(
Paris, 1º de novembro de 1862 -
Médium: Sr. Perchet, sargento do 40º de linha, caserna do príncipe Eugênio; membro da Sociedade de Paris)
(Publicado na Revista Espírita de dezembro de 1862)
I
Meu
caro irmão, neste dia de comemoração dos mortos, sinto-me feliz por
poder entreter-me contigo. Não imaginas como é grande o prazer que
experimento. Chama-me, pois, com mais frequência, e ambos lucraremos.
Aqui
nem sempre posso vir a ti, porque muitas vezes estou junto às minhas
irmãs, especialmente junto à minha filhinha, que quase não deixo, pois
pedi a missão de ficar junto a ela. Não obstante, posso com frequência
responder ao teu chamado e será sempre uma felicidade ajudar-te com meus
conselhos.
Falemos
da festa de hoje. Nesta solenidade cheia de recolhimento, que aproxima o
mundo visível do invisível, há felicidade e tristeza.
Felicidade,
porque une em piedoso sentimento os membros dispersos da família. Neste
dia a criança vem junto ao seu túmulo encontrar sua terna mãe, que
molha a pedra sepulcral com suas lágrimas. O anjinho a abençoa e mistura
seus votos aos pensamentos que caem, gota a gota, com as lágrimas da
mãe querida. Como são doces ao Senhor essas castas preces temperadas na
fé e na lembrança! também sobem elas até os pés do Eterno, como o suave
perfume das flores e, do alto do Céu, Deus lança um olhar de
misericórdia sobre este pequeno recanto da Terra e envia um de seus bons
Espíritos para consolar esta alma sofredora e lhe dizer: “Consolai-vos,
boa mãe. Vosso filho querido está na mansão dos bem-aventurados, vos
ama e vos espera.”
Eu
disse: dia de felicidade, e o repito, porque aqueles a quem a religião
da lembrança leva os da Terra a orar pelos que se foram, sabem que não é
em vão, e que um dia irão rever os seres amados, dos quais se acham
momentaneamente separados. Dia de felicidade, porque os Espíritos veem
com alegria e ternura aqueles que lhes são caros merecerem, pela
confiança em Deus, vir em breve participar da felicidade de que eles
gozam.
Nesse
dia de Todos os Santos, os mortos que corajosamente sofreram todas as
provas impostas em vida, que se despojaram das coisas mundanas e
educaram os filhos na fé e na caridade, esses Espíritos, repito, de boa
vontade vêm associar-se às preces dos que deixaram, e lhes inspiram a
firme vontade de marchar com perseverança pelo caminho do bem. Crianças,
pais ou amigos, ajoelhados junto aos túmulos, experimentam íntima
satisfação, porque têm consciência que os restos que lá estão, sob a
lápide, não passam de uma lembrança do ser que eles encerraram e que
agora se acha liberto das misérias terrenas.
Meu caro irmão, esses são os felizes. Até amanhã.
II
Meu
caro irmão, fiel à minha promessa, venho a ti. Como havia dito ao
deixar-te, ontem à noite, fui fazer uma visita ao cemitério. Lá examinei
atentamente os vários Espíritos sofredores. Eles causam pena. Esse
espetáculo chocante arrancaria lágrimas do mais duro coração.
Contudo,
em grande número essas almas são aliviadas pelos vivos e pela
assistência dos bons Espíritos, principalmente quando se arrependeram
das faltas terrenas e fazem esforços por se despojarem de suas
imperfeições, causa única de seus sofrimentos. Agora eles compreendem a
sabedoria, a bondade, a grandeza de Deus, e pedem o favor de novas
provas para satisfazerem à justiça divina, expiar e reparar suas faltas e
conquistar um futuro melhor.
Orai,
pois, caros amigos, de todo o vosso coração, por esses Espíritos
arrependidos que acabam de ser esclarecidos por uma centelha de luz. Até
agora eles não haviam acreditado nas delícias eternas porque, em sua
punição, o cúmulo do tormento era não poderem esperar. Julgai sua
alegria quando se rompeu o véu das trevas e o anjo do Senhor lhes abriu
os olhos feridos de cegueira à luz da fé.
Eles
são felizes, entretanto, em geral não têm ilusões quanto ao futuro.
Muitos dentre eles sabem que devem sofrer terríveis provas. Assim,
reclamam insistentemente as preces dos vivos e a assistência dos bons
Espíritos, a fim de poderem suportar com resignação a tarefa difícil que
lhes será imposta.
Digo-vos,
ainda, e nunca seria demasiado repeti-lo para bem vos convencer desta
grande verdade: Orai do fundo do coração por todos os Espíritos que
sofrem, sem distinção de casta ou seita, porque todos os homens são
irmãos e se devem mútuo auxílio.
Espíritas
fervorosos, sobretudo vós, que conheceis a situação dos Espíritos
sofredores e sabeis apreciar as fases da vida; vós, que conheceis as
dificuldades que eles têm a vencer, vinde em seu auxílio. É uma bela
caridade orar pelos pobres irmãos desconhecidos, muitas vezes por todos
esquecidos, e cujo reconhecimento não sabeis avaliar, quando se veem
assistidos. A prece é para eles o que o orvalho é para a terra calcinada
pelo calor.
Figurai
um desconhecido, caído em qualquer obscuro desvio de um caminho, em
noite escura. Seus pés estão feridos pela longa caminhada. Ele sente o
aguilhão da fome e uma sede ardente. Aos sofrimentos físicos juntam-se
todas as torturas morais. O desespero está a dois passos. Em vão ele
solta gritos dilacerantes aos quatro ventos, mas nenhum eco amigo
responde ao apelo desesperado.
Então! Imaginai
que no instante em que essa infeliz criatura chegou aos extremos do
sofrimento, mão compassiva vem pousar suavemente em seu ombro e lhe
trazer o socorro que sua situação reclama. Imaginai, antão, se possível,
o contentamento desse homem, e tereis uma pálida ideia da felicidade
dada pela prece aos Espíritos infelizes, que suportam a angústia da
punição e do isolamento. Eles vos serão eternamente agradecidos porque,
tende certeza, no mundo dos Espíritos não há ingratos como na vossa
Terra.
Eu
disse que Todos os Santos é uma solenidade surgida da tristeza,
realmente uma grande tristeza, pois também chama a atenção para a classe
desses Espíritos que, na existência terrena, se votaram ao
materialismo, ao egoísmo; que não quiseram reconhecer outros deuses
senão as miseráveis vaidades de seu mundo ínfimo; que não temeram
empregar todos os meios ilícitos para aumentar suas riquezas e muitas
vezes jogar gente honesta na miséria. Entre esses se acham os que
interromperam a existência por uma morte violenta, bem como aqueles que
durante sua vida arrastaram-se na lama da impureza.
Meu
caro irmão, que horríveis tormentos para todos esses! É exatamente como
diz a Escritura: “Haverá choro e ranger de dentes”. Eles serão
mergulhados no abismo profundo das trevas. Esses infelizes são
vulgarmente chamados os danados e, posto seja mais exato chamá-los os punidos, nem
por isso sofrem menos as terríveis torturas que se atribuem aos danados
em meio às chamas. Envoltos nas mais espessas trevas de um abismo que
lhes parece insondável, posto não seja circunscrito, como vos ensinam,
experimentam sofrimentos morais indescritíveis, até abrirem o coração ao
arrependimento.
Alguns,
por vezes, ficam durante séculos nesse estado, sem poderem prever o fim
de seus tormentos, Assim, eles se dizem condenados por toda a
eternidade. Essa opinião errônea, durante muito tempo encontrou guarida
entre vós. É um erro grave, porque, mais cedo ou mais tarde, esses
Espíritos se abrem ao arrependimento e então, Deus, apiedado de suas
desgraças, lhes envia um anjo que lhes dirige palavras consoladoras e
lhes abre um caminho tanto mais largo quanto mais tiverem para ele sido
feitas preces aos pés do Eterno.
Irmão, vês que as preces são sempre úteis aos culpados, e se elas não alteram os desígnios imutáveis de Deus, nem por isso dão menos
alívio aos Espíritos sofredores, trazendo-lhes o suave pensamento de
ainda se acharem na lembrança de almas piedosas. Assim, o prisioneiro
sente o coração pular de alegria quando, através de suas tristes grades,
percebe o rosto de algum parente ou amigo que não esqueceu sua
desgraça.
Se
o Espírito sofredor for muito endurecido, muito material, para que a
prece lhe atinja a alma, um Espírito puro a recolhe como um aroma
precioso e a deposita nas ânforas celestes, até o dia em que elas
puderem servir ao culpado.
Para
que a prece dê frutos, não basta balbuciar as palavras, como faz a
maioria das criaturas. A única prece agradável ao Senhor é a que parte
do coração, a única que é considerada, e que alivia os Espíritos
sofredores.
De tua irmã que te ama,
Marguerite
Pergunta (feita na Sociedade):
Que
pensar da seguinte passagem desta comunicação, onde foi dito: “Eu vos
asseguro que em nosso mundo não há ingratos como na vossa Terra?” Sendo
as almas dos homens Espíritos encarnados, trazem consigo seus vícios e
suas virtudes. As imperfeições dos homens vêm das imperfeições do
Espírito, como suas qualidades vêm das qualidades adquiridas. Segundo
essa ideia, e considerando-se que se encontram nos Espíritos os mais
ignóbeis vícios, não se compreenderia que não se pudesse encontrar a
ingratidão que frequentemente se encontra na Terra.
Resposta (por intermédio do Sr. Perchet):
Sem
dúvida, há ingratos no mundo dos Espíritos, e podeis colocar em
primeiro plano os obsessores e os maldosos, que fazem todos seus
esforços por vos inculcar seus pensamentos perversos, a despeito do bem
que lhes façais, orando por eles. Sua ingratidão, entretanto, é apenas
momentânea, porque a hora do arrependimento soa para eles, mais cedo ou
mais tarde. Então seus olhos se abrem à luz e seus corações também se
abrem para sempre ao reconhecimento. Na Terra não é assim, e a cada
passo encontrareis homens que, malgrado todo o bem que lhes façais, não
pagam, até o fim, senão com a mais escura ingratidão.
A
passagem que provocou essa observação não é obscura senão porque lhe
falta extensão. Eu só encarava a questão do ponto de vista dos Espíritos
abertos ao arrependimento, e aptos, por isso mesmo, a recolher
imediatamente os frutos da prece. Estando esses Espíritos comprometidos
com boa via, e não podendo o Espírito retrogradar, é claro que neles não
poderia extinguir-se o reconhecimento.
Para
não haver confusão, redigirei assim a frase que suscitou a observação:
“Eles vos serão eternamente reconhecidos porque, tende certeza, entre os
Espíritos, aqueles a quem tiverdes levado ao bom caminho não poderiam
ser ingratos”.
Marguerite
OBSERVAÇÃO:
Estas duas comunicações, como muitas outras de moralidade não menos
elevada, foram obtidas pelo Sr. Perchet em sua caserna, onde ele conta
com vários camaradas que partilham de suas crenças espíritas e a estas
conformam sua conduta. Perguntaremos aos detratores do Espiritismo se
esses militares receberiam melhores conselhos de moral no cabaré. Se aí
está a linguagem de Satã, ele se fez eremita. É verdade que ele está
muito velho!
Aproveitando
o ensejo, perguntaremos ao Sr. Tony, o espirituoso e sobretudo muito
lógico jornalista de Rochefort, que acredita que o Espiritismo é um dos
males saídos da caixa de Pandora e uma dessas coisas malsãs estudadas
pela higiene pública e a moral, nós lhe
perguntaremos, íamos dizendo, o que há de malsão e de contrário à
higiene nessa comunicação, e se esses militares perderam a moralidade e a
saúde, ao renunciarem aos maus lugares em favor da prece.
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