Justiça Humana e Justiça Divina
Autor: Rodolfo Calligares
O
capítulo II da Constituição Brasileira, que trata “dos direitos e das
garantias individuais”, em seu art. 141, § 30 e 31, consagra dois
princípios altamente humanitários, que vale a pena analisar e comparar
com dois dogmas fundamentais das igrejas ditas cristãs.
Reza o citado § 30: “Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente.”
Isto quer dizer que no Brasil, como de resto em todos os países
civilizados do mundo, qualquer pena (punição que o Estado impõe ao
delinquente ou contraventor, por motivo de crime ou contravenção que
tenha cometido, com a finalidade de exemplá-lo e evitar a prática de
novas infrações) só poderá recair sobre o culpado, não podendo, em
hipótese alguma, alcançar outra(s) pessoa(s).
Exemplifiquemos: se um indivíduo cometer um crime, pelo qual seja
sentenciado a uns tantos anos de prisão celular, mas venha a escapulir,
sem que as autoridades policiais consigam apanhá-lo, ou faleça antes de
haver cumprido toda a pena, não pode o Estado trancafiar um seu parente
(filho, neto, etc.) para que cumpra ou resgate o final do castigo
imposto a ele, criminoso.
Aliás, se o fizesse, passaria a si mesmo um atestado de despotismo e
provocaria os mais veementes protestos, pois repugna às consciências
esclarecidas admitir que “o inocente pague pelo pecador”.
Essa noção de intransferibilidade de méritos e deméritos, já a tinham
os profetas do Velho Testamento. O cap. 18 de Ezequiel, v. g., versa
exclusivamente esse ponto. Ali se diz que se um homem for bom e obrar
conforme a equidade e a justiça, mas venha a ter algum filho ladrão, que
derrame sangue ou cometa outras faltas abomináveis, este terá que arcar
com as consequências de seus delitos, de nada lhe valendo as boas
qualidades paternas.
Da mesma sorte, se um homem não guardar os preceitos divinos, se for um
grande pecador, mas o filho “não fizer coisas semelhantes às que ele
obrou”, não responderá pelos desacertos do pai. E conclui (v. 20):
“A alma que pecar, essa morrerá: o filho não carregará com a iniquidade
do pai, e o pai não carregará com a iniquidade do filho; a justiça do
justo será sobre ele, e a impiedade do ímpio será sobre ele.”
Claríssimo, pois não?
No entanto, tomando por base uma alegoria do Gênesis (cap. 3), cuja
interpretação foge ao objetivo deste trabalho, — a Teologia engendrou e
vem sustentando, através dos séculos, o dogma do “pecado original”,
segundo o qual todos os homens, gerações pós gerações, inclusive
aqueles que virão a nascer daqui a séculos ou milênios, são atingidos
inexoravelmente por uma falta que não é sua!
Ora, mesmo que a referida alegoria bíblica (tentação de Eva e queda do
homem) fosse um fato histórico, real, que culpa teríamos nós outros, da
desobediência praticada por “nossos primeiros pais” num passado cuja
ancianidade remonta à noite dos tempos?
Se a responsabilidade pessoal é princípio aceito universalmente; se
nenhum Código Penal do mundo admite que se puna alguém por um crime
praticado por seus ancestrais; como poderia Deus castigar-nos por algo
de que não fomos participantes, ou melhor, que teria ocorrido quando
nem sequer existíamos?
Não é possível!
Se Deus nos criasse, mesmo, com esse estigma, expondo-nos,
consequentemente, às muitas misérias da alma e do corpo, por causa do
erro de outrem, então a Justiça Divina seria menos perfeita que a
justiça humana, posto que esta, como vimos, não permite tal aberração.
Como é óbvio, o Criador hão pode deixar de ser soberanamente justo e
bom, pois sem esses atributos não seria Deus. E como o dogma do “pecado
original” não se coaduna com a Bondade e a Justiça Divinas, não há como
fugir à conclusão, de que é falso e insustentável, sendo cada um
responsável apenas pelos seus próprios atos, e não pelos deslizes de
seus avoengos, ainda que eles se chamem Adão e Eva...
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