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sábado, 11 de agosto de 2012

Sexo e Genética no Espiritismo


Falar em sexo é falar em moral, porque o sexo se tornou, na cultura religiosa, o pivô de todos os sistemas morais. Nas civilizações agrárias e pastoris o problema sexual, embora carregado pelos tabus da selva, não se deixou esmagar por essa carga. A moral das primeiras civilizações revelou-se, de modo geral, muito aberta em relação ao sexo, chegando mesmo a encará-lo como sagrado. Na remota Suméria e mesmo nas civilizações teocráticas a era fálica desenvolveu-se de maneira espantosa. O falo, ou, como dizia Rilke, o membro da geração, era objeto de culto religioso. O ato sexual era considerado sagrado. Podemos ver na Bíblia que a civilização agrária judaica foi, durante os primeiros tempos, bastante liberal no tocante ao sexo. Mas na proporção em que as questões de linhagem e direitos sucessórios exigiram disciplinação, o sexo foi sendo encarado com progressivas suspeitas.
Na Grécia e na Roma arcaicas a licença sexual chegou ao extremo das festas religiosas em homenagem aos deuses da sensualidade e da fecundidade. Por todo o Antigo Oriente o culto sexual dominou amplamente, aprimorando-se as cerimônias do sexo com requintes dionisíacos na China, no Japão, na Arábia, na Pérsia e assim por diante. Técnicas requintadas ainda subsistem atualmente em vários países, servindo para o incentivo do comércio turístico e pesando favoravelmente na balança de exportações. Os ritos da virilidade produziram em Esparta a prática oficial e obrigatória do homossexualismo na educação dos adolescentes, com repercussões acentuadas em Atenas, na Pérsia e em Roma. Na época de Sócrates o problema era encarado com ambivalência, como verificamos no Banquete de Platão. Mas ainda nessa época os gregos chegaram a organizar, como relata Werner Laeger, um exército de andrógenos para conquistar Siracusa, partindo da idéia de que os amantes não se acovardavam quando juntos e queriam brilhar aos olhos uns dos outros. Episódio que mostra a plurivalência do sexo nas culturas clássicas.
No Cristianismo o sexo caiu em desgraça. Nem mesmo os tópicos bíblicos altamente sensuais puderam salvá-lo. Os cristãos caíram no complexo de castração. O sexo transformou-se em pecado mortal e a Igreja instituiu o celibato obrigatório dos clérigos e restabeleceu a virgindade sagrada das vestais, do culto pagão da deusa Vesta. Em conflito com o próprio mandamento divino do crescei e multiplicai-vos, a geração tornou-se impura e as crianças não nasciam inocentes, mas maculadas pelo pecado original. O horror ao sexo provocou epidemias de crises místicas nos conventos e mosteiros, dando incremento às perversões sexuais e aos delírios de histeria. Os íncubos e súcubos, demônios pervertidos, atacavam os padres e as freiras nos dormitórios sagrados, levando-os a pecados horrendos e a penitências e cilícios que geravam explosões satânicas de masoquismo. A asfixia das fontes biológicas da espécie custava tão caro que os clérigos tiveram de apelar à hipocrisia e à mentira. Bispos criaram taxas especiais para que os clérigos pudessem socorrer-se às ocultas, escapando aos delírios do sexo com a compra de autorizações eclesiásticas para pecar sem perigo para a pureza suposta das almas.
E todas essas loucuras, que perduram ainda, repercutiram por todo o mundo em atrocidades de toda a espécie, perseguições e torturas, excomunhões e maldições, fogueiras assassinas, tudo ao canto das litanias piedosas, ao clamor diuturno das preces, no desespero e na angústia das famílias mutiladas, em nome do Cristo que salvara a mulher adúltera da lapidação dos hipócritas e transformara Madalena em santa, porque ela muito amara. O tempo passou, é verdade, mas as almas esmagadas perderam-se na revolta impotente, marcadas a fogo pela descrença em Deus e nos homens.
Não fazemos um libelo tardio, mas não se pode tratar dessas fases históricas com a indiferença dos cínicos. A lição do passado precisa gravar-se em nossas mentes de maneira indelével, com as cores trágicas da loucura, para não cairmos de novo nas armadilhas da arrogância e da ferocidade selvagem que continuam armadas em nós mesmos. Seria um crime de lesa-humanidade ocultar essa verdade áspera. E mais ainda, seria uma traição ao futuro passar de leve sobre um problema tão grave, tão carregado de conseqüências que ainda continuam a ameaçar-nos. A herança tenebrosa corre ainda em nossas veias. A peçonha da serpente edênica envenena o nosso sangue, e o seu sibilar remoto ainda cicia aos nossos ouvidos, incitando-nos à loucura de novas tentativas de santidade e pureza extremas, como se pudéssemos sair do barro da carne para elevar-nos, num segundo, à condição angélica. A pretensão da santidade, formal, feita de atitudes fictícias, de fanatismo bronco, de orgulho satânico, ainda empolgam os que se julgam melhores do que os outros. As duras lições do passado nos mostram que só podemos nos aproximar do Cristianismo através da humildade consciente e da simplicidade espontânea. Basta um grãozinho de orgulho, de pretensão a sabereta ou santo, para perdermos o Cristo de vista e entrarmos na procissão dos anjos de asas de papel.
O Espiritismo nos oferece a última oportunidade de voltarmos a Cristo e reencontrarmos o seu ensino e o seu exemplo. Em todas as religiões cristãs exalta-se a importância do exemplo de Cristo, mas a própria instituição igrejeira, herdada do judaísmo e do paganismo, opõe-se brutalmente a qualquer assimilação da naturalidade cristã pelos adeptos. A erva daninha da vaidade pessoal e de grupo asfixia com suas folhas de urtiga as sementes do Semeador. A suntuosidade das Federações e dos Centros Espíritas com instalações pomposas excitam a vaidade das pessoas simples que as integram com boas intenções, mas logo se embriagam com as posições que assumem, considerando-se autoridades doutrinárias e portanto capazes de ditar normas, estabelecer disciplina, fixar posições doutrinárias e exigir obediência e respeito. Convencidos de possuir um conhecimento superior, muito acima da fatuidade da sabedoria igrejeira e da ignorância espiritual dos sábios materialistas, criaturas desprovidas de um mínimo de cultura geral julgam-se aptas a ensinar a Verdade e até mesmo de reformular a Doutrina com os dados supostos de suas precárias experiências. Não conseguem sequer assimilar os princípios espíritas, mas porque se tornaram figuras socialmente importantes nos quadros institucionais passam a falar grosso e a semear na seara o joio de suas especulações ilógicas. Nada mais desolador do que esse espetáculo de ignorância enfatuada, não raro dado por indivíduos de formação universitária mal assimilada, que se apóiam em seus títulos para sustentar o seu falso prestígio. A última novidade que se espalha no meio espírita é a mais velha de todas: a da castidade para homens e mulheres, a fuga ao sexo, esse instrumento do Diabo que é também o instrumento da criação, do povoamento da Terra pelas criaturas de Deus. Esses anjos assexuados que surgem agora, em revoadas místicas, no meio espírita, não são jejunos apenas em questões genéticas, mas também e principalmente em Espiritismo. Nada conhecem da poderosa síntese histórica e espiritual que Kardec nos deixou. Devem ter saído ontem de alguma sacristia medieval escondida num mosteiro de frades analfabetos do deserto, que para servir a Deus andavam descalços e em trapos, guardavam a sua sagrada ignorância como as vestais a sua virgindade sagrada, e não tomavam banho para terem a glória de morrer em cheiro de santidade, ou seja, de suor e sujeira no corpo desnutrido coberto de chagas.
No Espiritismo não há lugar para a volta à era fálica nem para o restabelecimento das castidades forçadas. Na sua natureza de síntese cultural, o Espiritismo coloca o problema sexual acima das antigas condições de ambivalência do sexo. O capítulo sobre a Lei de Reprodução n’O Livro dos Espíritos é decisivo: a lei de reprodução é encarada como lei natural e humana, de ordem moral, correspondendo às exigências divinas da evolução dos seres, das raças e de toda a Humanidade. O celibato é condenado como fuga egoísta aos compromissos sociais, a menos que seja determinado por motivos graves. O sexo não é nem pode ser pecaminoso. Sua função é evidentemente necessária para o progresso dos espíritos. O que se condena é o excesso, o abuso e o aviltamento do sexo. Lei natural, estabelecida por Deus para todas as formas de vida, o sexo é o meio de transmissão da vida na sucessão das gerações. Nos reinos da Natureza, o vegetal, o animal e o hominal, o sexo é a garantia da continuidade da vida e o fator das reencarnações. As superstições anti-sexuais revelam estreiteza mental, tendência ao misticismo igrejeiro do passado, ao beatismo ignorante, ao masoquismo lúbrico e à necrofilia, ou seja, apego mórbido à morte. Esse é um problema bem conhecido em Psicologia e suas conseqüências pertencem ao campo da Psiquiatria. Esse conjunto de elementos negativos produziu no passado religioso as mais estranhas manifestações de delírios pseudo-místicos e desequilíbrios da afetividade. Incontáveis casos de loucura e pseudo-possessões demoníacas brotaram dos conventos e mosteiros medievais pela prática forçada e criminosa de abstinências sexuais que, não raro, acabavam em perversões.
Os desvios da afetividade levam criaturas inocentes a imperceptíveis ligações amorosas com outras criaturas da mesma tipologia psicológica, chegando a extremos criminosos de perversão de crianças em internatos de rigor espartano, em cujo clima asfixiante as exigências biológicas fazem renascer as flores venenosas das práticas de Esparta. Em contrapartida, surgem também os casos de delírios senis em criaturas envelhecidas, que no declínio da vitalidade se tornam ridículas e perigosas, tentando reativar suas energias genéticas sem a compulsão das frustrações de toda uma vida em que esmagaram seus impulsos afetivos. Já sem forças para sustentar as lutas disciplinares da mocidade contra os impulsos naturais, essas vítimas da ilusão religiosa são condenadas e julgadas como seres depravados que só então revelam o que eram. É o duro preço pago pelos que não tiveram a coragem de escalar as encostas do Olimpo para roubar o fogo celeste de Zeus.
O mesmo acontece no tocante às condenações rigorosas contra as pessoas apegadas a hábitos comuns na sociedade, mas que o puritanismo espírita reprime em nome do bom conceito que os adeptos devem sustentar no meio social, uma imagem forçada, artificial e quase sempre insustentável. Os espíritas não constituem uma comunidade à parte no meio social, não podem e não devem isolar-se ou distinguir-se por atitudes ou comportamento especiais. Jesus podia ter nascido príncipe, como o Buda, ou podia nascer numa família abastada que o encaminhasse para o sacerdócio e as honras do rabinato. Preferiu a humildade de uma família pobre de Nazaré, pequena cidade de uma província desprezada pela sua numerosa população de gentios, e a condição inferior de carpinteiro. Viveu no meio do povo, convivendo com criaturas renegadas como os publicanos, cobradores de impostos, os soldados e centuriões romanos, os pescadores do Mar da Galiléia, os mercadores, os cegos e os leprosos (lixos do povo, desprezados por Deus, segundo as normas do Templo) com os fabricantes de azeite da região de Betânia, os pastores árabes da Transjordânia, sendo anunciado pelo profeta popular do Deserto, João Batista, que se cobria com pele de animais. Comia com eles sem obedecer aos rituais fariseus, não respeitava as leis discriminatórias da pureza judaica, hospedava-se em casas impuras, conversava com samaritanos segregados, defendia em praça pública as mulheres adúlteras, para afinal morrer na cruz infamante entre ladrões, sob o peso da mesma condenação desses companheiros da hora extrema. Nesse convívio com o populacho atendia a todos, semeava as sementes do seu ensino em corações puros ou impuros, sem condená-los pela sua impureza convencional. Os espíritas, que desejam ser os Seus amigos e companheiros de hoje, não podem entregar-se a puritanismos discriminatórios, criando exigências formalistas para si mesmos e para os outros. O verdadeiro cristão é sal do mundo e precisa misturar-se na massa que deve salgar.
O Espiritismo não criou igrejas, não precisa de templos suntuosos e tribunas luxuosas com pregadores enfatuados. Não tem rituais, não dispensa bênçãos, não promete lugar celeste a ninguém, não confere honrarias em títulos ou diplomas especiais, não disputa regalias oficiais. Sua única missão é esclarecer, orientar, indicar o caminho da autenticidade humana e da verdade espiritual do homem. Se não compreendermos isso e nisso não nos integrarmos estaremos sendo pedras de tropeço para os que desejam realmente evoluir, não por fora, mas por dentro. E esse por dentro não quer dizer reforma, mas desenvolvimento das potencialidades do espírito. A teoria da reforma intima é um engodo que levou muitos companheiros aproveitáveis à vaidade adulteradora. Não há reforma para o que não se estraga. O espírito é o mesmo em todos e só necessita de uma coisa: desenvolvimento. Enquanto não desenvolver a sua capacidade de compreender, analisar, julgar, discernir e respeitar a verdade não terá condições para modificar-se por dentro. Mesmo porque essa modificação só pode ocorrer pelo esforço pessoal de cada um. A expressão reforma intima é inadequada, pois implica a idéia de substituição de coisas, conserto, modificação em disposições internas, como numa casa ou numa loja. As disposições internas do espírito correspondem ao seu grau de evolução, como nos mostra a Escala Espírita de Kardec. O espírito é vida e não arranjo. Seu desenvolvimento depende de experiências, estudos, reflexão – tudo isso com mente aberta para a realidade e não fechada em esquemas artificiais. Ninguém se reforma nem pode reformar os outros. Mas todos podem superar as suas condições atuais, romper os limites em que a mente se fechou e transcender-se. Os modelos de figurino espiritual são inócuos e até mesmo prejudiciais. A responsabilidade espírita é individual, cada qual responde por si mesmo e não pode prender-se a supostos mestres espirituais.
Um espírita que se sujeita às lições de um mestre pessoal não é espírita, é um beato seguindo Antônio Conselheiro. O despertar da consciência na experiência é o seu caminho único de progresso. Ele não confia em palavras, mas nos fatos. Não busca a ilusão de uma salvação confessional, mas aprofunda-se no conhecimento doutrinário para saber por si mesmo onde pisa e para onde vai...
Os que precisam de mestres não confiam em si mesmos, fazem-se ovelhas de um rebanho. No Espiritismo não há rebanhos nem pastores: há trabalho a fazer, afinidades a estabelecer entre companheiros em pé de igualdade, toda uma batalha a vencer; há os pesados resíduos teológicos, supersticiosos e obscurantistas que esmagam a ingenuidade das massas. O Espiritismo é uma tomada de consciência da responsabilidade do homem na existência, da sua liberdade e da sua transcendência. Os espíritas que ainda se alimentam de leite – como escreveu Paulo – precisam tratar de crescer e alimentar-se de coisas sólidas, consistentes.
O problema da Genética no Espiritismo refere-se ao princípio da reencarnação. Os críticos da Doutrina denunciam suposto conflito entre a herança biológica e o controle espiritual na formação do novo corpo. Entendem que o determinismo da hereditariedade cria dificuldades ao desenvolvimento do esquema programado para a nova encarnação. O temperamento e as condições biopsíquicas e biofisiológicas do nascituro não estariam sujeitos às exigências reencarnatórias das provas e expiações que o espírito teria de enfrentar na nova existência. Mas essas objeções decorrem do antigo conceito dualista do homem, com separação absoluta dos elementos corporais anímicos. A Ciência Espírita demonstrou que espírito e matéria se conjugam, como energia estruturadora e massa estruturável, subordinando-se, portanto, a matéria ao espírito. Segundo os princípios doutrinários, podemos colocar o problema genético na seguinte disposição no plano evolutivo:
a)   simples ação de aglutinação das partículas materiais livres, dispersas no espaço, para a formação dos átomos e a seguir das estruturas atômicas do reino mineral;
b)  complexa estruturação dos átomos na formação das moléculas no plano vital, para a produção das espécies do reino vegetal;
c)   complexíssima elaboração dos elementos orgânicos, nos reinos anteriores, para a formação dos seres vivos;
d)  transcendente elaboração dos resultados de todo esse processo no plano espiritual para organização das formas matrizes e seus centros de energias padronizadoras, para a organização das formas perispiríticas dos seres vivos e particularmente dos superiores, para a ligação espírito-matéria, em que o primeiro, como inteligência ativa e criadora, exercerá as funções determinantes.
A espantosa intuição dos gregos já havia captado, no desenvolvimento do atomismo filosófico, particularmente entre os fisiólogos, como Leucipo e Demócrito, a existência dos átomos de fogo da alma e das homeomérias, modelos infinitesimais que se ligam para a produção das formas materiais. Essas homeomérias (do grego, homo – semelhante) seriam minúsculas partículas na forma do pé, do braço, da cabeça. e de cada membro a ser produzido. As pesquisas atuais no campo da Biologia comprovaram a existência dos centros padronizadores nos seres vivos. A perna de frente de um embrião de rato, deslocada para o lugar de uma perna traseira (e vice-versa) adquire, no desenvolvimento do animal, a forma de perna traseira. Assim, as homeomérias, que pareciam uma concepção fantasiosa e ingênua, revelam-se como símbolo dos centros padronizadores dos corpos dos seres vivos. Nas pesquisas soviéticas sobre o corpo bioplásmico (perispírito) ficou cientificamente provada a ação modeladora desse corpo sobre o desenvolvimento do corpo material humano.
Dessa maneira, ficou demonstrada a interferência de um poder maior do que o da hereditariedade na formação dos embriões humanos; o determinismo do código genético não pode ser considerado como absoluto e cego, estabelecido por leis mecânicas. A Inteligência Universal que responde pela estruturação de toda a realidade revela-se minuciosa na especificação da infinita variedade das coisas e dos seres. Não há, pois, nenhum conflito entre as forças naturais no processo da reencarnação. Por outro lado, a própria flexibilidade do processo da hereditariedade, há muito cientificamente constatada, que permite o aparecimento surpreendente de caracteres de ancestrais remotos em exemplares de gerações recentes, poderiam contestar as dúvidas dos críticos. Não se precisa ser especialista em Biologia para se compreender esse problema, cuja solução, em face da Doutrina, pertence ao campo da lógica. Por isso Kardec sustentava: “O Espiritismo é uma questão de bom-senso”.
Essas questões de sexo e genética mostram claramente a posição científica do Espiritismo, que não apela jamais para explicações místicas ou soluções imaginosas dos problemas reais. É com os pés na realidade que o Espiritismo avança em todos os sentidos.

Professor Herculano Pires
Curso Dinâmico de Espiritismo

Doutrina de Responsabilidade

Apóstolos do Espiritismo - Deolindo Amorim

Artigo publicado na Revista Internacional de Espiritismo - Outubro de 1953 - Número 9

Disse Allan Kardec, em Obras Póstumas, que “o Espiritismo é, sem contradita, o mais poderoso elemento de moralização...” Pode parecer, à primeira vista, que este conceito seja uma espécie de lugar-comum, porque, ordinariamente, as religiões e doutrinas dizem a mesma coisa. Não há religião, não há doutrina espiritualista que não esteja compenetrada de sua influência moralizadora.
Realmente, toda religião ensina o bem e prescreve regras morais indiscutivelmente necessárias e benéficas. Quando, porém, se diz, com Allan Kardec, que “o Espiritismo é o mais poderoso elemento de moralização”, não se repete, como parece, um conceito comum: afirma-se um principio que tem o seu fundamento na observação dos fatos, nas provas históricas e, finalmente, nas deduções filosóficas.
Por que, neste caso, se afirma que o Espiritismo é uma doutrina essencialmente moralizadora? Será apenas porque a Doutrina prescreve regras de procedimento na vida particular e na vida social? Será simplesmente porque a idéia da vida futura impõe certo respeito a uma entidade extraterrena, a um poder superior?
Embora tais elementos sejam apreciáveis e não deixem de ter, até certo ponto, alguma influência no comportamento humano, os fundamentos do Espiritismo, como doutrina moralizadora, no dizer de Kardec, são mais sólidos. Mais sólidos e mais profundos, porque a Doutrina Espírita começa por não IMPOR a crença na vida futura, mas para demonstrar experimentalmente a existência do principio imortal, que é o espírito. Da certeza dos fatos, vem a compreensão da vida futura. Mas poderão dizer que os fatos, por si mesmos, não podem ainda exercer a influência que se atribui ao Espiritismo.
Não são, realmente, os fatos em si que formam a base moral da Doutrina, porque há muita gente que acredita nos espíritos, que tem mediunidade, que faz sessões mediúnicas e, no entanto, não tem vida recomendável.
Convém notar, porém, que os fenômenos de além-túmulo, fenômenos que constituem a matéria prima do Espiritismo e, ainda, de algumas escolas espiritualistas não espíritas podem ser encarados com objetivos muito diferentes. Há, por exemplo, os que procuram as sessões com espírito de curiosidade, sem qualquer objetivo elevado. Pode acontecer, e tem acontecido, que certas pessoas, a principio simplesmente curiosas, passem, depois, a compreender bem o fenômeno e se tornem espíritas integrais, segundo a conceituação de Allan Kardec. Há, de outro lado, os que, diante do fenômeno, cogitam apenas de resolver certos problemas íntimos ou de pôr a limpo certas dúvidas. Ao lado destes, há também os que chegam até a fazer comércio do fenômeno mediúnico; e há finalmente, os que considerem o fenômeno de além-túmulo um MEIO de aperfeiçoamento moral. Estes, sim, sabem respeitar o fenômeno, não como um tabu, não como objeto devocional, mas, na realidade, como campo de estudo para a iluminação do espírito e como elemento de convicção para a crença em Deus.
A Doutrina é moralizadora justamente porque, à proporção que os seus adeptos vão estudando e compreendendo os fatos, vão formando, naturalmente, maior e mais sólida consciência de responsabilidade.
O Espiritismo não veio apenas para aliviar, consolar, como se diz constantemente: ele alivia e consola, não há dúvida, mas desperta, antes de tudo, o sentimento de responsabilidade. JESUS consolou os aflitos, mas nem por isso o Mestre deixou de chamar à responsabilidade todos aqueles que tinham os seus problemas, os seus casos de consciência e necessitavam de esclarecimento e conforto espiritual.
Quando Jesus disse “vai e não peques mais” naturalmente fez sentir que a “pecadora”, segundo a palavra do Evangelho, devia esforçar-se para não reincidir na falta, não cair outra vez. Que é isto? É chamar à responsabilidade.
Se realmente o Espiritismo é o Consolador prometido, é o Cristianismo restaurado em espírito e verdade, há de ser uma doutrina profundamente moralizadora, não porque imponha dogmas ou porque insinue o medo de Deus. Não. É porque o Espiritismo convence, tem argumentos capazes de provar a sobrevivência da alma e, como conseqüência disto, prova também que não há efeito sem causa.
Se, portanto, nas relações humanas como nas relações espirituais, não há efeito sem causa, é claro que cada um responde, cedo ou tarde, pelo mal que houver feito.
Se assim é, para o espírita não há outro caminho senão o bem, a honestidade, a retidão de consciência, porque o espírita é o primeiro “a saber” que, pelo processo das vidas sucessivas ou reencarnação, todas as suas mazelas, assim como as suas boas obras participam de seu acervo espiritual, não ficam sepultadas no túmulo.
As pessoas que dizem que o Espiritismo é um perigo, naturalmente por ignorância ou má fé, confundem o espírita com qualquer indivíduo que pratica o mediunismo por interesse material ou com qualquer fanático, que vive a fazer dos espíritos uma espécie de oráculo para consultas miraculosas. Quem, desapaixonadamente, se dispuser a ler a codificação de Allan Kardec, terá de reconhecer, com honestidade e bom senso, que o Espiritismo é uma doutrina moralizadora por natureza e, como tal, uma doutrina benéfica à sociedade, uma doutrina que não impõe os seus postulados a ninguém, mas tem o direito de ser respeitada.

O Centro Espírita - Problemas Religiosos

Apóstolos do Espiritismo - José Herculano Pires

Artigo extraído do livro "O Centro Espírita" - 4ª Edição - Maio - 1992.

Ouve-se freqüentemente a pergunta; “O Espiritismo é religião?” E muitas vezes os espíritas não sabem respondê-la. A confusão a respeito provém das campanhas religiosas contra o Espiritismo. As igrejas Cristãs, descendentes diretas da igreja Judaica, definem-se como religiosas nos termos tradicionais do formalismo de suas organizações e do culto exterior calcado nos vários cultos dessa natureza que lhes serviram de modelo, em primeiro lugar o judeu e depois os mitológicos, com substanciais influências de Ordens Ocultas como a Maçonaria. As vestes sacerdotais, os paramentos do culto, os instrumentos sagrados – nada disso é de origem cristã, pois o Cristo não se interessou pelos cultos formais e só ensinou o cultivo interior do espírito. Algumas expressões dos Evangelhos, alguns gestos e atitudes do Cristo deram motivos à adaptação de ritos e sacramentos judeus ou pagãos pelos cristãos. Como o Espiritismo, fiel ao espírito da renovação cristã, não aceitou o culto exterior, a organização clerical profissional, nem os rituais, as igrejas Cristãs fundaram-se nisso para declarar que o Espiritismo não era religião. Ligadas aos Estados, elas tiveram facilidade em influir nos organismos estatais para fazerem prevalecer a sua tese. Até hoje, no Brasil e em muitos países certos organismos estatais, principalmente quando influenciados pela igreja, negam ao Espiritismo o seu caráter de religião. Mas os espíritas precisam saber que o Espiritismo é religião e o Centro Espírita, geralmente religioso, deve insistir no esclarecimento desse problema em suas reuniões.
Não se trata de querer-se obter regalias governamentais para os Centros, mas de se colocar a verdade do fato. E esse fato é aquele que Kardec esclareceu com segurança desde o início do movimento espírita: o Espiritismo é a Ciência do Espírito e de suas relações com os homens; dessa Ciência resulta uma Filosofia e dessa Filosofia as conseqüências religiosas do Espiritismo, que constituem a religião Espírita.
Kardec, como Jesus, não era clérigo de nenhuma religião. Foi pedagogo, cientista e filósofo, diretor de estudos da Universidade de França. Ao enfrentar o problema das manifestações espíritas, que no seu tempo agitavam a América e a Europa, encarou-as como cientista. Observou e pesquisou os fenômenos espíritas, como os cientistas observavam e pesquisavam os fenômenos físicos, descobrindo-lhes as causas, identificando a sua origem, a natureza e descobrindo as leis que os regem. Desse trabalho minucioso e aprofundado, no confronto de hipóteses diversas, nasceu no mundo a Ciência Espírita. Grandes nomes das Ciências no século passado e neste século continuaram na linha de pesquisas de Kardec e confirmaram a validade das suas descobertas. Surgiram depois as ciências correlatas, entre as quais se destacaram a Metapsíquica de Richet, a Psicobiofísica de Notzing e, por fim, a Parapsicologia atual, todas elas filhas do Espiritismo. A Parapsicologia foi à derradeira e decisiva confirmação do acerto de Kardec e com ela, sob a designação de fenômenos paranormais, os fenômenos espíritas integraram-se nos quadros científicos.
A Ciência Espírita revelou a face oculta da realidade que conhecemos e em que vivemos. Levantou as cortinas que ocultam os bastidores do palco em que representamos os nossos papéis e duplicou os conhecimentos humanos, até então restritos ao plano exterior das manifestações da vida.
Cada avanço significativo das Ciências no conhecimento do mundo transforma a nossa concepção da vida e do mundo, gerando uma nova Filosofia e uma nova moral. E a Moral, por sua vez, determinando novas regras de comportamento do homem no mundo, ante os mistérios da vida e da morte, gera uma nova posição religiosa. A Religião Espírita é a conseqüência natural da descoberta cientifica da sobrevivência e continuidade do homem após a morte. Cientificamente não se pode provar a imortalidade, pois não dispomos de recursos nem de tempo para constatar objetivamente que o homem é imortal em sua essência, mas o testemunho dos Espíritos Superiores e as conseqüências lógicas da sobrevivência do homem após a morte nos levam fatalmente à ilação da imortalidade, que o Espiritismo aceitou em seu campo religioso, bem como em sua Filosofia.
A Religião Espírita se funda nas provas cientificas da sobrevivência e da comunicabilidade dos Espíritos com os homens através dos fenômenos paranormais (hoje comprovadas cientificamente pela Parapsicologia), na existência de Deus como causa inteligente e primária de todas as coisas e de todos os seres e nas relações possíveis entre o Homem e Deus através do sentimento religioso inato no homem, na forma de uma lei de adoração e reverência aos poderes superiores que regem o Cosmos em sua plenitude.
Paralelamente ao desenvolvimento das pesquisas espíritas, as pesquisas sociológicas, antropológicas e filosóficas sobre a Religião levaram a cultura atual a rejeitar o antigo conceito de Religião como organismo social doado de sistemas tradicionais. A existência de religiões desprovidas desses requisitos normais, a começar da simplicidade das religiões primitivas, e o aprofundamento dos estudos a respeito mostraram que o fenômeno religioso independe dessas condições artificiais. Com a tese de Henry Bérgson sobre as origens da Moral e da Religião o problema se esclareceu, dando razão ao anúncio de Jesus e às profecias bíblicas sobre a interpretação em espírito e verdade que não se entrosava nos modelos. Bérgson estabeleceu a distinção entre as religiões estáticas do formalismo social e a religião dinâmica e independente que se sobrepõe a todo formalismo. A Religião Espírita apareceu então, no quadro das pesquisas, como o modelo ideal das religiões do futuro. Firmada apenas no sentimento religioso, na lei de adoração da tese espírita, a nova Religião apresentava-se liberta dos aparatos do culto exterior, das pesadas e custosas organizações clericais hierárquicas e da suntuosidade arrogante dos templos. A Religião se libertava dos interesses humanos, das ambições de poder e supremacia dos clérigos e voltava-se para Deus.
O problema da Revelação, que caracteriza as Religiões Reveladas, orgulhosas de sua origem divina especial, foi colocado por Kardec no campo das manifestações espíritas, ou seja, da fenomenologia paranormal, e sujeita ao controle dos homens. A Religião Espírita é também revelada, mas através de uma conjugação humano-divina. Os Espíritos Superiores fizeram revelações a Kardec, mas ele não as considerou válidas, reais, enquanto não pôde comprovar a sua veracidade através das pesquisas. Kardec formulou a tese da dupla revelação: a que é dada por entidades espirituais ou por homens dotados de poderes paranormais e a que é feita pelos cientistas que investigam a Natureza, descobrem os seus segredos e os revelam no plano cientifico. É dessa dupla revelação rejeitada pelos místicos e os supersticiosos, que se constitui a Religião Espírita, que não se acomoda na fé cega, mas exige a fé raciocinada, sancionada pelos fatos e pela razão esclarecida. Era o fim das fábulas e das superstições, o encontro da razão humana com a Verdade Divina. A importância desse acontecimento histórico foi negligenciada pelos comodistas da tradição supersticiosa e o Espiritismo foi acusado de reviver no mundo, em plena Era Cientifica, as mais baixas superstições do passado longínquo. Kardec esmagava a superstição com o poder perquiridor da razão, e os místicos de braços dados com positivistas e materialistas o condenavam como supersticioso. Mas, apesar de toda essa injustiça e de todas as campanhas difamatórias desencadeadas no mundo contra o Espiritismo, o tempo se incumbiu de dar o seu ao seu dono. Hoje, as pessoas realmente cultas e sinceras, estudiosas e livres de preconceitos, sabem que o Espiritismo dos simples é apenas um reflexo do Espiritismo dos sábios, que os próprios sábios materialistas são obrigados a reconhecer como válido. Só criaturas sistemáticas, retardatárias, preconceituosas ou sectárias, incapazes de abrir a mente fechada nas idéias feitas para a compreensão da realidade, continuam a negar a verdade espírita e ao mesmo tempo a sofrer sob o guante invisível dos espíritos obsessores. Porque a seita religiosa fechada é irmã da seita cientifica amarrada aos seus preconceitos. Um cientista apegado a preconceito é a própria negação da Ciência.
Mas, estabelecida a Religião Espírita em sua plena liberdade de pensamento, surge no meio dos seus adeptos voluntários o problema dos resíduos do passado. Criaturas que se tornaram espíritas através de experiências paranormais inesperadas, não conseguem vencer as barreiras dos temores introjetados em seu inconsciente e começam a misturar suas velhas superstições aos conhecimentos novos que recebe. Não se conformam com a liberdade ampla do Espiritismo. Sentem a falta da canga ao pescoço calejado e procuram transformar os dirigentes de Centros em sacerdotes de um novo tipo e caem de joelhos diante de pobres médiuns falíveis, na esperança de graças impossíveis. Forma-se a farândoia dos crentes ansiosos por benefícios especiais. E surgem questões de família e tradição, exigindo batizados, rituais, casamentos suntuosos, missas e promessas aos santos. O espiritismo dispensa todas as encenações rituais e todas as quinquilharias da devoção formal. Para todas as encenações e todos os sacramentos o Espiritismo só tem um substitutivo: a prece espontânea e sincera, gratuita, que parte diretamente do coração da criatura para a Mente Suprema de Deus. No Centro Espírita esse problema deve ser objeto de estudos constantes, de esclarecimento seguro, para que a propagação irrefreável da Doutrina não se faça manchada pelos resíduos de um passado de heresias e fogueiras assassinas em nome de Deus. Embora não ferindo suscetibilidades, os dirigentes do Centro devem manter em pauta os esclarecimentos necessários, mostrando que, no plano do espírito só os elementos espirituais têm valor. Não se pode curar obsessões com sal grosso, folhas de arruda, incenso ou explosões de pólvora, nem com medalhas, crucifixos ou água benta. A obsessão é um processo inteligente desencadeado por espíritos – o que vale dizer por inteligências extrafísicas que não são atingidas por essas coisas. Pois eles vivem no plano espiritual, não no material e conhecem o problema da comunicação mediúnica e do envolvimento fluídico. Só podemos afastar uma entidade obsessiva pela persuasão e a prece, procurando esclarecê-la ao invés de dar-lhe ordens que só fazem irritá-la. Os Centros Espíritas que aceitam os métodos antiquados dos antigos esconjuros e exorcismos revelam a mais grosseira ignorância da Doutrina Espírita, que é essencialmente racional. A Razão não pertence à matéria, mas ao espírito. Os fracassos das práticas de exorcismo se comprovam no mundo inteiro através de todas as fases históricas. Enquanto os exorcistas ou exorcisadores gastam energias e perdem tempo, com prejuízo de sua própria saúde e do desgaste físico dos obsedados, chegando, não raro, a resultados tristemente negativos, a doutrinação espírita revela por toda parte a vantagem da ação persuasiva e inteligente sobre os agressores inteligentes. O valor da prece, mental ou falada, revela-se sempre eficaz, pois a vibração espiritual de uma prece sincera atinge o obsessor de maneira envolvente, chamando-o à razão.
No tocante aos problemas da prece, convém lembrar, como ensina Kardec, que as mais eficazes são as preces espontâneas, não formais e decoradas, mas pronunciadas com sentimento e desejo real, consciente, de beneficiar tanto à vítima quanto ao algoz. Entre as preces formais, a do Pai Nosso se destaca por uma condição especial. Integrado na tradição cristã há dois milênios, essa prece está fixada na mente das gerações e goza o prestigio de ter sido ensinada pelo Cristo. Seu prestigio e sua capacidade de despertar emoções religiosas nos espíritos comprova-se diariamente no mundo. É por isso que ela é empregada sistematicamente na abertura das sessões espíritas. É um tabu, dizem os cépticos, e muitos espíritas com pretensões racionais agudas pretendem eliminá-la dos Centros. É um erro grave, pois em toda parte se constatou e se constata, no meio espírita, a sua eficácia. Não é difícil entendermos isso. O Pai Nosso não contém nenhum elemento mágico, mas desde a infância as criaturas nascidas no meio cristão aprenderam a dizê-la e a respeitá-la. Ela foi introjetada na consciência das gerações através dos séculos e dos milênios. Constitui-se numa forma oral e mental carregada de energias espirituais. Tornou-se, no plano religioso, o que é o soneto na poesia ocidental, uma forma oral e mental carregada de poder emocional. Os espíritos perturbadores, que têm consciência de sua posição negativa e criminosa – pois todos a têm – são tocados no íntimo, em sua sensibilidade profunda e em sua afetividade quando ouvem essa prece, principalmente se pronunciada por pessoas que sentem a sua mensagem e conhecem as razões da sua eficácia. Ela soa como um apelo da infância, da juventude emotiva, da vida passada que desencadeia antigas saudades nos homens e nos espíritos. A figura de Jesus, a força ôntica da palavra Pai, que vibra como um apelo a Deus e uma evocação do seu poder supremo e ao mesmo tempo misericordioso, vibra como a primeira nota vigorosa e amorosa de uma imprecação ao Céu, às regiões superiores que desejam atingir, por mais infeliz que seja a sua situação atual. Despertam-se na consciência e na emotividade do espírito as ternas lembranças dos entes queridos, do amor que experimentou na vida familiar terrena, dos momentos de felicidade e alegria que gozou entre criaturas queridas. São esses os toques profundos que o Pai Nosso produz nos corações fluídicos ou encarnados, como uma canção de outros tempos, antiga, que, na ternura de suas notas e de sua harmonia, nos faz voltar às oportunidades perdidas.
Criaturas pretensamente racionais analisam e criticam o Pai Nosso, apontando possíveis erros e absurdos no seu texto mais usado e longo, que é o do Evangelho de João. Entidades maldosas costumam soprar a essas criaturas idéias negativas, tentando desviá-las da prática dessa prece. Bastaria esse fato para nos confirmar o valor do Pai Nosso. Os Evangelhos registram formas diferentes da prece de Jesus. A que permaneceu na tradição foi a mais completa, vítima das criticas referidas. Tentemos analisá-la rapidamente em todos os seus termos, desfazendo essas críticas levianas:
PAI – Com essa palavra inicial Jesus deu um golpe vibrante na antiga concepção politeísta de Deus e na idéia bíblica, bem judaica, da posição exclusivista de Deus e na sua condição mitológica de guerreiro, o velho Deus dos Exércitos.
NOSSO – Nesta profunda palavra temos a universalização de Deus como Pai de toda a Humanidade. Ela destrói a velha e absurda idéia dos deuses de cada povo, em luta uns com os outros nas guerras dos povos.
QUE ESTAIS NO CÉU – Afirmação da presença de Deus no infinito, acima de todos os divisionismos humanos, pois o Céu não é um lugar determinado, mas a totalidade cósmica. Deus no Céu cobre na sua misericórdia toda a Terra e todos os mundos, todas as constelações do infinito.
SANTIFICADO SEJA O VOSSO NOME – Que seja reconhecido o nome de Deus como santo por todos os seres, anjos, espíritos e homens, que santificarão o nome de Deus em si mesmos, na sua consciência.
ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU – Especificação clara do reconhecimento universal do nome de Deus.
VENHA A NÓS O VOSSO REINO – Que o Reino de Deus, ideal superior de Justiça e de Paz perfeita, venha para nós todos.
SEJA FEITA A VOSSA VONTADE,
ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU – Que os homens, os espíritos e os anjos cumpram no Céu e na Terra, por toda à parte, a vontade suprema de Deus, revelando-se aqui o principio da comunhão constante e perfeita entre o mundo espiritual e o mundo terreno.
O PÃO NOSSO DE CADA DIA,
DAI-NOS HOJE – O pão simboliza o alimento geral de todos os seres – o espiritual e o material – que os povos daquele tempo repartiam nas mesas simbólicas das cerimônias religiosas. Jesus mesmo repartiu o pão com os discípulos na Ceia da Páscoa, e foi no partir do pão que os discípulos o reconheceram, depois da ressurreição, na estrada de Emaús. Esse alimento essencial é pedido a Deus, que é o Pai, para que não nos falte.
PERDOAI AS NOSSAS OFENSAS,
COMO AS PERDOAMOS AOS NOSSOS INIMIGOS – Os inimigos são os que nos perseguem e caluniam. Alimentados pelo pão espiritual podemos perdoá-los, e só assim nos fazemos dignos do perdão de Deus, que diariamente ofendemos em nossa ignorância. É o principio da fraternidade em Deus e por Deus.
NÃO NOS DEIXEIS CAIR,
EM TENTAÇÃO – Somos frágeis em nossa ignorância e alimentamos desejos e ambições. A tentação está em nós mesmos, mas Deus pode alimentar-nos diariamente o espírito com os verdadeiros anseios da nossa destinação, para não cairmos no torvelinho dos nossos instintos inferiores.
MAS LIVRAI-NOS DO MAL,
PARA SEMPRE – Súplica a Deus para nos despertar a consciência nas horas difíceis de cada dia.
POIS VOSSO É O REINO, O PODER E,
A GLÓRIA PARA TODO O SEMPRE – O Reino que buscamos é o de Deus, não o dos homens. O poder é de Deus e não dos espíritos inferiores, a glória só a Deus pertence e só Ele nos pode glorificar. Laudação que só aparece no Evangelho de João, como justificação final de toda a prece.
O Pai Nosso é uma prece sintética, modelo dado por Jesus aos seus discípulos, para que nela encontrem, diariamente, a síntese final dos seus ensinos. A dinâmica dessa síntese desperta a memória dos homens e das entidades espirituais para a fé em Deus, a esperança em nossa evolução espiritual e a confiança no poder absoluto e na misericórdia d’Aquele que nos arranca do limo da Terra para as ascensões da evolução universal.
Há pessoas que discordam da prece do Pai Nosso nas sessões espíritas, alegando que se trata de uma oração católica. Jesus nasceu no Judaísmo, recebeu a bênção da virilidade no Templo, aos 13 anos, como todos os meninos judeus da sua idade, cresceu e viveu como judeu até o momento em que iniciou a sua pregação própria, da qual nasceria o Cristianismo, porque os seus discípulos e apóstolos o chamavam de Cristo. Ele ensinou a prece do Pai Nosso quando andava pregando na Palestina, muito antes que a sua doutrina chegasse a Roma e fosse transformada num vasto sincretismo religioso do qual surgiria a igreja Romana. O Pai Nosso virou Padre Nosso em Roma e só neste século voltou à designação primitiva, dada pelos cristãos palestinos que não falavam latim. Não há razão nenhuma para se considerar essa prece como católica. Ela é uma prece cristã pura, dotada de todas as características do pensamento superior de Jesus, que sempre pairou acima dos divisionismos sectários. Se os Evangelhos apresentam o Pai Nosso em formas diferentes, isso acontece pelo simples fato de que cada evangelista redigiu os seus relatos em lugares e épocas diferentes, usando as lembranças e as anotações que possuíam. João, cujo Evangelho foi o último a ser elaborado, conseguiu reunir maiores elementos para dar a prece completa, segundo era pronunciada pelos cristãos primitivos. Como assinalou Renan, e foi confirmado nos séculos seguintes pelos pesquisadores universitários das origens do Cristianismo, as informações de que os evangelistas dispunham, procediam dos próprios círculos da intimidade do Mestre, guardando a autenticidade das suas expressões.
A insistência da igreja Católica em manter a expressão latina Padre (Pater) no nome da prece, lançou nos países de língua latina, como Portugal e o nosso, a falsa sugestão de uma ligação real entre a igreja (cujos sacerdotes são chamados padres), o que foi duramente contestado pelas igrejas da Reforma Protestante.
O emprego do Pai Nosso nas reuniões espíritas é perfeitamente válido, tanto em face das características inegáveis de Renascimento Cristão da Doutrina Espírita, tanto em seu desenvolvimento filosófico, quanto em suas atividades práticas. A alegação de que o Espiritismo mistura Cristianismo com religiões primitivas é simplesmente uma impostura, diante dos estudos aprofundados sobre a formação do sincretismo católico-africano de que o Espiritismo não participou.

O Centro e a Comunidade

Apóstolos do Espiritismo - José Herculano Pires

Artigo extraído do livro "O Centro Espírita" - 4ª Edição - Maio - 1992.

O Centro Espírita não surge arbitrariamente, nem por determinação de alguma instituição superior do movimento doutrinário. Ele é sempre o produto espontâneo de uma comunidade espírita que se formou num bairro, numa vila ou numa cidade. Essa comunidade é sempre extremamente heterogênea, formada por espíritas e simpatizantes da Doutrina, membros de correntes espiritualistas diversas e de religiosos indecisos ou insatisfeitos com as seitas a que se filiaram ou que pertencem por tradição familial. Há, porém, um denominador comum para essa mistura: o interesse pelo Espiritismo. Esse interesse, por sua vez, decorre de vários motivos, entre os quais predominam as ocorrências de fatos mediúnicos nas famílias, geralmente em forma de perturbações psíquicas.
Dessa maneira, os fundadores do Centro e seus auxiliares enfrentam desde o inicio muitos problemas e dificuldades. É necessária a presença de uma pessoa que tenha conhecimentos doutrinários e experiência da prática mediúnica, para que o Centro não fracasse nos seus primeiros meses de existência. Não havendo no grupo fundador uma pessoa nessas condições, é necessário recorrer-se a pessoas de Centros das proximidades, que sempre atendem de boa-vontade. O Espiritismo não é proselitista, não entra na disputa sectária de adeptos das religiões, mas devem os espíritas, necessariamente, interessar-se pelos que se interessam pela Doutrina. Esclarecer e orientar é dever espírita.
O conhecimento dos problemas mediúnicos exige estudo incessante das obras básicas de Allan Kardec, particularmente estudos permanentes do Livro dos Médiuns e leitura metódica da Revista Espírita de Kardec, em que os leitores encontram, além de numerosas instruções, relatos de fatos e observações de pesquisas que muito ajudam no trato de problemas atuais. Sem estudo constante da Doutrina não se faz Espiritismo, cria-se apenas uma rotina de trabalhos práticos que dão a ilusão de eficiência. Estudo e pesquisa, observação constante dos fatos, análise das mensagens recebidas, observação dos médiuns, exigência de educação mediúnica, com advertências constantes para que os médiuns aprendam a se controlarem, não se deixando levar pelos impulsos recebidos das entidades comunicantes – esse é o preço de trabalhos mediúnicos eficazes. Mas, acima de tudo e antes de tudo: humildade. Porque Espiritismo sem humildade é água poluída, cheia dos germens da pretensão, da vaidade, do orgulho que atraem os espíritos inferiores. Um presidente de Centro não é Presidente da República e um doutrinador não é um sábio. Pelo contrário, são criaturas necessitadas, que estão aprendendo a arte difícil de servir e não a de baixar decretos, dar ordens e humilhar os outros em público. Sem a humildade, que gera e sustenta o amor ao próximo, nem o estudo pode dar frutos. Por outro lado, sem estudo os frutos da humildade não produzem amor, mas fingimento, hipocrisia de maneiras e fala melosa, de voz impostada para imitar anjos.
O Espiritismo é natural e exige naturalidade dos que pretendem vivê-lo no dia-a-dia, em relação natural e simples com o próximo. Os maneirismos, as modulações artificiais da voz, os excessos de gentileza mundana e tudo quanto representa artifício de refinamento social, deformando a natureza humana a pretexto de aprimorá-la, não encontram aceitação nos meios verdadeiramente espíritas. Algumas instituições começaram a adotar, há alguns anos, treinamentos de voz e de gesticulação para jovens espíritas. Alguns Centros aderiram a essas encenações, estimulados por mensagens espirituais que aconselham brandura e bondade no trato com os semelhantes. Espíritos ainda apegados aos formalismos religiosos do passado chegaram a recomendar modismos nesse sentido. Nem Jesus nem Kardec se utilizaram nem recomendaram essas imitações da hipocrisia farisaica. O que o Espiritismo objetiva é a transformação interior das criaturas, para que se tornem mais esclarecidas e, com isso, dotadas de mente mais arejada e coração mais puro. No Centro Espírita devemos manter a mais plena naturalidade de comportamento, dentro das normas naturais do respeito humano. As modificações exteriores, precisamente por serem forçadas e, portanto mentirosas, não exercem nenhuma influência em nosso interior. O contrário é que vale: quem se exercitar na prática das boas ações, da verdade e da sinceridade, modificará sem querer e perceber o seu comportamento, sem nenhum dos sintomas desagradáveis de fingimento e hipocrisia. O Espiritismo, que nos foi legado pelo Cristo através do Espírito da Verdade, não pode adotar os expedientes da mentira. O Centro Espírita tem mais com que se preocupar, do que com essas repetições de um longo passado de traições e perfídias, em que sacerdotes treinados nos gestos e expressões de piedade, mandavam queimar vivos os seus semelhantes em nome de Cristo.
A facilidade com que a maioria das pessoas aceita livros de evidente mistificação, como os Evangelhos de Houstaing, as obras de Ramatis, e tantas outras, eivadas de contradições e de passagens ridículas, destinadas especialmente a ridicularizar a Doutrina, provém dos milênios de sujeição das massas à mistificação clerical. No Espiritismo não objetivamos o domínio do mundo por nenhuma forma igrejeira, através de engodos demagógicos, mas unicamente o esclarecimento das criaturas para que a Terra se eleve em suas condições morais e espirituais. O sistema igrejeiro de adulação aos médiuns, no desejo de obter as suas graças, é outra raiz amarga que nos vem do passado religioso, mas que não deve ser cultivado no Centro Espírita. O médium adulado, louvado a todo instante, cercado de admiradores como um cantor popular, artista de novela de TV ou jogador de futebol, acaba perdendo a sua naturalidade, recorrendo a expedientes ridículos para conservar o seu prestigio e geralmente chega em falência ao fim da sua missão. Os exemplos são muitos e dolorosos, no mundo inteiro. Essa situação constrangedora coloca o Espiritismo em pé de igualdade com as religiões formalistas, deturpando-lhe a imagem real. Médiuns, expositores e escritores espíritas não são luminares nem santos, mas criaturas falíveis que podem também cair a qualquer instante de seus falsos pedestais. Devemos respeitar naturalmente a essas criaturas como nossos irmãos dedicados à Doutrina (quando não a traem em favor de suas opiniões pessoais), sim devemos respeitá-los e louvar os seus esforços, mas sem cairmos no exagero de idolatrias beatas.
O conceito de mediunidade que vigora entre nós, na maioria esmagadora dos Centros, é espantosamente ambivalente e, portanto contraditória. Afirma-se ao mesmo tempo em que a mediunidade é uma graça e uma provação, que os médiuns são espíritos grandemente faltosos, não obstante adorados como enviados de Deus. Os que estudam seriamente a Doutrina logo percebem a falsidade desse conceito. A mediunidade é uma faculdade natural da espécie humana, como todas as demais faculdades. Toda criatura humana é naturalmente dotada de mediunidade. Kardec observou a existência da mediunidade generalizada. Mas a mediunidade manifesta-se nas criaturas em diferentes graus de desenvolvimento. Todos somos médiuns, todos possuímos o que hoje se chama de percepção extra-sensorial, segundo a terminologia parapsicológica. É natural que os que revelam graus mais intensos de mediunidade, prestando-se por isso a trabalhos mediúnicos, sejam especificamente designados como médiuns, da mesma maneira por que todos possuímos inteligência, mas só os que a possuem em grau excepcional são designados como “uma inteligência”, merecendo os louvores e o respeito dos que não atingiram esse grau.
Os médiuns são os elementos principais da ligação do Centro Espírita com a comunidade social do bairro ou da cidade. São mesmo os elos genésicos dessa ligação. Suas faculdades mediúnicas exercem atração natural sobre a comunidade e os serviços que prestam no Centro ou nos atendimentos eventuais, fora dele, ampliam a simpatia popular pelo Centro. Essa função do médium é natural e inconsciente. Partes integrantes da comunidade, vivendo no meio do povo como povo, sem nenhum título especial que os separe da massa, quanto mais simples e despretensiosos eles forem, mais eficientes serão na sua função espontânea de elos. Quando o médium é pedante, pretensioso, contador de vantagens, sabereta, arrogante, essas antivirtudes o transformaram em elemento negativo na dinâmica social. Por isso o médium deve compreender bem a sua condição de criatura normal integrada no povo e não de elemento excepcional, dotado de poderes divinos ou convencido de possuí-los. Os dirigentes do Centro podem reforçar ou enfraquecer as ligações deste com a comunidade. Basta um presidente arrogante, sempre disposto a criticar e humilhar os adeptos de seitas existentes na comunidade, para que os elos estabelecidos pelos médiuns sejam rompidos. Atacar religiões e práticas religiosas dos outros é o meio mais fácil de afastá-los do Centro. Essa crítica pode e deve ser feita em termos de comparação histórica, nas reuniões especiais de estudo doutrinário, com ampla liberdade de discussão a respeito, reconhecendo-se a existência dos fatores temporais que, no passado, foram benéficos à solução espiritual dos homens, tornando-se mais tarde prejudiciais ao esclarecimento espiritual do povo. Mesmo assim, é conveniente evitar exageros, para que esses debates elucidativos não se transformem em pedra de tropeço para as pessoas simples e de boa-fé. Em todas as atividades do Centro deve prevalecer o princípio de amor e respeito ao próximo, não para atrair simpatias, mas para não causar aborrecimentos e prevenções nas pessoas que desejam adquirir conhecimentos renovadores.
O Centro Espírita não é um instrumento de conversões, mas também não pode ser um instrumento de dissensões. O Espiritismo não quer impor-se aos outros, mas ajudar e esclarecer os que o procuram. Se existirem na comunidade elementos, desses que fazem de cada espírita um diabo disfarçado em gente, um instrumento do diabo para enganar as almas, o Centro não deve aceitar as suas provocações negativas. Essas pessoas, geralmente exaltadas e insolentes, são vítimas de seu próprio temperamento e também das deformações sectárias do Cristianismo e das épocas de fanatismo, maldições, excomunhões e perseguições, que embora distantes, ainda permanecem no inconsciente de muitas criaturas, forçando-as a atitudes anticristãs e ridículas. Hoje os tempos são outros e o Centro Espírita pode responder essas agressões – como fazia Kardec – não com revides violentos, mas com esclarecimentos serenos e fraternos.
Mas temos de vigiar a nossa tolerância, para não cairmos no charco da hipocrisia, no fingimento de uma bondade que não possuímos. A regra de comportamento espírita deve ser a de Jesus: “mansos como as pombas, prudentes como as serpentes”. O Centro Espírita guarda em seu seio as colheitas da Verdade e precisa defendê-las, mantê-las puras e vivas, para com elas saciar a fome do mundo. Jesus imolou-se por essa colheita de sua própria semeadura, mas enquanto foi necessário defender a seara manteve atitudes viris contra os pregoeiros da mentira e da ilusão. Se deixarmos o Centro abandonado à fúria dos fariseus, eles o destruirão sem nenhum escrúpulo, sob rajadas de calúnias e perfídias. O Centro Espírita é a pequena e humilde fortaleza da Verdade na Terra da Mentira. Tem a obrigação de lutar para que a Verdade prevaleça em toda a sua dignidade.
A incapacidade humana para assimilar os ensinos de Jesus levou o Cristianismo a dois extremos que somente Kardec soube rejeitar, estabelecendo o equilíbrio na balança do bom-senso. Os espíritas não podem oscilar entre o extremo da arrogância criminosa, geradora de guerras e destruições, e o extremo da covardia disfarçada em humildade, que sempre cala e tudo cede aos insolentes agressores. Há um limite para a tolerância, traçado por Jesus em torno da mulher inerme que os hipócritas queriam apedrejar.
Propagou-se no meio espírita através de mensagens mediúnicas emotivas, tendendo a um masoquismo de cilícios e autopunições a estranha idéia de que a virilidade só pertence aos cultores da violência. Voltamos assim ao sistema igrejeiro dos rebanhos de ovelhinhas inocentes devoradas por lobos famintos sem qualquer possibilidade de defesa. Entregues a essa idéia derrotista, o meio espírita abastardou-se a ponto de até mesmo recusar-se a defender a Doutrina aviltada pela ignorância travestida de bondade e doçura. A falsa imagem do “Meigo Nazareno”, que a tudo cedia – comprometendo a sua própria missão – apagou na mente de adeptos desprevenidos a imagem viril de Jesus empunhando o chicote no Templo contra os vendilhões. Já é tempo de compreendermos que estamos na Terra para conquistar e defender a dignidade humana, sem nos curvarmos atemorizados ante as investidas da impostura. Quem não defende a Verdade traída e conspurcada pela mentira não é digno dela. E quem não é digno da Verdade entrega-se à mentira. Jesus enfrentou os mentirosos atrevidos, num dos pátios do Templo como nos revela o Evangelho de João, dizendo-lhes face a face: “Vós sois do Diabo e vosso pai foi ladrão e assassino desde o principio”. Duras palavras, a que os mentirosos quiseram responder com pedradas. Mas Jesus desapareceu, ensinando-lhes que as pedras da mentira não podem atingir o alvo da Verdade. Os espíritas seráficos, candidatos apressados a uma angelitude que ainda estamos longe de alcançar na Terra, não compreendem o sentido desse trecho evangélico e são capazes de expungi-lo do Evangelho em nome de uma santidade covarde que Jesus jamais ensinou. A figura evangélica de Jesus é recortada em traços fortes e viris. Sua coragem de encarnar-se na Terra para enfrentar os poderes do mundo como homem, sua audácia na condenação dos poderosos do tempo, sem recorrer a sofismas, sua bravura ao entregar-se para o sacrifício da cruz para ensinar aos homens a glória de morrer pela Verdade – são lições que devemos aprender, se quisermos nos fazer dignos de segui-lo.
O Centro Espírita se entranha naturalmente na comunidade, é parte dela, um órgão ativo e operante da estrutura social. Por mais humilde e simples que seja, é uma fonte de consolações, um posto de orientação para os que se aturdem e se transviam, mãos amigas estendidas na bênção do passe, canal sempre aberto da caridade e do amor. Mas é também a trincheira serena e vigilante da Verdade, o tribunal que não condena, mas ajuda e absolve através do esclarecimento espiritual. Os que buscam a paz e a esperança encontram nele a compreensão que pacifica o espírito e a razão que justifica a fé nas provas da Verdade. Por tudo isso a sua posição na comunidade é a de um coração aberto a todos e a de uma consciência lúcida a orientar a todos, na permanente doação dos ensinos e socorros gratuitos.
A responsabilidade dos dirigentes e colaboradores dessa instituição cristã, humilde e simples é, entretanto, grandiosa e complexa. A voz dos espíritos soa dia-e-noite no silêncio dessa concha acústica da Verdade, no murmúrio secreto das fontes da intuição, advertindo aos que sofrem e aos que gozam quanto à precariedade das ilusões terrenas e a eternidade das leis da vida no Universo infinito. Quanto mais simples é o Centro em bens materiais, maior é a sua riqueza em bens espirituais.

O mandamento difícil

O mandamento difícil

Artigo extraído do livro "Educação para a Morte" - 5ª Edição - Setembro de 1996 - Editora Espírita Correio Fraterno do ABC.
Herculano Pires

O mandamento central dos Evangelhos, e por isso mesmo o mais complexo e o mais difícil, é o de amar ao próximo como a nós mesmos e a Deus sobre todas as coisas. Amar ao próximo não parece muito difícil, mas amá-lo como a nós mesmos é quase uma temeridade. Mas Jesus o deu de maneira enérgica, explicando ainda que esse amor corresponde também ao amar a Deus. Amamos naturalmente a nós mesmos com tal afinco que, estendemos esse amor à família e o negamos às pessoas estranhas, não raro de maneira agressiva e ciumenta. Podemos explicar isso, psicologicamente, pelo egocentrismo da infância, que é uma exigência da formação da personalidade. Se a criança não fosse, como se costuma dizer, o centro do mundo, e não se apegasse a essa centralização, seria facilmente absorvida na mundanidade e dispersa na temporalidade, para usarmos a terminologia de Hideggard. Para manter a sua unidade ôntica, ou seja, para ser ela mesma, a criança tem de se apegar com unhas e dentes ao seu ego, esse pivô interno, em torno do qual desenvolvem-se as energias da afetividade e da criatividade. O mundo nos atrai e tenta absorver-nos num processo de dispersão centrífuga. Se não tivéssemos o pivô do ego, com suas energias centralizadoras, o ser estaria sujeito a se perder na dispersão das energias ônticas. O normal é que essas duas correntes energéticas se contrabalancem, sem o que teríamos o indivíduo egoísta ou o indivíduo amorfo, sem nunca atingirmos a formação da personalidade que define o homem. A permanente ameaça e o temor da dispersão gera no homem a reação de defesa contra a eternidade. Nas tribos selvagens as crianças recém-nascidas são consideradas criaturas estranhas e misteriosas, que chegam não se sabe de onde. Por isso são tratadas com carinho na primeira e segunda infância, mas depois submetidas a períodos de observação quanto às tendências que devem revelar. Só adquirem um nome e se integram na tribo depois de reconhecidas como em condições para tanto. Nas civilizações encontramos um desenvolvimento agudo do sóciocentrismo, em que os estrangeiros são considerados impuros, como na Antiga Israel, ou considerados bárbaros, como na Roma Antiga. O próprio instinto de conservação, que começa na lei física da inércia e se prolonga nas coisas e nos seres, até ao homem, e suas instituições, completa esse quadro defensivo. Não há dúvida que a nossa desconfiança em relação ao próximo provém dessas forças instintivas. Só conseguimos vencê-las quando nos sentimos onticamente maduros, como seres formados e definidos em nossa personalidade. Quanto mais inseguros nos sentimos, tanto mais difícil se torna a nossa aceitação do próximo, sem prevenções e desconfianças. Nossa primeira atitude ante um desconhecido é sempre de reserva ou de antipatia. Somente nos reencontros reencarnatórios de criaturas afins, com um passado de relações felizes ou uma afinidade vibratória semelhante, os primeiros contatos podem ser expansivos.
A sabedoria dos ensinos de Jesus se revela precisamente nesses casos em que mostra de maneira evidente. Com o ensino do amor ao próximo, Jesus agiu sobre a indevida extensão dessas forças preservadoras num tempo de maturidade. Não foi somente com o ensino do monoteísmo, da unicidade de Deus, que ele procurou acordar-nos para a fraternidade humana. Completando a ação reformista e dando mais ênfase à necessidade de amarmos a todos os nossos semelhantes, ele definiu a família humana como decorrente da paternidade universal de Deus.
Stanley Jones, pastor metodista, chamado O Cavaleiro do Reino de Deus, por suas pregações profundamente humanistas, descobriu a maneira cristã de combater essa aversão ao estranho, dizendo: “Quando vejo passar pela minha porta um homem condenado pelos outros, logo penso que, por aquela criatura detestada, o Cristo entregou-se à crucificação”. Porque, na verdade, Jesus não veio à Terra para salvar a este ou àquele, mas a toda a Humanidade. Se conseguirmos compreender isso, afastaremos da Terra o cancro moral do racismo, da aversão ao estrangeiro, da impiedade para com os infelizes viciados no crime e na maldade, oferecendo-lhes pelo menos um pouco de simpatia. Com isso, pingamos uma gota de amor na taça de fel que o nosso irmão leva aos lábios todos os dias.
Mais estranho nos parece o mandamento: “Amai aos vossos inimigos”. Entretanto, se não fizermos isso, nunca aprenderemos realmente a amar. Porque o verdadeiro amor nunca é discriminativo, mas abrangente, envolvendo num só objeto de afeição todas as criaturas. Como ensina Kardec, não podemos amar a um inimigo, que conhecemos pela experiência da convivência, depositando nele a nossa confiança. Amar ao inimigo não é fácil, exige principalmente o sacrifício do perdão e do esquecimento do que ele nos fez de mal. E por isso mesmo esse amor é sublime, podendo levar o inimigo a se transformar no nosso maior e mais reconhecido amigo. Não podemos, porém, agir com ingenuidade nesses casos. Temos de usar sempre, como Jesus ensinou, a mansidão das pombas e a prudência das serpentes. Diz o povo que “Quem faz um cesto faz um cento”. O homem, herdeiro dos instintos animais, é também herdeiro dos instintos espirituais de que trata Kardec, e possui o poder discriminador da consciência. Agindo sempre com a devida prudência, pode apagar as mágoas da inimizade sem entregar-se às armadilhas da traição. Assim, o processo de amar o inimigo não pode ser imediato, mas progressivo, segundo a prudência dos selvagens no trato com os novos e ainda desconhecidos companheiros que chegam à tribo, vestidos com a roupagem da inocência, segundo a expressão kardeciana. O que importa, no caso, não é o milagre da conversão do inimigo em amigo, mas o despertar no homem da compreensão verdadeira do amor.
A importância desse problema, na educação para a morte, relaciona-se com a questão da sobrevivência. As pesquisas da Ciência Espírita mostraram que muitos dos nossos sofrimentos na Terra provêm das malquerenças do passado. Um inimigo no Além representa quase sempre ligações negativas, de forma obsessiva, para o que ficou na Terra sem saber perdoar. A técnica espírita da desobsessão, de libertar o homem das vibrações de ódio e vingança dos inimigos mortos, é precisamente a da reconciliação de ambos nas sessões ou através de orações reconciliadoras. A situação obsessiva é grandemente desfavorável para o que continua vivo na Terra, pois este se esqueceu dos males cometidos e o espírito obsessor, vingativo, lembra-se claramente de tudo. Por isso, as práticas violentas do exorcismo, judeu ou cristão, com ameaças e exprobações negativas do obsedado, podem levar ao auge o ódio do obsessor.
A condição do obsessor no plano espiritual, alimentando o ódio que levou da Terra, é também de responsabilidade do obsedado que não soube perdoar e pedir perdão. Todos os sofrimentos de uma situação de penoso desajuste no após-morte são produzidos pela dureza de coração do que continuou na Terra ou a ela voltou para o necessário reajuste. Por isso, Jesus advertiu que devemos acertar o passo com o nosso adversário enquanto estamos a caminho com ele. Conhecidos estes princípios de maneira racional, podemos influir no alívio da pesada atmosfera moral que pesa sobre a Terra em momentos como este que estamos vivendo. Não se trata de problemas que devam ser resolvidos por este ou aquele tribunal, humano ou divino. A solução está sempre em nossas mãos, pois foi com elas que praticamos os crimes que agora dardejam sobre a nossa consciência como os raios de Júpiter. Nos tenebrosos anais da pesquisa psíquica mundial encontramos numerosos casos, descritos em minúcias pelos protagonistas de tragédias dessa espécie. Daí a advertência de Jesus, que parece temerária aos inscientes: “O que xinga o seu irmão de raca está condenado ao fogo do inferno”. A palavra raca é uma injúria grandemente ofensiva, mas o castigo parece exagerado. Devemos lembrar que o fogo do inferno não é eterno, como querem os teólogos, mas que a dor da consciência fora da matéria queima como fogo. Tivemos a oportunidade de conviver alguns dias com um assassino que matara seu adversário à faca, pelas costas. Era um homem de formação protestante, que continuava apegado ao Evangelho e se justificava com passagens vingativas da Bíblia, apoiadas por Deus. Repeliu as nossas explicações de que a Bíblia é uma coletânea de livros judeus e nos disse, com assustadora firmeza: “Se ele me aparece agora redivivo, eu o mataria de novo”. Episódios como esse nos mostram como os sentimentos humanos podem perdurar nos espíritos encarnados ou desencarnados, de maneira assustadora. O ódio desse homem não se extinguira com o sangue do inimigo. Nenhuma sombra de remorso transparecia nos seus olhos carregados de ódio e ameaças. Faltava-lhe, porém, o conhecimento das leis morais. Mais tarde, segundo nos disseram, o seu coração se abrandou. Tivera um sonho com o adversário morto, que lhe pedia perdão, em lágrimas, por havê-lo levado ao desespero do crime.
As tragédias desta espécie, em que a vítima geralmente é responsável pelo crime, por motivos de sua intransigência, são em maior número do que supomos. Torna-se bem claro, nesses casos, o processo dialético da evolução humana. Nesse criminoso aparentemente insensível havia um coração profundamente ferido pela intransigência do adversário. Questões formais de honra, de direitos violados, de prepotência e humilhação torturaram a mente do assassino e o levaram ao crime. Cometido este, decorridos amargos anos de prisão, com a família na miséria e enxovalhada pela mancha criminosa, a vítima transformada em carrasco não conseguia perdoar o morto. Os instintos animais, em fermentação na sua afetividade e na sua consciência não lhe permitam abrir-se para a compreensão da gravidade do seu ato. Ao mesmo tempo, o assassinado, nos planos espirituais inferiores, remoia o seu ódio e a sua frustração, acusando o assassino de lhe haver tirado a vida. A troca de vibrações mentais entre ambos mantinha-os na mesma luta. Somente a interferência da misericórdia divina conseguira abrir uma fresta de luz na mente do assassinado, para que ele caísse em si e reconhecesse a sua culpabilidade. Para a sociedade terrena a tragédia terminara nas grades de uma prisão. Mas, para o mundo espiritual ela prosseguia. Na consciência do assassinado a visão da realidade até então oculta despertava os instintos espirituais, os anseios de superação das condições animalescas a que se entregara na carne. A Educação para a Morte teria libertado ambos na própria vida carnal, levando-os à compreensão de que não eram feras em luta na selva, mas criaturas humanas dotadas de potencialidades divinas. Não lhes haviam faltado os socorros espirituais da intuição e do chamado terreno no campo religioso. Um era protestante e o outro católico, ambos tiveram contato com os Evangelhos desde a infância, mas a reação hipnótica dos interesses mundanos os havia imantado fortemente à matéria, fazendo-os esquecer a natureza espiritual da criatura humana. As religiões, por seu lado, imantadas às interpretações dogmáticas, não puderam ampará-los com a explicação racional da situação que enfrentavam. No entanto, há dois mil anos, Jesus já advertira: “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas!”.

O mistério do ser

O mistério do ser

Artigo extraído do livro "Pedagogia Espírita" - 1ª edição - Maio de 1985 - Editora Cultural Espírita Ltda - EDICEL.
Herculano Pires

A educação depende do conhecimento menor ou maior que o educador possua de si mesmo. Porque conhecer-se a si mesmo é o primeiro passo do conhecimento do ser humano. A Humanidade é uma só. O ser humano, em todas as épocas e em toda parte, foi sempre o mesmo. Sua constituição física, sua estrutura psicológica, sua consciência são iguais em todos os seres humanos. Essa igualdade fundamental e essencial é o que caracteriza o homem. As diferenças temperamentais, culturais, de tipologia psicológica, de raça ou nacionalidade, de cor ou tamanho são apenas acidentais. Por isso mesmo a Educação é universal e seus objetivos são os mesmos em todas as épocas e em todas as latitudes da Terra.
Essa padronização, que devia simplificar a educação, na verdade a complica, porque por baixo do aspecto padronizador surgem as diferenciações individuais e grupais. Cada indivíduo é único, diferente de todos os demais, mesmo nos grupos afins. O tipo psicológico de cada ser humano é único e irredutível à massa. O mistério do ser, que aturde os educadores, chama-se personalidade. Cada ser humano é uma pessoa. E o é desde o nascimento, pois já nasce formada com sua complicada estrutura que vai apenas desenvolver-se no crescimento e na relação social. É difícil para o educador dominar todas essas variações e orientá-las.
Educar, como se vê, é decifrar o enigma do ser em geral e de cada ser em particular, de cada educando. René Hubert, pedagogo francês contemporâneo, define a Educação como um ato de amor, pelo qual uma consciência formada procura elevar ao seu nível uma consciência em formação. A Educação se apresenta, assim, como Ciência, Filosofia, Arte e Religião. É Ciência quando investiga as leis da complexa estrutura humana. É Filosofia quando, de posse dessas leis, procura interpretar o homem. É Arte quando o educador se debruça sobre o educando para tentar orientá-lo no desenvolvimento de seus poderes internos vitais e espirituais. É Religião porque busca a salvação do ser humano no torvelinho de todas as ameaças, tentações e perigos do mundo. O verdadeiro educador é o que pratica a Religião verdadeira do amor ao próximo, naquilo que podemos chamar o Culto do Ser no templo do seu próprio ser.
Não se trata de uma imagem mística da Educação, mas de uma tentativa de vê-la, compreendê-la e aplicá-la em todas as suas dimensões. O ato de educar é essencialmente religioso. Não é apenas um ato de amor individual, do mestre para o discípulo, mas também um ato de integração e salvação. A Educação não procura integrar o ser em desenvolvimento numa dada situação social ou cultural, mas na condição humana, salvando-o dos condicionamentos animais da espécie, elevando-o ao plano superior do espírito.
É fácil compreendermos como está longe de tudo isso o profissionalismo educacional do nosso tempo. Tinham razão os filósofos gregos quando condenaram o profissionalismo dos sofistas. Não se tratava apenas de uma diferenciação de classes sociais, mas da luta contra o abastardamento da Educação pelos que negavam a existência da verdade a troco de interesses imediatistas.
Como ajustar os fins superiores da Educação às exigências de uma civilização baseada no lucro? A falta de uma solução para esse ajustamento é a origem da crise universal da Educação em nosso tempo. Não obstante, a solução poderia ser encontrada na aplicação de processos vocacionais. Nenhum tipo de educação coletiva pode ser eficiente se não estiver em condições de observar e orientar as tendências vocacionais.
O desenvolvimento da Era Cósmica, apenas iniciada com as conquistas atuais da Astronáutica, traz novos e graves problemas ao campo educacional. Toda a Terra está sendo afetada pela nova concepção do homem e da sua posição no Cosmos. O aceleramento do processo tecnológico está levando o homem a conhecer melhor a sua própria condição humana. O ceticismo dos últimos tempos vai cedendo lugar a um despertar de novas e grandiosas esperanças. A Educação da Era Cósmica começa a nascer e os educadores começam a perceber que precisa renovar os processos educacionais.

Se os teus olhos forem bons...

Se os teus olhos forem bons...

Artigo extraído do Livro "O Sermão da Montanha" - FEB - 7ª Edição - 6/1989. Rodolfo Calligaris

“Os teus olhos são a luz do teu corpo. Se eles forem bons, todo o teu corpo terá luz; mas, se eles forem maus, todo o teu corpo será tenebroso. Se, pois, à luz que há em ti são trevas, quão grandes não serão essas mesmas trevas!” (Mateus, 6:22-23).
Diz um refrão popular que “os olhos são o espelho da alma”. Isso quer dizer que nossas qualidades anímicas expressam-se ou dão-se a conhecer pela simplicidade ou má índole com que olhamos e consideramos os outros, as coisas e os acontecimentos.
Pessoas há que só têm olhos para enxergar o lado mau de tudo.
Desconfiadas, vivem com medo de serem ludibriadas em seus afetos ou prejudicadas em seus interesses; maliciosas, não confiam em ninguém e estão sempre a fazer mau juízo do próximo; pessimistas, encaram os fatos da existência invariavelmente pelos seus aspectos menos felizes, e, quando solicitadas a opinar sobre a conveniência de qualquer realização, só sabem desencorajar, desmerecer, demolir.
Vendo unicamente o mal onde quer que pousem suas vistas, esperando constantemente o pior de qualquer evento, essas pessoas mantêm-se em sintonia com o astral inferior, envolvem-se em trevas cada vez mais densas, caem num estado de alma mórbido e desgraçado, acabando, geralmente, em deplorável ruína.
Tornam-se, assim, vítimas daquilo que admitem, criam e nutrem persistentemente em si mesmas.
É de suma importância que aprendamos a ver o bem em todos e em toda parte, para que o bem se manifeste e cresça em nossa vida.
Acreditando no bem, mentalizando o bem e esperando apenas o bem, nossos dias transcorrerão tranqüilos e ditosos, pois, como disse o Mestre, “o que buscarmos acharemos”.
Em verdade, sendo o universo, criação de Deus, o Supremo Bem, tudo é bom, tudo obedece a uma finalidade justa, útil e necessária. Até mesmo o que nos fere e faz sofrer e, por isso, “parece” ser um mal, converte-se em benefício para nossas almas, pois fá-las exercitar as virtudes que lhes faltam (a paciência, a resignação, a fé, etc.), preparando-as para um futuro melhor.
Não percamos tempo, portanto, na identificação do mal, ainda que a pretexto de fugirmos dele.
Abramos os olhos e estejamos atentos, isto sim, para nos apercebermos das centenas de oportunidades que se nos oferecem, diariamente, para a prática do bem.
Ajamos sempre com sinceridade de propósito e, onde estivermos: no lar, na rua ou no trabalho, procuremos ser solícitos para com os que nos rodeiam, ajudando-os como e quanto nos seja possível.
Se contrairmos esse hábito, não deixando passar uma só ocasião de servir, se mantivermos aceso o ideal de tornar-nos um instrumento pelo qual o Amor de Deus possa chegar aos nossos irmãos, todo o nosso ser se tornará luminoso, irradiando simpatia, calor humano e felicidade.
Teremos alcançado, então, a glória de ser considerados “filhos da Luz”.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O pecado e a atitude pecaminosa


"Tendes ouvido o que foi dito: Não adulterareis. Eu, porém, vos digo que todo o que põeseus olhos em uma mulher, para a cobiçar, já no seu coração cometeu adultério... E'necessário que haja escândalos, mas ai do homem por quem o escândalo vem."A atitude pecaminosa e o pecado consumado são igualmente passíveis de condenaçãopela soberana justiça do céu.Há capacidade para o mal, como há para o bem. O estado pecaminoso está incurso na leidivina, ainda mesmo que, por esta ou aquela circunstância, não se objetive o pecado.A justiça da Terra julga pelas aparências. A do céu julga segundo a reta equidade. Parao julgamento do mundo é mister que o mal se concretize para que exista e sejacondenado. Para o juízo divino, que penetra o âmago dos corações, não é istonecessário: ele constata o mal latente e o exprobra desde logo.E assim se explicam as palavras de Jesus: E' preciso que haja escândalo; mas aidaquele por quem vem o escândalo. Sim, é preciso que a maldade humana, oculta nospélagos insondáveis do Espírito, se manifeste, se mostre à luz do dia para que odelinqüente se reconheça como tal, e, suportando as conseqüências dolorosas do delito, secorrija e se converta. Enquanto a sujidade permanece escondida, o homem se julga puro;quando, porém, extravasa a lama pútrida que jazia acamada no fundo de sua alma, eledesperta para a realidade e se reconhece pecador. E' o que sucedeu com oMancebo, cuja paixão pelas riquezas mundanas Jesus tornou patente.Sendo a confissão da culpa o início da redenção, é preciso que haja escândalo, vistocomo o homem só se curva à evidência dos seus pecados quando estes se tornamostensivos, não lhe sendo mais possível dissimulá-los.Que importa que o adultério não se haja consumado, se ele existe no coração? Que importaque o homem mau não haja tirado a vida a ninguém, se ele é homicida de pensamento,se alimenta ódio contra seu próximo e se regozija com as alheias desventuras ?Quem diria que Judas seria capaz de vender a Jesus-Cristo por trinta dinheiros, senãoo mesmo Jesus, que sabia existir na alma cúpida daquele discípulo a avareza, a sedeinsaciável de ouro que, no dizer de Paulo, é a raiz de todos os males? Nesse caso,dir-se-á: porque, então, Jesus chamou Judas para o apostolado? Justamente porqueera preciso que o escândalo se verificasse, já em proveito da missão que Jesus vinhadesempenhar na Terra, já no do próprio Judas, cuja redenção teve início precisamenteapós a prática daquele crime de traição. O tremendo remorso de que se viu possuído éo atestado certo do despertar de sua consciência até ali mergulhada na embriaguez debastardas paixões.Noutro terreno menos grave, vemos Pedro, o apóstolo arrojado, cujo temperamentoardoroso tão bem se prestava a transmitir as mensagens do céu, negar três vezes o seuMestre, a despeito mesmo de haver sido por ele prevenido dessa prova pela qual deviapassar. A negação de Pedro foi, a seu turno, um escândalo; mas, era preciso  que assim sucedesse para que Pedro se acautelasse contra uma ralha de seu bondoso caráter.Jesus estava certo de que Pedro podia negá-lo; porem Pedro, a parte mais interessadano caso, ignorava que de tal fosse capaz. Após a consumação do ato pecaminoso, ficou-seconhecendo melhor; e, como é sabido, do conhecimento próprio depende a obra de nossoaperfeiçoamento. Pedro, no conceito de Jesus, era o mesmo, antes e depois da negação. Estafalta, ou melhor, a capacidade de praticar ou incorrer em tal gênero de pecado, já Jesus haviadescortinado no interior daquele apóstolo.De todos estes comentos ressalta grande e proveitosíssima lição de humildade, que convém assi-nalar. Do exposto, é forçoso concluir que existe em todos nós grandes falhas de caráter,muitas e variadas capacidades de pecar. Esta convicção, do que em realidade somos, há de nostornar mais benevolentes, menos descaridosos para com as quedas alheias. Veremos com olhosmais complacentes as vitimas do crime; e, — como os acusadores da mulher adúltera, aos quaisJesus forçou reconhecer as culpas próprias — não nos sentiremos com ânimo de atirar-lhes aprimeira pedra.

Livro: Em torno do Mestre- Vinícius

Coragem moral


Um dos requisitos exigidos por Jesus, como condição indispensável àqueles que pretendessemseguir-lhe as pegadas, é a coragem moral.Eu vos envio, disse ele aos discípulos, como ovelhas no meio de lobos. Esta frase é bastanteeloqüente e, por si só, define muito bem a posição dos cristãos na sociedade do século."Sereis entregues aos tribunais por minha causa. Suportareis perseguições, açoites e prisão. Ha-verá delações entre os próprios irmãos. Atraireis o ódio de todos. A vossa vida correrá iminenterisco a cada instante."Todavia, não temais, pois até os cabelos de vossas cabeças estão contados. Nenhum receiodeveis ter dos homens, cujo poder não vai além do vosso corpo. Se chamaram Belzebu ao donoda casa, quanto mais aos seus domésticos. Portanto, nada de temores: o que vos digo àpuridade proclamai-o dos eirados. Nada há encoberto que não seja descoberto; nada há oculto quese não venha a saber. Por isso, aquele que me confessar diante dos homens, eu o confessareidiante de meu Pai celestial; e o que me negar diante dos homens, eu o negarei perante meu Paique está nos céus."Tais expressões são de clareza meridiana. Para ser cristão, é preciso coragem, ânimo forte, atitudevaronil. "Seja o teu falar: sim, sim; não, não". Não há lugar para composturas dúbias, indecisas,oscilantes. O crente em Cristo deve possuir convicção inabalável, têmpera rija, caráter positivo efranco.Entre as virtudes, não há incompatibilidades. >. mansuetude, a cordura e a humildade sãopredicados que podem (e devem) coexistir com a energia, com a intrepidez, com avaronilidade. Deus é infinitamente misericordioso e, ao mesmo tempo, éinfinitamente justo.O caráter do cristão há de ser forjado de aço de Toledo e de ouro do Transvaal. Assim disseAmado Nervo: "Ouro sobre aço sejam a tua vontade e a tua conduta. Sobre o aço do teupensamento há de luzir o arabesco de ouro das formas puras e gentis. Ouro e aço será tua vida,serão teus propósitos, serão teus atos."Abulia indiferença e marasmo não são expressões de bondade. "Não és frio, nem quente;por isso, quero vomitar-te de minha boca." Passividade não é virtude. Entre o bem e o mal, averdade e a impostura, a justiça e a iniqüidade não .há lugar para acomodações, nem paraneutralidade. O cristão se define sempre em tais conjunturas, confessando o seu Mestre."Ninguém pode servir a dois senhores." Que relação pode haver entre Jesus e Baal? Dobraros joelhos diante de todos os tronos, só porque são tronos; curvar-se perante todos osCésares, só porque são Césares; afazer-se às tiranias e às opressões, anuir direta ouindiretamente às tranquibérnias e vilezas da época; pactuar, enfim, com a injustiça de qualquermaneira e por quaisquer motivos, é negar a Jesus-Cristo no cenáculo social. "Não sejaisescravos dos homens, nem das paixões; não sejais, igualmente, nem parasitas, nembajuladores, nem mendigos" — disse o grande educador Hilário Ribeiro em um dos seusexcelentes livros didáticos. Não se triunfa na vida, sem ânimo viril. E' a covardia moral que faz ohomem escravizar-se a outros homens; que o faz escravo de vícios repugnantes e depaixões vis e soezes. E' ainda por pusilanimidade e covardia que o homem bajula, mendiga ese torna parasita.Sem boa dose de coragem (quase ia dizendo de audácia), o homem não cumpre o dever e menosainda consegue sair-se airosamente das emergências difíceis da vida. O suicídio, seja por esteou por aquele motivo, é sempre um ato de covardia moral. A sentinela valorosa jamais abandonao posto que lhe foi confiado.Os altos problemas da Vida, consubstanciados na sentença evangélica — Sede perfeitos comovosso Pai celestial é perfeito — requerem ânimo forte e vontade irredutível para seremsolucionados. Não é fugindo aos perigos e às dificuldades que o homem há de vencê-las; éenfrentando-as.A coragem moral é a primeira virtude do homem de fé. Cumpre, porém, não confundir a verdadeiracoragem com as caricaturas de coragem, que se ostentam por toda a parte. Estas são burlescase vulgares, aquela é rara e cheia de nobreza. A coragem não consiste em atitudes violentas e  belicosas. Nada tem de comum com a temeridade. E' serena e íntima. Não se ostenta embracejos, ou gesticulações espetaculosas, nem em vozeios e frases ameaçadoras e ofensivas.Revela-se antes em suportar, do' que em repelir a ofensa recebida. Energia não significaagressividade. Ser franco não é ser ferino, nem, sequer, contundente.Quanto maior é a coragem, tanto mais calmo age o indivíduo. A consciência do valor próprio,aliada à fé no Supremo Poder, fêz o homem tolerante e sofrido, paciente e tranqüilo. Tal foi aatitude invariável de Jesus diante das conjunturas mais embaraçosas de sua vida terrena.Suportou todas as injúrias, todas as humilhações e iniqüidades que lhe foram infligidas,conservando imaculada e intangível a pureza do alto ideal por que se bateu até ao extremosacrifício.Tal é a coragem de que precisam revestir-se os seus discípulos de hoje, como souberam fazer osdiscípulos do passado. Saulo, antes de ser Paulo,
não denotou coragem nenhuma perseguindo, aprisionando econsentindo no assassínio dos primeiros adeptos do Cristianismo nascente.Saulo tinha às suas ordens gendarmes municiados; as altas autoridades civis e eclesiásticas lheconferiam poderes discricionários. Os perseguidos eram párias sociais, sem proteção, pobres edesarmados. A atitude de Saulo era daquelas que confirmam o velho brocardo: Quer conhecer ovilão? Ponha-lhe nas mãos o bastão.Após o célebre dia de Damasco, em que
Saulo  se transformou em Paulo, a vilania daquele seconverteu na coragem moral deste. De algoz, passou a ser vítima. A seu turno perseguido,tendo agora contra si as armas e o rancor das autoridades detentoras do poder; correndo osmaiores riscos, suportando prisões e açoites, afrontando a morte a cada momento, Paulo caminhaintrépido e destemido, na defesa da causa santa da justiça e da liberdade personificadas nocredo de Jesus.O extraordinário Apóstolo das gentes nos oferece, em si mesmo, exemplos da falsa e da legítimacoragem, antes e depois da conversão.Convertamo-nos, pois, nós os espíritas, os néo-cristãos, como se converteu Paulo.Provemos em nós mesmos, com a transformação radical de nosso caráter, a eficiência e o poderde Jesus-Cristo, como redentor da Humanidade, como libertador do homem, mediante oexemplo de coragem moral que nos legou como herança preciosíssima.

Livro : Em Torno do Mestre- Vinícius

O mordomo infiel

 O mordomo infiel
"Havia um homem rico, que tinha um administrador; e este lhe foi denunciado como esbanjadorde seus bens. Chamou-o e perguntou-lhe: Que é isto que ouço dizer de ti? dá conta datua mordomia; pois já não podes mais ser meu mordomo. Disse o administrador consigo: Quehei-de fazer, já que meu amo me tira a administração? Não tenho forças para cavar, demendigar tenho vergonha. Eu sei o que hei-de fazer para que, quando for despedido do meuemprego, me recebam em suas casas. Tendo chamado cada um dos devedores do seu amo,perguntou ao primeiro: Quanto deves ao meu amo? Respondeu ele: Cem cados de azeite.Disse-lhe, então: Toma a tua conta, senta-te depressa e escreve cinqüenta. Depoisperguntou a outro: E tu, quanto deves? Respondeu ele: Cem coros de trigo. Disse-lhe: Tomaa tua conta, e escreve oitenta. E o amo louvou o administrador iníquo, por haver procedidosabiamente; porque os filhos deste mundo são mais sábios para com sua geração do que osfilhos da luz. E eu vos digo: Granjeai amigos com as riquezas da iniqüidade, para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos. Quem é fiel no pouco,também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco, também é injusto no muito. Se, pois, nãofostes fiéis nas riquezas injustas, quem vos confiará as verdadeiras? E se não fostes fiéisno alheio, quem vos dará o que é vosso? Nenhum servo pode servir a dois senhores;porque ou há-de aborrecer a um e amar o outro, ou há-de unir-se a um e desprezar o outro.Não podeis servir a Deus e a Mamon." Personagens da Parábola: O amo ou proprietário: Deus.O mordomo infiel: o homem.Os devedores beneficiados: Nosso próximo.A propriedade agrícola: O mundo em que habitamos.Moralidade: o homem é mordomo infiel porque se apodera dos bens que lhe são confiados paraadministrar, como se tais bens constituíssem propriedade sua. Acumula esses bens, visandoexclusivamente a proveitos pessoais; restringe sua expansão, assenhoreia-se da terra cujacapacidade produtiva delimita e compromete. Enfim, todo o seu modo de agir com relação àpropriedade, que lhe foi confiada para administrar, é no sentido de monopolizá-la, segregá-la embenefício próprio, menosprezando assim os legítimos direitos do proprietário.Diante de tal irregularidade, o senhorio se vê na contingência de demiti-lo. Essa exoneração docargo verifica-se com a morte. Todo Espírito que deixa a Terra é mordomo demitido. A parábolafigura um, cuja prudência louva. E' aquele que, sabendo das intenções do amo a seu respeito ereconhecendo que nada lhe era dado alegar em sua defesa, procura, com os bens alheios aindaem seu poder, prevenir o futuro. E como faz? Granjeia amigos com a riqueza da iniqüidade, istoé, lança mão dos bens acumulados, que representam a riqueza do amo sob sua guarda, e, comela, beneficia a várias pessoas, cuja amizade, de tal forma, consegue conquistar.E o amo (Deus) louva a ação do mordomo (homem) que assim procede, pois esses a quem eleaqui na Terra beneficiara serão aqueles que futuramente o receberão nos tabernáculos eternos(paramos celestiais, espaço, céu, etc).O grande ensinamento desta importante parábola está no seguinte: Toda riqueza é iníqua. Nãohá nenhuma legítima no terreno das temporalidades. Riquezas legítimas ou verdadeiras sãounicamente as de ordem intelectual e moral: o saber e a virtude. Não assiste ao homem odireito de monopolizar a terra, nem de açambarcar os bens temporais que dela derivam. Seudireito não vai além do usofruto. Como, porém, todos os homens são egoístas e queremmonopolizar os bens terrenos em proveito exclusivo, o Mestre aconselha com muita justeza que, aomenos, façam como o mordomo infiel: granjeiem amigos com esses bens dos quais ilegalmentese apossaram.A parábola vertente contém, em suma, uma transcendente lição de sociologia, encerrando umlibelo contra a avareza e belíssima apologia da liberalidade e do altruísmo, virtudes cardeais doCristianismo .Obedecem ao mesmo critério, acima exposto, estes outros dizeres da parábola: Quem é fiel nopouco, também é fiel no muito. Se, pois, não fostes fiéis nas riquezas injustas, quem vos confiaráas verdadeiras? E se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso? Não podeis servir
  a dois senhores: a Deus e às riquezas.E' claro que a riqueza considerada como sendo
o pouco, como sendo a iníqua  e a alheia, é aquela que consiste nos bens temporais; e a riqueza reputada como sendo o muito, como sendo o frutoda justiça e que constitui legítima propriedade nossa, é aquela representada pelo saber, pelavirtude, pelos predicados de caráter, numa palavra, pela evolução conquistada pelo Espírito nodecurso das existências que se sucedem na eternidade da vida.A terra não constitui propriedade de ninguém: é patrimônio comum. E, como a terra, qualqueroutra espécie de bens, visto como toda a riqueza é produto da mesma terra. Ao homem édado desfrutá-la na proporção estrita das suas legítimas necessidades. Tudo que daí passa ouexcede é uma apropriação indébita.Não se acumula ar, luz e calor para atender aos reclamos do organismo. O homem serve-senaturalmente daqueles elementos, sem as egoísticas preocupações de entesourar.O testemunho eloqüente e insofismável dos fatos demonstra que o solo, quanto mais dividido eretalhado, mais prosperidade, mais riqueza e paz assegura aos povos e às nações.
"Radix omnium malorum est avaritia."