Herculano Pires
“Por que o Espiritismo se apresenta como a Terceira
Revelação, se sabemos que houve muito mais do que três revelações no mundo?
Kardec não sabia disso?”
Kardec sabia, perfeitamente. Mas acontece o seguinte: as
numerosas revelações que houve no mundo, desde a época primitiva, entre os
povos primitivos, podemos classificar como as revelações entre os homens da
caverna, porque sabemos que os mesmos, como crianças que se iniciavam na vida,
tiveram os seus preceptores, aqueles Espíritos superiores que cuidaram deles e
os orientaram.
Todas essas revelações têm um sentido preparatório, no tocante
a uma revelação de importância fundamental para o desenvolvimento da civilização,
que foi a revelação Mosaica, que, como sabemos, deu origem à Bíblia – a Bíblia
dos judeus, que é também a Bíblia dos Cristãos. Porque o Cristianismo é uma
reforma do Judaísmo, feita por Jesus, que era judeu. Essa revelação é de
importância fundamental, porque estabelecia uma modificação muito profunda nos
conceitos sobre Deus e o homem, sobre a vida na Terra e o destino do próprio
homem.
A respeito de Deus, podemos acentuar um ponto capital: enquanto
as revelações, ocorridas nas diversas partes do mundo, nos davam uma idéia de
Deus como distanciado do homem, alguém que houvesse, por assim dizer, criado o
mundo e depois pouco se tivesse importado com ele, a revelação judaica nos
mostra um Deus providencial. É aquilo que estudam os filósofos e se chama
providencialismo.
O providencialismo judeu modificou por completo o conceito de
Deus. Deus não está ausente do mundo; Deus está presente; Deus faz a História.
Ora, Deus, em fazendo a História, a sua participação no mundo dos homens é
permanente, é constante. Essa primeira modificação é de uma importância
decisiva. É para o homem uma concepção de Deus mais consentânea com a realidade
daquilo que nós chamamos, hoje, a estrutura unitária do Universo.
Além disso, a revelação Mosaica nos deu a idéia de que Deus
havia criado o mundo, não se servindo de material já existente, mas produzindo,
ele mesmo, os materiais necessários. É o dogma bíblico da criação a partir do
nada. Deus não criou o mundo do nada. O nada parece não ter condições para dar
elemento algum a Deus, para que Ele pudesse criar o mundo. O nada bíblico, como
nós o entendemos, na sua significação mais profunda, é como o nirvana de Buda,
que parece ser o nada, a negação de tudo o que existe. Um nada apenas simbólico;
um nada relativo; um nada em relação ao tudo que consideramos na Terra.
A matéria e todas as conseqüências da matéria, na vida
terrena, não existem, no mundo espiritual superior. Então, vem daí a designação
do nada. Além desse ponto, que é de importância fundamental para a compreensão
do Universo e do processo criador de Deus, temos ainda um outro aspecto na
revelação Mosaica, que é fundamental. Enquanto entre os povos das diversas
religiões do mundo, não só mitológicas de que são exemplos típico e clássico as
mitologias grega e romana, mas sim todas as religiões da Antigüidade, as
revelações dessas religiões colocavam o problema de Deus numa situação múltipla.
Havia deuses múltiplos, para todos os setores da natureza e para todos os
aspectos da atividade humana. Alguns desses deuses sobreviveram até o nosso
tempo. Hoje, quando falamos em Mercúrio, estamos nos referindo ao deus do
comércio. Estamos voltando o nosso pensamento para os primórdios do
desenvolvimento das religiões na Terra, e assim por diante.
A revelação Mosaica firmou a idéia do Deus único. Nasceu com
ela o monoteísmo. Deus é um só. Isso foi de grande importância para a
humanidade, porque mostrou que a humanidade havia atingido um plano de evolução
mental capaz de encarar o Universo como um processo total, de maneira global;
não só provou isto, como trouxe conseqüências sociais muito importantes. Quando
nos lembramos de que no passado os povos tinham os seus deuses particulares,
por exemplo, os egípcios, os babilônios, os gregos, os indianos e os judeus,
que tinham seu Deus pessoal, Iavé, vemos que esses deuses, representando os
protetores especiais de um desses povos e até mesmo seus criadores, estabeleciam
diferenças fundamentais entre as raças, entre os povos.
Essas diferenças incentivavam as guerras de conquistas, de
dominação e escravização dos povos. Os judeus, por exemplo, foram escravizados
na Babilônia e no Egito; os gregos foram escravizados pelos romanos e assim por
diante, porque quando Júpiter, o deus dos romanos, conseguiu vencer a batalha
contra Zeus, o deus dos gregos, isso mostrou que o deus dos romanos era mais
poderoso e o povo grego teve que se submeter, então, ao domínio e à escravização
do povo romano.
Assim, a idéia do Deus único vinha abrir nova compreensão
entre os homens, no sentido de uma maior possibilidade de harmonia entre as
nações e os povos. Isso não quer dizer que as guerras se acabariam imediatamente,
porque as mesmas têm vários motivos e elas continuam até os nossos dias. Mas
aquelas guerras absolutas, do passado, em que o povo dominador tinha todos os
direitos sobre o povo dominado, mudaram completamente de aspecto. Os povos
conquistadores viam-se obrigados a respeitar, daí por diante, os outros povos,
considerando que eles, embora subjugados temporariamente pela força, não
obstante eram também filhos do mesmo Deus, que dera força ao povo conquistador.
Dessa maneira e graças a essas revelações especiais da
revelação Mosaica, ela se tornou uma revelação de importância fundamental para
o desenvolvimento da civilização no mundo. Por outro lado, a revelação Mosaica
anunciava a vinda do Messias; a vinda de Jesus; a vinda do Cristo;
conseqüentemente, essa revelação era também profética e já determinava uma
relação entre ela e a próxima revelação que surgiria, ou seja, a vinda do Cristo.
Foi por isso que Kardec adotou a tese das três revelações fundamentais:
•
primeira – a revelação judaica;
•
segunda – a revelação cristã;
•
terceira – a revelação espírita, que está
prometida no Evangelho de Jesus.
Quando lemos, por exemplo, o capítulo 16 do Evangelho de
João, encontramos a promessa do Consolador, do Espírito de Verdade, do
Parácleto, que é aquele que virá restabelecer a verdade do destino do Cristo
sobre o destino do homem na Terra. É aquela revelação que vem, ao mesmo tempo,
completar a revelação cristã, a segunda revelação. É por isso, então, que
Kardec chamou o Espiritismo de Terceira Revelação.