Num dos grupos espíritas de Paris, um médium recebeu ultimamente a comunicação que segue, do Espírito de sua avó:
“Meu caro filho, vou falar-te um instante das questões de caridade que te preocupavam esta manhã, a caminho do trabalho.
“As
crianças que são entregues a amas mercenárias e as mulheres pobres que
são forçadas, com desprezo do pudor que lhes é caro, a servir, nos
hospitais, de material experimental para os médicos e para os estudantes
de medicina, são duas grandes chagas que todos os bons corações devem
aplicar-se em curar, e isto não é impossível. Que os espíritas façam
como os católicos. Que eles economizem um pouquinho por semana e,
capitalizando esses recursos, chegarão a fundações sérias, grandes e
realmente eficazes. A caridade que alivia um mal presente é uma caridade
santa, que eu encorajo com todas as minhas forças, mas a caridade que
se perpetua em fundações imortais como as misérias que são destinadas a
aliviar, é uma caridade inteligente e que me tornaria feliz ao vê-la
posta em prática.
“Gostaria
que um trabalho fosse elaborado com o fito de criar de início um
primeiro estabelecimento de proporções restritas. Quando se tivesse
visto o bom resultado dessa primeira criação, passar-se-ia a outra, que
seria aumentada pouco a pouco, como Deus quer que seja aumentada, porque
o progresso se realiza por uma marcha lenta, sábia, calculada. Repito
que o que proponho não é difícil; não haverá um único espírita
verdadeiro que ousaria faltar ao apelo para o alívio de seus
semelhantes, e os espíritas são bastante numerosos para formar, pela
acumulação de um tanto por semana, um capital suficiente para um
primeiro estabelecimento a serviço das mulheres doentes, que seriam
cuidadas por mulheres, e que deixariam então de ocultar seus sofrimentos
para salvaguardar o seu pudor.
“Entrego
estas reflexões à meditação das pessoas benevolentes que assistem à
sessão, e estou bem convicta que elas darão bons frutos. Os grupos do
interior ligar-se-iam prontamente a uma ideia tão bela e ao mesmo tempo
tão útil e paternal. Além do mais, seria um monumento do valor moral do
Espiritismo tão caluniado, e que continuará a ser encarniçadamente
caluniado ainda por muito tempo.
“Eu
disse que a caridade local é boa e que é útil a um indivíduo, mas ela
não eleva o espírito das massas como uma obra duradoura. Não seria belo
que se pudesse repelir a calúnia dizendo aos caluniadores: “Eis o que
nós fizemos. A árvore se reconhece pelo fruto; uma árvore má não dá bons
frutos, e a boa árvore não os dá maus.”
“Pensai
também nas pobres crianças que saem dos hospitais e que vão morrer em
mãos mercenárias, dois crimes simultâneos: o de entregar a criança
desarmada e fraca e o daquele que a sacrificou sem compaixão. Que todos
os corações elevem seus pensamentos para as tristes vítimas da sociedade
imprevidente, e que procurem encontrar uma boa solução para salvá-las
de suas misérias. Deus quer que tentemos, e dá os meios de alcançar o
objetivo; é preciso agir. Triunfamos quando temos fé, e a fé transporta
montanhas. Que o Sr. Kardec trate da questão em seu jornal, e vereis
como será aclamada com dedicação e entusiasmo.
“Eu
disse que era necessário um monumento material que atestasse a fé dos
espíritas, como as pirâmides do Egito atestam a vaidade dos Faraós, mas,
em vez de fazer loucuras, fazei obras que levam a marca do próprio
Deus. Todo mundo deve compreender-me; não insisto.
“Retiro-me,
meu caro filho. Tua boa avó, como vês, ama sempre os seus netos, como
te amava quando eras criancinha. Quero que tu os ames como eu, e que
penses em encontrar uma boa organização. Tu podes, se quiseres e, se
necessário, nós te ajudaremos. Eu te abençoo
“MARIE G...”
A
ideia de uma caixa central e geral de socorro formada entre os
espíritas já foi concebida e emitida por homens animados de excelentes
intenções, mas não basta que uma ideia seja grande, bela e generosa, é
preciso, antes de tudo, que ela seja exequível. Certamente demos mostras
suficientes de nosso devotamento à causa do Espiritismo para não ser
suspeito de indiferença a respeito disso. Ora, é precisamente por força
de nossa própria solicitude que buscamos alertar contra o entusiasmo que
cega. Antes de empreender uma coisa, é preciso friamente calcular-lhe
os prós e os contras, a fim de evitar revezes sempre desagradáveis, que
não deixariam de ser explorados por nossos adversários. O Espiritismo só
deve marchar com passo firme, e quando põe os pés num lugar, deve estar
seguro de pisar em terreno firme. Nem sempre a vitória é do mais
apressado, mas muito mais seguramente daquele que sabe aguardar o
momento propício. Há resultados que não podem ser senão obra do tempo e
da infiltração da ideia no espírito das massas. Saibamos, pois, esperar
que a árvore esteja formada, antes de lhe pedir uma colheita abundante.
Há
muito tempo nós vos propúnhamos tratar a fundo da questão em tela, para
situá-la no seu verdadeiro terreno e premunir contra as ilusões de
projetos mais generosos do que refletidos, cujo abortamento teria
consequências lamentáveis. A comunicação relatada acima, sobre a qual
tiveram a bondade de pedir nossa opinião, nos oferece a ocasião muito
natural. Examinaremos, pois, tanto o projeto de centralização dos
recursos quanto o de algumas outras instituições e estabelecimentos
especiais para o Espiritismo.
Antes
de tudo convém sondar o estado real das coisas. Sem dúvida os espíritas
são muito numerosos e seu número cresce incessantemente. Sob este ponto
de vista, ele oferece um espetáculo único, o de uma propagação
inusitada na história das doutrinas filosóficas, porque não há uma só,
sem excetuar o Cristianismo, que tenha ligado tantos partidários em tão
poucos anos. Isto é um fato notório que confunde os próprios
antagonistas. E o que não é menos característico, é que essa propagação,
em vez de fazer-se num centro único, opera-se simultaneamente em toda a
superfície do globo e em milhares de centros. Disso resulta que os
adeptos, embora sejam muito numerosos, ainda não formam, em parte
alguma, uma aglomeração compacta.
Essa
dispersão, que à primeira vista parece uma causa de fraqueza, é, ao
contrário, um elemento de força. Cem mil espíritas disseminados num país
fazem mais pela propagação da ideia do que se estivessem amontoados
numa cidade. Cada individualidade é um foco de ação, um germe que produz
brotos; por sua vez, cada broto produz mais ou menos, e os ramos, que
se reúnem pouco a pouco, cobrirão a região mais prontamente do que se a
ação partisse de um ponto único. É absolutamente como se um punhado de
grãos tivesse sido atirado ao vento, em vez de serem postos todos no
mesmo buraco. Graças a essa quantidade de pequenos centros, a doutrina é
menos vulnerável do que se tivesse um só, contra o qual seus inimigos
poderiam dirigir toda a sua força. Um exército primitivamente compacto
que é dispersado pela força ou por qualquer outra causa, é um exército
perdido. Aqui o caso é diferente. A disseminação dos espíritas não é um
caso de dispersão, é o estado primitivo tendendo à concentração, para
formar uma vasta unidade. A primeira está no fim; a segunda está no seu
nascedouro.
Àqueles,
pois, que se lamentam de seu isolamento numa localidade, respondemos:
Agradecei ao céu, ao contrário, por vos haver escolhido como pioneiros
da obra em vossa região. Cabe a vós lançar aí as primeiras sementes.
Talvez elas não germinem imediatamente; talvez não chegueis a recolher
os frutos; talvez mesmo tenhais que sofrer em vosso trabalho, mas pensai
que não se prepara uma terra sem trabalho, e tende certeza de que, mais
cedo ou mais tarde, o que tiverdes semeado frutificará. Quanto mais
ingrata for a tarefa, mais méritos tereis, ainda que apenas rasgásseis o
caminho aos que virão depois de vós.
Sem
dúvida, se os espíritas devessem ficar sempre no estado de isolamento,
seria uma causa permanente de fraqueza; mas a experiência prova quanto a
doutrina é vivaz, e sabemos que para cada ramo abatido, há dez que
renascem. Sua generalização é, pois, uma questão de tempo. Ora, por mais
rápida que seja a sua marcha, ainda é preciso o tempo suficiente e,
enquanto se trabalha na obra, é preciso saber esperar que o fruto esteja
maduro antes de colhê-lo.
Essa
disseminação momentânea dos espíritas, essencialmente favorável à
propagação da doutrina, é um obstáculo à execução de obras coletivas de
certa importância, pela dificuldade, senão pela impossibilidade, de
reunir num mesmo ponto elementos bastante numerosos.
Dirão
que é precisamente para obviar esse inconveniente, para apertar os
laços de confraternidade entre os membros isolados da grande família
espírita, que se propõe a criação de uma caixa central de socorro.
Certamente este é um pensamento grande e generoso que seduz à primeira
vista, mas já se refletiu nas dificuldades de execução?
Uma
primeira questão se apresenta. Até onde estender-se-ia a ação dessa
caixa? Limitar-se-ia à França, ou compreenderia os outros países? Há
espíritas em todo o globo. Os de todos os países, de todas as castas e
de todos os cultos não são nossos irmãos? Se, pois, a caixa recebesse
contribuições de espíritas estrangeiros, o que aconteceria
infalivelmente, teria ela o direito de limitar sua assistência a uma
única nacionalidade? Poderia conscienciosamente e caridosamente
perguntar ao que sofre se é russo, polonês, alemão, espanhol, italiano
ou francês? A menos que faltasse ao seu objetivo, ao seu dever, ela
deveria estender a sua ação do Peru à China. Basta pensar na complicação
das engrenagens de tal empresa para ver quanto ela é quimérica.
Suponhamo-la
circunscrita à França, e não seria menos uma administração colossal, um
verdadeiro ministério. Quem quereria assumir a responsabilidade de um
tal manejo de fundos? Para uma gestão dessa natureza não bastariam
integridade e devotamento: seria necessária uma alta capacidade
administrativa. Admitindo-se, entretanto, vencidas as primeiras
dificuldades, como exercer um controle eficaz sobre a extensão e a
realidade das necessidades, sobre a sinceridade da qualidade de
espírita? Semelhante instituição em breve veria surgirem adeptos, ou que
tais se dizem, aos milhões, mas não seriam estes que iriam alimentar a
caixa. A partir do momento que ela existisse, julgá-la-iam inesgotável, e
em breve ela se veria impossibilitada de satisfazer a todas as
exigências de seu mandato. Fundada sobre tão vasta escala,
consideramo-la impraticável, e de nossa parte, não lhe daríamos a mão.
Por
outro lado, não teria ela que temer oposição à sua própria
constituição? O Espiritismo apenas nasce e ainda não está, por toda
parte, em odor de santidade, para que se julgue ao abrigo de suposições
malévolas. Não poderiam enganar-se quanto às suas intenções numa
operação de tal gênero? Não poderiam supor que, sob uma capa, oculte ele
outro objetivo? Numa palavra, fazer assimilações, de que seus
adversários alegariam exceção de justiça para excitar a desconfiança
contra ele? Por sua natureza, o Espiritismo não é nem pode ser uma
filiação, nem uma congregação. Ele deve, pois, no seu próprio interesse,
evitar tudo quanto lhe desse aquela aparência.
Então
é preciso que, por medo, o Espiritismo fique estacionário? Não é
agindo, perguntarão, que ele mostrará o que é, que dissipará a
desconfiança e vencerá a calúnia? Sem sombra de dúvida, mas não se deve
pedir à criança o que exige as forças da idade viril. Longe de servir ao
Espiritismo, seria comprometê-lo e expô-lo aos golpes e à chacota de
seus adversários e ligar seu nome a coisas quiméricas. Certamente ele
deve agir, mas no limite do possível. Deixemos-lhe, pois, tempo de
adquirir as forças necessárias, e então ele dará mais do que se pensa.
Ele não está nem sequer completamente constituído em teoria. Como querem
que ele dê o que só pode ser o resultado da completude da doutrina?
Aliás, há outras considerações que importa levar em conta.
O
Espiritismo é uma crença filosófica, e basta simpatizar com os
princípios fundamentais da doutrina para ser espírita. Falamos dos
espíritas convictos e não dos que afivelam a máscara, por motivos de
interesses ou outros também pouco confessáveis. Esses não se contam,
porquanto neles não há nenhuma convicção. Dizem-se espíritas hoje, na
esperança de daí tirar vantagens; serão adversários amanhã, se não
encontrarem o que buscam, ou então se farão de vítimas de sua dedicação
fictícia, e acusarão os espíritas de ingratidão por não sustentá-los.
Não seriam os últimos a explorar a caixa geral, para se compensar de
especulações abortadas ou reparar desastres causados por sua incúria ou
por sua imprevidência, e a lhe atirar pedras, se ela não os satisfizer.
Isso tudo não deve parecer estranho, porquanto todas as crenças contam
com semelhantes auxiliares e testemunham a representação de semelhantes
comédias.
Há
também a massa considerável dos espíritas por intuição; os que são
espíritas pela tendência e pela predisposição de ideias, sem estudo
prévio; os indecisos, que ainda flutuam, à espera dos elementos de
convicção que lhes são necessários. Sem exagero, podemos estimá-los em
um quarto da população. É o grande canteiro onde se recrutam os adeptos,
mas eles ainda não podem ser levados em conta.
Entre
os espíritas reais, aqueles que constituem o verdadeiro corpo dos
adeptos, há certas distinções a fazer. Na primeira linha há que colocar
os adeptos de coração, animados de fé sincera, que compreendem o
objetivo e o alcance da doutrina e aceitam todas as consequências para
si mesmos; seu devotamento é a toda prova e sem segundas intenções; os
interesses da causa, que são os da Humanidade, são sagrados para eles, e
eles jamais os sacrificarão a uma questão de amor-próprio ou de
interesse pessoal. Para eles, o lado moral não é uma simples teoria;
eles esforçam-se por pregar pelo exemplo; não só têm a coragem de sua
opinião, mas consideram-na uma glória, e, conforme a necessidade, sabem
pagar com sua pessoa.
Vêm
a seguir os que aceitam a ideia como filosofia, porque ela lhes
satisfaz a visão, mas cuja fibra moral não é suficientemente tocada para
compreenderem as obrigações que a doutrina impõe aos que a adotam. O
homem velho está sempre ali, e a reforma de si mesmo lhes parece tarefa
muito pesada. Mas como não estão menos firmemente convencidos, entre
eles encontram-se propagadores e zelosos defensores.
Depois,
há pessoas levianas, para quem o Espiritismo está todo inteiro nas
manifestações. Para eles é um fato, e nada mais. O lado filosófico passa
desapercebido. O atrativo de curiosidade é para eles o móvel principal.
Extasiam-se ante o fenômeno e ficam frios ante uma consequência moral.
Enfim,
há o número ainda muito grande dos espíritas mais ou menos sérios que
não puderam colocar-se acima dos preconceitos e do que os outros dirão,
retidos pelo medo do ridículo, bem como aqueles cujas considerações
pessoais ou de família e interesses por vezes respeitáveis a
administrar, são forçados, de certo modo, a se manterem afastados. Todos
esses, numa palavra, que por uma ou por outra causa, boa ou má, não se
põem em evidência. A maioria não desejaria mais do que confessar-se
espírita, mas não ousam ou não podem. Isso virá mais tarde, à medida que
virem outros fazê-lo e perceberem que não há perigo. Esses serão os
espíritas de amanhã, como outros são os da véspera. Contudo, não se pode
esperar muito deles, porque é necessária uma força de caráter que não é
dada a todos, para enfrentar a opinião em certos casos. É preciso,
pois, levar em consideração a fraqueza humana. O Espiritismo não tem o
privilégio de transformar subitamente a Humanidade, e se a gente pode
admirar-se de uma coisa, é do número de reformas que ele já operou em
tão pouco tempo. Ao passo que nuns, onde encontra o terreno preparado,
ele entra, por assim dizer, de uma vez, noutros só penetra gota a gota,
conforme a resistência que encontra no caráter e nos hábitos.
Todos
esses adeptos se incluem no cômputo, e por mais imperfeitos que sejam,
são sempre úteis, embora num limite restrito. Até nova ordem, se
servissem apenas para diminuir as fileiras da oposição, isto já seria
alguma ciosa. É por isso que não se deve desdenhar nenhuma adesão
sincera, mesmo parcial.
Mas
quando se trata de uma obra coletiva importante, para a qual cada um
deve trazer seu contingente de ação, como seria a de uma caixa geral,
por exemplo, convém levar em conta essas considerações, porque a
eficácia do concurso que se pode esperar está na razão da categoria a
que pertencem os adeptos. É bem evidente que não se pode contar muito
com os que não levam a sério o lado moral da doutrina e, ainda menos,
com os que não ousam mostrar-se.
Restam,
pois, os adeptos da primeira categoria. Desses, certamente, tudo se
pode esperar. São os soldados de vanguarda, e que o mais das vezes não
esperam o chamado quando se trata de dar provas de abnegação e
devotamento, mas numa cooperativa financeira, cada um contribui conforme
os seus recursos, e o pobre não pode dar senão o seu óbolo. Aos olhos
de Deus, esse óbolo tem um grande valor, mas para as necessidades
materiais ele tem apenas o seu valor intrínseco. Tirando todos aqueles
cujos meios de subsistência são limitados, aqueles mesmo que tiram a
subsistência do seu trabalho, o número dos que poderiam contribuir um
pouco largamente e de maneira eficaz é relativamente restrito.
Uma
observação ao mesmo tempo interessante e instrutiva é a da proporção
dos adeptos segundo as categorias. Essa proporção variou sensivelmente e
se modifica em razão do progresso da doutrina; mas neste momento ela
pode ser avaliada aproximadamente da maneira seguinte:
1.ª categoria, espíritas completos, de coração e devotamento, 10%;
2ª categoria, espíritas incompletos, buscando mais o lado científico que o lado moral, 25%;
3ª categoria, espíritas levianos, só interessados nos fatos materiais, 5%, (esta proporção era inversa há dez anos);
4ª categoria, espíritas não confessos ou que se ocultam, 60%.
Relativamente
à posição social, evidenciam-se duas classes gerais: de um lado,
aqueles cuja fortuna é independente; do outro, os que vivem do trabalho.
Em 100 espíritas da 1.ª categoria, há em média 5 ricos para 95 trabalhadores;
na 2ª, 70 ricos para 30 trabalhadores; na 3ª, 80 ricos para 20
trabalhadores; e na 4.ª, 99 ricos para l trabalhador.
Seria
ilusão pensar que em tais condições uma caixa geral pudesse satisfazer a
todas as necessidades, quando a do mais rico banqueiro não bastaria.
Não seriam milhares de francos necessários anualmente, mas alguns
milhões.
De
onde vem essa diferença na proporção entre os que são ricos e os que
não o são? A razão é muito simples: os aflitos acham no Espiritismo uma
imensa consolação que os ajuda a suportar o fardo das misérias da vida;
dá-lhes a razão dessas misérias e a certeza de uma compensação. Assim,
não nos surpreende que, tirando mais proveito do benefício, eles o
apreciem mais e o tomem mais a sério do que os felizes do mundo.
As
pessoas se admiraram que, quando semelhantes projetos vieram a público,
nós não nos apressamos em apoiá-los e patrociná-los. É que, antes de
tudo, apegamo-nos a ideias positivas e práticas; o Espiritismo é para
nós uma coisa muito séria para empenhá-lo prematuramente em vias onde
pudesse encontrar decepções. De nossa parte, não há nisso nem
despreocupação nem pusilanimidade, mas prudência, e sempre que ele
estiver maduro para avançar, não ficaremos na retaguarda. Não é que nos
atribuamos mais perspicácia do que aos outros; é que a nossa posição,
permitindo-nos a visão de conjunto, permite-nos julgar os pontos fortes e
os fracos, talvez melhor do que aqueles que se acham num círculo mais
restrito. Aliás, damos a nossa opinião e não pretendemos impô-la a
ninguém.
O
que acaba de ser dito a respeito da criação de uma caixa geral e
central de socorro, aplica-se naturalmente aos projetos de fundação de
estabelecimentos hospitalares e outros. Ora, aqui a utopia é ainda mais
evidente. Se é fácil pôr um projeto no papel, não é o mesmo quando se
chega às vias e meios de execução. Construir um edifício ad hoc já é uma enormidade, e quando estivesse pronto, seria preciso provê-lo de pessoal suficiente e capaz,
depois assegurar a sua manutenção, porque tais estabelecimentos custam
muito e nada rendem. Não são apenas grandes capitais que se requerem,
mas grandes rendimentos. Admitamos, entretanto, que à força de
perseverança e de sacrifícios chegue-se a criar, como dizem, um pequeno
modelo; quão mínimas não seriam as necessidades que ele poderia
satisfazer em relação à massa e à disseminação dos necessitados em um
vasto território! Seria uma gota d’água no oceano, e se há tantas
dificuldades para um só, mesmo em pequena escala, muito pior seria se se
tratasse de multiplicá-los. O dinheiro assim empregado, portanto, não
resultaria em proveito senão de alguns indivíduos, ao passo que,
judiciosamente repartido, ajudaria a viver um grande número de
infelizes.
Seria
um modelo, um exemplo, que seja, mas por que aplicar-se em criar
quimeras, quando as coisas existem prontas, montadas, organizadas, com
meios poderosos de que jamais disporão os particulares? Esses
estabelecimentos deixam a desejar; há abusos; eles não suprem todas as
necessidades, isto é evidente, contudo, se os compararmos ao que eram há
menos de um século, constataremos uma imensa diferença e um progresso
constante. A cada dia vê-se a introdução de um melhoramento. Não
podemos, pois, duvidar que com o tempo novos progressos sejam
realizados, pela força das coisas. As ideias espíritas devem,
infalivelmente, apressar a reforma de todos os abusos, porque, melhor
que outras, elas penetram os homens com o sentimento do dever; por toda
parte onde elas penetrarem, os abusos cairão e o progresso se efetivará.
Portanto, em difundi-las é que se faz necessário empenhar-se: aí está a
coisa possível e prática; aí está a verdadeira alavanca, alavanca
irresistível quando ela tiver adquirido uma força suficiente pelo
desenvolvimento completo dos princípios e pelo número dos adeptos
sérios. A julgar o futuro pelo presente, podemos afirmar que o
Espiritismo terá levado à reforma de muitas coisas muito antes que os
espíritas tenham podido acabar o primeiro estabelecimento do gênero
desse de que falamos, se algum dia o empreendessem, mesmo que todos
tivessem que dar um cêntimo por semana. Por que, então, gastar suas
energias em esforços supérfluos, em vez de concentrá-las no ponto
acessível e que seguramente deve conduzir ao objetivo? Mil adeptos
ganhos para a causa e espalhados em mil lugares diversos apressarão mais
a marcha do progresso do que um edifício.
Diz
o Espírito que ditou a comunicação acima que o Espiritismo deve se
afirmar e mostrar o que é por um monumento durável à caridade. Mas de
que serviria um monumento à caridade, se a caridade não estiver no
coração? Ele ergue uma obra mais durável que um monumento de pedra: é a
doutrina e suas consequências, para o bem da Humanidade. É para isso que
cada um deve trabalhar com todas as suas forças porque ele durará mais
que as pirâmides do Egito.
Pelo
fato de que esse Espírito se engana, segundo nós, sobre esse ponto,
isto nada lhe tira de suas qualidades. Incontestavelmente, ele está
animado de excelentes sentimentos, mas um Espírito pode ser muito bom,
sem ser um apreciador infalível de todas as coisas; nem todo bom soldado
é necessariamente um bom general.
Um
projeto de realização menos quimérica é o da formação de sociedades de
socorros mútuos entre os espíritas de uma mesma localidade. Mas, ainda
aqui, não é possível isentar-se de algumas das dificuldades que
assinalamos: a falta de aglomeração e a cifra ainda pequena daqueles com
os quais se pode contar para um concurso efetivo. Outra dificuldade vem
da falsa assimilação que se faz dos espíritas a certas classes de
indivíduos. Cada profissão apresenta uma delimitação claramente marcada.
Pode facilmente estabelecer-se uma sociedade de socorro mútuo entre
pessoas de uma mesma profissão, entre pessoas de um mesmo culto, porque
elas se distinguem por alguma coisa de característica, e por uma posição
de certo modo oficial e reconhecida. Assim não se dá com os espíritas,
que não são registrados como tais em parte alguma, e cuja crença não é
atestada por nenhum título. Há espíritas de todas as classes sociais, em
todas as profissões, em todos os cultos, e em parte alguma eles
constituem uma classe distinta. Sendo o Espiritismo uma crença fundada
numa convicção íntima, da qual não se deve satisfação a ninguém,
conhecemos apenas aqueles que se põem em evidência ou que frequentam os
grupos, e não o número considerável daqueles que, sem se ocultar, não
fazem parte de nenhuma reunião regular. Eis por que, a despeito da
certeza em que se está de que os adeptos são numerosos, é difícil chegar
a uma cifra suficiente, quando se trata de uma operação coletiva.
Acerca
das sociedades de socorros mútuos, apresenta-se outra consideração. O
Espiritismo não forma, nem deve formar classe distinta, pois se dirige a
todos; por seu princípio, ele deve estender sua caridade
indistintamente, sem inquirir sobre a crença, porque todos os homens são
irmãos. Se ele fundar instituições de caridade exclusivas para os seus
adeptos, é forçado a perguntar ao que reclama assistência: “Sois dos
nossos? Que prova nos dais? Se não, nada podemos fazer por vós.” Assim,
ele mereceria a censura de intolerância que dirige aos outros. Não, para
fazer o bem, o espírita não deve sondar a consciência e a opinião, e
mesmo que tenha diante de si um inimigo de sua fé, mas infeliz, ele deve
ir em seu auxílio, no limite de suas faculdades. É agindo assim que o
Espiritismo mostrará o que ele é, e provará que vale mais do que o que
se lhe opõem.
As
sociedades de socorros mútuos se multiplicam por todos os lados e em
todas as classes de trabalhadores. É uma excelente instituição, prelúdio
do reino da fraternidade e da solidariedade, de que se sente
necessidade. Elas beneficiam os espíritas que delas participam, como a
todo mundo. Por que fundá-las só para eles, com exclusão dos outros? Que
ajudem a propagá-las, porque são úteis; que, para torná-las melhores,
nelas façam penetrar o elemento espírita, nelas entrando eles próprios, o
que seria mais proveitoso para eles e para a doutrina. Em nome da
caridade evangélica inscrita em sua bandeira; em nome dos interesses do
Espiritismo, nós os concitamos a evitar tudo quanto possa estabelecer
uma barreira entre eles e a Sociedade. Agora que o progresso moral tende
a reduzir as que dividem os povos, o Espiritismo não deve erigi-las;
sua essência é de penetrar em toda parte; sua missão, melhorar tudo o
que existe; ele nisso falharia se se isolasse.
Devendo,
pois, ser individual a beneficência, e neste caso, sua ação não será
mais limitada do que se for coletiva? A beneficência coletiva tem
vantagens incontestáveis, e longe de censurá-la nós a encorajamos. Nada
mais fácil do que praticá-la nos grupos, recolhendo por meio de
cotizações regulares ou de donativos facultativos os elementos de um
fundo de socorro. Mas então, agindo num círculo restrito, o controle das
verdadeiras necessidades é fácil; o conhecimento que delas se pode ter
permite uma distribuição mais justa e mais proveitosa. Com uma módica
quantia, bem distribuída e dada com discernimento, podem ser
prestados mais serviços reais do que com uma grande soma dada sem
conhecimento de causa e por assim dizer ao acaso. É, pois, necessário
dar-se conta de certos detalhes, se não se quiser gastar seus recursos
sem proveito. Ora, compreende-se que tais cuidados seriam impossíveis se
se operasse em vasta escala. Aqui nada de dédalo administrativo, nada
de pessoal burocrático. Algumas pessoas de boa vontade, e eis tudo.
Não
podemos senão encorajar com todas as forças a beneficência coletiva nos
grupos espíritas. Nós conhecemos alguns em Paris, no interior e no
Estrangeiro, que são fundados, senão exclusivamente, pelo menos
principalmente com esse objetivo, e cuja organização nada deixa a
desejar. Lá, membros dedicados vão a domicílio inquirir dos sofrimentos e
levar o que às vezes vale mais do que os socorros materiais: as
consolações e o encorajamento. Honra a eles, porque bem merecem do
Espiritismo! Que cada grupo assim haja em sua esfera de atividade, e
todos juntos realizarão maior soma de bens do que uma caixa central
quatro vezes mais rica.