Kardec, modelo de devotamento e abnegação
O
devotamento e a abnegação são uma prece contínua e encerram um
ensinamento profundo. A sabedoria humana reside nessas duas palavras.”
Kardec
foi um dos mais sólidos modelos de devotamento e abnegação. Aqueles que
leem com atenção seus escritos publicados na Revista Espírita colhem
alguns aspectos do seu caráter, de suas virtudes que, apesar de sua
modéstia e discrição, ressaltam aqui e ali.
Com
o intuito de realçar as qualidade desse nobre Espírito, a quem devemos o
legado da ciência espírita, é que garimpamos alguns dos seus escritos
que evidenciam seu bom senso e suas virtudes.
Sabe-se
o quanto o Mestre provou da zombaria, da calúnia, da maledicência e do
deboche por parte daqueles que não compreenderam a nobre missão que essa
alma generosa aceitou desempenhar na Terra, por amor à humanidade.
A
forma como que ele viveu, como enfrentou as mais difíceis situações, os
mais furiosos adversários, ficam evidentes em suas obras, em suas
próprias palavras, e servem ao aprendizado daqueles que buscam
conquistar virtudes e desejam aprender com os exemplos práticos desse
Espírito notável, que ficou conhecido na Terra como Allan Kardec.
Ao deparar-se com a fama, ele teve que renunciar ao seu gosto pela quietude ...
Na
propriedade que possuo e que me fica como sobra daquilo que a má-fé não
me pôde arrancar, podíamos viver tranquilamente e longe da confusão dos
negócios. Tirando-me da obscuridade, o Espiritismo veio lançar-me numa
nova via; em pouco tempo vi-me arrastado num movimento que estava longe
de prever. Quando concebi a ideia do Livro dos Espíritos, minha
intenção era de não me colocar em evidência e de ficar incógnito; mas,
prontamente ultrapassado, isto não me foi possível: tive que renunciar
ao meu gosto pela solitude, sob pena de abdicar a obra empreendida e que
crescia dia a dia. Foi-me preciso seguir o seu impulso e tomar-lhe as
rédeas. Se meu nome tem agora alguma popularidade, não fui eu,
certamente, que a busquei, pois é evidente que não a devo nem à
propaganda, nem à camaradagem da imprensa, e que jamais me aproveitei de
minha posição e de minhas relações para me lançar na sociedade, quando
isto teria sido fácil.
Coragem, firmeza, humildade e sacrifício...
“Mas,
à medida que a obra crescia, um horizonte mais vasto desenrolava-se à
minha frente, cujos limites recuavam. Compreendi então a imensidade de
minha tarefa e a importância do trabalho que me restava fazer para
completá-la. Longe de me apavorar, as dificuldades e os obstáculos
redobraram minha energia; vi o objetivo e resolvi atingi-lo, com a
assistência dos bons Espíritos. Eu sentia que não tinha tempo a perder e
não o perdi em visitas inúteis nem em cerimônias ociosas. Foi a obra de
minha vida. Para ela dediquei todo o meu tempo; a ela sacrifiquei meu
repouso e a minha saúde, porque diante de mim o futuro estava escrito em
caracteres irrefutáveis. Fi-lo por meu próprio impulso, e minha mulher,
que não é nem mais ambiciosa nem mais interesseira que eu, concordou
plenamente com meus pontos de vista e me secundou na tarefa laboriosa,
como o faz ainda, por um trabalho por vezes acima de suas forças,
sacrificando sem pesar os prazeres e distrações do mundo, aos quais sua
posição de família a tinham habituado.”
Privações dos interesses materiais em proveito da divulgação da Doutrina
“Sem
nos afastarmos de nosso gênero de vida, essa posição excepcional não
deixou de criar-nos necessidades às quais apenas meus próprios recursos
não permitiam prover. Seria difícil imaginar a multiplicidade de
despesas que ela acarreta, e que sem isso eu teria evitado. A
necessidade de morar em duas residências é, como já disse, um acréscimo
de gastos, pela obrigação de ter todo o mobiliário em dobro, sem contar
uma porção de gastos miúdos exigidos por essa dupla habitação e as
perdas que resultam da negligência de meus interesses materiais,
relegados por uma série de trabalhos que me absorvem todo o tempo. Não é
uma queixa que formulo, pois minhas ocupações atuais são voluntárias; é
um fato que constato, em resposta àqueles que dizem que tudo é lucro
para mim no Espiritismo. Quanto aos gastos especiais ocasionados por
minha posição, seria impossível enumerá-los, mas, se considerardes que
tenho anualmente mais de oitocentos francos de despesas em porte de
cartas, independentemente das viagens, e que tenho a necessidade de
ligar-me a alguém para me ajudar, e outros pequenos gastos
indispensáveis, compreendereis que não exagero dizendo que minhas
despesas anuais, que foram crescendo incessantemente, hoje estão mais
que triplicadas. Pode-se fazer uma ideia aproximada, a quanto pode se
elevar este excedente em oito anos, tomando a média de 6.000 francos por
ano. Ora, ninguém contestará a utilidade destas despesas para o sucesso
da doutrina, que evidentemente se teria enfraquecido se eu tivesse
permanecido no meu retiro, sem ver ninguém e sem as numerosas relações
que mantenho diariamente. É o que, entretanto, eu teria sido obrigado a
fazer, se nada me tivesse vindo em auxílio.
Pois
bem, senhores, o que me proporcionou esse suplemento de recursos foi o
produto de minhas obras. Digo com satisfação que foi com o meu próprio
trabalho, com o fruto de minhas vigílias que provi, pelo menos em sua
maior parte, às necessidades materiais da instalação da doutrina. Assim,
eu trouxe uma larga quota-parte à caixa do Espiritismo. Deus quis que
ele encontrasse em si mesmo os seus primeiros meios de ação. No
princípio eu lamentava que minha pouca fortuna não me permitisse fazer o
que eu queria fazer pelo bem da causa, mas hoje aí vejo o dedo da
Providência e a realização desta predição tantas vezes repetida pelos
bons Espíritos: “Não te inquietes com nada. Deus sabe o que te é preciso
e saberá provê-lo.”
Se
eu tivesse empregado o produto de minhas obras no aumento de meus
prazeres materiais, isto teria resultado em prejuízo do Espiritismo,
contudo, ninguém teria tido o direito de objetar, porque eu era bem
senhor de dispor à vontade daquilo que só devia a mim mesmo; mas, porque
me privava antes, podia privar-me depois; penso que o aplicando à obra,
ninguém achará que seja dinheiro mal empregado e os que ajudam na
propagação das obras não poderão dizer que trabalham para me enriquecer.
Enfrentando a calúnia e a difamação...
“Falaram
muito dos lucros que eu obtinha com as minhas obras; ninguém sério
acredita realmente em meus milhões, malgrado a afirmação dos que diziam
saber de boa fonte que eu tinha um estilo de vida principesco,
equipagens a quatro cavalos e que em minha casa só se pisava em tapetes
de Aubusson. (Revista de junho de 1862). A despeito do que
tenha dito, além disso, o autor de uma brochura que conheceis, e que
prova, por cálculos hiperbólicos, que o orçamento das minhas receitas
ultrapassa a lista civil do mais poderoso soberano da Europa, porque, só
na França, vinte milhões de espíritas são meus tributários (Revista de
junho de 1863), há um fato mais autêntico do que os seus cálculos. É
que jamais pedi qualquer coisa a quem quer que seja, e ninguém jamais me
deu nada, a mim pessoalmente; numa palavra, não vivo às custas de ninguém, pois
das somas que me foram voluntariamente confiadas no interesse do
Espiritismo, nenhuma parcela foi desviada em meu proveito.
Minhas
imensas riquezas proviriam, pois, de minhas obras espíritas. Embora
essas obras tenham tido um sucesso inesperado, basta ter poucas noções
de negócios de livraria para saber que não é com livros filosóficos que
se amontoam milhões em cinco ou seis anos, quando se tem sobre a venda
direitos autorais de apenas alguns cêntimos por exemplar. Mas, muito ou
pouco, sendo esse produto o fruto de meu trabalho, ninguém tem o direito
de se imiscuir no emprego que dele faço, mesmo que se elevasse a
milhões, considerando-se que a venda dos livros, assim como a assinatura
da Revista, é facultativa e não é imposta em nenhuma circunstância, nem
mesmo para assistir às sessões da Sociedade, ninguém tem nada com isto.
Comercialmente falando, estou na posição de todo homem que colhe o
fruto de seu trabalho; corro o risco de todo escritor, que pode vencer
como pode fracassar.”
“Em
todos os tempos temos tido de que viver, muito modestamente, é certo,
mas o que teria sido pouco para certa gente nos bastava, graças aos
nossos gostos e aos nossos hábitos de ordem e de economia. À nossa
pequena renda vinha juntar-se o produto das obras que publiquei antes do
Espiritismo, e o de um modesto emprego que tive de deixar quando os
trabalhos da Doutrina absorveram todo o meu tempo.”
“Posto
que, sob este ponto de vista, eu não tenha contas a prestar, creio
útil, pela própria causa à qual me votei, dar algumas explicações.
“Para
começar, direi que não sendo as minhas obras minha propriedade
exclusiva, sou obrigado a comprá-las do meu editor e a pagá-las como um
livreiro, com exceção da Revista; que o lucro se acha
singularmente diminuído pelas obras que não são vendidas e pelas
distribuições gratuitas, feitas no interesse da Doutrina, a pessoas que
sem isto delas estariam privadas. Um cálculo muito simples prova que o
preço de dez volumes perdidos ou doados, que não deixo de pagar, basta
para absorver o lucro de cem volumes. Isto seja dito à guisa de
informação e entre parênteses. Tudo somado e feito o balanço, contudo
resta alguma coisa. Imaginai a cifra que quiserdes. O que faço com ela?
Isto é o que mais preocupa certas criaturas.”
Estilo de vida simples...
“Quem
quer que outrora tenha visto a nossa intimidade e a veja hoje, pode
atestar que nada mudou em nossa maneira de viver depois que passei a
ocupar-me do Espiritismo. Ela é agora tão simples quanto era outrora.
Então é certo que os meus lucros, por enormes que sejam, não servem para
nos dar os prazeres do luxo. Será que eu teria a mania de entesourar
para ter o prazer de contemplar meu dinheiro? Não penso que o meu
caráter e os meus hábitos jamais tenham podido fazê-lo supor. Por que as
coisas são assim? Considerando-se que disso não tiro proveito, quanto
mais fabulosa a soma, mais embaraçosa a resposta. Um dia saberão a cifra
exata, assim como o emprego detalhado, e os criadores de histórias
poderão economizar a imaginação.”
Um legado de desprendimento e abnegação...
“Pessoalmente,
e embora parte ativa do comitê, não constituiremos sobrecarga ao
orçamento, nem por emolumentos, nem por indenização de viagens, nem por
uma causa qualquer. Se jamais pedimos algo para nós, ainda menos o
faríamos nesta circunstância; nosso tempo, nossa vida, todas as nossas
forças físicas e intelectuais pertencem à Doutrina. Declaramos, pois,
formalmente, que nenhuma parte dos recursos de que disporá o comitê será
desviada em nosso proveito.
Ao contrário, a ele trazemos nossa quota-parte:
1º - Pela cessão do lucro de nossas obras, feitas e por fazer;
2º - Pelo aporte de valores mobiliários e imobiliários.
Assim,
fazemos votos para a realização do nosso plano no interesse da
Doutrina, e não para criarmos uma posição para nós, da qual não
necessitamos. Foi para preparar os caminhos desta instalação que até
hoje consagramos o produto de nossos trabalhos, como dissemos acima. Se
nossos meios pessoais não nos permitem fazer mais, pelo menos teremos a
satisfação de nela haver posto a primeira pedra.
Reconhecimento, gratidão e modéstia...
Senhoras, senhores, e vós todos, meus caros e bons irmãos no Espiritismo.
A
acolhida tão amiga e benevolente que recebo entre vós, desde a minha
chegada, seria bastante para me encher de orgulho, se eu não
compreendesse que tais testemunhos se dirigem menos à pessoa do que à
Doutrina, da qual não passo de um dos mais humildes obreiros. É a
consagração de um princípio e me sinto duplamente feliz, porque esse
princípio deve um dia assegurar a felicidade do homem e o repouso da
Sociedade, quando for bem compreendido, e ainda melhor quando for
praticado. Seus adversários só o combatem porque não o compreendem. Cabe
a nós; cabe aos verdadeiros espíritas, àqueles que veem no Espiritismo
algo mais do que experiências mais ou menos curiosas, fazê-lo
compreendido e propagá-lo, tanto pregando pelo exemplo quanto pela
palavra. O Livro dos Espíritos teve como resultado demonstrar o
seu alcance filosófico. Se esse livro tem qualquer mérito, seria
presunção minha orgulhar-me disso, porque a doutrina que ele encerra não
é criação minha. Toda honra pelo bem que ele fez cabe aos sábios
Espíritos que o ditaram e que quiseram servir-se de mim. Posso, pois,
ouvir o elogio sem que seja ferida a minha modéstia, e sem que o meu
amor-próprio por isso fique exaltado. Se eu desejasse prevalecer-me
disto, certamente teria reivindicado a sua concepção, em vez de
atribuí-la aos Espíritos; e se se pudesse duvidar da superioridade
daqueles que cooperaram, bastaria considerar a influência que ele
exerceu em tão pouco tempo só pelo poder da lógica, e sem qualquer dos
meios materiais próprios para superexcitar a curiosidade.
Seja
como for, senhores, a cordialidade do vosso acolhimento será para mim
um poderoso encorajamento na tarefa laboriosa que empreendi e da qual
fiz a razão de minha vida, porque me dá a certeza consoladora de que os
homens de coração já não são tão raros neste século materialista, como
gostam de proclamá-lo. Os sentimentos que fazem nascer em mim esses
testemunhos benevolentes são melhor compreendidos do que expressados; e o
que lhes dá, aos meus olhos, um valor inestimável, é que não têm por
móvel qualquer consideração pessoal. Eu vô-lo agradeço do fundo do
coração, em nome do Espiritismo, sobretudo em nome da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que
se sentirá feliz pelas demonstrações de simpatia que tendes a bondade
de lhe dar, e orgulhosa de contar em Lyon tão grande número de bons e
leais confrades. Permiti-me retraçar, nalgumas palavras, as impressões
que levo de minha breve passagem entre vós.
Prudência, indulgência e firmeza de propósitos...
Se
os meus princípios são falsos, por que não apresentam outros que os
substituam, fazendo-os prevalecer? Ao que parece, entretanto, de modo
geral eles não são julgados irracionais, já que encontram aderentes em
tão grande número. Mas, não será exatamente isso que excita o mau humor
de certas pessoas? Se esses princípios não encontrassem partidários, se
fossem ridículos, desde o primeiro enunciado seguramente deles não se
falaria.
E
quanto aos outros, os que pretendem que não avanço bastante
rapidamente, esses desejariam me empurrar, - com boa intenção, quero
crer, pois é sempre melhor pressupor o melhor que o pior, em um caminho
onde não quero me arriscar. Sem, pois, me deixar influenciar seja pelas
ideias de uns, seja pelas de outros, sigo a rota que eu mesmo tracei:
tenho um objetivo, vejo-o, sei como e quando o atingirei e não me
inquietam os clamores dos que passam por mim.
Crede,
Senhores, as pedras não faltam em meu caminho. Passo por cima delas,
mesmo das mais altas e pesadas. Se se conhecesse a verdadeira causa de
certas antipatias e de certos afastamentos, muitas surpresas nos
aguardariam!
Fé na vida futura, respeito, humildade ante a lisonja e outras armadilhas da inveja
É
ainda preciso, entretanto, mencionar as pessoas que são postas,
relativamente a mim, em posições falsas, ridículas e comprometedoras, e
que procuram se justificar, em última instância, recorrendo a pequenas
calúnias: os que esperavam seduzir-me pelos elogios, crendo poder
levar-me a servir aos seus desígnios e que reconheceram a inutilidade de
suas manobras para atrair minha atenção; aqueles que não elogiei nem
incensei e que isso esperavam de mim; aqueles, enfim, que não me perdoam
por ter adivinhado suas intenções e que são como a serpente
sobre a qual se pisa. Se todas essas pessoas decidissem se colocar, por
um instante sequer, em uma posição extraterrena e ver as coisas um pouco
mais do alto, compreenderiam bem a puerilidade de quanto as preocupa e
não se espantariam com a pouca importância que a tudo isso dão os
verdadeiros espíritas. É que o Espiritismo abre horizontes tão vastos
que a vida corporal, curta e efêmera, se apaga com todas as suas
vaidades e suas pequenas intrigas, ante o infinito da vida espiritual.
Não
devo, entretanto, omitir uma censura que me foi endereçada: a de nada
fazer para trazer de novo a mim as pessoas que se afastam. Isso é
verdadeiro e a reprovação fundamentada; eu a mereço, pois jamais dei um
único passo nesse sentido e aqui estão os motivos de minha indiferença.
Aqueles que de mim se aproximam, fazem-no porque isto Ihes convém; é
menos por minha pessoa do que pela simpatia que Ihes despertam os
princípios que professo. Os que se afastam fazem-no porque não Ihes
convenho ou porque nossa maneira de ver as coisas reciprocamente não
concorda. Por que, então, iria eu contrariá-los, impondo-me a eles?
Parece-me mais conveniente deixá-los em paz. Ademais, honestamente,
carece-me tempo para isso. Sabe-se que minhas ocupações não me deixam um
instante para o repouso. Além disso, para um que parte, há mil que
chegam. Julgo um dever dedicar-me, acima de tudo, a estes e é isso que
faço. Orgulho? Desprezo por outrem? Oh! Não! Honestamente, não! Eu não
desprezo ninguém; lamento os que agem mal, rogo a Deus e aos Bons
Espíritos que façam nascer neles melhores sentimentos; e
isso é tudo. Se retornam, são sempre recebidos com júbilo. Mas correr ao
seu encalço, isso não me é possível fazer, mesmo em razão do tempo que
de mim reclamam as pessoas de boa vontade, e, depois, porque não
empresto a certos indivíduos a importância que eles a si próprios
atribuem. Para mim, um homem é um homem, isto apenas! Meço seu valor por
seus atos, por seus sentimentos, nunca por sua posição social. Pertença
ele às mais altas camadas da sociedade, se age mal, se é egoísta e
negligente de sua dignidade é, a meus olhos, inferior ao operário que
procede corretamente, e eu aperto mais cordialmente a mão de um homem
humilde, cujo coração estou a ouvir, do que a de um potentado cujo peito
emudeceu. A primeira me aquece, a segunda me enregela.
Homens
da mais alta posição honram-me com sua visita, porém nunca, por causa
deles, um operário ficou na antecâmara. Muitas vezes, em meu salão, o
príncipe se assenta ao lado do operário; se se sentir humilhado, eu
direi que ele não é digno de ser espírita. Mas sinto-me feliz em dizer,
eu os vi, muitas vezes, apertarem-se as mãos, fraternalmente, e, então,
um pensamento me ocorria: "Espiritismo, eis um dos teus milagres; este é
o prenúncio de muitos outros prodígios!"
Tolerância, moderação, bondade, benevolência, singeleza, dedicação e amorosidade...
“Dependeria
de mim abrir as portas da alta sociedade, porém nunca fui nelas bater.
Isso exigiria um tempo que prefiro empregar mais utilmente. Coloco em
primeira instância o consolo que é preciso oferecer aos que sofrem,
erguer a coragem dos caídos, arrancar um homem de suas paixões, do
desespero, do suicídio, detê-lo talvez no limiar do crime! Não vale mais
isto do que os lambris dourados? Guardo milhares de cartas que para mim
mais valem do que todas as honrarias da Terra e que olho como
verdadeiros títulos de nobreza. Assim, pois, não vos espanteis se deixo
partir aqueles que me dão as costas.
Tenho
adversários, eu sei! Mas o número deles não é tão grande quanto poderia
fazer supor a enumeração mencionada. Eles se encontram nos grupos que
citei, mas são apenas indivíduos isolados e seu número pouca coisa é em
comparação com os que desejam testemunhar-me sua simpatia. Além disso
nunca conseguiram perturbar-me o repouso, nem uma vez sequer suas
maquinações e suas diatribes me emocionaram e devo acrescentar que essa
profunda indiferença de minha parte, o silêncio que oponho aos seus
ataques, não é o que os exaspera menos. Por mais que façam, jamais
conseguirão fazer-me sair da moderação e da regra que tenho por conduta.
Nunca se poderá dizer que respondi à injúria com injúria. As pessoas
que me conhecem na intimidade podem dizer se jamais os mencionei; se
alguma vez, na Sociedade, foi dita uma única palavra, se foi feita uma
única alusão relativamente a qualquer um deles. Mesmo pela
"Revista” jamais respondi às suas agressões, se dirigidas à minha
pessoa, e Deus sabe que elas não têm faltado!
De
que adianta, ademais, seu malquerer? De nada! Nem contra a doutrina nem
contra mim. A doutrina espírita prova, por sua marcha progressiva, que
nada tem a temer. Quanto a mim, não ocupo nenhuma posição, por isso nada
existe que me pode ser tirado; não peço nada, nada solicito e, assim,
nada me pode ser recusado. Não devo nada a ninguém, desse modo nada há
que me possa ser cobrado; não falo mal de ninguém, nem mesmo daqueles
que o dizem de mim. Em que poderiam, então, prejudicar-me? É certo que
se pode atribuir a mim o que eu não disse e isso já se fez mais de uma
vez. Mas, aqueles que me conhecem são capazes de distinguir o que digo
daquilo que não sou capaz de dizer e eu agradeço a quantos, em
semelhantes circunstâncias, souberam responder por mim. O que afirmo,
estou sempre pronto a repetir na presença de quem quer que seja, e
quando afirmo não ter dito ou feito uma coisa, julgo-me no direito de
ser acreditado.
Ademais,
o que representa tudo isso em face do objetivo que nós, os Espíritas
sinceros e devotados, perseguimos conjuntamente? Desse futuro imenso que
se desenrola diante dos nossos olhos? Acreditai-me, Senhores, fora
preciso ver como um roubo perpetrado contra a grande obra, os instantes
que perdêssemos preocupados com essas mesquinharias. De minha parte
agradeço a Deus por me haver, já aqui na Terra, concedido tantas
compensações morais ao preço de tribulações tão passageiras, bem como
pela alegria de assistir ao triunfo da doutrina espírita.
Peço-vos
perdão, Senhores, por vos haver, por tão longo tempo, entretido com
assuntos relativos a mim, mas acredito útil estabelecer nitidamente esta
posição, a fim de que vos seja possível saber em quem acreditar, de
conformidade com as circunstâncias e para que possais estar convencidos
de que minha linha de conduta está traçada e que dela nada me fará
desviar. De resto, creio que destas observações, - abstração feita de
minha pessoa - poderão resultar alguns ensinamentos úteis.
“... Ele morreu esta manhã, entre 11 e 12 horas, subitamente, ao entregar um número da Revue
a um caixeiro de livraria que acabava de comprá-lo; ele se curvou sobre
si mesmo, sem proferir uma única palavra: estava morto... Paris, 31 de
março de 1869.”
Revista Espírita, outubro de 1860- Banquete oferecido pelos Espíritas Lioneses ao Sr. Allan Kardec.
Viagem Espírita em 1862 – Discursos pronunciados nas reuniões gerais dos espíritas de Lyon e Bordeaux - Discurso I