Irmão X
Conta-se que Simão Pedro, há
tempos, conseguiu chegar ao Rio de Janeiro, perfeitamente materializado.
Utilizando preciosos fluidos da natureza, nos bosques floridos que marginam
Petrópolis, desceu dos subúrbios para o centro, com o objetivo de verificar as
realizações cristãs, entre os novos discípulos do Evangelho.
-o-
Alpercatas de pobre, cabelos à
nazarena, leve bastão a sustentar-lhe o corpo e singela túnica de estamenha, ia
o apóstolo, de olhos vivos e doces, estranho aos automóveis e aos arranha-céus,
na consoladora antevisão do encontro com os aprendizes do Senhor.
-o-
Achavam-se multiplicados,
pensava. Trazia, mentalmente, o endereço de muitos, de conformidade com as
rogativas que subiam da Terra para o Céu. Que lhe contariam, acerca dos ideais
evangélicos no mundo? Não ignorava que o Planeta continuava sob o guante
infernal da guerra, entretanto, sabia que os ensinamentos do Messias avançavam
salvando almas.
-o-
Ante o frontispício de
admirável organização católica-romana, deteve-se, emocionado.
Aproximou-se. Tocou a
campainha.
Pretendia avistar-se com os
superiores da casa, a fim de trocarem idéias.
Um padre bem humorado atendeu:
-
Quem é o senhor?
-
Simão Pedro,
para servi-lo.
O clérigo sorriu e anotou-lhe
os desejos.
Findos alguns minutos, um dos
diretores apareceu, em companhia de vários religiosos. Ouviram o visitante
humilde, com inequívocos sinais de incredulidade e sarcasmo.
Não chegaram nem mesmo a
considerar-lhe s palavras.
-
Volte
segunda-feira, com o atestado policial – declarou o orientador da instituição –
e providenciarei seu ingresso no asilo.
Simão tentou explicar-se.
O eclesiástico, no entanto,
foi claro:
-
Não insista.
Tenho mais o que fazer. Venha segunda-feira. O psiquiatra organizará sua ficha.
Sequioso de entendimento,
pediu Pedro:
-
Tenho sede.
Permita-me entrar, por obséquio.
-
Quê? Entrar? Não
precisa disto para beber água. Na esquina próxima encontrará um café, e será
atendido.
-o-
Em vista da porta
repentinamente cerrada, o apóstolo, algo triste, cruzou várias ruas e estacionou
junto de simpática vivenda.
Perguntou ao jardineiro pelo
ministro da igreja reformada que a ocupava.
O robusto rapaz deu-se pressa
em satisfaze-lo. Em momentos breves, trouxe consigo não só o pastor, mas também
dois jovens presbíteros.
À primeira interrogação, o
visitante respondeu, esperançado:
-
Sou Pedro, o
antigo pescador de Cafarnaum.
-
Entreolharam-se
os presentes, espantadiços.
-
Debalde buscou o
velho Caphas esclarecer os propósitos que alimentava. O ministro evangélico, ai
invés de prestar-lhe atenção, pôs-se a ouvir os rapazes tagarelas.
-
Penso que é
portador da mania ambulatória – asseverou um deles – traz alpercatas e os pés
não parecem muito distintos.
-
Tenho ido pregar
no hospício – informou o outro e conheço alguns casos de loucura circular.
O pastor dirigiu-se a Pedro e
declarou, sem rebuços:
-
Pode retirar-se.
Aqui, não posso recebe-lo. Procure o culto no domingo pela manhã.
-
Irmão, não me
expulse assim... rogou Pedro, humilde.
-
Nada posso
prometer-lhe – revidou o ministro, seguro de si – a congregação está longe de
construir o nosso hospital de alienados.
-o-
Vendo-se novamente sozinho, o
ex-pescador Galileu varou largo trecho da via pública e parou à frente de nobre
domicílio.
Bateu, acanhado.
Ao rapazelho que atendeu,
lépido, indagou pelo diretor de importante organização espiritista que ali
residia.
Decorridos alguns instantes, o
dono da casa veio em pessoa, seguido de dois confrades.
À inquirição inicial,
respondeu tímido:
-
Sou Simão Pedro,
o discípulo de Cafarnaum.
Os novos amigos permutaram
expressivo olhar.
O missionário da Nova
Revelação, que o apóstolo procurara, nominalmente, afirmou calmo:
-
Obsessão
evidente. Creio esteja ele atuado por argucioso perseguidor invisível.
-
Um vidente faria
aqui a necessária verificação, acentuou um dos companheiros.
O outro, contudo, mostrando
extensa intimidade com Richet, acrescentou, com algum pedantismo:
-
Tipo inabitual.
Bem provável possa ser aproveitado aos estudos de criptestesia.
Adiantando-se, Pedro implorou:
-
Irmãos, tenho
sede de comunhão fraterna em torno do Cristo, Nosso Senhor. Que me dizem do
trabalho evangélico, na atualidade do mundo?
O principal do grupo
afagou-lhe a destra que se movia suplicante e replicou: - Procure-me na sessão
de sexta-feira, depois das vinte horas. Teremos doutrinação. A cousa vai
melhorar, “meu velho”.
E, gentilmente, deu-lhe
o endereço.
Fechou-se a porta e o
trinco rodou, automático.
-o-
Quem contou a
história,
disse-nos ter visto o antigo discípulo da Galiléia enxugar as lágrimas
a he deslizarem copiosas do rosto e perguntar a esmo, fixando o céu
tranqüilo do
crepúsculo:
-
Senhor, onde
estará pulsando o coração de teus aprendizes?!...
Em seguida, silencioso e
taciturno, o velho pescador pôs-se de novo, a caminho, na direção do mar...
Livro – Histórias e
Anotações – Francisco Cândido Xavier – Irmão X
Digitado por – Valeria
Guida