Irmão X - Humberto de Campos
As elucidações do Mestre, relativamente à oração, sempre
encontravam nos discípulos certa perplexidade, quase que invariavelmente
em virtude das idéias novas que continham, acerca da concepção de Deus
como Pai carinhoso e amigo. Aquela necessidade de comunhão com o seu
amor, que Jesus não se cansava de salientar, lhes aparecia como problema
obscuro, que o homem do mundo não conseguiria realizar.
A esse tempo, os essênios constituíam um agrupamento de
estudiosos das ciências da alma, caracterizando as suas atividades de
modo diferente, porque sem públicas manifestações de seus princípios.
Desejoso de satisfazer à curiosidade própria, João procurou
conhecer-lhes, de perto, os pontos de vista, em matéria das relações da
comunidade com Deus e, certo dia, procurou o Senhor, de modo a ouvi-lo
mais amplamente sobre as dúvidas que lhe atormentavam o coração:
- Mestre - disse ele, solícito -, tenho desejado
sinceramente compreender os meus deveres atinentes à oração, mas sinto
que minh’alma está tomada de certas hesitações. Anseio por esta comunhão
perene com o Pai; todavia, as idéias mais antagônicas se opõem aos meus
desejos. Ainda agora, manifestando meu pensamento, acerca de minhas
necessidades espirituais, a um amigo que se instrui com os essênios,
asseverou-me ele que necessito compreender que toda edificação
espiritual se deve processar num plano oculto. Mas, suas observações me
confundiram ainda mais. Como poderei entender isso? Devo, então, ocultar
o que haja de mais santo em meu coração?
O Messias, arrancado de suas meditações, respondeu com
brandura:
- João, todas as dúvidas que te assaltam se verificam
pelo motivo de não haveres compreendido, até agora, que cada criatura
tem um santuário no próprio espírito, onde a sabedoria e o amor de Deus
se manifestam, através das vozes da consciência. Os essênios levam muito
longe a teoria do labor oculto, pois, antes de tudo, precisamos
considerar que a verdade e o bem devem ser patrimônio de toda a
Humanidade em comum. No entanto, o que é indispensável é saber dar a
cada criatura, de acordo com as suas necessidades próprias. Nesse ponto,
estão muito certos quanto ao zelo que os caracteriza, porque os
ungüentos reservados a um ferido não se ofertam ao faminto que precisa
de pão. Também eu tenho afirmado que não poderei ensinar tudo o que
desejara aos meus discípulos, sendo compelido a reservar outras lições
do Evangelho do Reino para o futuro, quando a magnanimidade divina
permitir que a voz do Consolador se faça ouvir entre os homens sequiosos
de conhecimento. Não tens observado o número de vezes em que necessito
recorrer a parábolas para que a revelação não ofusque o entendimento
geral? No que se refere à comunhão de nossas almas com Deus, não me
esqueci de recomendar que cada espírito ore no segredo do seu íntimo, no
silêncio de suas esperanças e aspirações mais sagradas. É que cada
criatura deve estabelecer o seu próprio caminho para mais alto, erguendo
em si mesma o santuário divino da fé e da confiança, onde interprete
sempre a vontade de Deus, com respeito ao seu destino. A comunhão da
criatura com o Criador é, portanto, um imperativo da existência e a
prece é o luminoso caminho entre o coração humano e o Pai de infinita
bondade.
O apóstolo escutou as observações do Mestre, parecendo
meditar austeramente. Entretanto, obtemperou:
- Mas, a oração deve ser louvor ou súplica?
Ao que Jesus respondeu com bondade:
- Por prece devemos interpretar todo ato de relação entre
o homem e Deus. Devido a isso mesmo, como expressão de agradecimento ou
de rogativa, a oração é sempre um esforço da criatura em face da
Providência Divina. Os que apenas suplicam podem ser ignorantes, os que
louvam podem ser somente preguiçosos. Todo aquele, porém, que trabalha
pelo bem, com as suas mãos e com o seu pensamento, esse é o filho que
aprendeu a orar, na exaltação ou na rogativa, porque em todas as
circunstâncias será fiel a Deus, consciente de que a vontade do Pai é
mais justa e sábia do que a sua própria.
- E como ser leal a Deus, na oração? - interrogou o
apóstolo, evidenciando as suas dificuldades intelectuais. - A prece já
não representa em si mesma um sinal de confiança?
Jesus contemplou-o com a sua serenidade imperturbável e
retrucou:
- Será que também tu não entendes? Não obstante a
confiança expressa na oração e a fé tributada à providência superior, é
preciso colocar acima delas a certeza de que os desígnios celestiais são
mais sábios e misericordiosos do que o capricho próprio; é necessário
que cada um se una ao Pai, comungando com a sua vontade generosa e
justa, ainda que seja contrariado em determinadas ocasiões. Em suma, é
imprescindível que sejamos de Deus. Quanto às lições dessa fidelidade,
observemos a própria natureza, em suas manifestações mais simples.
Dentro dela, agem as leis de Deus e devemos reconhecer que todas essas
leis correspondem à sua amorosa sabedoria, constituindo-se suas servas
fiéis, no trabalho universal. Já ouviste falar, alguma vez, que o Sol se
afastou do céu, cansado da paisagem escura da Terra, alegando a
necessidade de repousar? A pretexto de indispensável repouso, teriam as
águas privado o globo de seus benefícios, em certos anos? Por
desagradável que seja em suas características, a tempestade jamais
deixou de limpar as atmosferas. Apesar das lamentações dos que não
suportam a umidade, a chuva não deixa de fecundar a terra! João, é
preciso aprender com as leis da natureza a fidelidade a Deus! Quem as
acompanha, no mundo, planta e colhe com abundância. Observar a lealdade
para com o Pai é semear e atingir as mais formosas searas da alma no
infinito. Vê, pois, que todo o problema da oração está em edificarmos o
reino do céu entre os sentimentos de nosso íntimo, compreendendo que os
atributos divinos se encontram também em nós.
O apóstolo guardou aqueles esclarecimentos, cheio de boa
vontade no sentido de alcançar a sua perfeita compreensão.
- Mestre - confessou, respeitoso -, vossas elucidações
abrem uma estrada nova para minh’alma; contudo, eu vos peço, com a
sinceridade da minha afeição, me ensineis, na primeira oportunidade,
como deverei entender que Deus está igualmente em nós.
O Messias fixou nele o olhar translúcido e, deixando
perceber que não poderia ser mais explícito com o recurso das palavras,
disse apenas:
- Eu to prometo.
A conversação que vimos de narrar verificara-se nas
cercanias de Jerusalém, numa das ausências eventuais do Mestre do
círculo bem-amado de sua família espiritual em Cafarnaum.
No dia seguinte, Jesus e João demandaram Jericó, a fim de
atender ao programa de viagem organizado pelo primeiro.
Na excursão a pé, ambos se entretinham em admirar as
poucas belezas do caminho, escassamente favorecido pela Natureza. A
paisagem era árida e as árvores existentes apresentavam as frondes
recurvadas, entremostrando a pobreza da região, que não lhes incentivava
o desenvolvimento.
Não longe de uma pequena herdade, o Mestre e o apóstolo
encontraram um rude lavrador, cavando grande poço à beira do caminho.
Bagas de suor lhe desciam da fronte; mas, seus braços fortes iam e
vinham à terra, na ânsia de procurar o líquido precioso.
Ante aquele quadro, Jesus estacionou com o discípulo, a
pretexto de breve descanso, e, revelando o interesse que aquele esforço
lhe despertava, perguntou ao trabalhador:
- Amigo, que fazes?
- Busco a água que nos falta - redargüiu com um sorriso o
interpelado.
- A chuva é assim tão escassa nestas paragens? - tornou
Jesus, evidenciando afetuoso cuidado.
- Sim, nas proximidades de Jericó, ultimamente, a chuva
se vem tornando uma verdadeira graça de Deus.
O homem do campo prosseguiu no seu trabalho exaustivo;
mas, apontando para ele, o Messias disse a João, em tom amigo:
Este quadro da Natureza é bastante singelo; porém, é na
simplicidade que encontramos os símbolos mais puros. Observa, João, que
este homem compreende que sem a chuva não haveria mananciais na Terra;
mas, não pára em seu esforço, procurando o reservatório que a
Providência Divina armazenou no subsolo. A imagem é pálida; todavia,
chega para compreenderes como Deus reside também em nós. Dentro do
símbolo, temos de entender a chuva como o favor de sua misericórdia, sem
o qual nada possuiríamos. Esta paisagem deserta de Jericó pode
representar a alma humana, vazia de sentimentos santificadores. Este
trabalhador simboliza o cristão ativo, cavando junto dos caminhos
áridos, muitas vezes com sacrifício, suor e lágrimas, para encontrar a
luz divina em seu coração. E a água é o símbolo mais perfeito da
essência de Deus, que tanto está nos céus como na Terra.
O discípulo guardou aquelas palavras, sabendo que
realizara uma aquisição de claridades imorredouras. Contemplou o grande
poço, onde a água clara começava a surgir, depois de imenso esforço do
humilde trabalhador que a procurava desde muitos dias, e teve nítida
compreensão do que constituía a necessária comunhão com Deus.
Experimentando indefinível júbilo no coração, tomou das mãos do Messias
e as osculou, com a alegria do seu espírito alvoroçado. Confortado, como
alguém que vencera grande combate íntimo, João sentiu que finalmente
compreendera."
Do livro Boa Nova. Psicografia de Francisco Cândido
Xavier.
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segunda-feira, 13 de agosto de 2012
COMUNHÃO COM DEUS
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