Contradições
entre teoria e prática doutrinária
– Quando se entende somente para os outros
– Uma lição mediúnica.
– Quando se entende somente para os outros
– Uma lição mediúnica.
Miranda, velho amigo estudioso da doutrina do Consolador e
pregador apreciado, uma dia me confessou: “Há muito que entro no Evangelho, mas
o Evangelho não entra em mim. Por incrível que pareça, quanto mais o leio,
quanto mais me absorvo nele, menos o sigo. Não sou mau, nem viciado em coisa
alguma, nada faço contra ninguém. Mas sou áspero, irritadiço, não tolero ofensas
e não entendo como se possa procurar primeiro o Reino de Deus, quando a Terra,
diariamente, exige tanto de mim”.
Respondi-lhe que nós todos somos assim. Todos temos os nossos
defeitos, as nossas deficiências de compreensão. Mas isso é natural, e não tem
importância, desde que lutemos para nos corrigir. Se fôssemos perfeitos não
estaríamos aqui, nem precisaríamos do Espiritismo. Estaríamos em mundo melhor,
em plano superior, na companhia daqueles que, para as várias religiões, são os
eleitos. Lembrei-lhe o que dizia Kardec: “O verdadeiro espírita se conhece pela
sua transformação moral.” Kardec não exigia a perfeição, mas o avanço constante
rumo a ela.
Miranda ouviu atentamente, com um pequeno volume do Evangelho
nas mãos. Concordou, em parte. Mas logo acrescentou: “E se me esforço, mas não
consigo melhorar-me? Já pensaste nisso? No drama do espírita que deseja
melhorar e não consegue? Volto a insistir no caso do Reino de Deus. Como posso
pensar nele, com a conta do empório no bolso e o ordenado já gasto? Essa é uma
imperfeição que não venço. Sou obrigado a mentir, a trapacear, para resolver a
situação.”
Perguntei-lhe se já havia examinado bem o conteúdo do ensino
evangélico a que se referia. Respondeu que sim. Perguntei-lhe, então, o que
entendia pelo Reino de Deus. Disse que entendia ser o reino da pureza, da
verdade e do amor. Buscá-lo, pois, seria portar-se de acordo com esses
princípios. Mas, como ser puro, se precisava mentir e trapacear? Como ser
verdadeiro, se precisava simular? Como cultivar o amor, se os semelhantes o
ofendiam, censuravam-no impiedosamente, amarguravam-no? Baixou a fronte,
pensativo, rodando nas mãos o volumezinho do Evangelho, como uma coisa inútil.
Suspirou e exclamou, num desabafo: “Acho que o melhor é deixar de falar na
doutrina. E fazer como se diz por aí: fé em Deus e unha no próximo!”
Procurei, ainda, consolá-lo por mil maneiras. Inútil. Miranda
estava amargurado consigo mesmo, revoltado. Mas à noite, aparentemente por
acaso, encontramo-nos com um médium amigo. Conversa vai, conversa vem,
resolvemos fazer uma prece em conjunto, para ajudar o Miranda. E mal a
terminávamos, uma entidade amiga se incorporava no médium, dirigindo-se ao companheiro,
desolado:
– Miranda, você não quer buscar o Reino de Deus e a sua justiça?
Pois então, meu irmão, busque o outro.
– Que outro? perguntou Miranda, assustado.
– O do Diabo e a sua injustiça.
– Mas o Diabo não existe – objetou Miranda – É uma invencionice,
uma interpretação errada dos textos. Chamas de diabo os espíritos imperfeitos,
como eu, que andam trapaceando por aí.
– Pois então, Miranda, continue no seu Reino e na sua
injustiça. Ninguém o obriga a buscar o Reino de Deus.
Miranda não se conteve. Lágrimas ardentes lhe correram pelo
rosto. Disse-me, depois que, no momento, todo o absurdo da sua atitude lhe
surgira de inopino aos olhos da alma. Então a entidade amiga, compassiva,
disse-lhe:
– Como vê, Miranda, meu irmão, não há outro caminho. Mancando
ou não, você tem mesmo é de seguir por aí. Em vez de mentir, confesse
humildemente aos credores a verdade da sua situação. Em vez de trapacear,
procure fazer negócios sérios. A princípio, vai ser um pouco difícil, porque o
seu passado é um tanto escuro. Mas, insista no caminho reto, e será ajudado.
Ponha o pé no Reino de Deus, e o acréscimo começará a aparecer. Até agora, você
tem falado do que entendeu. Agora, ponha em prática o entendimento, e fale do
que experimentou.
Ao sairmos da reunião, Miranda mostrava um semblante mais
tranqüilo. E, em breve, se abriu conosco, num desabafo salutar:
– É verdade, amigos, tenho falado do que entendi, mas não
tenho praticado. Nunca fui insincero nas minhas pregações. Mas acontece que eu
ensinava os outros, e eu mesmo não aprendia. Curioso! Eu desejava o acréscimo,
sem buscar o Reino! De agora em diante vou fazer o contrário. E os Espíritos me
ajudarão.
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