador ateniense, fora, certa ocasião, convidado para falar sobre a Educação. Aceitou o convite, sob a condição de lhe concederem três meses de prazo. Findo esse tempo, apresentou-se perante numerosa e seleta assembléia, que aguardava, ávida de curiosidade, a palavra do consagrado tribuno.
Licurgo apareceu, então, trazendo consigo dois cães e duas lebres. Soltou o primeiro mastim e uma das lebres. A cena foi chocante e bárbara. O cão avança furioso sobre a lebre e a despedaça. Soltou, em seguida, o segundo cachorro e a outra lebre. Aquele pôs-se a brincar com esta amistosamente. Ambos os animais corriam de um para outro lado, encontrando-se aqui e acolá para se afagarem mutuamente.
Ergue-se, então, Licurgo na tribuna e conclui, dirigindo-se ao seleto auditório:
“Eis aí o que é educação. O primeiro cão é da mesma raça e idade que o segundo. Foi tratado e alimentado em idênticas condições. A diferença entre eles, é que um foi educado, e o outro não”.
O objetivo máximo do Espiritismo é precisamente esse: educar para salvar. Iluminar o interior dos homens para libertar a Humanidade de todas as formas de selvajaria; de todas as modalidades de crueza e de impiedade; e de todas as atitudes e gestos de rivalidade feroz e deselegância moral. Esta conquista diz respeito ao sentimento, ao senso religioso, que os homens do século perderam, ou melhor, que jamais chegaram a possuir.

A criança asilada


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

Excerto de uma conferência proferida no “Colégio Piracicabano” durante a “Semana da Criança”.

O tema é bastante delicado. Criança asilada! Criança ao desamparo, ao léu, sem família, sem lar, sem pão! Ave implume sem o aconchego do ninho, sem os cuidados de uma proteção amiga e solícita reclamada pela precariedade das condições de quem não sabe e não pode dirigir-se por si; de quem se encontra desprovido dos meios de defesa pessoal e das possibilidades de prever e prover a manutenção própria! Eis, numa síntese ou mais ou menos lacônica, a amargura da soledade em que vegetam inúmeras crianças na sociedade aristocrática de uma civilização febril e voluptuosa, expressa nos arranha-céus, aviões, rádios e... Metralhadoras.

Falar na criança asilada é tocar no problema da orfandade, problema esse que, ao lado de outros de grande relevância, permanece insolúvel em nosso país.
Órfã, a nosso ver, não é precisamente a criança que perdeu os pais, ambos, ou um deles. Órfã é a criança sem lar, portanto, sem carinhos, pela qual não há quem se interesse, entregue aos azares dos imprevistos, estejam ou não contados no número dos chamados vivos os seus genitores.
É comum vermos, ao cair da noite, crianças maltrapilhas, desasseadas, cabelo em desalinho, sobraçando marmitas e latas amolgadas, pedindo, aqui e acolá, restos de comida, nacos de pão, etc. Dessas crianças, a maioria é órfã por viver completamente abandonada, perambulando pelas ruas e praças, a despeito de se achar em companhia dos pais. Estes, geralmente, exploram os filhos, permanecendo em casa à espera da colheita mais ou menos farta que as crianças conseguem fazer em sua cotidiana peregrinação. Todavia, não os condenamos por isso, antes os lamentamos; pois se trata de indivíduos ignorantes, destituídos do senso da vida, verdadeiros parias, órfãos, a seu turno, de vez que são outras tantas crianças, espiritualmente falando, desprotegidas e desamparadas dos cuidados requeridos pela sua condição.
A orfandade, como a mendicância, a invalidez, o analfabetismo, as endemias, o pauperismo, o vício e o crime são problemas sociais; ao Estado compete, como precípua e indeclinável obrigação, empregar os meios ao seu alcance para solucioná-los. O direito impõe deveres, quando não nasce do próprio dever, O Estado, usando, e até abusando do direito de intervir na vida do cidadão, tributando e condicionando sua atividade, retirando, por esse processo, uma quota daquilo que ele produz, está, por isso, no dever de acudir aos inválidos, aos incapazes, aos miseráveis, e, particularmente, às crianças que, não estando ainda em condições de produzir, constituem, todavia, presumíveis fatores do engrandecimento material e moral de uma nação; e, tanto mais lícito é esperar-se do seu porvir, quanto mais e melhor se haja feito, no presente, em prol da sua educação, sob todos os pontos de vista.
Pondo de parte as múltiplas e complexas questões sociais, consideremos apenas a da criança desvalida, pois que é precisamente o assunto que ora abordamos.
Os orfanatos e asilos resolverão o caso em apreço? Respondemos pela negativa, considerando que a orfandade se apresenta sob dois aspectos distintos: o material e o moral. O primeiro se reporta às exigências físicas da criança; o segundo respeita às suas necessidades psíquicas ou morais. Aquele atende ao corpo, este, ao Espírito.
Ora, os orfanatos podem satisfazer plenamente aos reclamos do físico; porém, nunca, aos do Espírito.
O regime que, por força das circunstâncias, vigora nesses estabelecimentos, regime mais ou menos semelhante ao dos quartéis, expressos nos uniformes, nos dormitórios em comum, na sineta que chama às refeições e determina a hora de se erguerem do leito, enfim, aquele conjunto de regras e regulamentos próprios de tais instituições, age sobre o moral das crianças como um ferrete avivando a sua lamentável condição de órfãs.
Os asilos não são nem podem ser para as crianças o que são as chocadeiras e as criadeiras para os pintos. Estes requerem somente certos cuidados com a alimentação, com a higiene e a temperatura do ambiente, onde se desenvolvem. As criadeiras, portanto, preenchem perfeitamente os fins a que se destinam. A vida humana, porém, é muito mais complexa; tem gamas e nuanças delicadas, que não podem ser esquecidas, sem que de tal olvido resultem sérios prejuízos.
Os asilos perpetuam, não extinguem a orfandade, condição esta que permanece na mente do asilado como estigma indelével. Mesmo depois de adulto, quando alguém se refere a ele, usa desta expressão: é aquele moço, órfão de tal asilo. Ou então: Fulano se casou com uma órfã do abrigo de tal localidade.
Por isso, salvo raras exceções que não infirmam a regra, a criança asilada é sempre tristonha, tímida e desconfiada. Cresce debaixo da dolorosa impressão de dependência, sabendo que vive da caridade pública, que não existem para ela os carinhos maternos e o zelo de um pai que vele pelo seu futuro e em cujo amparo possa confiar!
Certamente a criança não tem este raciocínio; mas, a despeito disso, sente o efeito inelutável da ausência daqueles fatores que tão grande influência exercem e exercerão em sua vida psíquica, confirmando plenamente o pensamento do poeta:

as almas infantis

são brancas como a neve,
são pérolas de leite
em urnas virginais;
tudo quanto se grava
e ali se escreve
cristaliza em seguida
e não se apaga mais.

E o que diremos de certos asilos que expõem os orfãozinhos, devidamente caracterizados, aos olhos do público, visando com isso inspirar compaixão? E quando fazem as próprias crianças estenderem as mãos aos óbolos obtidos por semelhante processo desumano e humilhante?

A infância é a época em que o ser reclama maiores desvelos e cuidados. Trata-se de lançar as bases de uma edificação cuja solidez, como sói acontecer a toda espécie de construção, depende dos alicerces.
A nosso ver, salvo melhor juízo, somente no seio da família, no lar bem organizado, encontramos o meio propicio, o terreno adequado para lançarmos o embasamento capaz de suportar a edificação dos caracteres que constituirão as individualidades mais ou menos acabadas.
Para a fome, alimento; para a sede, água; para a criança, o regaço materno, o lar doméstico. Só aí se depara o clima propicio á sua delicadeza, ao seu estado e condições especialíssimos.
Fora desse meio, ela poderá viver e crescer como certas plantinhas débeis entre as frinchas de uma rocha. Jamais, porém, logrará florescer e frutificar como as árvores que tiveram a ventura de nascer e crescer em solo aberto e franco, expostas aos raios benéficos do sol e às chuvas fecundantes do outono.
Mas, objetar-me-ão, talvez: Onde encontrar lares para todos os órfãos espalhados por este orbe?
A dificuldade não está na carestia de lares, mas na esterilidade dos corações. A orfandade é um dos crimes do egoísmo. Se distribuíssemos os órfãos todos deste mundo entre as famílias constituídas, não tocaria, talvez, uma criança para cada grupo de cinqüenta habitações. Na estreiteza de sentimentos é que não há lugar para resolver o velho e angustioso caso da orfandade. Os asilos, remediando o mal, constituem a prova eloqüente do reinado do egoísmo entre os homens. Só a perfilhação ou adoção encerra o remédio radical da criança desvalida. Quando ela encontrar alguém, a quem possa dar, espontaneamente, sem obedecer às injunções calculistas de terceiros, o doce nome de mãe, terá, então, arrancado para sempre de sua fronte infantil o negro véu da orfandade.
Existem, nos centros populosos, ricos solares, luxuosos palacetes e velinos artísticos, de rígidos estilos, em cujos recintos os cães de raça comem à mesa dos seus donos e dormem em leitos macios, resguardados da importunação das moscas, mas onde não resplende a graça evangélica de uma criança, onde não se escuta o sorriso nem se ouve o alvoroço daqueles que Jesus costumava reunir em torno de si, dizendo: Deixai vir a mim os pequeninos, porque deles é o reino dos céus.
Em compensação, nesses suntuosos lares, ouve-se, nas cavalariças, o relinchar de corcéis de puro-sangue, cobertos com mantas bordadas, e, no confortável canil, o ganido e o rosnar de nédios e luzidios mastins, trazendo ao pescoço finas coleiras, chapeadas de metal reluzente!
Não existem asas implumes sem ninho, ao abandono. As mesmas feras não deixam sem furna os seus cachorrinhos. Só na sociedade humana se encontram crianças ao desabrigo, vagando a esmo sem família e sem penates!
Será sempre assim o mundo? Acreditamos que não. A Evolução é lei incoercível. A natureza não dá saltos; porém, lentamente, tudo se vai modificando, tudo se vai transformando, e o Universo marcha para frente e para o alto. Cremos piamente na melhoria do nosso estado social. O relógio do progresso avança em seu movimento isócrono; e, quando interesses malsãos procurem retardar-lhe a caminhada, determinando desacordo com a posição do sol que ilumina a trajetória da Vida, dizem que o dono do relógio põe a mão no ponteiro e... acerta as horas.
É assim que se explica a queda da escravidão, do feudalismo, dos latifúndios, da inquisição, do absolutismo e de outras instituições iníquas. “Toda árvore que o Pai não plantou será arrancada”.
A melhoria da Humanidade está na razão direta da nova orientação que as mães de hoje possam dar aos seus filhos. E toda mulher é sempre mãe, seja qual for a sua idade e o seu estado civil. É da mulher que nascem as auroras de novos dias de esperança e de fé. Trabalhemos pela criança, melhorando as condições dos lares existentes e constituindo outros sob aspectos mais excelentes, que sejam verdadeiras retortas, onde se destilem as gotas do amor, desse amor que opera prodígios e realiza milagres.
Note-se, porém, o seguinte:
Não somos inimigos dos asilos. De maneira nenhuma pretendemos que se cerrem as suas portas. Queremos, sim, que o seu número – que reputamos demasiadamente limitado – se multiplique, se centuplique, de modo que o seio de cada família seja o refúgio da criança desamparada; que cada lar seja um abrigo franco aos menores desvalidos; que, finalmente, cada coração seja um asilo aberto, onde a orfandade se extingue, desaparecendo ao sopro divinal do amor.

A criança


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

Recordemos duas sentenças acerca da criança, proferidas pelo Profeta de Nazaré. Disse ele: “Deixai vir a mim os pequeninos; não os impeçais, porque deles é o reino dos céus”.
E mais: “Em verdade vos digo, que, se não vos fizerdes como as crianças, não entrareis no reino dos céus”.
A primeira destas duas assertivas não exprime tão somente uma expressão carinhosa, um gesto afetuoso, aliás, muito próprio do caráter e da personalidade do Divino Mestre; encerra também sabedoria, revelando o perfeito conhecimento das condições em que as crianças se encontram ao encetarem a sua entrada no seio da Humanidade, e, ao mesmo tempo, recorda e põe em destaque os compromissos daqueles que aqui as recebem, notadamente os pais e preceptores.
A criança – notemos bem – não é uma entidade recém-criada: é, apenas, recém-nascida, fenômeno este que se consuma em cada uma das vezes que o Espírito imortal reveste a indumentária carnal, permanecendo no plano terreno por tempo incerto, que pode ser mais ou menos dilatado.
Quando, pois, Jesus diz – deixai vir a mim os pequeninos – adverte-nos quanto à época propícia ao lançamento das bases educativas.
Não forçamos a interpretação. Jesus não é mestre? O mister que exerceu neste mundo, não foi ensinar a curar?
Portanto, encaminhar as crianças a ele, importa em educá-las segundo os preceitos de sua escola. Consideremos ainda o que Jesus afirmou de si mesmo: Eu sou a Verdade. Eu sou a luz do mundo.
Ora, o que é educar, no legítimo sentido da expressão, senão orientar o Espírito na aquisição parcial, porém progressiva, da Verdade? Dessa Verdade que é luz; dessa luz que é redenção? - na conformidade de mais esta frase elucidativa da missão do Verbo encarnado: Se permanecerdes nas minhas palavras, sereis realmente meus discípulos; e conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará?
Esquadrinhemos o quanto possível o pensamento do Mestre:
Após o – deixai vir a mim os pequeninos – ele acrescentou: Não os impeçais – isto, porque os discípulos pretenderam impedir que as crianças se aproximassem dele. Nós – nos dias de hoje, descurando da educação infantil – o que estamos fazendo senão impedir que as crianças se instruam e se iluminem conforme os preceitos da escola cristã?
Deixar de proporcionar à infância essa oportunidade, é contribuir para o seu extravio, quando está em nossas possibilidades conduzi-la àquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida.
Prosseguindo, consideremos a terceira parte da sentença ora comentada: porque delas – das crianças – é o reino dos céus.
A velha ortodoxia ensina que o reino dos céus lhes pertence porque elas são inocentes, e, assim, desencarnando nessa condição, vão integrar-se naquele reino.
Semelhante interpretação, porém, não procede; não resiste mesmo ao mais ligeiro sopro de raciocínio.
Senão vejamos: Onde o mérito da criança para obter o céu? Que fez ela digno de tamanha recompensa, considerando, sobretudo, o conceito desta frase, que foi enfaticamente proclamada por Jesus?!: A cada um será dado segundo as suas obras.
Se não é licito imputar culpa às crianças, também, de igual modo, não lhes podemos conceder merecimentos. A prevalecer aquele postulado, isto é, que a criança desencarnada vai para o céu, a melhor ventura, o maior bem que lhe poderia suceder, seria, por certo, a morte. Em tal hipótese deveriam desaparecer a Puericultura e a Pediatria como ciências heréticas, e levantar-se um monumento a Herodes I, o tetrarca, da Galiléia, porque tendo decretado a degola de milhares de crianças nascidas em Belém e suas cercanias, enviou ao reino dos céus grande falange de almas sem pecado. Tampouco teria fundamento os protestos da nossa imprensa chamando a atenção das autoridades para o vultoso número de crianças que sucumbem em nossa sociedade; antes, fariam jus, essas autoridades, a louvores, por estarem carreando essas levas sucessivas de inocentes para os tabernáculos eternos.
Semelhante erronia procede do desconhecimento da verdade a respeito da criança e das leis que regem e regulam a marcha evolutiva dos seres conscientes, e, por isso, responsáveis.
Sendo a criança que nasce um Espírito que se reencarna, a sua inocência resulta da ignorância do mal no decurso dos primeiros anos de cada existência. E, mais ainda, porque o novo aparelho, a matéria, em vias de desenvolvimento, obscurece a mente, constrangendo o Espírito dentro de limites acanhados, determinando um recomeço. Assim é necessário, pois é mediante essas reiniciações verificadas através das existências sucessivas que se processam as retificações que a alma imortal vai imprimindo na linha mais ou menos sinuosa de sua evolução.
Cada passagem pela Terra importa numa oportunidade, sendo que os sete anos iniciais são os mais adequados e propícios ao lançamento das bases educativas, segundo ensinam os nossos irmãos maiores, devendo, por isso, merecer dos pais e dos preceptores os mais atentos cuidados.
É após aquele período que o Espírito integra o seu aprisionamento na carne, sendo, portanto, a fase mais adequada às iniciações renovadoras.
A criança nessa época ignora os preconceitos de raça, nacionalidade, classe, credos e posição social. Elas são propensas a se confraternizarem. Se, por vezes, rixam e se hostilizam mutuamente, não guardam ressentimentos, pois jamais o sol se põe sem que se hajam reconciliado. Às contendas da manhã, sucedem, invariavelmente, as fraternas amistosidades da tarde.
É tão acentuada a naturalidade de suas atitudes, que, desconhecendo o direito de propriedade que vigora em nossa sociedade da maneira mais rigorosa, as crianças vão-se apossando de qualquer objeto ou brinquedo que encontram ao alcance e lhes desperta interesse, desfrutando o prazer de admirá-lo e dele se servirem como coisa sua.
Conforme verificamos, tanto no fato de não guardarem animosidade, como também no que respeita ao modo como encaram as utilidades da vida, as crianças dão lições aos homens, justificando estes dizeres do Divino Educador: se não vos fizerdes como as crianças não entrareis no reino de Deus.
Cada nova existência importa, pois, no retorno do aluno ao ciclo de aprendizagem, e ao centro de experiências renovadas. Desprezar tais oportunidades, deixando de orientar e conduzir as crianças – é crime de lesa-humanidade cometido pelos responsáveis, considerando que, dentre estes, nós, os espíritas, assumimos a parte mais acentuada dentro do critério desta luminosa sentença do Cristo de Deus: A quem muito foi dado, muito será exigido.
Pensemos, portanto, no problema da Educação, dando escola às crianças, pois do contrário estaremos falhando lamentavelmente ao cumprimento do mais imperioso dever que nos cabe desempenhar.

Kardec, o operariado e a educação


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

Allan Kardec, inteligentemente cognominado por Flammarion – o bom senso encarnado, comentando, em “O Livro dos Espíritos”, certos conceitos provindos do Mais Alto, a propósito do trabalho e do operariado, assim se exprime:
“ Não basta se diga ao homem que lhe corre o dever de trabalhar. É preciso que aquele que tem de prover à sua existência por meio do trabalho encontre em que se ocupar, o que nem sempre acontece. Quando se generaliza, a suspensão do trabalho assume as proporções de um flagelo, qual a miséria. A ciência econômica procura remédio para isso no equilíbrio entre a produção e o consumo. Mas, esse equilíbrio, dado seja possível estabelecer-se, sofrerá sempre intermitências, durante as quais não deixa o trabalhador de ter que viver. Há um elemento, que se não costuma fazer pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de simples teoria. Esse elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. Não nos referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Considerando-se a aluvião de indivíduos que todos os dias são lançados na torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues a seus próprios instintos, serão de espantar as conseqüências desastrosas que daí decorrem? Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem terá no mundo hábitos de ordem e de previdência para consigo mesmo e para com os seus, de respeito a tudo o que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar menos penosamente os maus dias inevitáveis. A desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação bem entendida pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o penhor da segurança de todos ”.
A falta daquele elemento insubstituível, a que alude o inolvidável codificador da Doutrina Espírita, há perto de um século, ainda perdura, lamentavelmente.
Tudo que se tem feito até aqui, a prol das classes obreiras, ressente-se de uma lacuna, sem cujo preenchimento de pouco proveito serão os benefícios que lhes pretendem outorgar as leis em vigor e outras mais que posteriormente se decretem em favor das mesmas. A omissão em apreço é aquela apontada por Kardec: a educação; não a educação intelectual isoladamente, mas a educação moral; não ainda essa moral espetaculosa que se reduz às aparências e exterioridades, interessando apenas os sentidos, porém a educação moral que forma e consolida caracteres; que, apelando para a razão e para o coração, cria personalidades, eleva o nível evolutivo e desperta no indivíduo o senso da dignidade própria e do valor pessoal, decorrentes da conduta e fruto legítimo dos seus atos no seio da família e da sociedade.
É disso que ainda não cogitaram os nossos legisladores. Se, porém, eles olvidarem essa medida de tanta relevância, cumpre aos espíritas lembrar-lhes a obrigação de fazê-lo, dando o exemplo dentro da esfera em que exercem suas atividades.
É certo que as leis trabalhistas, nascidas da evolução social que em todo o orbe se processa, são, em tese, necessárias e boas; porém, não é menos certo que às mesmas é imprescindível adicionar os processos educativos de cunho espiritual, uma vez que “Não só de pão viverá o homem”, segundo o sábio dizer do maior e do mais generoso dos amigos e defensores dos humildes – Jesus Cristo.
Não basta focalizarmos o analfabetismo como a nódoa vergonhosa de nossa decantada civilização. A decadência moral, a corrupção de costumes, a repetição cotidiana de crimes repugnantes e bárbaros, a desfaçatez e a impudência com que se tramam e se urdem as transações venais, em todos os setores, constituem, em seu conjunto, algo que enodoa, conspurca e macula mais o nome, a história e o conceito de um povo do que o analfabetismo.
O desenvolvimento da inteligência, desacompanhado da vigilância e orientação dos sentimentos, produz mais malefícios que proveitos, porque amplia e dilata as possibilidades de êxito na prática de velhacarias e vilezas, como na maneira astuta e sagaz de fugir às responsabilidades, iludindo as massas ingênuas e incautas. É ainda produto da inteligência impudente o forrar-se à obrigação de dar contas dos mandatos, seja na esfera pública, seja na particular, acoroçoando assim o regime da irresponsabilidade, cujas conseqüências funestas explicam a desordem e a indisciplina que, partindo das altas camadas, se derramam e se espraiam por todas as baixadas.
Não basta que acenemos às classes obreiras com certos direitos que até há pouco, criminosamente, não se lhes concedia; cumpre completar a obra da sua reabilitação, incutindo-lhes noções do dever, base e fundamento do direito natural e legitimo.
Do contrário, estaremos semeando em sua mente idéias desordenadas, subversivas e contraproducentes, cavando, ao mesmo tempo, profundo vale de separação entre aqueles de cujo mútuo entendimento e cooperação dependem a ordem e a prosperidade das nações.
É óbvio que o desequilíbrio entre o dever e o direito é responsável pela confusão e pelo desajustamento, que cada vez se manifestam mais acentuados em nosso meio.
Façamos obra cristã, e não demagógica, em beneficio dos nossos irmãos que manejam os músculos e os braços, visando em realidade o seu progresso, soerguendo-lhes o nível consciente do valor que enobrece, em todo sentido, máxime e particularmente no que concerne à formação do caráter, condição esta indispensável ao bom êxito em qualquer empreendimento humano; necessidade essa de que carecem tanto os dirigentes com os dirigidos, mais ainda os primeiros que os últimos, levando em consideração a maior soma de responsabilidade que lhes cabe.
Do menosprezo a tão grande problema resulta o estado lamentável de nossa sociedade, o que deu lugar às seguintes judiciosas considerações de Kardec, acima citadas.
Honremos e dignifiquemos a memória daquele que, tendo “olhos de ver”, soube deduzir de um simples e corriqueiro caso de tiptologia – tal como fez Newton observando a queda de uma maçã desprendida do caule -, a magnífica e esplêndida Doutrina Espírita, conjugando ciência, filosofia e religião, ou seja, todos os grandes ramos de especulações que absorvem a inteligência e o sentimento humano.
Rendamos-lhes a maior e a mais eficiente homenagem, a que condiz com aquele critério e aquele bom senso que sempre o distinguiu, fundando escolas que venham preencher a grande lacuna por ele apontada há mais de um século, lacuna que ainda persiste.
Esse, o monumento condigno que os espíritas devem erigir, num gesto de gratidão, em memória do amigo e assistente de João Henrique Pestalozzi, o inolvidável educador e consumado pedagogo de Zurique.
Educa e transformarás a irracionalidade em inteligência, a inteligência em humanidade e a humanidade em angelitude – diz Emmanuel.

Dever paterno


Fonte: O Mestre na Educação - FEB - 6ª Edição

Duas verdades muito simples devem estar presentes na imaginação dos pais: De um saco vazio nada podemos tirar. De um terreno inculto, abandonado, nenhum bom grão podemos colher.
Estas duas asserções, banais em aparência, naturalmente servirão para lhes trazer à mente um fato de suma importância: a educação dos filhos.
Sim, se eles descurarem o cumprimento deste dever, chegará o dia em que debalde procurarão obter alguma coisa dos filhos. Estes lhes darão o que se pode tirar de um saco vazio ou aquilo que se pode colher de um terreno abandonado.
A autoridade paterna, elemento indispensável na orientação e direção da mocidade, não surge do vácuo nas ocasiões prementes das grandes necessidades, dos lances aflitivos em que ela é reclamada. Se essa autoridade existe, apresenta-se, impõe-se, age, luta e consegue. Se não existe, é escusado apelar-se para ela, no paroxismo de qualquer aflição. A autoridade paterna se desenvolve paulatinamente, como fruto da educação que os pais dão aos filhos, quando essa educação se funda na base sólida de exemplos dignos e elevados. Ela se desenvolve e frutifica como as plantas de valor. Pretendê-las num dado momento, como façanha de prestidigitador, é ilusão que nenhum pai sensato de alimentar.
Há exemplos, não contestados, de filhos bons e dignos, à revelia da influência doméstica, e outros que são maus, a despeito dos desvelos paternos; porém tais casos são exceções que não anulam a regra e, menos ainda, os deveres dos pais, no que concerne á formação do caráter de seus filhos.
Sabemos que nossos filhos são espíritos reencarnados, os quais semelhantemente ao vento, segundo disse Jesus, ninguém sabe donde vêm. É possível que sejam espíritos de sentimento e moral elevados; assim sendo, não nos darão maior trabalho: é a exceção. Caso contrário, como é de regra, trarão consigo defeitos, vícios e paixões, para cujo extermínio cumpre providenciarmos, empenhando todos os meios ao nosso alcance. E isto se obtém, ministrando a educação cristã, firmada sobre os alicerces de exemplificações acordes com aquela doutrina.
Educar é salvar. O Espiritismo é a religião da educação. Não há lugar para superstições, na trama urdida pelos postulados cristãos que o Espiritismo veio restaurar em toda a sua verdade.
Eduquemo-nos, pois, e eduquemos nossos filhos. Um mau chefe de família nunca pode ser um bom espírita.

A Parábola do Mordomo Infiel

Artigo extraído do livro "Em Busca do Mestre" - 4ª Edição - Março de 1995 - Edições FEESP.

“Havia um homem rico, que tinha um administrador; e este lhe foi denunciado como esbanjador de seus bens. Chamou-o e perguntou-lhe: Que é isto que ouço dizer de ti? Dá conta de tua mordomia; pois já não podes mais ser meu mordomo. Disse, então consigo, o administrador: Que farei agora, já que meu amo me tira a mordomia? Não tenho forças para cavar, e, de mendigar tenho vergonha. Eu sei, porém, o que me cumpre fazer, para que, despedido da mordomia, tenha quem me receba em suas casas. Em seguida, convocou os devedores do seu amo, dizendo ao primeiro deles: Quanto deves ao meu amo? Respondeu ele: cem cados de azeite. Disse-lhe, então: Senta-te depressa, e escreve cinqüenta. Depois indagou de outro: E tu quanto deves? Respondeu ele: cem coros de trigo. Disse-lhe: Toma a tua conta, e escreve oitenta. E assim fez com os demais. E o amo, sabendo disso, louvou o administrador iníquo, por haver procedido sabiamente; pois os filhos deste mundo são mais sábios para com sua geração do que os filhos da luz. E eu vos digo: Granjeai amigos com as riquezas da iniqüidade, para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos. Quem é fiel no pouco, também o será no muito. Se, pois, não fostes fiéis nas riquezas iníquas, quem vos confiará as verdadeiras? E se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que ficará sendo vosso? Nenhum servo pode servir a dois senhores; pois ou há de aborrecer a um e servir o outro, ou há de unir-se a um e desprezar o outro. Não podeis, pois, servir a Deus e a Mamom”.
Sintetizemos a parábola, interpretando os seus personagens: O amo ou proprietário: Deus.
O mordomo infiel: o homem.
Os devedores beneficiados: nosso próximo, os sofredores em geral.
A propriedade agrícola: O mundo que habitamos.
Moralidade: o homem é mordomo infiel porque se apodera dos bens que lhe são confiados para administrar, como se tais bens constituíssem propriedade sua. Acumula esses bens, visando exclusivamente a proveitos pessoais: restringe sua expansão, assenhoreia-se da terra cuja capacidade produtiva delimita e compromete. Enfim, todo o seu modo de agir com relação à propriedade que lhe foi confiada para administrar, é no sentido de monopolizá-la em benefício próprio, menosprezando assim os legítimos direitos do Proprietário. Diante de tal proceder irregular, o Senhorio vê-se na contingência de demiti-lo. Essa exoneração, que não é lavrada a pedido, consuma-se com a morte. Todo o Espírito que desencarna é um mordomo despedido do emprego. A parábola figura um deles, cuja prudência é motivo de elogios. É aquele que, sabendo que ia ser despedido, e que nada poderia levar consigo, nem lhe assistia tampouco o que alegar em seu abono diante da demissão, procura, com os bens alheios ainda em seu poder, prevenir o seu futuro. E, como faz, granjeia amigos com a riqueza da iniqüidade, isto é, lança mão dos bens acumulados, que representam a riqueza do Amo sob sua guarda, e, com ela, beneficia os vários devedores, cuja amizade, de tal maneira consegue conquistar! E o Amo (DEUS) louva a ação do mordomo (homem) que assim procede, pois esse a quem ele aqui no mundo beneficiaria serão aqueles que futuramente o receberão nos Tabernáculos eternos (páramos celestiais, céus, espaço, etc.).
O grande ensinamento desta importante parábola está no seguinte: Toda riqueza é iníqua. Não há nenhuma legítima no terreno das temporalidades do século. Riquezas legítimas ou verdadeiras são unicamente as de ordem intelectual e moral: o saber e a virtude. Não assiste ao homem o direito de monopolizar a terra, nem de açambarcar os bens que dela derivam. Seu direito não vai além do usufruto. Como, porém, todos os homens são ainda egoístas e querem monopolizar os bens terrenos em proveito exclusivo, o Mestre aconselha, com muita justeza, que, ao menos, façam como o Mordomo Infiel: Granjeiem amigos com esses bens dos quais ilegalmente se apossaram, reduzindo, assim, o débito dos que, nesta existência, resgatam culpas.
A parábola em apreço contém, em sua essência, transcendente lição de sociologia, encerrando um libelo contra à avareza, e belíssima apologia da liberalidade e do altruísmo, virtudes cardeais do Cristianismo.
Obedecem ao mesmo critério acima exposto, estes outros dizeres: Quem é fiel no pouco também será fiel no muito. Se não fostes fiel nas riquezas injustas, quem vos confiará as legítimas? E se não destes boas contas do alheio, quem vos dará aquilo que se tornará vosso?
É claro que a riqueza classificada como sendo o “pouco”, como sendo iníqua e alheia é a que consiste nos bens materiais; enquanto que, a riqueza reputada como sendo o “muito”, à legítima e a que constitui propriedade inalienável é aquela representada pelos predicados de caráter, pela virtude, numa palavra, pela evolução conquistada pelo Espírito no transcurso das existências que se sucedem na eternidade da vida.
A terra constitui propriedade de ninguém: é patrimônio comum. E, como a terra, qualquer outra espécie de bens, visto como toda a riqueza é produto da terra. Ao homem é dado desfrutá-la na proporção das suas legítimas necessidades. Tudo que passa daí é uma apropriação indébita. Não se acumula ar, luz e calor para atender reclamos do corpo. O homem serve-se naturalmente daqueles elementos, sem as egoísticas pretensões de entesourar.
O testemunho eloqüente dos fatos demonstra que o solo quanto mais dividido e retalhado, mais prosperidade, mais riquezas e felicidade assegura aos povos e às nações.
De outra sorte, comprova também que a causa fundamental das guerras – esse flagelo, essa expressão de barbárie, selvageria e bruteza – está na ambição e na megalomania de possuir e dominar o mundo, como se este pudesse constituir propriedade do homem.

A escada de Jacó


Artigo extraído do livro "Educação para a Morte" - 5ª Edição - Setembro de 1996 - Editora Espírita Correio Fraterno do ABC.

Nascimento e morte determinam o trânsito especial entre o Céu e a Terra. Dia e noite, sem cessar, descem e sobem os anjos pela escada simbólica da visão bíblica de Jacó. Anjos são espíritos, e o Apóstolo Paulo esclareceu que são mensageiros. Trazem e levam mensagens de um plano para o outro. São mensagens de amor, de estímulo, de orientação e encorajamento. As mensagens são dadas, na maioria, através de intuições, na Terra, aos destinatários encarnados. Mas há também as que são dadas por via mediúnica, através de um médium, ou por sonhos. Essa comunhão espiritual permanente é conhecida desde as épocas mais remotas. Mas só em 1857, com a publicação de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, em Paris, o problema foi encarado como positivo e levado à consideração dos sábios e das instituições cientificas. As Igrejas Cristãs, tendo à frente a Católica Romana, levantaram-se contra essa colocação, que diziam simplória, de um grave problema teológico. Só os clérigos e os teólogos, segundo elas, tinham direito a tratar do assunto. Um século depois, a questão estava nas mãos das Ciências e a Ciência Espírita, fundada por Kardec era colocada à margem do mundo científico, por não possuir um objeto legitimamente científico, material, ao alcance dos sentidos humanos. Richet levantara, na Metapsíquica, à tese do sexto sentido, e Kardec sustentava que os fenômenos mediúnicos, pelo fato mesmo de serem fenômenos, constituíam o objeto sensível da Ciência Espírita.
Em 1830 os professores Joseph Banques Rhine e William McDougall lançavam na Universidade de Duke, na Carolina do Sul (Estados Unidos da América) a nova Ciência da Parapsicologia, para a investigação desses mesmos fenômenos. E em 1840 ambos proclamavam com seus colaboradores, a prova científica da Clarividência. Dali por diante cresceu rapidamente no mundo o interesse pelo assunto e surgiram pesquisas e cátedras em todas as grandes Universidades da América e da Europa. Hoje a questão é pacífica no plano científico, e mesmo no religioso, pois a Igreja aceitou a realidade dos fenômenos e interessou-se efetivamente pelas pesquisas. A Parapsicologia avançou rapidamente, seguindo a trilha da Ciência Espírita, sem nenhum desvio.
Vencida a barreira dos preconceitos e das sistemáticas a que se apegavam numerosos cientistas, a Parapsicologia definiu-se como a Ciência do Homem. Rhine, ao aposentar-se na Universidade de Duke, estabeleceu a Fundação para a Pesquisa da Natureza Humana. A Parapsicologia sustenta a natureza espiritual do homem e suas possibilidades de ação extensiva e intensiva no plano físico e mental ou espiritual. “A mente, que não é física, age sobre a matéria por vias não físicas”, declarou Rhine, apoiado por grandes nomes da Ciência em todo o mundo. Essa declaração mudou o panorama cultural do planeta. Hoje ninguém duvida, quando nasce uma criança, que se trata de um espírito humano reencarnado biologicamente na Terra. Embora ainda existam setores científicos infensos, à nova Ciência, firmou-se no mundo de maneira definitiva. Os cientistas que a negam ou rejeitam são considerados retrógrados ou se definem a si mesmos como pertencentes a religiões que não devem aceitar os novos princípios.
A morte perdeu o sentido de negação da vida. Os fenômenos Teta, um dos últimos tipos de fenômenos paranormais pesquisados pela Parapsicologia, nada mais são do que as comunicações mediúnicas. Além do trânsito entre a Terra e o Céu – o mais movimentado do mundo – existe agora a comunicação permanente entre os homens e os espíritos. As descobertas físicas no plano das pesquisas sobre a estrutura da matéria mostraram que não vivemos num mundo tridimensional, mas multidimensional. Os que morrem na Terra passam para os planos da esfera semimaterial, de matéria rarefeita, que a circunda, e, conforme o seu grau evolutivo, para as hipóstases espirituais entrevistas por Plotino, na fase helenista da Filosofia Grega. Nas sessões espíritas, em todo o mundo, milhares de pessoas conseguem conversar com amigos e parentes mortos, que dão provas evidentes de sua sobrevivência após a morte. As restrições dos sistemáticos e preconceituosos continuam, mas a realidade se impõe de tal maneira que essas restrições já diminuíram assustadoramente. A Terra se espiritualiza, apesar do materialismo das religiões e a morte já não amedronta milhares dos milhões de criaturas que morrem todos os dias.
Geralmente não se pensa no que isso representa para a Humanidade. Entregues às suas preocupações absorventes do seu dia a dia, homens e mulheres ainda vivem na Terra como há milhões de anos. Cuidam da vida sem se preocuparem com a morte. Essa posição anestésica é útil na Terra, mas desastrosa nos planos espirituais. Nas manifestações de espíritos (fenômenos teta) pode-se avaliar o prejuízo causado às criaturas por essa alienação à matéria. Embriagados pelos seus anseios de conquistas materiais, praticamente tragados pela vida prática, a maioria dos que morrem não têm a menor noção do que seja a morte. Entram em pânico após o trespasse, apegam-se depois a pessoas amigas de suas relações, perturbando-as sem querer ou procurando, através delas, sentirem um pouco da segurança perdida na Terra. Além desses prejuízos, a falta de educação para a morte causa o prejuízo maior dos desesperos, angústias existenciais e loucuras que hoje varrem a Terra em toda a sua extensão. Por outro lado é preciso considerar-se os prejuízos imensos produzidos pela ignorância das finalidades da vida. As próprias Ciências sofrem dessa ignorância, que lhe barra o caminho de descobertas necessárias para a melhoria das condições da vida terrena.
Por mais atilados e dedicados que sejam os cientistas, se não tiverem conhecimento das leis fundamentais que regem o planeta e condiciona, a Humanidade, não podem penetrar nas causas dos males e problemas que enfrentam. É questão pacífica que a falta de conhecimento preciso e amplo do meio em que estamos nos deixa entregues a perigos que não podemos prever. É o que agora mesmo acontece, no caso da poluição perigosíssima do planeta pelas exigências do desenvolvimento industrial. A falta de interesse pela Ecologia mergulhou o mundo numa situação desastrosa, que ainda não sabemos como poderemos superar. A Ciência ateve-se aos efeitos, deixando as causas por conta da Filosofia e da Religião. Esta última fechou-se em dogmas ilusórios, mandando às calendas a questão fundamental das causas. Entregues aos conhecimentos empíricos da realidade constatada nos efeitos, os homens conseguiram realizar a façanha trágica da poluição total do planeta, com os mais graves prejuízos para a vida humana, bem como os vegetais e aos animais. Descuidamos da morte e perdemos a vida. Se não mudarmos urgente de atitude, transformaremos a Terra numa Lua sem atmosfera.
A nossa insistência na consideração escatológica da morte, na sua função essencialmente destruidora – negando-lhe o papel fundamental de controladora da vida e a de renovadora das civilizações, parece ter provocado uma reação em nossa própria estrutura ôntica que nos transformou em nadificadores de nós mesmos e de toda a realidade. O estranho privilégio que pretendemos, de sermos os únicos seres condenados ao nada, um Universo em que tudo se renova e se eleva, constitui a mais espantosa contradição de toda a História Humana. Essa contradição monstruosa deforma a figura do homem no mundo que ao invés de imagem e semelhança de Deus, aparece como a fera mais temível do planeta, onde as feras selvagens são sistematicamente destruídas e devoradas pelo animal dotado de inteligência criadora, sentimento, moral, compreensão de sua espiritualidade e sensibilidade ética e estética. O humanismo apaixonado de Marx, que sonhava sem o saber com o Reino de Deus na Terra negou-se a si mesmo ao formular a teoria do poder totalitário e absoluto de uma classe social contra as outras. Larissa Reissner, que lutou pelos bolchevistas de armas na mão, mostra-se desolada, nas páginas brilhantes de seu livro Homens e Máquinas, ao referir-se aos campos de trabalhos forçados da URSS, em que antigos e bravos companheiros de luta pagavam sob o poder soviético o preço de suas ilusões para o fortalecimento do Estado-Leviatã de Hobbes. A terrível dialética das revoluções sociais materialistas, sem Deus e sem coração, levou o Marxismo ao pelourinho da lei de negação da negação, negando-se a si mesma no processo histórico. Sem o respeito do homem por si mesmo, pela sua condição humana, todas as tentativas de melhorar o mundo, acabam na asfixia da liberdade, nadificando o homem depois de transformá-lo em objeto. É essa também a contradição fundamental de Sartre em O Ser e o Nada e na Crítica da Razão Dialética. Mas é precisamente das contradições entre a tese e antítese que podemos obter a síntese que nos dá a verdade possível de cada problema.
Os anjos que descem pela escada de Jacó, na alegoria bíblica representam a tese da proposição existencial. A verdade possível do Céu, ou seja, dos planos divinos, entendendo-se por divino aquilo que supera a condição material. Mas são esses mesmos anjos que voltam para o Céu representando a antítese. O trânsito espacial resulta da síntese humana em que a proposta terrena e a resposta celeste se fundem no processo existencial da transcendência. Por isso Kardec rejeitou as revelações proféticas do passado, individuais e exclusivistas, que geraram as religiões da morte, estabelecendo o princípio das revelações conjugadas, de natureza cientifica, em que o mundo é a tese, o homem é a antítese e a verdade é a síntese. Essa síntese, como acentuou Léon Denis, a mundividência espírita, de difícil compreensão para os anjos que descem e ficam na rotina terrena, no círculo vicioso das reencarnações repetitivas. A verdade possível é interditada a eles, não por condenação divina, mas por opção própria. Quando eles romperem o círculo vicioso poderão compreender essa verdade, a verdade possível, ao alcance do homem que soube transcender-se. Na dialética espírita o homem propõe a tese, o espírito responde com a antítese e a Razão elabora a síntese do conhecimento possível. A religião, como ensinou Kardec, é a conseqüência da revelação espiritual fundida com a revelação cientifica. A verdade possível tem sua legitimidade e sua validade precisamente nessa fusão. Os limites da vida terrena condicionam a realidade humana às possibilidades cognoscitivas da mente humana atualizada na matéria. O espírito revela um princípio espiritual e o cientista revela a lei terrena a ela correspondente. Só nesse processo de perfeito equilíbrio o homem pode evitar os perigos do misticismo alienante, para viver na Terra em marcha para a transcendência, através da Existência. É esse o processo que permite a fusão dialética de Ciência e Religião, como fundamento de toda a verdade possível na Era Cósmica. Por isso, não insistimos no Espiritismo por sectarismo ou proselitismo, mas pelo fato inconteste de só ele nos oferecer os instrumentos conceptuais necessários à conquista da realidade. Sem a fusão da efetividade com a razão não poderíamos atingir a síntese do conhecimento geral, na fragmentação dos efeitos sem o esclarecimento das causas. O método indutivo da Ciência permite-nos reunir os efeitos para a compreensão possível da causa única e transcendente.