Fidelidade a Kardec
Autor: Deolindo Amorin
Uma
observação muito criteriosa de Allan Kardec, feita na Introdução de "O
Livro dos Espíritos", portanto, vamos dizer assim, no frontispício da
própria Doutrina, diz bem da seriedade com que devem os estudos
espíritas ser realizados; refiro-me à assertiva de que, se para
adquirir, um sábio, o conhecimento de uma ciência particular, precisa
ele de, pelo menos, três quartos da vida, quanto não mais se carecerá
para que se aprenda o Espiritismo, que diz respeito ao conhecimento da
ciência da vida. Outra declaração de Kardec que não deve ser esquecida
diz respeito à importância da revelação do mundo espiritual, cujas
conseqüências são por si mesmas maiores e mais revolucionárias do que a
descoberta dos microrganismos. Evidentemente, não se pode abeirar da
Doutrina e procurar compreendê-la, num abrir e fechar de olhos, como se
tratasse de um magazine, de história em quadrinhos, ou se se pudesse
aprender seus princípios e deduzir suas conseqüências através de leitura
dinâmica. Não pode ser assim. O universo que o Espiritismo toca, o
conjunto de interesses que ele desperta, as dificuldades naturais
provenientes da extensão dos conhecimentos e as relações que mantém com
as ciências, tudo isto demonstra o vasto campo de observações que ele
oferece ao estudioso, devendo, assim, despertar o interesse mesmo
daqueles que não são espíritas, ou porque adotam outros princípios
filosóficos e religiosos, ou porque ainda não se inclinaram
definitivamente por nenhum deles.
Afinal de contas, a revelação espírita é bem uma revolução no campo das
idéias, porque representa uma total mudança de perspectiva da própria
vida, a descoberta de um mundo mais invisível do que o dos
microrganismos, a afetar diretamente não só a compreensão do humano, que
agora se torna também o espiritual, mas as próprias relações humanas
que se revelam influenciadas, de um modo concreto, por um mundo novo até
então considerado abstrato. Não há como negar. Sem dúvida a descoberta
do Mundo Invisível impõe uma revolução integral das idéias, o que
permite compreender a resistência que certos cientistas demonstraram na
aceitação dos fenômenos espíritas, pois esta lhes custaria a derrubada
do edifício materialista em que se acomodam: a história nos revela que
se chegou ao cúmulo de sugerir-se a formação de um complô para negar a
verdade, ainda que os fenômenos pesquisados viessem a mostrar-se
autênticos durante as investigações.
Realmente, temos aí um mundo muito mais importante, mais revelador, mais
revolucionário do que a descoberta das Américas em seu tempo ou as
conquistas espaciais de hoje. Afinal, as viagens interplanetárias
revelar-nos-ão outros mundos de matéria idêntica à nossa, ainda que de
constituições diversas, enquanto o chamado Mundo Invisível leva-nos o
pensamento e as pesquisas para dimensões insuspeitadas, abrindo um leque
infinito, à nossa frente, de possibilidades de vida, das quais só
paulatinamente o homem poderá ir tomando conhecimento.
É ou não é verdade que as conseqüências são muito maiores do que a
descoberta dos microrganismos, apesar da importância que representou
esta para a compreensão da vida e dos processos patológicos que se
desenvolvem nos corpos físicos? Em face disto, somos levados
evidentemente a admirar-nos de certo dogmatismo que, vez por outra,
corre nas veias do movimento espírita como sangue estranho a
envenenar-lhe a vida. Neófitos e mesmo companheiros que há muito tempo
perlustram as avenidas da Doutrina, recolhem-se e encolhem-se em
posições fechadas como se já se tivessem tornado senhores de todo o
saber espírita e pudessem dizer a última palavra. À força de defenderem
Kardec, acabam por ir de encontro à sua obra, porque se constitui em uma
verdade indiscutível, que não pode ser negada, o horror do mestre
lionês a todas as formas de dogmatismo. Ele não só colocava seu trabalho
ao julgamento da crítica, ao lado de outros sistemas existentes ou que
pudessem advir, mas destacava que a ortodoxia espírita jamais poderia
formar-se em torno de um nome, e muito menos do seu que rejeitava o
papel de fundador do Espiritismo, indicando o caminho certo da
universalidade do ensino, sempre submetido ao controle da razão, e a
possível modificação da Doutrina todas as vezes que a ciência
demonstrasse o erro de quaisquer dos seus pontos. Deseja-se algo mais
livre, mais aberto, mais isento de dogmatismo e de fanatismo?
Infelizmente, em muitas oportunidades, vemos adeptos da Doutrina, à
custa de forcejarem na criação de uma ortodoxia, violentarem o próprio
ensino do mestre, apesar de se apresentarem como seus defensores. Ora,
nisto separam-se, em realidade, até das perspectivas do próprio
movimento espírita que é coletivo desde sua origem; ou seja, Kardec não
aceitou a mensagem de um só Espírito, por mais alta fosse sua gradação,
para constituir a base doutrinária; preferiu um caminho mais difícil,
porém mais seguro, interrogando Espíritos de variadas categorias,
fazendo um trabalho de campo digno de um sociólogo. Não se limitou ele a
saber o que pensavam os Espíritos mais esclarecidos, nem o que sentiam
ou percebiam; investigou também junto, vamos dizer assim, às classes
mais baixas da sociedade espiritual, para que pudesse obter um
conhecimento de primeira mão acerca de particularidades a elas
atinentes. Espíritos já bastante desmaterializados, que, pela sua
elevação espiritual, não tinham contato diário com a Terra ou, para
melhor dizer, com estas esferas mais próximas da Terra, não poderiam
fornecer as informações por não sofrerem na pele, como se costuma dizer,
as dificuldades; falariam de algo, de uma situação que não mais viviam,
e, por isso, Kardec optou pelo conhecimento direto. Tal procedimento
constitui-se em um fato muito importante, embora desconhecido ou ao
menos descuidado da maioria dos espíritas, que o olvidam no estudo da
Doutrina, embora Kardec o tivesse levado em conta na própria formulação
de "O Livro dos Espíritos" que registra respostas das mais diversas
procedências. Kardec não era pois um dogmático, e não podemos, em seu
nome, ou em defesa do patrimônio espiritual que nos legou, tornarmo-nos
dogmáticos, qualquer que seja a esfera de atuação em que estejamos,
enfaixados ou desenfaixados do corpo físico.
Um ponto muito esquecido é o da relatividade dos Espíritos que
geralmente se comunicam e o fato de possuírem muitas vezes opiniões
contrárias umas ás outras; são opiniões pessoais que não desdoiram o
Espiritismo, pois isto nos mostra que eles continuam pensando livremente
e que, do lado de cá, também se respeitam as idéias ainda quando se
mostrem errôneas - é o direito de livre opinião e de livre investigação.
Não registrou Kardec divergências entre os espíritos que afirmavam a
ligação da alma ao corpo no momento do nascimento e no momento da
concepção, daqueles que defendiam as idéias fixistas ao contrário de
outros francamente evoluvionistas, e também não registrou a existência
de Espíritos que defendiam a teoria da incrustação planetária na
formação da terra e a teoria da lua ovóide, etc., mostrando as
diferenças existentes no mundo dos Espíritos? Não se mostrou ele
contrário às teorias aceitas por Roustaing, resistindo mesmo às críticas
acerbas que este lhe fez? Aí está como agiu realmente o mestre. Mas,
apesar de tudo, não colocava a sua opinião acima das dos demais. Como
esquecer estas coisas e criar uma ortodoxia que, a despeito de utilizar o
nome de Kardec, é feita em torno do pensamento de um indivíduo ou de um
grupo? Estarão estas pessoas recebendo as únicas comunicações realmente
aceitáveis?
Há um outro ponto também muito esquecido. A Doutrina Espírita resultou
dos estudos de Kardec, mas os ensinos coletados por ele sofreram
inicialmente a verificação com o auxílio de mais de dez médiuns, em
núcleos diferentes, foi ele quem o disse. Este cuidado do mestre visou
evitar influências a que os médiuns estão submetidos pelo contato com os
Espíritos que os dirigem - são as "colunas espirituais" de que nos
falou ele em "O Livro dos Médiuns", capazes de, com sua influência,
alterar, uma resposta dada, por um Espírito alheio à mesma; é que, como
ensina André Luiz, a capacidade conceptual do médium resulta, também, do
contato mais ou menos íntimo que possa ter com o seu mentor ou
responsável pela tarefa mediúnica. Mas, como dizia, Kardec teve esse
cuidado, e depois, no desenvolvimento da Doutrina, esteve em contato com
um milhar de médiuns espalhados por todo o globo, recolhendo notícias
do mundo espiritual provenientes das mais diversas partes, como nos dá
ampla notícia nas páginas da Revista Espírita. São fatos que fazem parte
da história do Espiritismo, mas cujo ensinamento não está ultrapassado,
mesmo porque Kardec erigiu este controle através da universalidade do
ensino como um dos métodos de investigação da ciência espírita. Apesar
disto, no entanto, muitos companheiros atêm-se simplesmente ao que é
produzido em seus centros, ou através de determinados médiuns, ou com
aval de certas instituições, e geralmente só ao que se produz no
território brasileiro. Tudo isto não contraria na prática o discurso
teórico da universalidade que geralmente se ouve, bem como as lições de
Kardec? Não é dele a advertência de que o Espiritismo subsistiria a
todas as perseguições, porque não se poderia obstar a marcha do ensino
dos Espíritos, que se manifestariam em outros pontos da face da Terra?
Assim sendo, não é possível colocar de lado as comunicações mediúnicas
que se obtém em diversas regiões do globo - nos Estados Unidos, na
França, na Alemanha, na Itália, etc., sem que devamos esquecer o nosso
vizinho, a Argentina, que sempre deu mostras de alta visão espiritual
com pensadores de escol. O caráter universalista da Doutrina exige que
ela se conserve universalista em seus fundamentos, pois, como assinalava
Kardec, a formação de uma ortodoxia espírita só poderá provir da
universalidade do ensino dos espíritos, e este critério foi erigido, na
Introdução de "O Evangelho segundo o Espiritismo", em uma das garantias
da própria Doutrina.
Livro: Espiritismo em Movimento, cap. XVII, psicografia de Elzio Ferreira de Souza
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