Subsídios para as questões 71 a 75 do Livro dos Espíritos:
Do Livro : A Genese Cap. 3
Do Livro : A Genese Cap. 3
O Instinto e a Inteligência
11. Que diferença existe entre o instinto e a
inteligência? Onde termina um e começa a outra? Será o instinto uma
inteligência rudimentar, ou uma faculdade distinta, um atributo
exclusivo da matéria?
O instinto é a força oculta que solicita os seres
orgânicos à realização de atos espontâneos e involuntários, em vista à
sua conservação. Nos atos instintivos, não há reflexão, nem
premeditação. É assim que a planta procura o ar, gira em direção à luz,
dirige suas raízes para a água e para a terra nutritiva; que a flor se
abre e se fecha alternativamente, segundo sua necessidade; que as
plantas trepadeiras se enrolam em torno de seu apoio; ou se enroscam com
suas gavinhas. É pelo instinto que os animais são advertidos do que
lhes é útil ou prejudicial; que, nas estações propícias, se movimentam
em direção aos climas propícios; que, sem lições preliminares,
constróem, com mais ou menos arte, segundo as espécies, acomodações
macias e abrigos para sua descendência, ou armadilhas para prender a
presa de que se nutrem; que manejam com habilidade as armas ofensivas e
defensivas de que são providos; que os sexos se aproximam; que a mãe
incuba seus filhotes e que estes procuram o seio materno. Quanto ao
homem, o instinto domina com exclusividade, no começo da vida; é pelo
instinto que o infante faz seus primeiros movimentos, que agarra seu
sustento, que chora para exprimir suas necessidades, que imita o som da
voz, que ensaia a fala e o andar. Mesmo no adulto, certos atos são
instintivos: os movimentos espontâneos para evitar um perigo, para se
livrar de um desastre, para manter o equilíbrio; tais são ainda, o
piscar das pálpebras para diminuir o brilho da luz, a abertura maquinal
da boca para respirar, etc.
12. A inteligência se revela por atos voluntários,
refletidos, premeditados, combinados, segundo a oportunidade das
circunstâncias. Incontestavelmente, isto é um atributo exclusivo da
alma.
Todo ato maquinal é instintivo; o que denota reflexão, combinação, uma deliberação, é intelectivo; um é livre o outro não o é.
O instinto é um guia seguro, que jamais se engana; a inteligência, pelo fato de ser livre, é por vezes sujeita a erro.
Se o ato instintivo não tem o caráter do ato
inteligente, não obstante, revela uma causa inteligente, essencialmente
previsora. Admitindo que o instinto tem sua fonte na matéria será
preciso admitir que a matéria é inteligente, e mesmo mais seguramente
inteligente e previdente que a alma, eis que o instinto não se engana
jamais, ao passo que a inteligência se engana.
Se considerarmos o instinto como uma inteligência
rudimentar, como é que assim poderá ser, quando, em certos casos, ele se
demonstra superior à inteligência racional? Como é que proporciona a
possibilidade de executar coisa que a razão não pode produzir?
Se ele é o atributo de um princípio espiritual
especial, o que é feito deste princípio? Depois que o instinto se apaga,
esse princípio seria pois anulado? Se os animais apenas são dotados de
instinto, seu futuro não tem saída; seus sofrimentos não teriam nenhuma
compensação. Tal não seria conforme à justiça e à bondade de Deus. (Cap.
II, Nº 19).
13. Segundo um outro sistema, o instinto e a
inteligência teriam um único e mesmo princípio; chegado a um certo grau
de desenvolvimento, este princípio, que começaria apenas com as
qualidades do instinto, sofreria uma transformação que lhe conferiria as
qualidades da inteligência livre.
Sendo assim, no homem inteligente que perde a razão, e
apenas é guiado pelo instinto, a inteligência voltaria ao seu estado
primitivo; e, desde que recupere a razão, o instinto voltaria a ser
inteligência, e assim alternativamente em cada acesso, o que não é
admissível.
Além disso, a inteligência e o instinto se apresentam
freqüentemente ao mesmo tempo, no mesmo ato. Com o andar, por exemplo,
as pernas se movem de modo instintivo; o homem coloca um pé adiante do
outro, maquinalmente, sem nada considerar; porém, quando quer diminuir
ou acelerar sua marcha, erguer o pé ou desviar-se para evitar um
obstáculo, aí há cálculo, combinação; ele age de modo deliberado. O
impulsionamento involuntário do movimento é o ato instintivo; a direção
calculada do movimento é o ato inteligente. O animal carniceiro é
impelido pelo instinto a nutrir-se de carne; porém, as precauções que
ele toma, as quais variam segundo a circunstâncias, a fim de agarrar sua
presa, sua previsão com relação às eventualidades, são atos de
inteligência.
14. Uma outra hipótese que, por fim, alía-se
perfeitamente à idéia da unidade de princípio, ressalta do caráter
essencialmente previsor do instinto, e concorda com o que o Espiritismo
nos ensina, a respeito das relações do mundo espiritual e do mundo
corporal.
Atualmente, sabe-se que há Espíritos desencarnados
que têm por missão velar sobre os encarnados, de quem são protetores e
guias; que eles os rodeiam com seus eflúvios fluídicos; que o homem age
de maneira inconsciente sob a ação de tais eflúvios.
Por outro lado, sabe-se que o instinto, que por si
próprio produz atos inconscientes, predomina nas crianças, e em geral
nas criaturas cuja razão é fraca. Ora, segundo esta hipótese, o instinto
não seria um atributo da alma, nem da matéria; não pertenceria
propriamente ao ser vivo, mas sim, seria um efeito da ação direta dos
protetores invisíveis que supririam a imperfeição da inteligência,
provocando eles mesmos os atos inconscientes necessários à conservação
do ser. Seria como os andadores com as quais se sustenta a criança que
ainda não sabe andar. No entanto, da mesma forma que se suprime
gradualmente o uso dos andadores, à medida que a criança se sustenta por
si, os Espíritos protetores deixam seus protegidos entregues a si
mesmos, à medida em que eles possam se guiar por sua própria
inteligência.
Assim, o instinto, longe de ser o produto de uma
inteligência rudimentar e incompleta, seria o efeito de uma inteligência
estranha na plenitude de sua força; seria uma inteligência protetora,
que supriria a insuficiência, seja de uma inteligência mais jovem, que
ela impediria à realização inconsciente de seu bem, que ainda seria
incapaz de obter por si própria, seja de uma inteligência madura, mas
momentaneamente entravada no uso de suas faculdades, o que ocorre no
homem em sua infância, e no caso de idiotia, ou de afecções mentais.
Proverbialmente se diz que há um deus para as
crianças, os loucos e os bêbados; este ditado é mais certo do que por
vezes se crê; este deus não é senão o Espírito protetor que vela sobre o
ser, incapaz de se proteger por sua própria razão.
15. Nesta ordem de idéias, pode-se ir mais longe.
Esta teoria, embora seja racional, não resolve todas as dificuldades da
questão.
Se observarmos os efeitos do instintivo, nota-se a
princípio uma unidade de vista e de conjunto, uma segurança de
resultados que não existem mais, desde que o instinto seja substituído
pela inteligência livre; além disso, na adequação tão perfeita e tão
constante das faculdades instintivas às necessidades de cada espécie,
reconhecemos uma profunda sabedoria. Esta unidade de vistas não poderia
existir sem a unidade de pensamento, e a unidade de pensamento é
incompatível com a diversidade das aptidões individuais; somente ela
poderia produzir este conjunto tão perfeitamente harmonioso que se
estende desde a origem dos tempos e em todos os climas, com regularidade
e precisão matemáticas, sem falhar jamais. A uniformidade no resultado
das faculdades instintivas é um traço característico, que implica
necessariamente na unicidade da causa; se esta causa fosse inerente a
cada individualidade, haveria tantas variedades de instinto quantos
indivíduos há, desde a planta até o homem. Um efeito geral, uniforme e
constante, deve ter uma causa geral, uniforme e constante; um efeito que
demonstra a sabedoria e a previdência deve ter uma causa sábia e
previdente. Ora, uma causa sábia e previdente será necessariamente
inteligente, e não pode ser exclusivamente material.
Não se encontrando nas criaturas, encarnadas ou
desencarnadas, as qualidades necessárias para produzir tal resultado, é
preciso subir mais alto, isto é, ao próprio Criador. Se nos reportarmos à
explicação que foi dada sobre a maneira pela qual se pode conceber a
ação providencial (Cap. II, nº 24), se figurarmos todos os seres como
penetrados pelo fluido divino, soberanamente inteligente, logo se
compreenderá a sabedoria previdente e a unidade de vistas que presidem a
todos os movimentos instintivos para o bem de cada indivíduo. Essa
solicitude é tanto mais ativa quanto o indivíduo tenha menos recursos em
si mesmo e em sua própria inteligência; é por isso que ela se mostra
maior e mais absoluta com os animais e com os seres inferiores do que
com o homem.
Conforme esta teoria, compreende-se que o instinto
seja um guia certo e seguro. O instinto material, o mais nobre de todos,
que o materialismo rebaixa ao nível das forças atrativas da matéria,
acha-se novamente elevado e enobrecido. Em razão de suas conseqüências,
não seria preciso que ele fosse entregue às eventualidades caprichosas
da inte ligência e do livre-arbítrio. Através do órgão da mãe, o próprio
Deus vela sobre suas criaturas nascentes.
16. Esta teoria não destrói de modo nenhum o papel
dos Espíritos protetores, cujo concurso é um fato verificado e provado
pela experiência; porém, deve-se notar que a ação deles é essenciamente
individual, que ela se modifica segundo as qualidades próprias do
protetor e do protegido, e que não tem parte alguma na uniformidade e na
generalidade do instinto. Deus, em sua sabedoria, conduz os cegos, mas
confia à inteligência livre o cuidado de conduzir os que enxergam, para
deixar a cada um a responsabilidade de seus atos. A missão dos Espíritos
protetores é um dever que eles aceitam voluntariamente, e que para eles
é um meio de progresso, segundo a maneira pela qual a executam.
17. Todas essas maneiras de considerar o instinto são
necessariamente hipotéticas, e nenhuma delas tem um caráter suficiente
de autenticidade para ser dada como solução definitiva. A questão será
certamente resolvida algum dia, quando se houver reunido os elementos de
observação que agora ainda faltam; até então, é preciso que nos
limitemos a apresentar as opiniões diversas ao cadinho da razão e da
lógica e aguardar que se faça a luz; a solução que mais se aproxima da
verdade será necessariamente aquela que melhor corresponda aos atributos
de Deus, isto é, à sua soberana bondade e à sua soberana justiça (Cap.
II, nº 19).
18. O instinto é o guia e as paixões são as molas das
almas no primeiro período de seu desenvolvimento, e por isso são por
vezes confundidos em seus efeitos. No entanto, há entre estes dois
princípios diferenças que é preciso considerar.
O instinto é um guia seguro, sempre bom; num certo
tempo, pode tornar-se inútil, porém jamais nocivo; enfraquece, pela
predominância da inteligência.
As paixões, nas primeiras idades da alma, têm isso de
comum com o instinto, que os seres são por elas solicitados por uma
força igualmente inconsciente. Elas nascem mais particularmente das
necessidades do corpo, e mais que o instinto, se prendem ao organismo. O
que as distingue do instinto, sobretudo, é que são individuais e não
produzem efeitos gerais e uniformes, como este; ao contrário, vemos que
elas variam de intensidade e de natureza, conforme os indivíduos. Elas
são úteis, como estimulantes, até que se dê a eclosão do senso moral, o
qual, de um ente passivo, faz um ser razoável; nesse momento, elas se
tornam não só inúteis, mas também prejudiciais ao progresso do Espírito
de quem retardam a desmaterialização; elas se enfraquecem com o
desenvolvimento da razão.
9. O homem que não agisse senão pelo instinto, de
modo constante, poderia ser bom, mas deixaria dormir sua inteligência;
seria como o menino que não abandonasse os andadores e não saberia
servir-se de seus membros. Aquele que não se assenhoreia de suas paixões
pode ser muito inteligente, mas ao mesmo tempo, poderá ser muito mau. O
instinto se aniquila por si mesmo; as paixões não são domadas senão
pelo esforço da vontade.
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