Cirso Santiago
Fui
e sou admirador do professor José Herculano Pires, Acompanhei grande
parte de seu trabalho através do rádio, da televisão, do livro e do
jornal. Ainda hoje, quando já não o temos carnalmente entre nós,
ampliando seu discurso, busco com renovado interesse suas obras para
aprender, reciclar ou sedimentar conceitos. E a cada pesquisa descubro
mais e mais sua grandeza. E dos escaninhos de minha memória saltam logo
as palavras judiciosas do escritor Mário Graciotti:
"De
que distância, de que regiões, de que época virá esse espírito que se
instalou na engrenagem somática de um dos mais curiosos fenômenos
intelectuais do Brasil nascente, o poeta, o jornalista, o escritor, o
filósofo Herculano Pires?"
"A
constante e invariável temática que flui de sua bela inteligência e de
seu grande coração revela uma diretiva uniforme e impressionante, da
qual podemos discordar, aqui ou ali, mas difícil se nos torna relegá-la a
plano secundário." (1)
Foi
no dia 9 de março de 1979, às 21hl5, que tombou esse Altaneiro
Jequitibá do Espiritismo em terras brasileiras. Caiu seu corpo físico
vitimado por um enfarto, mas sua essência, o Espírito Herculano Pires,
continuou em pé, vibrante e dinâmico como dantes. Prova isto, sua
manifestação mediúnica logo após seu desencarne, conforme registro na
edição n.° 100 deste jornal. O Grupo Espírita Caírbar Schutel, que há
anos funciona na casa da família Pires, estava reunido naquela noite e o
professor ali compareceu testemunhando a continuidade da vida, a
exemplo do que já fizeram outros espíritos de grande envergadura moral.
Diz o articulista: "Alguns familiares, que não participavam da sessão,
levaram o professor para o hospital, mas em silêncio, a fim de que o
trabalho mediúnico prosseguisse. Terminada a sessão foram lidas duas
mensagens psicografadas; uma, sem assinatura e que atribuímos a Caírbar
Schutel (patrono do grupo) referia-se, claramente, ao desencarne e a
outra do próprio Herculano Pires e dirigida à sua esposa, dona
Virgínia." (grifei)
Faz
10 anos, portanto, que o professor Herculano Pires, a quem
carinhosamente se atribui o cognome LÉON DENIS BRASILEIRO, partiu para
outra dimensão: a dimensão cósmica do Espírito. E sua ausência no
movimento espírita é e sempre será relevante.
Por
falta de oportunidade, não gozei do seu convívio. Teria me enriquecido
muito se isto tivesse sido possível, não há dúvida! Tivemos apenas um
encontro. Mas este, por minha exclusiva culpa, foi prejudicado.
Aconteceu há coisa de 20 anos, quando desabrochava em mim a mediunidade
psicográfica. Com a natural insegurança do médium em desenvolvimento
nascente, vivia à procura de quem pudesse ler e opinar sobre as páginas
mediúnicas que recebia. Os que estavam à minha volta e que me poderiam
prestar esse serviço, ou exageravam nas avaliações elogiosas ou negavam
qualquer palavra com medo de melindrar-me ou, quem sabe, para não se
comprometer com a minha "obsessão"...
Preocupado
com o fenômeno que em mim se realizava e com a lisura doutrinária das
páginas que me eram ditadas, continuava a buscar orientações. Fui à
Federação Espírita do Estado de São Paulo. Ali, um conhecido confrade,
depois de uma passada de olhos no escrito que levei, disse: "Procure o
professor Herculano Pires!"
Soube
mais tarde que o professor Herculano estaria, certo dia, palestrando e
autografando livros num centro daqui do ABC paulista. Não perdi a
oportunidade. Após a palestra, procurei falar-lhe. Mas os "vigilantes"
não me permitiam aproximar. Comprei então um livro e entrei na fila para
colher seu autógrafo e passar-lhe uma mensagem com um bilhete em anexo,
em que lhe expunha o meu desejo. No último momento, um "vigilante"
ainda tentou frustrar o meu intento. Insisti, intransigente... O
professor não entendeu, e nem poderia entender, minha ansiedade.
Levantou os olhos do trabalho que realizava e olhou-me com um ar
mesclado de espanto e piedade que jamais se apagará de minha memória.
Terá pensado numa obsessão? Talvez! O que tenho certeza é que não
gostou, e com justa razão, da minha momentânea indisciplina. Percebendo,
no entanto, o envelope que eu segurava na mão estendida, recolheu-o a
um dos seus bolsos e meneou sua grande cabeça, como a me dizer:
"Verificarei depois!"
Sai
contente... Mas nunca recebi resposta do professor àquela minha
solicitação. Talvez tenha sido por falta de tempo. Foi sempre um homem
muito ocupado e, quem sabe, minha preocupação não seria das mais
urgentes. Seja como for, perdi a oportunidade de sua abalizada opinião.
Mas
hoje, depois de militar vários anos na Redação deste jornal, compreendo
melhor a fuga daqueles a quem se pede uma crítica desapaixonada ao
nosso trabalho. É que embora a sinceridade com que muitas vezes se
formula esse desejo, são poucos ainda os que entre nós estão prontos
para aceitar qualquer crítica à sua realização, mormente quando esta é
mediúnica. É o professor Herculano sabia disso com muito mais lucidez do
que a que suponho ter hoje. E por isso, certamente, considerou que sua
opinião não seria bem absorvida por mim naquela altura (e hoje seria?
Ah!... dúvida cruel). Silenciou, porque, embasado em sua larga
experiência, sentiu que eu, como tantos, não estava apto para
compreender que a crítica, independente do seu teor ser-nos favorável ou
não, quando bem aproveitada pelo uso da razão, funciona sempre à
maneira de um buril que, guiado por compenetrada inteligência, acaba por
libertar, pouco a pouco, a preciosa gema da crosta desvaliosa.
Obrigado
professor Herculano. Valeu o nosso único encontro. Valeu seu
silêncio-crítico que me tem levado a raciocinar muito sobre as minhas
tarefas com o desejo de acertar. Registrar esse fato foi à maneira que
encontrei para prestar-lhe minha singela homenagem nesse marco de sua
passagem para o "outro mundo".
Nota: (1) Texto constante do prefácio do livro Barrabás e o Relato de Judas, de J. Herculano Pires.
Correio Fraterno no 219 março de 1989
http://www.correiofraterno.com.br/acervo/decada-de-80/46-no219-mar-1989-no219-mar-1989-/158-o-meu-o-encontro-com-herculano-pires
Correio Fraterno no 219 março de 1989
http://www.correiofraterno.com.br/acervo/decada-de-80/46-no219-mar-1989-no219-mar-1989-/158-o-meu-o-encontro-com-herculano-pires
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