Essa passagem de Jesus, ocorrida
no horto de Getsêmani,
no Monte das Oliveiras,
também registrada em Marcos
(14:38) e Lucas (22:46), tem sido
ressaltada pelos Espíritos superiores,
ao avaliarem o grau de imperfeição
que nos caracteriza o ser, a
cada oportunidade de encarnação.
Afirma o Espírito Emmanuel,
a esse respeito:
As mais terríveis tentações decorrem
do fundo sombrio de
nossa individualidade. [...]
Renascemos na Terra com as
forças desequilibradas do nosso
pretérito para as tarefas do
reajuste.
Nas raízes de nossas tendências,
encontramos as mais vivas
sugestões de inferioridade.
[...]1
Jesus nos fala a respeito das tentações
e da vigilância em outros
ensinamentos, por exemplo, ao
ser transportado por um Espírito
maléfico ao pináculo do templo e,
depois, ao cume de uma montanha,
sendo importunado pelo gênio
perverso que, desejando tentá-
lo, oferece-lhe todos os reinos
do mundo e a glória que os cerca
em troca de sua lealdade e adoração
às forças do mal (Mateus, 4:1
a 11; Marcos, 1:12 e 13; e Lucas,
4:1 a 13). O episódio é citado em
A gênese com a explicação de Allan
Kardec de que o importante preceito
não teria sido compreendido
na sua qualidade, tendo a credulidade
pública o interpretado, apenas,
como fatos materiais. A análise,
contida na obra citada, foi extraída
da instrução dada pelo Espírito
João Evangelista, recebida em
Bordeaux, no ano de l862, conforme
trecho que se segue:
Jesus não foi arrebatado. Ele apenas
quis fazer que os homens
compreendessem que a Humanidade
se acha sujeita a falir e
que deve manter-se sempre vigilante
contra as más inspirações
a que, pela sua natureza
fraca, é impelida a ceder. A tentação
de Jesus é, pois, uma figura
e fora preciso ser cego para
tomá-la ao pé da letra. [...] O
Espírito do mal não teria nenhum
poder sobre a essência
do bem. [...]2
Inúmeras lições de Jesus chamam
a nossa atenção para não
sermos tentados. Podemos avaliá-
-las do ponto de vista humano,
pois a expressão tentação, para
nós, significa problemas a enfrentar
na luta pessoal por nós travada
para aquisição dos bens que o
mundo nos oferece, a qual é aspiração
justa para a concretização
de uma vida melhor, e das situações
vividas ao lado daqueles que
nos rodeiam. No entanto, há certos
gozos materiais que podem levar-
nos a cometer excessos, o que
Deus permite para testar a nossa
conduta:
Para estimular o homem ao
cumprimento da sua missão e
também para experimentá-lo
por meio da tentação.3
O Criador nos testa a razão e
nos preserva dos descomedimentos
para não sermos vítimas de
circunstâncias alheias à nossa vontade,
fruto das opções equivocadas
que nos agradam. A liberdade
consiste exatamente em escolher
o que nos atrai e influencia.
Possuímos compreensão do
nosso estado moral e das decisões
que tomamos,
de acordo com os
motivos de nossa preferência,
mas que
nem sempre poderão
nos beneficiar espiritualmente?
Que
justificativa buscar
para as infrações às
leis morais que cometemos?
Ao discorrer sobre
o Resumo teórico do
móvel das ações humanas,
Kardec analisa
a questão do livre-
-arbítrio:
Sem o livre-arbítrio
o homem
não teria nem
culpa por praticar
o mal, nem
mérito em praticar
o bem. Isto é
de tal modo reconhecido que a
censura ou o elogio, em nosso
mundo, são feitos à intenção,
isto é, à vontade. Ora, quem diz
vontade, diz liberdade. O homem,
portanto, não poderá
buscar no seu organismo físico
nenhuma desculpa para os seus
delitos, sem abdicar da razão e
da sua condição de ser humano,
para se equiparar aos animais.
[...]4
Outras ideias referentes ao tema
são desenvolvidas no resumo
da questão 872, de O livro dos espíritos,
citado anteriormente, sobretudo
ao destacar o conceito de
fatalidade. Para o Espiritismo, a
fatalidade “existe na posição que o
homem ocupa na Terra e nas funções
que aí desempenha”,4 concorde
com o gênero de existência
que o Espírito escolheu para si, de
prova, expiação ou missão. Desse
modo, sofremos, fatalmente, certos
infortúnios a cada vinda ao
corpo de carne e experimentamos
os efeitos das tendências boas ou
más que nos são peculiares. Nesse
ponto, porém, acaba o inevitável,
pois da nossa vontade depende
ceder ou não a essas inclinações:
[...] Pode deixar de haver fatalidade
no resultado de tais acontecimentos,
visto depender do
homem, pela sua prudência,
modificar o curso das
coisas. Nunca há fatalidade
nos atos da vida
moral.4
É fácil avaliar a situação
moral em que
nos encontramos, especialmente
se identificarmos
os vícios de
que porventura não
estejamos completamente
libertos.
[...] nós os conhecemos
pelas nossas tendências
atuais, e para elas é que
devemos voltar todas as
atenções. Basta saber o
que somos, sem que seja
necessário saber o que
fomos.5
Sem o desejo sério
de nos melhorarmos,
não tomaremos cuidado na urgência
da essencial vigilância. Preocupado
com o futuro de seus discípulos,
por estar próximo ao termo
de sua passagem pelos caminhos
terrenos, Jesus diz para Pedro, no
expressivo diálogo que manteve
com ele, narrado na belíssima obra
Boa nova:
[...] A criatura na Terra precisa
aproveitar todas as oportunidades
de iluminação interior, em
sua marcha para Deus. Vigia o
teu espírito ao longo do caminho.
Basta um pensamento de
amor para que te eleves ao Céu;
mas, na jornada do mundo, também
basta, às vezes, uma palavra
fútil ou uma consideração
menos digna para que a alma do
homem seja conduzida ao estacionamento
e ao desespero das
trevas, por sua própria imprevidência!
Nesse terreno [...], o discípulo
do Evangelho terá sempre
imenso trabalho a realizar [...].6
A tentação, portanto, constitui
um ato moral e a vigilância é consequência
do esforço que fazemos,
de modo a conquistar a humildade,
o desinteresse e a renúncia
de nós mesmos. Entretanto,
nem sempre conseguimos vencer
intimamente. As dificuldades a
enfrentar se originam, principalmente,
de não sabermos distinguir
as manifestações do nosso intelecto,
que funcionam como auxiliar
na reforma íntima, das demonstrações
dos sentimentos, das
emoções e do estado psíquico em
geral, que afetam a nossa estabilidade
interior. A renovação efetiva
depende da disposição total do
Espírito no aproveitamento de todas
as suas possibilidades, na busca
de novas maneiras de ser, de
pensar, de agir, em substituição às
vivências adquiridas em suas existências
anteriores. Quantos de
nós, intelectualmente favorecidos
pela razão e pelo saber, não conseguimos
vencer as lutas morais
oferecidas pela misericórdia divina,
por não aceitarmos as verdades
eternas do Evangelho de Jesus
que, se aplicadas, poderiam amenizar
os sofrimentos e as decepções
dos tempos atuais?
Se todos os homens pensassem
de forma consciente em Deus, não
cometeriam tantos erros! Em nota
a uma das questões de O livro dos
espíritos, Kardec alerta-nos sobre a
incapacidade do homem de entender
a plenitude infinita de Deus:
A inferioridade das faculdades
do homem não lhe permite
compreender a natureza íntima
de Deus. Na infância da Humanidade,
o homem o confunde
muitas vezes com a criatura, cujas
imperfeições lhe atribui; mas, à
medida que nele se desenvolve o
senso moral, seu pensamento
penetra melhor no âmago das
coisas; então ele faz da Divindade
uma ideia mais justa e mais
conforme à sã razão, embora
sempre incompleta.7
Por isso, avançamos nas descobertas
e nos estudos das várias
ciências e religiões utilizadas pelo
homem, mas ainda nos colocamos
num campo de vulgaridades, incapazes
de valorizar as riquezas espirituais
que nos cercam. O Espírito
André Luiz transmite, em um
de seus livros, a palavra sensata de
Alexandre, instrutor devotado, em
uma sessão de estudos mediúnicos,
que traz apreciações interessantes
sobre as concepções existentes
a respeito da obra divina:
[...] Desde o primeiro dia de
razão na mente humana, a
ideia de Deus criou princípios
religiosos, sugerindo-nos as
regras de bem-viver. Contudo,
à medida que se refinam conhecimentos
intelectuais, parece
que há menor respeito no
homem para com as dádivas
sagradas. [...]8
Peçamos a Deus a força necessária
para vencermos a nós mesmos,
conforme a oração dominical,
ensinada por Jesus, ao rogar
sinceramente: “E não nos deixes
cair em tentação, mas livra-nos
do mal”. (Mateus, 6:13; Lucas,
11:4.)
1 XAVIER, Francisco C. Fonte viva. Pelo Espírito
Emmanuel. 3. reimp. Rio de Janeiro:
FEB, 2011. Cap. 110.
2 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. 1. reimp. Rio de Janeiro:
FEB, 2011. Cap. 15, it. 53, p. 438.
3 ______. O livro dos espíritos. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp.
Rio de Janeiro: FEB, 2011. Q. 712.
4 ______. ______. Q. 872.
5 ______. O céu e o inferno. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. 1. reimp. Rio de Janeiro:
FEB, 2011. Pt. 2, cap. 6, it. Jacques Latour,
p. 455.
6 XAVIER, Francisco C. Boa nova. 3. ed. 5.
reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 21.
7 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos.
Trad. Evandro Noleto Bezerra. Comentário
de Allan Kardec à q. 11.
8 XAVIER, Francisco C. Missionários da luz.
Pelo Espírito André Luiz. 3. ed. especial.
3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010.
Cap. 4, p. 41.
Revista O Reformador Janeiro de 2013
Revista O Reformador Janeiro de 2013