A
IGREJA UNIVERSAL
"Quem
diz o povo ser o Filho do homem?" Responderam os discípulos: Uns
dizem João Batista; outros, Elias; e outros, Jeremias, ou algum dos profetas
que ressuscitou. E vós, quem dizeis que eu sou? Retruca Pedro: Tu és
o Cristo, o Filho do Deus vivo. Disse-lhe Jesus: Bem-aventurado és, Simão
Bar-Jonas, pois que não foi a carne nem o sangue quem to revelou, mas
meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és
Pedro (rocha) e sobre esta pedra edificarei a minha igreja; e as portas do Hades
não prevalecerão contra ela.
Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; e o que ligares sobre a terra
será ligado nos céus; e o que desligares sobre a terra será
desligado nos céus... Desde então começou Jesus a mostrar
aos seus discípulos que lhe era necessário ir a Jerusalém
e padecer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos
escribas, ser morto e ressuscitar no terceiro dia. Pedro, então, chamando-o
aparte, começou a repreendê-lo, dizendo: Deus tal não permita,
Senhor; isso de modo nenhum acontecerá. Mas Ele, voltando, disse a Pedro:
Arreda de diante de mim, Satanás; tu és para mim uma pedra de
tropeço, porque não compreendes as coisas que são de Deus,
mas só as que são dos homens". — S. Mateus, cap. XVI,
vs. 13 a 23.
Os homens, em geral, não tinham a respeito de Jesus e de sua missão
uma idéia clara e verdadeira. Supunham-no um profeta dotado de poderes
maravilhosos, para libertar Israel do domínio Romano. Os próprios
discípulos alimentavam, mais
ou menos, esse mesmo conceito. Entretanto, era necessário que eles soubessem
a verdade acerca do seu Mestre. Daí a interpelação de Jesus:
"vós quem dizeis que eu sou?".
Pedro, médium, como aliás eram os demais apóstolos, cada
qual, porém, com seu temperamento particular, retruca, impelido pelos
agentes espirituais: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. Em tal importava
o que Jesus visara, isto é, que os discípulos tivessem conhecimento
positivo de sua origem e de sua missão. Satisfeito, pois, com o resultado
daquela revelação, da qual Pedro fora o instrumento, disse-lhe:
"Bem-aventurado és, Simão Bar-Jonas, pois não foi
a carne nem o sangue quem to revelou, mas meu pai que está nos céus.
Eu também te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei
a minha igreja; e as portas do Hades não prevalecerão contra ela,
etc.".
Perguntamos, agora, nós: sobre que base ou fundamento Jesus prometeu
edificar a sua igreja? É claro que foi sobre a revelação
obtida através de Pedro, e não sobre este, com todas as suas fraquezas.
Aquela atitude enérgica, assumida logo após pelo Mestre, quando
Pedro, sempre como médium, procura dissuadi-lo do desempenho de sua missão,
comprova nossa assertiva: — Sai de diante de mim. Satanás... —
O Satanás não era Pedro, mas os elementos do espaço que
o haviam tomado no momento. Ora, é óbvio que sobre os frágeis
ombros humanos Jesus jamais pensou em apoiar as colunas da sua igreja. Prometeu,
sim, solenemente, fundá-la sobre a revelação, isto é,
sobre as verdades que as revelações anunciam através do
mediunismo, ou profetismo, como então se dizia.
A
Verdade é a rocha inabalável, contra a qual não prevalecem
as forças do mal. As
várias formas de mediunidade representam as chaves do reino dos céus,
porque é mediante o seu concurso que se torna possível ao homem,
chumbado à terra, penetrar os arcanos celestiais. É ainda a Verdade
alcançada através das revelações, que liga ou desliga
na terra como nos céus, visto que a Verdade é sempre a mesma,
manifeste-se neste ou em qualquer outro plano da vida. Pedra
ou rocha é símbolo da verdade revelada. Pedro foi, apenas, o intermediário
humano da revelação do céu, no que respeita à pessoa
inconfundível de Jesus, o Cristo de Deus.
É natural que os credos terrenos não vejam, ou não queiram
ver, a realidade do que expomos. A revelação não pode constituir
objeto de propriedade particular, como não se circunscreve a este ou
àquele grupo de indivíduos, a esta ou àquela escola. A
revelação é soberana, é livre, vem de cima, cai
como o orvalho da manhã sobre os corações visados pelas
Virtudes do Céu. A revelação é um fenômeno
que se opera à revelia do homem, que não se acha adstrita às
veleidades e aos interesses de classes e partidos religiosos.
Ela impera e reina acima dos homens, pairando sobre suas paixões. Daí
por que, como o próprio Jesus, é a pedra rejeitada. Nada obstante,
é sobre essa rocha que o Filho de Deus afirmou, de modo insofismável,
erguer a sua igreja. É o que os fatos testemunham, conforme vamos provar
cabalmente.
A palavra de Jesus não ficou em promessa: cumpriu-se já inteiramente.
Edificarei a minha igreja. O verbo foi empregado no futuro. Se Ele se referisse
a Pedro, a sua igreja teria sido fundada naquele momento mesmo. Mas só
o foi posteriormente. Quando? Abra-se o livro dos Atos, cap. II, e veja-se o
que contém:
"Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam os apóstolos reunidos
no mesmo lugar; de repente, veio do céu um ruído, como de impetuoso
vento, que encheu toda a sala onde estavam sentados. E apareceram umas como
línguas de fogo, as quais se distribuíram, para repousar sobre
cada um deles; e todos ficaram cheios do Espírito e começaram
a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que
falassem.
Achavam-se
em Jerusalém judeus, homens religiosos de todas as nações
debaixo do céu: e quando, então, se ouviu o ruído, ajuntou-se
ali a multidão e ficou pasmada, pois que cada um os ouviu falar na sua
própria língua. E assim maravilhados e atônitos, perguntavam:
Não são galileus estes homens? Como os ouvimos falar cada um na
língua de nosso nascimento? partos, medos, elamitas e os naturais de
mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Frigia, Pamfília,
Egito, Líbia e Cirene; forasteiros, romanos, cretenses e arábes
como estamos ouvindo falar em nossas línguas as coisas de Deus? Que quer
isto dizer? Alguns, porém, zombando, diziam: Estão cheios de mosto
(bêbados).
Mas Pedro, estando em pé, ao lado dos onze, tomou a palavra e disse:
Homens da Judéia, todos os que vois achais em Jerusalém, seja-vos
isto notório, e prestai ouvidos às minhas palavras. Estes homens
não estão embriagados, como supondes, visto que é a hora
terceira (9 horas) do dia. Cumpre-nos o que dissera o profeta Joel: E acontecerá
nos últimos, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre
a carne; e vossos filhos e filhas profetizarão; vossos mancebos terão
visões, e sonharão vossos anciãos.. . Israelitas, ouvi
estas palavras: Jesus, o Nazareno, varão a junto a vós com poderes,
prodígios e sinais, que Deus fez por meio d'Ele entre vós, conforme
vós mesmos sabeis, sendo Ele entregue pelo determinado concelho e presciência
de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos iníquas;
ao qual Deus ressuscitou, desatando os laços da morte, pois não
era possível que fosse por ela retido... Exaltado, pois, pela destra
de Deus, e tendo recebido do Pai a promessa do Espírito, derramou o que
vedes e ouvis.Fique, pois, certa toda a casa de Israel de que a este Jesus,
Deus o fez Senhor e Cristo.
Ouvindo eles estas palavras, compumgiram-se em seus corações e
perguntaram a Pedro e aos apóstolos: Que faremos, irmãos? Respondeu-lhes
Pedro: arrependeis-vos e cada um de vós seja batizado em nome remissão
de vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois para vós
é a promessa, e para todos os que estão longe, a quantos chamar
o Senhor, nosso Deus. E com muitas outras palavras dava testemunho e exortava-os,
dizendo: Salvai-vos desta geração perversa.
E os que, então, receberam a sua palavra foram batizados, e admitidas
naquele dia quase três mil pessoas; e perseveravam na doutrina dos apóstolos
partir do pão e nas orações. Em cada alma havia temor e
muitos milagres eram feitos pelos apóstolos. E todos os que criam estavam
unidos e tinham tudo em comum. E vendiam as suas propriedades e bens e os repartiam
por todos, conforme a necessidade de cada um. E diariamente, perseverando unânimes
no templo e partindo pão em casa, comiam com alegria e singeleza de coração,
louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E todos os dias acrescentava-lhes
o Senhor os que se iam salvando".
Eis aí como se cumpriu a promessa que Jesus fizera a Pedro, de fundar
a sua igreja sobre a revelação. Esse mesmo apóstolo,
sob ação mediúnica, tomou a palavra no meio dos seus companheiros
de ministério, falando e exortando o povo. Este, influenciado pelas milícias
celestes, sentiu-se profundamente tocado em seu coração, indagando:
Que faremos, irmãos? Arrependei-vos, prosseguiu Pedro, e batizai-vos
em nome de Jesus Cristo, pois, assim participareis também do dom do Espírito.
Aqueles que sinceramente se achavam compungidos se apresentaram ao batismo,
sendo, de início, admitidas na igreja cristã, recém-criada,
quase três mil pessoas.
É
de notar-se que a mediunidade poliglota aparece entre os apóstolos pela
primeira vez. E porque essa e não outra modalidade qualquer? Para que
a igreja cristã tivesse o caráter de universalidade que lhe é
próprio e dela inseparável.
E não teria sido essa mesma falange de Espíritos de luz que, quase
XX séculos depois, transmitiu a Kardec a 3ª. Revelação,
condensada nas monumentais obras espíritas? Quem é o Espírito
da Verdade, autor da vibrante e sensibilizadora mensagem dirigida ao compilador
da Doutrina, reportando-se à ação das Virtudes do Céu
que caem sobre a terra como estrelas refulgentes? Não será o Espiritismo
o desdobramento natural do Cristianismo, tendo como apóstolos os Espíritos
componentes daquela mesma milícia celestial que agiu no dia de Pentecostes,
na fundação da igreja viva de Jesus Cristo, cuja sede está
em toda parte onde se acharem congregados dois ou três corações
em seu nome?
Quem tiver olhos de ver, veja.
Vinícius