Trecho de uma história para refletirmos sobre o que é uma dívida agravada e a importância de não desanimarmos em nossas lutas diárias para o nosso aperfeiçoamento e harmonização com os nossos irmãos de jornada evolutiva.
Do capítulo " Dívida Agravada"
[...]Nesse ponto da conversação, fomos
interrompidos por dezenas de braços ressequidos a implorarem socorro.
Silas fitava-os, compadecido, mas
sem se deter, até que nosso passo foi cortado por apressada mulher,
exclamando, ansiosa:
-Assistente Silas! Assistente
Silas!...
Nosso amigo identificou-a,
porque, parando de súbito, estendeu-lhe a destra amiga, murmurando:
-Luísa, a que vens?
Defrontavam-se em ambos a
curiosidade e a aflição.
A senhora desencarnada, com
sinais de irreprimível angústia, gritou sem preâmbulos:
-Socorro!...Socorro!...Minha
filha, minha pobre Marina esmorece...Tenho lutado com todas as minhas
forças para furta-la ao suicídio, mas agora me sinto enfraquecida e
incapaz...
Os soluços sufocaram-lhe a
garganta, inibindo-lhe a voz.
-Fala! – disse o orientador de
nossa excursão, em tom imperativo, como se o alarme daquele instante lhe
obscurecesse a serenidade mental, imprescindível ao entendimento da nova
situação.
A infeliz ajoelhada agora ergueu
os olhos lacrimosos e suplicou:
-Assistente pordoe-me a
insistência em falar-lhe de meu infortúnio, mas sou mãe...Minha
desventurada filha pretende matar-se esta noite, comprometendo-se, ainda
mais, com as trevas da sua consciência!...
Silas aconselhou-lhe a volta ao
lar terreno, como lhe fosse possível, e, dando-nos as mãos, promoveu a
viagem rápida para o objetivo a que devíamos atender.
Em caminho, informou:
-Trata-se de companheira da
Mansão, reencarnada há quase trinta anos, sob os auspícios de nossa casa,.
Prestar-lhe-emos o necessário auxílio, ao mesmo tempo em que vocês poderão
examinar um problema de débito agravado.
Notando que o nosso amigo entrara
em silêncio, meu colega externou:
-É impressionante observar o
número de mulheres em trabalho de oração e assistência nessas paragens...
Preocupado qual se achava, nosso
generoso companheiro tentou ensaiar um sorriso que lhe não chegou aos
lábios, e juntou:
-Grande verdade...Raras esposas e
raras mães demandam às regiões felizes sem os doces afetos que acalentam
no seio...O imenso amor feminino é uma das forças mais respeitáveis na
Criação divina.
Todavia, não houve mais tempo
para qualquer outra divagação.
Atingíramos no plano físico;
pequena moradia constituída de três peças desativadas e estreitas.
O relógio acusava alguns minutos
depois de zero hora.
Acompanhando Silas, cuja presença
deslocou diversas entidades da sombra que ali se ajuntavam com a manifesta
intenção de perturbar, ingressamos num quarto humilde.
Percebemos, sem palavras, que o
problema era efetivamente desolador.
Junto de jovem senhora agoniada e
exausta, uma menina de dois a três anos choramingava, inquieta...
Via-se-lhe nos olhos esgazeados e inconscientes o estigma dos que foram
marcados por irremediável sofrimento ao nascer.
Contudo, através da preocupação
indisfarçável de Silas, era fácil reconhecer que a pobre senhora era o
caso mais urgente para os nossos cuidados.
A infeliz, de joelhos, beijava
sofregamente a pequenina, mostrando a indefinível angústia dos que se
despedem para sempre.
Logo após, em movimento rápido,
tomou de um copo em que se encontrava beberagem cujo teor tóxico não nos
deixava qualquer dúvida. Antes, porém de cola-lo à boca em febre, eis que
o Assistente lhe disse em voz segura:
-Como podes pensar na sombra da
morte, sem a luz da oração?
A desventurada não lhe ouvia a
pergunta com os tímpanos de carne, mas a frase de Silas invadiu-lhe a
cabeça qual rajada violenta.
Lampejaram-lhe os olhos novo
brilho e o copo tremeram-lhe nas mãos, agora indecisas.
Nosso orientador estendeu-lhe os
braços envolvendo-a em fluídos anestesiantes de carinho e bondade.
Marina, pois era ela a irmã para
quem aflito coração materno suplicara socorro, dominada de novos
pensamentos, recolocou o perigoso recipiente no lugar primitivo e, sob a
vigorosa influência do diretor de nossa excursão, levantou-se
automaticamente e estirou-se ao leito, em prece...
-“Deus meu, Pai de Infinita Bondade –
Implorou em voz alta -, compadece-te de mim e perdoa-me o fracasso! Não
suporto mais... Sem minha presença, meu marido viverá mais tranqüilo no
leprosário e minha desventurada filhinha encontrará corações caridosos que
lhe dispensem amor... Não tenho mais recursos... Estou doente... Nossas
contas esmagam-me... Como vencer a enfermidade que me devora, obrigada a
costurar sem repouso, entre o marido e a filhinha que me reclamam
assistência e ternura?...”
Silas administrava-lhe passes magnéticos
de prostração e, induzindo-a a ligeiro movimento do braço, fez que ela
mesma, num impulso irrefletido, batesse com força no copo fatídico, que
rolou no piso do quarto, derramando o líquido letal.
Em lágrimas copiosas, a pobre
criatura insistiu, desolada:
-Ó Senhor, compadece-te de mim!...
Reconhecendo no próprio gesto impensado a
manifestação de uma força estranha a entravar-lhe a possibilidade da morte
deliberada naquele instante, passou a orar em silêncio, com evidentes
sinais de temos e remorso, atitude mental essa que lhe acentuava a
passividade e da qual se valeu o Assistente para conduzi-la ao sono
provocado.
Silas emitiu forte jacto de
energia fluídica sobre o córtex encefálico dela, e a moça, sem conseguir
explicar a si mesma a razão do torpor que lhe invadia o campo nervoso,
deixou-se adormecer pesadamente, qual se houvera sorvido violento
narcótico.
O Assistente interrompeu a
operação socorrista e falou-nos bondoso:
-Temos aqui asfixiante problema
de contra agravada.
E designando a jovem mãe, agora
extenuada, continuou:
-Marina veio de nossa Mansão para
auxiliar a Jorge e Zilda, dos quais se fizera devedora. No século passado,
interpôs-se entre os dois, quando recém-casados, impelindo-os a
deploráveis, leviandades que lhes valeram angustiosa demência no Plano
Espiritual. Depois de longos padecimentos e desajustes, permitiu o Senhor
que muitos amigos intercedessem, junto aos Poderes Superiores, para que se
lhes recompusesse o destino, e os três renasceram no mesmo quadro social,
para o trabalho regenerativo. Marina, a primogênita do lar de nossa irmã
Luísa, recebeu a incumbência de tutela a irmãzinha menor, que assim se
desenvolveu ao calor de seu fraternal carinho, mas, quando moças feitas,
há alguns anos, eis que, segundo o programa de serviço traçado antes da
reencarnação, a jovem Zilda reencontra Jorge e reatam, instintivamente, os
elos afetivos do pretérito. Ama-se com fervor e confia-se ao noivado.
Marina, porém, longe de corresponder às promessas esposadas no Mundo
Maior, pelas quais lhe cabia amar o mesmo homem, no silêncio da renúncia
construtiva, amparando a irmãzinha, outrora repudiada esposa, nas lutas
purificadoras que a atualidade lhe ofertaria, passou a maquinar projetos
inconfessáveis, tomada de intensa paixão. Completamente cega e surda aos
avisos de sua consciência, começou a envolver o noivo da irmã em larga
teia de seduções e, atraindo para o seu escuso objetivo o apoio de
entidades caprichosas e enfermiças, por intermédio de doentios desejos,
passou a hipnotizar o moço, espontaneamente, com o auxílio dos vampiros
desencarnados, cuja companhia aliciara sem perceber... E, Jorge,
inconscientemente dominado, transferiu-se do amor por Zilda à simpatia por
Marina, observando que a nova afetividade lhe crescia assustadoramente no
íntimo, sem que ele mesmo pudesse controlar-lhe a expansão...Decorridos
breves meses dedicavam-se ambos a encontros ocultos, nos quis se
comprometeram um com o outro na maior intimidade...Zilda notou a
modificação do rapaz, mas procurava, desculpar-lhe a indiferença à conta
de cansaço no trabalho e dificuldades na vida familiar. Todavia, em
faltando apenas duas semanas para a realização do consórcio, surpreende-se
a pobrezinha com a inesperada e aflitiva confissão... Jorge expõe-lhe a
chaga que lhe excrucia o mundo interior... Não lhe nega admiração e
carinho, mas desde muito reconhece que somente Marina deve ser-lhe a
companheira no lar. A noiva preterida sufoca o pavoroso desapontamento que
a subjuga a, aparentemente, não se revolta. Ms, introvertida e
desesperada, consegue na mesma noite do entendimento a dose de formicida
com que põe termo à existência física. Alucinada de dor, Zilda
desencarnada foi recolhida por nossa irmã Luísa, que já se achava antes
dela em nosso mundo, admitida na Mansão pelos méritos maternais. A
genitora desditosa rogou o amparo de nossos Maiores. Na posição de mãe,
apiedava-se de ambas as jovens, de vez que a filha traidora, aos seus
olhos era mais infeliz que a filha escarnecida, embora esta última
houvesse adquirido o grave débito dos suicidas, em seu caso atenuado pela
alienação mental em que a moça se vira, sentenciada sem razão a
inqualificável abandono... Examinado o assunto, carinhosamente, pelo
Ministro Sânzio, que conhecemos pessoalmente, determinou ele que Marina
fosse considerada devedora em contra agravada por ela mesma. E, logo após
a decisão, providenciou a fim de que Zilda fosse recambiada ao lar para
receber aí os cuidados merecidos. Marina falhara na prova de renúncia em
favor da irmã que lhe era credora generosa, mas condenara-se ao sacrifício
pela mesma irmãzinha, agora imposta pelo aresto da Lei ao seu convívio na
situação de filha terrivelmente sofredora e imensamente amada. Foi assim
que Jorge e Marina, livres, casaram-se, recolhendo da Terra a comunhão
afetiva pela qual suspiravam; entretanto dois anos após o enlace,
receberam Zilda em rendado berço, como filhinha estremecida. Ms... Desde
os primeiros meses do rebento adorado, identificaram-lhe as dolorosas
prova. Zilda, hoje chamada Nilda, nasceu surda-muda e mentalmente
retardada, em conseqüência do trauma perispirítico experimentado na morte
por envenenamento voluntário. Inconsciente e atormentada nos refolhos do
ser pelas recordações asfixiantes do passado recente chora quase que dia e
noite... Quanto mais sofre, porém, mais ampla ternura recolhe dos pais que
a amam com extremados desvelos de compaixão e carinho... A vida corria-lhe
regularmente, não obstante atribulada pelas provas naturais do roteiro,
quando, há meses, Jorge foi apartado para o leprosário, onde se encontra
em tratamento. Desde então, entre o esposo doente e a filhinha infeliz,
Marina, em seu débito agravado, padece o abatimento em que a encontramos,
martelada igualmente pela tentação do suicídio.
Silenciou o Assistente.
Achávamo-nos, eu e o Hilário,
assombrados e comovidos.
O problema era doloroso do ponto
de vista humano, contudo encerrava precioso ensinamento da Justiça Divina.
Silas acariciou a moça prostrada
e acentuou:
-Auxiliar-nos-á o Senhor para que
se recupere e reanime.
Nesse instante, a irmã Luísa
penetrou no recinto entre deprimida e ansiosa.
Inteirou-se de todas as
ocorrências e agradeceu, enxugando as lágrimas.
Silas, no entanto, interessado em
conduzir o socorro até ao fim, administrou novos recursos magnéticos à
mãezinha debilitada, e então presenciamos um quadro inesquecível.
Marina ergueu-se em Espírito
sobre o corpo somático e pousou em nós o olhar vago e inexpressivo...
Nosso diretor, porém, com o
despertar-lhe as percepções do Espírito, afagaram-lhe as pupilas, com as
mãos aureoladas de fluídos luminescentes e, de repente, à maneira do cego
que retorna à visão, a pobre criatura viu a genitora que lhe estendia os
braços amigos e carinhosos. Com lágrimas a lhe correrem dos olhos,
refugiou-se-lhe no regaço, gritando de alegria:
-Mãe! Minha mãe!...Pois és tu?
Luísa acolheu-a docemente no colo
afetuoso, qual se o fizesse a uma criança doente e, mal reprimindo a
emoção, falou-lhe, triste:
-Sim, filha querida; sou eu, tua
mãe!... Rendamos graças a Deus por este minuto de entendimento.
E, beijando-a ternamente, embora
aflita, continuou:
-Por que o desânimo, quando a
luta apenas começa? Ignoras que a dor é a nossa custódia celestial? Que
seria de nós, Marina, se o sofrimento não nos ajudasse a sentir e
raciocinar para o bem? Regozija-te no combate que nos acrisola e salva
para a obra de Deus... Não convertas o amor em inferno para ti mesma e nem
creias consigas aliviar o esposo e a filhinha com a ilusão da fuga
impensada. Lembra-te de que o Senhor transforma o veneno de nossos erros
em remédio salutar para o resgate de nossas culpas... As enfermidades de
nossas Jorge e as provações de nossa Nilda constituem não somente o
caminho abençoado de elevação para eles mesmos, mas igualmente para teu
espírito que se lhes associa à experiência na trama da redenção!...
Aprende a sofrer com humildade para que a tua dor não seja simplesmente
orgulho ferido... Que fizeste do brio de mulher e do devotamento de mãe?
Olvidaste o culto da oração que o lar te ensinou? Enganaste-te, assim
tanto, para abraçar a covardia como glória moral? Ainda é tempo!...
Levanta-te, desperta, luta e vive!... Vive para recuperar a dignidade
feminina que tisnaste coma nódoa da traição...Recorda a irmãzinha que
partiu, acabrunhada ao peso do fardo de aflição que lhe impuseste, e paga
em desvelo e sacrifício, ao pé da filhinha doente, a conta que deves à
Eterna Justiça!... Humilha-te e resgata a própria consciência, com o preço
da expiação dolorosa, mas justa...Trabalha e serve, esperando em Jesus,
porque o Divino Médico te restituirá a saúde do esposo, para que, juntos,
possamos conduzir a pequenina enferma ao porto da necessária restauração.
Não penses estar sozinha, nas longas e ermas noites em que te divides
entre a vigília e a desolação!...Comungamos os mesmos sonhos, partilhamos
as mesmas lutas!... Que paraíso haverá para os corações maternos que
choram, além do túmulo, senão a presença dos filhos abençoados, embora
esses muitas vezes lhes ocasionam longos dias de angústia? Compadece-te de
mim, tua mãe, por enquanto, sentenciada ao sofrimento pelo amor com que te
ama!...
Calou-se Luísa, pois que
singultos incessantes lhe abafaram a voz.
Marina, agora, ajoelhada e
lacrimosa, osculava-lhe as mãos, clamando em súplica:
-Mãe querida, perdoa-me!
Perdoa-me!...
Luísa ergueu-a com esforço e,
dando-nos idéia dos calvários maternais que costumam prender as grandes
mulheres, depois da morte, conduziu-a em passos vacilantes até à criança
enferma e, acarinhando a fronte da pequenina, empapada de suor, implorou,
humilde:
-Filha querida, não procure a
porta falsa da deserção... Vive para tua filhinha, como permite o Senhor
para eu continuar vivendo por ti...
A moça, renovada, rojou-se sobre
a menina triste, mas, como se a emotividade daquela hora lhe sufocasse a
mente desperta, foi repentinamente atraída pelo corpo de carne, como o
grânulo de ferro pelo imã, e vemo-la acordar, em pranto copioso, bradando,
inconsciente:
-Minha filha!...Minha filha!...
O Assistente, respeitoso,
despediu-se de Luísa e afirmou:
-Louvado seja Deus! Nossa Marina
ressurge, transformada.
Afastamo-nos sem palavras.
Lá fora, no céu, nuvens distantes
coroavam-se de luz aos clarões purpúreos da aurora e, de alma embriagada
de reconhecimento e esperança, meditei na Infinita Bondade de Deus, que
faz raiar, depois de cada noite, a bênção do novo dia.
Livro: Ação e Reação
André Luiz , espírito e psicografado por Chico Xavier
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