Pedro Augusto Souza
Gonçalves, jovem de 22 anos, inconformado com sua moléstia crônica –
sofrendo desde os oito anos de idade, com certa freqüência, de fortes
convulsões epilépticas, resistentes a tratamento médico constante-, pôs um
ponto final em sua vida física, com certeiro projétil, a sete de junho de
1988.
Residia no Rio
de Janeiro, RJ, sua terra natal, com seus pais João Francisco Gonçalves
Netto e Elza Souza Gonçalves, em Copacabana, à Avenida Atlântica, 4022
apartamento 502.
Porém, apenas
três meses após o lamentável episódio, Pedro Augusto, em Uberaba,
comunicou-se novamente com seus queridos progenitores, em longa e
confortadora mensagem, “ relatando fatos de que apenas ele, seus pais e
irmãos tinham conhecimento”, conforme esclarecimento de seu pai.
Agora, mais
consciente de sua provação terrena, ele sofre, submetendo-se a “ severo
tratamento “, e sente-se profundamente arrependido, mas otimista diante do
futuro, ao afirmar que “ a esperança já está em meu coração “ e “ Deus tem
caminhos para todos os filhos extraviados “.
Querida
Mãezinha Elza e meu pai João.
Estou
informado de que pude vir até aqui, trazer-lhes as minhas notícias, pela
concessão de amigos que consideraram o merecimento dos pais queridos,
porque, de mim mesmo, ainda me encontro nas faixas de severo tratamento.
Perdoem-me a
tribulação que lhes causei com a minha deserção da vida. Confesso-lhes que
tudo fiz para evitar aquele amargo desfecho de minhas inquietações. Nervos
doentes substituindo a fé que me cabia acalentar, a fim de vencer em minha
provação. Estava longe de compreender que todas as criaturas suportam o
fardo de que precisarão se desvencilhar, um dia, para se encontrarem consigo
mesmas.
Mãezinha Elza,
lutei muito. Assim pensei, admitindo erroneamente que milhares de pessoas
não sofriam muito mais do que eu mesmo. Detinha a vantagem de viver ao lado
dos familiares queridos e parecia cego para não reconhecer que nada me
faltava para ser tranqüilo e feliz.
Um ponto,
porém, me atormentava o pensamento. Cedo reconheci que eu não poderia
constituir uma família como desejava e deixei-me iludir com isso, quando há
tantas crianças doentes e desajustadas esperando o amparo de alguém que lhes
tutele a existência infortunada. Esqueci-me de que eu poderia incorporar-me
no trabalho de uma instituição das muitas que amparam os pequeninos
sofredores... E, porque não me seria possível uma vida igual à vida de
outros rapazes, a idéia de revolta contra a vida se apoderou de mim.
Estou aqui
nesta mesma sala onde estive um dia, buscando orientação e esclarecimento, e
se não me foi possível a demora de mais alguns dias para ouvir os amigos que
me reconfortariam, explicando-me o que seja a provação na vida de alguém,
agora vejo todos e ouço a todos os que trocam opiniões, reconhecendo que me
seria tão fácil suportar a carência de meus recursos genésicos, abraçando a
vida que a Divina Providência me reservara.
Penso,
atualmente, na legião de jovens aos quais algumas frases bastariam para
esclarecê-los e traçar-lhes novos rumos!
Não sei
explicar-lhes o conflito que passou a possuir-me, desde que alguns
companheiros me informaram de que as minhas dificuldades orgânicas eram
irreversíveis! Criando nomes supostos para disfarçar-me, tentei ouvir
muitos médicos ou acadêmicos de Medicina que me ouviam com atenção. Todos
eram unânimes na opinião de que eu era vítima de problema sem solução.
Ao mesmo
tempo, inflamava-me com o propósito de casar-me e ser feliz num lar, em que
pudesse usufruir a vida de um homem comum. No entanto, a depressão, de que
me vi acometido, ganhou todas as minhas resistências e entreguei-me à
desencarnação voluntária, ignorando que a vida continuava.
Não tenho
recursos para evadir-me da realidade e, por isso, preciso assumir o meu
gesto infeliz. Sou claro em minhas afirmativas porque estou diante dos pais
queridos, aos quais não posso enganar, conquanto reconheça que me competia
uma entrevista com ambos na intimidade da família, e com isso, talvez,
conseguisse um caminho para a minha própria libertação.
Pais queridos,
perdoem-me aquele projétil que eu devia ter evitado, perdoem-me a ingratidão
a que me entreguei quase inconscientemente, e continuem nas orações por mim,
de vez que me envergonho de expor aqui a minha fragilidade.
No instante
terrível em que me vi arrasado pelas próprias mãos encontrei rente comigo
aquele benfeitor, que ainda me segue as experiências, fornecendo-me as
chaves do conhecimento superior – esse amigo humanitário e abnegado que me
colheu nos braços, quando já não possuía qualquer recurso de
auto-sustentação. Ele me solicitou chamá-lo pelo nome de vovô Francisco, e
me abençoa e socorre em todos os meus obstáculos, e me afirma que Deus tem
caminhos para todos os filhos extraviados. Estou consolado com a
possibilidade de dizer-lhes isso.
Estou
melhorando, porque os meus primeiros dias, aqui na Vida Espiritual, foram
momentos do alucinado que já deixei de ser.
Muito grato
por virem até aqui, na idéia de que colheriam alguma notícia do filho
devedor que sou eu, sensibilizando-me com a decisão de romperem com os
empeços da viagem, a fim de que eu pudesse rogar-lhes a bênção.
Pais queridos,
do meu amanhã ainda nada sei, mas a confiança em Deus está novamente comigo
e, com isso, compreendo que todas as minhas lutas serão superadas sem que
eu, por enquanto, saiba como. Peço-lhes desculparem o filho infeliz que
era tão feliz em nossa família e não sabia.
Deus me
favorecerá com oportunidades de trabalho para que me sinta reposto no
caminho da segurança e do bem. Sofri muito e ainda sofro, mas a esperança
já está em meu coração e sei que aprenderei a viver e a servir.
Não posso
continuar porque a emoção me constringe a garganta e o pensamento, mas
seguirei adiante com a certeza de que me desculparam a leviandade e a
doença, e me amam com o mesmo carinho dos dias passados. Mãezinha Elza, as
suas lágrimas me lavaram a alma, e com o seu amor me sinto à frente de novo
dia.
Pais queridos,
a todos os nossos entreguem as minhas lembranças, e recebam o coração do
filho que não soube compreendê-los, mas que os ama com todas as forças da
própria vida.
Até que eu
volte melhor amanhã do que hoje me sinto, guardem as saudades e o imenso
carinho do filho sempre mais reconhecido,
Pedro Augusto.
Notas e Identificações
1 – Psicografada em
reunião pública do GEP, na noite de 17 de setembro de 1988.
2 – ainda me encontro
nas faixas de severo tratamento – Refere-se ao tratamento médico do
corpo espiritual ( Ver item cinco do Capítulo 9 )
3 – Estou aqui, nesta
mesma sala onde estive um dia – De fato, esteve no GEP, em Uberaba, em
março de 1986.
4 – vovô Francisco
– Trata-se, provavelmente, do bisavô paterno, desencarnado no Estado do
Espírito Santo, no início do século.
5 – Pedro Augusto –
Pedro Augusto Souza Gonçalves nasceu no Rio de Janeiro, a oito de outubro de
1965. Dedicava-se à arte fotográfica, possuindo um laboratório completo, e
pretendia estabelecer-se nesse ramo de atividade ou similar.
Livro
Porto De Alegria - Francisco Cândido Xavier Espíritos Diversos