[...]Todavia,
os planos da Escola de Sagres estavam
consolidados. Com a ascensão de D. Manuel I ao poder, nada mais se fez que atingir o fim
de longa e laboriosa preparação. Em 1498, Vasco da Gama descobre o
caminho marítimo das Índias e, um pouco mais tarde Gaspar de Corte Real descobre
o Canadá. Todos os navegadores saem de Lisboa com instruções secretas quanto à
terra desconhecida, que se localizava fronteira à África e que já havia sido
objeto de protesto de D. João II contra a bula de Alexandre VI,
que pretendia impor-lhe restrições ao longo do Atlântico, por sugestão dos reis
católicos da Espanha.
No
dia 7 de Março de 1500, preparada a grande expedição de Cabral ao novo roteiro das Índias, todos os elementos
da expedição, encabeçados pelo capitão-mor, visitaram o Paço de Alcáçova, e na véspera do dia 9, dia este em que se
fizeram ao mar, imploraram os navegadores a bênção de Deus, na ermida do
Restelo, pouso de meditação que a fé
sincera de D. Henrique havia edificado. O Tejo estava coberto de embarcações
engalanadas e, entre manifestações de alegria e de esperança, exaltava-se o
pendão glorioso das quinas.
No
oceano largo, o capitão-mor considera a possibilidade de levar a sua bandeira à
terra desconhecida do hemisfério sul. O seu desejo cria a necessária
ambientação ao grande plano do mundo invisível. Henrique de Sagres aproveita
esta maravilhosa possibilidade. Suas falanges de navegadores do Infinito se
desdobram nas caravelas embandeiradas e alegres. Aproveitam-se todos os
ascendentes mediúnicos. As noites de Cabral são povoadas
de sonhos sobrenaturais e, insensivelmente as caravelas inquietas cedem ao
impulso de uma orientação imperceptível. Os caminhos das Índias são
abandonados. Em todos os corações há uma angustiosa expectativa. O pavor do
desconhecido empolga a alma daqueles homens rudes, que se viam perdidos entre o
céu e o mar, nas imensidades do Infinito. Mas a
assistência espiritual do mensageiro invisível, que, de fato, era ali o divino
expedicionário, derrama um claror de esperança em todos os ânimos. As primeiras
mensagens da terra próxima recebem-nas com alegria indizível. As ondas se
mostram agora, amiúde, qual colcha caprichosa de folhas, de flores e de
perfumes. Avistam-se os píncaros elegantes da plaga do cruzeiro e, em breves
horas, Cabral e sua gente se reconfortam na praia extensa e acolhedora. Os naturais os recebem como irmãos muito
amados. A palavra religiosa de Henrique Soares de Coimbra eles a ouvem com
veneração e humildade. Colocam suas habitações rústicas e primitivas à
disposição do estrangeiro e reza a crônica de Caminha que Diogo Dias dançou com
eles nas areias de Porto Seguro celebrando na praia o primeiro banquete de
fraternidade na Terra de Vera Cruz.
A
bandeira das quinas desfralda-se então
gloriosamente nas plagas da terra abençoada, para onde transplantara Jesus a
árvore do seu amor e da sua piedade, e, no céu, celebra-se o acontecimento com
grande júbilo. Assembleias espirituais, sob as vistas amorosas do Senhor,
abençoam as praias extensas e claras e as florestas cerradas e bravias. Há um
contentamento intraduzível em todos os corações, como se um pombo simbólico
trouxesse as novidades de um mundo mais firme, após novo dilúvio.
Henrique
de Sagres, o antigo mensageiro do Divino Mestre, rejubila-se com as bênçãos
recebidas do Céu. Mas, de alma alarmada pelas emoções mais carinhosas e mais
doces, confia ao Senhor as suas vacilações e os seus receios:
— “Mestre — diz ele — graças
ao vosso coração misericordioso, a terra do Evangelho florescerá agora para o
mundo inteiro. Dai-nos a vossa bênção para que possamos velar pela sua
tranquilidade, no seio da pirataria de todos os séculos. Temo, Senhor, que as
nações ambiciosas matem as nossas esperanças, invalidando as suas
possibilidades e destruindo os seus tesouros…”
Jesus,
porém, confiante, por sua vez, na proteção de seu Pai, não hesita em dizer com
a certeza e a alegria que traz em si:
— “Helil, afasta essas
preocupações e receios inúteis. A região do Cruzeiro, onde se realizará a
epopeia do meu Evangelho, estará, antes de tudo, ligada eternamente ao meu
coração. As injunções políticas terão nela atividades secundárias, porque,
acima de todas as coisas, em seu solo santificado e exuberante estará o sinal
da fraternidade universal, unindo todos os espíritos. Sobre a sua volumosa
extensão pairará constantemente o signo da minha assistência compassiva e a mão
prestigiosa e potentíssima de Deus pousará sobre a terra de minha cruz, com
infinita misericórdia. As potências imperialistas da Terra esbarrarão sempre
nas suas claridades divinais e nas suas ciclópicas realizações. Antes de o
estar ao dos homens, é ao meu coração que ela se encontra ligada para sempre.”
Nos
céus imensos, havia clarões estranhos de uma bênção divina. No seu sólio de
estrelas e de flores, o supremo Senhor sancionara, por certo, as bondosas
promessas de seu Filho.
E
foi assim que o minúsculo Portugal, através de três longos séculos, embora
preocupado com as fabulosas riquezas das Índias, pôde conservar, contra
flamengos e ingleses, franceses e espanhóis, a unidade territorial de uma
pátria com oito milhões e meio de quilômetros quadrados e com oito mil
quilômetros de costa marítima. Nunca houve exemplo como esse em toda a história
do mundo. As possessões espanholas se fragmentaram, formando cerca de vinte
repúblicas diversas. Os Estados americanos do norte devem sua posição
territorial às anexações e às lutas de conquista. A Luisiana, o Novo México, o
Alasca, a Califórnia, o Texas, o Oregon, surgiram depois da emancipação das
colônias inglesas. Só o Brasil conseguiu manter-se uno e indivisível na
América, entre os embates políticos de todos os tempos. É que a mão do Senhor
se alça sobre a sua longa extensão e sobre as suas prodigiosas riquezas. O
coração geográfico do orbe não se podia fracionar[...]
Dirigindo-se a um dos seus elevados
mensageiros na face do orbe terrestre, em meio do divino silêncio da multidão
espiritual, sua voz ressoou com doçura:
— “Ismael, manda o meu coração
que doravante sejas o zelador dos patrimônios imortais que constituem a Terra
do Cruzeiro. Recebe-a nos teus braços de trabalhador
devotado da minha seara, como a recebi no coração, obedecendo a sagradas
inspirações do Nosso Pai. Reúne as incansáveis
falanges do Infinito, que cooperam nos ideais sacrossantos de minha doutrina, e
inicia, desde já, a construção da pátria do meu ensinamento. Para
aí transplantei a árvore da minha misericórdia e espero que a cultives com a
tua abnegação e com o teu sublimado heroísmo. Ela
será a doce paisagem dilatada do Tiberíades, que os homens aniquilaram na sua
voracidade de carnificina. Guarda este símbolo da paz
e inscreve na sua imaculada pureza o lema da tua coragem e do teu propósito de
bem servir à causa de Deus e, sobretudo, lembra-te sempre de que estarei
contigo no cumprimento dos teus deveres, com os quais abrirás para a humanidade
dos séculos futuros um caminho novo, mediante a sagrada revivescência do
Cristianismo.”[...]
Na sua branca substância uma tinta celeste inscrevera o lema imortal: “Deus, Cristo e caridade”.[...]O emissário de Jesus desce então à Terra, onde estabelecerá a sua
oficina. Os exércitos dos seres redimidos e luminosos lhe seguem a
esplêndida trajetória e, como se o chão do Brasil fosse a superfície de
um novo Hélicon da imortalidade, a natureza, macia e cariciosa, toda se enfeita de
luzes e sombras, de sinfonias e de ramagens odoríferas, preparando-se
para um banquete de deuses.[...]
Primeiramente, surgiram os índios, que eram os simples de coração; em
segundo lugar, chegavam os sedentos da justiça divina e, mais tarde,
viriam os escravos, como a expressão dos humildes e dos aflitos, para a
formação da alma coletiva de um povo bem-aventurado por sua mansidão e
fraternidade. Naqueles dias longínquos de 1500, já se ouviam no Brasil os ecos acariciadores do Sermão da Montanha.
.Humberto de Campos
(.Irmão X)
Fonte: Do Livro Brasil, Coração do Mundo , Pátria do Evangelho trechos retirados na íntegra dos capítulos 2 e 3
Psicografado por Francisco Cândido Xavier