Revista Espírita, abril de 1858
Sob esse título:
O velho novo, o senhor Edouard Fournier publicou, no
Século, há uns dez anos, uma série de artigos tão notáveis, do ponto de
vista da erudição, quanto interessantes sob o aspecto histórico. O autor,
passando em revista todas as invenções e descobertas modernas, prova que se
nosso século tem o mérito da aplicação e do desenvolvimento, não tem, pelo menos
para a maioria, o da prioridade. À época em que o senhor Edouard Fournier
escrevia o seu folhetim, não havia, ainda, a questão dos Espíritos, sem o que
não teria deixado de nos mostrar que tudo o que se passa hoje não é senão uma
repetição do que os Antigos sabiam muito bem, e talvez melhor do que nós. E o
lastimamos por nossa conta, porque as suas profundas investigações lhe teriam
permitido pesquisar a antigüidade mística, como pesquisou-se a antigüidade
industrial; fazemos coro para que um dia dirija para esse lado suas laboriosas
pesquisas. Quanto a nós, nossas observações pessoais não nos deixam nenhuma
dúvida sobre a antigüidade e a universalidade da doutrina que os Espíritos nos
ensinam. Essa coincidência entre o que nos dizem hoje e as crenças dos mais
recuados tempos, é um fato significativo da mais alta importância. Faremos
notar, todavia, que, se encontramos por toda parte traços da Doutrina Espírita,
em nenhuma parte a vemos completa: parece haver sido reservado à nossa época
coordenar esses fragmentos esparsos entre todos os povos, para chegar à unidade
de princípios, no meio de um conjunto mais completo e, sobretudo, mais geral de
manifestações, que parecem dar razão ao autor do artigo que citamos mais acima,
sobre o período psicológico no qual a Humanidade parece entrar.
A ignorância e os preconceitos, quase por toda parte, desfiguraram essa
doutrina, cujos princípios fundamentais estão misturados a práticas
supersticiosas de todos os tempos, exploradas para sufocar a razão. Mas sob esse
montão de absurdos, germinam as mais sublimes idéias, como sementes preciosas
ocultas sob os estorvos, e não esperando senão a luz vivificante do Sol para
alçar seu vôo. Nossa geração, mais universalmente esclarecida, descarta os
estorvos, mas um tal cultivo não pode se cumprir sem transição. Deixemos, pois,
às boas sementes, o tempo de se desenvolverem, e às más ervas o de
desaparecerem. A doutrina druídica nos oferece um curioso exemplo do que
acabamos de dizer. Essa doutrina, da qual conhecemos somente as práticas
exteriores, se elevava, sob certos aspectos, até as mais sublimes verdades; mas
essas verdades eram apenas para os seus iniciados: o vulgo, terrificado pelos
sangrentos sacrifícios, colhia com um santo respeito o visgo sagrado do
carvalho, e não via senão a fantasmagoria. Isso se poderá julgar pela citação
seguinte, extraída de um documento tanto mais precioso quanto é pouco conhecido,
e que lança uma luz inteiramente nova sobre a verdadeira teologia de nossos
pais.
"Entregamos, à reflexão dos nossos leitores, um texto céltico publicado há
pouco e cuja aparição causou uma certa emoção no mundo sábio. É impossível
saber, ao certo, quem lhe foi o autor, nem mesmo a que século remonta. Mas, o
que é incontestável, é que pertence à tradição dos bardos do país de Galles, e
essa origem basta para lhe conferir um valor de primeira ordem.
"Sabe-se, com efeito, que o país de Galles se constitui, ainda em nossos
dias, no mais fiel abrigo da nacionalidade gaulesa, que, entre nós, experimentou
modificações tão profundas. Apenas roçado pela dominação romana, que aí não toca
senão por pouco tempo e fracamente; preservado da invasão dos bárbaros pela
energia dos seus habitantes e pelas dificuldades do seu território; submetido,
mais tarde, pela dinastia normanda, que deveu, todavia, lhe deixar um certo grau
de independência, o nome de Galles,
Gallia, que sempre ostentou, é um
traço distintivo pelo qual ele se prende, sem descontinuidade, ao período
antigo. A língua kymrique, falada outrora em toda a parte setentrional da Gaule,
jamais cessou de aí estar em uso, e muitos dos costumes são igualmente gauleses.
De todas as influências estrangeiras, a do Cristianismo foi a única que
encontrou meio de aí triunfar plenamente; mas não o foi sem muitas dificuldades
relativamente à supremacia da Igreja romana, cuja reforma do décimo-sexto século
não fez mais do que determinar a queda, desde há muito tempo preparada, nessas
regiões cheias de um sentimento indefectível de independência.
"Pode-se mesmo dizer que os druidas, convertendo-se inteiramente ao
Cristianismo, não se extinguiram totalmente no país de Galles, como na nossa
Bretagne, e em outros países de sangue gaulês. Tiveram, por conseqüência
imediata, uma sociedade muito solidamente constituída, votada principalmente, em
aparência, ao culto da poesia nacional, mas que, sob o manto poético, conservou
com fidelidade notável a herança intelectual da antiga Gaule: foi a Sociedade
bárdica do país de Galles, que, depois de se manter como sociedade secreta
durante toda a duração da Idade Média, por uma transmissão oral dos seus
monumentos literários e da sua doutrina, à imitação das práticas dos druidas,
decidiu, entre o décimo-sexto e o décimo-sétimo século, confiar à escrita as
partes mais essenciais dessa herança. Desse fundo, cuja autenticidade está assim
atestada por uma cadeia tradicional ininterrupta, procede o texto do qual
falamos; e seu valor, em razão dessas circunstâncias, não depende, como se vê,
nem da mão que teve o mérito de colocá-lo por escrito, nem da época na qual a
sua redação pôde ter adquirido sua última forma. O que nele respira, acima de
tudo, é o espírito dos bardos da Idade Média, que, eles mesmos, eram os últimos
discípulos dessa corporação sábia e religiosa que, sob o nome de druidas,
dominou a Gaule, durante o primeiro período da sua história, quase do mesmo modo
que o clero latino durante o da Idade Média.
"Estar-se-ia mesmo privado de toda luz sobre a origem do texto, do qual se
trata, se não se o tivesse colocado, bastante claramente, no caminho, em face do
seu acordo com as informações que os autores, gregos e latinos, nos deixaram
relativamente à doutrina religiosa dos druidas. Esse acordo constitui pontos de
solidariedade que não sofrem nenhuma dúvida, porque se apóiam sobre as razões
tiradas da própria substância do escrito; e a solidariedade assim demonstrada
pelos artigos capitais, os únicos dos quais os Antigos nos falaram, se estende,
naturalmente, aos desenvolvimentos secundários. Com efeito, esses
desenvolvimentos, penetrados do mesmo espírito, derivam necessariamente da mesma
fonte; fazem corpo com o fundo e não podem se explicar senão por ele. E, ao
mesmo tempo que remontam, por uma geração tão lógica, aos depositários
primitivos da religião druídica, é impossível lhes assinalar algum outro ponto
de partida; porque, fora da influência druídica, o país do qual provêm não
conheceu senão a influência cristã, que é inteiramente estranha a tais
doutrinas.
"Os desenvolvimentos contidos nas tríades, estão mesmo tão perfeitamente fora
do Cristianismo que o pouco de emoções cristãs, que escapam aqui e ali, em seu
conjunto se distinguem do fundo primitivo à primeira vista. Essas emanações,
ingenuamente saídas da consciência dos bardos cristãos, puderam, se assim se
pode dizer, se intercalar nos interstícios da tradição, mas não puderam nela se
fundir. A análise do texto é, pois, tão simples quanto rigorosa, uma vez que
pode se reduzir em se apartar tudo o que traz a marca do Cristianismo, e, uma
vez operada a triagem, deve-se considerar como de origem druídica tudo o que
ficar visivelmente caracterizado por uma religião diferente da do Evangelho e
dos concilies. Assim, para não citar senão o essencial, partindo desse princípio
bastante conhecido de que o dogma da caridade, em Deus e nos homens, é tão
especial ao Cristianismo quanto o da migração das almas o é ao antigo druidismo,
um certo número de tríades, nas quais respire um espírito de amor que a Gaule
primitiva jamais conheceu, se trairiam imediatamente como sinais de um caráter
comparativamente moderno; ao passo que as outras, animadas por um sopro
diferente, deixam ver tanto melhor a marca da alta antigüidade que as distingue.
"Enfim, não é inútil fazer observar que a própria forma do ensinamento
contido nas tríades é de origem druídica. Sabe-se que os druidas tinham uma
predileção particular pelo número três, e o empregavam especialmente, assim como
no-lo mostram a maioria dos monumentos gauleses, para a transmissão de suas
lições que, mediante essa forma precisa, se gravavam mais facilmente na memória.
Diogène Laérce nos conservou uma dessas tríades que resume, sucintamente, o
conjunto dos deveres do homem para com a Divindade, para com seus semelhantes e
para consigo mesmo: "Honrar os seres superiores, não cometer injustiça, e
cultivar em si a virtude viril." A literatura dos bardos propagou, até nós, uma
multidão de aforismos do mesmo gênero, tocando todos os ramos do saber humano:
ciência, história, moral, direito, poesia. Não há de mais interessantes nem de
mais próprias para inspirarem grandes reflexões do que aquelas das quais aqui
publicamos o texto, segundo a tradução que foi feita pelo senhor Adolphe Pictet.
"Dessa série de tríades, as onze primeiras estão consagradas à exposição dos
atributos característicos da Divindade. Foi nessa seção que as influências
cristãs, como era fácil de se prever, tiveram maior ação. Se não se pode negar
que o druidismo tenha conhecido o princípio da unidade de Deus, pode ser mesmo
que, em conseqüência de sua predileção pelo número ternário, pôde se elevar a
conceber, confusamente, alguma coisa da divina triplicidade; todavia, é
incontestável de que o que completa essa alta concepção teológica - saber a
distinção das pessoas e particularmente da terceira - deveu restar perfeitamente
estranho a essa antiga religião. Tudo concorda em provar que os seus sectários
estavam muito mais preocupados em estabelecer a liberdade do homem, do que em
estabelecer a caridade; e foi mesmo em conseqüência dessa falsa posição de seu
ponto de partida que pereceu. Também parece permitido se relacionar a uma
influência cristã, mais ou menos determinada, todo esse início, principalmente a
partir da quinta tríade.
"Em seguida aos princípios gerais, relativos à natureza de Deus, o texto
passa a expor a constituição do Universo. O conjunto dessa constituição está
superiormente formulado em três tríades que, mostrando os seres particulares em
uma ordem absolutamente diferente da de Deus, completam a idéia que se deve
formar do Ser único e imutável. Sob formas mais explícitas, essas tríades não
fazem, de resto, senão o que já se sabia pelos testemunhos dos Antigos, da
doutrina sobre a circulação das almas passando, alternativamente, da vida para a
morte e da morte para a vida. Pode-se considerá-las como o comentário de um
verso célebre da
Pharsale, na qual o poeta se exclama, dirigindo-se aos
sacerdotes da Gaule, que, se o que ensinam é verdadeiro, a morte não é senão o
meio de uma longa vida:
Longae vitae mors media est.
DEUS E O UNIVERSO
I. - Há três unidades primitivas, e de cada uma delas não se poderia ter
senão uma só: um Deus, uma verdade, um ponto de liberdade, quer dizer, o ponto
onde se encontra o equilíbrio de toda a oposição.
II. - Três coisas procedem de três unidades primitivas: toda vida, todo bem e
todo poder.
III. - Deus é, necessariamente, três coisas, a saber: a maior parte da vida,
a maior parte da ciência, e a maior parte do poder; e não poderia ter uma maior
parte de cada coisa.
IV. - Três coisas que Deus não pode não ser: o que deve constituir o bem
perfeito, o que deve querer o bem perfeito, e o que deve cumprir o bem perfeito.
V. - Três garantias daquilo que Deus fez e fará: seu poder infinito, sua
sabedoria infinita, seu amor infinito; porque não há nada que não possa ser
efetuado, que não possa se tornar verdadeiro, e que não possa ser desejado por
um atributo.
VI. - Três fins principais da obra de Deus, como criador de todas as coisas:
diminuir o mal, reforçar o bem, e pôr em evidência toda diferença; de tal sorte
que se possa saber o que deve ser, ou, ao contrário, o que não deve ser.
VII. - Três coisas que Deus não pode não conceder: o que há de mais
vantajoso, o que há de mais necessário, e o que há de mais belo para cada coisa.
VIII. - Três poderes da existência: não poder ser de outro modo, não ser
necessariamente outro, não poder ser melhor pela concepção; e é nisso que está a
perfeição de toda coisa.
IX. - Três coisas prevalecerão necessariamente: o supremo poder, a suprema
inteligência, e o supremo amor de Deus.
X. - As três grandezas de Deus: vida perfeita, ciência perfeita, poder
perfeito.
XI. - Três causas originais dos seres vivos: o amor divino de acordo com a
suprema inteligência, a sabedoria suprema pelo conhecimento perfeito de todos os
meios, e o poder divino de acordo com a vontade, o amor e a sabedoria de Deus.
OS TRÊS CÍRCULOS
XII. - Há três círculos da existência: o
círculo da região vazia (ceugant),
onde, exceto Deus, não há nada de vivo, nem de morto, e nenhum ser que Deus
não possa atravessá-lo; o
círculo da migração (abred), onde todo ser
animado procede da morte, e o homem o atravessou; e o
círculo da felicidade (gwynfyd),
onde todo ser animado procede da vida, e o homem o atravessará no céu.
XIII. - Três estados sucessivos de seres animados: o estado de descida no
abismo
(annoufn), o estado de liberdade na humanidade, e o estado de
felicidade no céu.
XIV. - Três fases necessárias de toda existência com relação à vida: o começo
em
annoufn, a transmigração em
abred, e a plenitude em
gwynfyd;
e sem essas três coisas ninguém pode existir, exceto Deus.
"Assim, em resumo, sobre esse ponto capital da teologia cristã, de que Deus,
pelo seu poder criador, tira as almas do nada, as tríades não se pronunciam de
modo preciso. Depois de mostrarem Deus em sua esfera eterna e inacessível,
mostram simplesmente as almas nascendo no fundo do Universo, no abismo
(annoufn);
daí, essas almas passam no círculo de migrações
(abred), onde seu
destino se determina através de uma série de existências, conforme o uso bom ou
mau que fizerem da sua liberdade; enfim, elas se elevam ao círculo supremo
(gwynfyd),
onde as migrações cessam, onde não se morre mais, onde a vida se passa
doravante na felicidade, conservando em tudo sua atividade perpétua e a plena
consciência da sua individualidade. É preciso, para isso, com efeito, que o
druidismo caia no erro das teologias orientais, que conduzem o homem a se
absorverem finalmente no seio imutável da Divindade; porque distingue, ao
contrário, um círculo especial, o círculo do vazio ou do infinito
(ceugant),
que forma o privilégio incomunicável do Ser supremo, e no qual nenhum ser,
qualquer que seja o seu grau de santidade, jamais é admitido penetrar. É o ponto
mais elevado da religião, porque marca o limite colocado ao vôo das criaturas.
"O traço mais característico dessa teologia, se bem que seja um traço
puramente negativo, consiste na ausência de um círculo particular, tal qual o
Tártaro da antigüidade paga, destinado à punição sem fim das almas criminosas.
Entre os druidas, o inferno propriamente dito não existe.
A distribuição dos
castigos se efetua, aos seus olhos, no círculo das migrações pelo compromisso
das almas em condições de existência mais ou menos infelizes, onde, sempre
senhoras da sua liberdade, expiam suas faltas pelo sofrimento, e se dispõem,
pela reforma dos seus vícios, a um futuro melhor. Em certos casos, pode
mesmo ocorrer que as almas retrocedam até aquela região de
annoufn, onde
tomam nascimento, e à qual não parece muito possível dar outra significação que
a da animalidade. Por esse lado perigoso (a retrogradação), e que nada
justifica, uma vez que a diversidade das condições de existência no círculo da
humanidade, basta perfeitamente à penalidade de todos os graus, o druidismo
teria, pois, chegado a deslizar até à metempsicose. Mas esse extremismo
deplorável,
ao qual não conduz nenhuma necessidade da doutrina do
desenvolvimento das almas pelo caminho de migrações, parece, como se julgará
pela seqüência das tríades relativas ao regime do círculo de
abred, não
ter ocupado, no sistema da religião, senão um lugar secundário.
"À parte algumas obscuridades, que se prendem talvez às dificuldades de uma
língua cujas profundezas metafísicas não nos são ainda bem conhecidas, as
declarações das tríades, tocando as condições inerentes ao círculo de
abred,
derramam as mais vivas luzes sobre o conjunto da religião druídica. Nela se
sente respirar o sopro de uma originalidade superior. O mistério que oferece à
nossa inteligência o espetáculo da nossa existência presente, nela toma um jeito
singular que não se vê em nenhuma parte, e se diria que um grande véu se
rasgando, adiante e atrás da vida, a alma se sente, de repente, nadar, com uma
força inesperada, através de uma extensão indefinida que, em seu cativeiro entre
as portas espessas do nascimento e da morte, ela não era capaz de supor por si
mesma. A qualquer julgamento que se detenha, sobre a verdade dessa doutrina, não
se pode deixar de convir que não seja uma doutrina poderosa; e, refletindo no
efeito que devia, inevitavelmente, produzir sobre as almas inocentes tais
aberturas sobre a sua origem e o seu destino, é fácil se dar conta da imensa
influência que os druidas, naturalmente, haviam adquirido sobre os espíritos de
nossos pais. No meio das trevas da antigüidade, esses ministros sacros não
podiam deixar de aparecer, aos olhos das populações, como os reveladores do céu
e da terra.
"Eis o texto notável, do qual se trata:
O CÍRCULO DE ABRED
XV. - Três coisas necessárias no círculo de
abred: o menor grau
possível de toda a vida, e daí seu começo; a matéria de todas as coisas, e daí o
crescimento progressivo, o qual não pode se operar senão no estado de
necessidade; e a formação de todas as coisas da morte, e daí a debilidade das
existências.
XVI. - Três coisas nas quais todo ser vivo participa, necessariamente, pela
justiça de Deus: o socorro de Deus em
abred, porque sem isso ninguém não
poderia conhecer nenhuma coisa; o privilégio de ter parte no amor de Deus; e o
acordo com Deus quanto ao cumprimento pelo poder de Deus, tanto quanto for justo
e misericordioso.
XVII. - Três causas da necessidade do círculo de
abred: o
desenvolvimento da substância material de todo ser animado; o desenvolvimento do
conhecimento de toda coisa; e o desenvolvimento da força moral .para superar
todo contrário e
Cythraul (o mau Espírito) e para se livrar de
Droug
(o mal). E sem essa transição de cada estado de vida, não poderia isso ter
cumprimento por nenhum ser.
XVIII. - Três calamidades primitivas de
abred: a necessidade, a
ausência de memória, e a morte.
XIX. - Três condições necessárias para se chegar à plenitude da ciência:
transmigrar em
abred, transmigrar em
gwynfyd, e recordar-se de
todas as coisas passadas, até em
annoufn.
XX. - Três coisas indispensáveis no círculo de
abred: a transgressão
da lei, porque isso não pode ser de outro modo; libertação pela morte, diante de
Droug e
Cythraul; o crescimento da vida e do bem pelo afastamento
de
Droug na libertação da morte; e isso pelo amor de Deus que abarca
todas as coisas.
XXI. - Três meios eficazes de Deus em
abred, para dominar
Droug
e
Cythraul e superar sua oposição com relação ao círculo de
gwynfyd: a
necessidade, a perda da memória e a morte.
XXII. - Três coisas são primitivamente contemporâneas: o homem, a liberdade e
a luz.
XXIII. - Três coisas necessárias para o triunfo do homem sobre o mal: a
firmeza contra a dor, a transformação, a
liberdade de escolher; e com o poder
que tem o homem de escolher, não se pode saber, antecipadamente, com certeza
onde irá.
XXIV. - Três alternativas oferecidas ao homem:
abred e gwynfyd,
necessidade e liberdade, mal e bem; o todo em equilíbrio, o homem pode, à
vontade, se ligar a um ou ao outro.
XXV. - Por três coisas o homem cai sob a necessidade de
abred: pela
ausência de esforço até o conhecimento, pelo desapego ao bem, pelo apego ao mal.
Em conseqüência dessas coisas, desce em
abred até seu análogo, e recomeça
o curso da sua transmigração.
XXVI. - Por três coisas o homem desce de novo, necessariamente, em
abred,
se bem que, a todo outro respeito esteja ligado ao que é bom: pelo orgulho,
cai até
annoufn: pela falsidade, até o ponto de demérito equivalente, e
pela crueldade, até o grau correspondente de animalidade. Daí transmigra de novo
para a humanidade, como antes.
XXVII. - As três coisas principais para se obter no estado de humanidade: a
ciência, o amor, a força moral, no mais alto grau possível de desenvolvimento,
antes que sobrevenha a morte. Isso não pode ser obtido anteriormente ao estado
de humanidade, e não pode ser senão pelo privilégio da liberdade e da escolha.
Essas três coisas são chamadas de três vitórias.
XXVIII. - Há três vitórias sobre
Croug e
Cythraul: a ciência, o
amor, e a força moral; porque o saber, o querer e o poder, cumprem o que quer
que seja em sua conexão com as coisas. Essas três vitórias começam na condição
de humanidade e continuam eternamente.
XXIX. - Três privilégios da condição do homem: o equilíbrio do bem e do mal,
e daí a faculdade de comparar; a liberdade na escolha, e daí o julgamento e a
preferência; e o desenvolvimento da força moral, em conseqüência do julgamento,
e daí a preferência. Essas três coisas são necessárias para cumprir o que quer
que seja.
"Assim, em resumo, o início dos seres no seio do Universo ocorre no ponto
mais baixo da escala da vida; e se não é levar muito longe as conseqüências da
declaração contida na vigésima-sexta tríada, pode-se conjecturar que, na
doutrina druídica, esse ponto inicial está considerado como situado no abismo
confuso e misterioso da animalidade. Daí, por conseqüência, desde a própria
origem da história da alma, há necessidade lógica do progresso, uma vez que os
seres não estão destinados por Deus para demorarem numa condição tão baixa e tão
obscura. Entretanto, nos estágios inferiores do Universo, esse progresso não se
desenrola seguindo uma linha contínua; essa longa existência, nascida tão baixo
para se elevar tão alto, se quebra em fragmentos, solidários no fundo da sua
sucessão, mas do qual, graças ao defeito de memória, a misteriosa solidariedade
escapa, ao menos por um tempo, à consciência do indivíduo. São as interrupções
periódicas no curso secular da vida, que constituem o que chamamos a morte; de
sorte que a morte e o nascimento que, por uma consideração superficial, formam
acontecimentos tão diferentes, não são, em realidade, senão as duas faces do
mesmo fenômeno, uma voltando para o período que se acaba, a outra para o período
que se segue.
"Desde então a morte, considerada em si mesma, não é, pois, uma calamidade
verdadeira, mas um benefício de Deus, que, rompendo os hábitos muito estreitos
que havíamos contraído com nossa vida presente, nos transporta em novas
condições e dá lugar, por aí, para nos elevarmos mais livremente a novos
progressos.
"Do mesmo modo que a morte, a perda de memória que a acompanha não deve ser
tomada não mais que por um benefício. É uma conseqüência do primeiro ponto;
porque se a alma, no curso dessa longa vida, conservasse claramente essas
lembranças de um período a outro, a interrupção não seria mais do que acidental,
e não haveria, propriamente dito, nem morte, nem nascimento, uma vez que esses
dois acontecimentos perderiam, desde então, o cará ter absoluto que os distingue
e faz a sua força. E mesmo, não parece difícil perceber diretamente, tomando o
ponto de vista dessa teologia, em que a perda da memória, no que toca aos
períodos passados, pode ser considerada como um benefício relativamente ao
homem, em sua condição presente; porque se esses períodos passados, como a
posição atual do homem em um mundo de sofrimento se lhe torna a prova, foram
infelizmente manchados de erros e de crimes, causa primeira das misérias e das
expiações de hoje, é, evidentemente, uma vantagem para a alma de se encontrar
descarregada da visão duma tão grande multidão de faltas e, ao mesmo tempo, de
'remorsos muito acabrunhantes que delas se originam. Não o obrigando a um
arrependimento formal senão relativamente às culpas da sua vida atual,
compadecendo-se, assim, de sua fraqueza, Deus lhe concede, efetivamente, uma
grande graça.
"Enfim, segundo esse mesmo modo de considerar o mistério da vida, as
necessidades de todas as naturezas às quais estamos sujeitos neste mundo, e que,
desde o nosso nascimento, determinam, por uma sentença por assim dizer fatal,
a forma da nossa existência no presente período, constituem um último
benefício tão bastante sensível quanto os outros dois; porque são, em
definitivo, essas necessidades que dão, à nossa vida, o caráter que melhor
convém às nossas expiações e às nossas provas e, por conseguinte, ao nosso
desenvolvimento moral; e são também essas mesmas necessidades, seja de nossa
organização física, seja de circunstâncias exteriores ao meio no qual estamos
colocados, que, em nos conduzindo forçosamente ao termo da morte, nos conduzem,
por isso mesmo, à nossa suprema libertação. Em resumo, como dizem as tríades em
sua enérgica concisão, está aí todo o conjunto e as três calamidades primitivas,
e os três meios eficazes de Deus em
abred.
"Entretanto, mediante qual conduta a alma se eleva, realmente, nesta vida, e
merece alcançar, depois da morte, um mundo superior de existência? A resposta
que o Cristianismo dá a essa questão fundamental é conhecida de todos: é sob a
condição de desfazer, em si, o egoísmo e o orgulho, de desenvolver, na
intimidade da sua substância, as forças da humildade e da caridade, únicas
eficazes, únicas meritórias diante de Deus: Bem-aventurados os brandos, disse o
Evangelho, bem-aventurados os humildes! A resposta do druidismo é bem diferente,
e contrasta claramente com esta. Segundo suas lições, a alma se eleva na escala
das existências sob a condição de fortificar, pelo seu trabalho, sobre ela
mesma, sua própria personalidade, e é um resultado que ela obtém naturalmente,
pelo desenvolvimento da força do caráter junto ao desenvolvimento do saber. É o
que exprime a vigésima-quinta tríade, que declara que a alma cai na necessidade
de transmigrações, quer dizer, em vidas confusas e mortais, não somente pela
manutenção de más paixões, mas pelo hábito da frouxidão no cumprimento de ações
justas, pela falta de firmeza na adesão ao que prescreve a consciência, em uma
palavra, pela fraqueza de caráter; além desse defeito de virtude moral, a alma
está ainda retida, em seu vôo para o céu, por falta do aperfeiçoamento do
Espírito. A iluminação intelectual, necessária para a plenitude da felicidade,
não se opera simplesmente, na alma bem-aventurada, por uma irradiação nela, do
alto, toda gratuita; ela não se produz na vida celeste se a alma, ela mesma, não
soube fazer esforços nesta vida para adquiri-la. Também a tríade não fala
unicamente da falta de saber, mas da falta de esforços para saber, o que é, no
fundo, como para a precedente virtude, um preceito de atividade e de movimento.
"Em verdade, nas tríades seguintes, a caridade se encontra recomendada, no
mesmo título que a ciência e a força moral; mas aqui ainda, como ao que toca à
natureza divina, a influência do Cristianismo é sensível. É a ele, e não à forte
mas dura religião dos nossos pais, que pertence a pregação e a intronização, no
mundo, da lei da caridade em Deus e no homem; e se essa lei brilha nas tríades,
é por uma aliança com o Evangelho, ou, por melhor dizer, por um feliz
aperfeiçoamento da teologia dos druidas pela ação da dos apóstolos, e não por
uma tradição primitiva. Retiremos esse divino raio, e teremos, na sua rude
grandeza, a moral da Gaule, moral que pôde produzir, na ordem do heroísmo e da
ciência, poderosas personalidades, mas que não soube uni-las entre si com a
multidão dos humildes (1). (1) Extraído do
Magasin pittoresque, 1857.
A Doutrina Espírita não consiste somente na crença das manifestações dos
Espíritos, mas em tudo o que nos ensinam sobre a natureza e o destino da alma.
Se, pois, se quiser se reportar aos preceitos contidos em
O Livro dos
Espíritos, onde se encontra formulado todo o seu ensinamento,
impressionar-se-á com a identidade de alguns princípios fundamentais com os da
doutrina druídica, dos quais um dos mais salientes e sem contradita, é o da
reencarnação. Nos três círculos, nos três estados sucessivos dos seres animados,
encontramos todas as fases que apresenta a nossa escala espírita. O que é, com
efeito, o círculo de
abred ou da
migração, senão as duas ordens de
Espíritos que se depuram em suas existências sucessivas? No círculo de
gwynfyd, o homem não transmigra mais, goza da suprema felicidade. Não é a
primeira ordem da escala, a dos Espíritos que, tendo cumprido todas as provas,
não têm mais necessidade de encanação e gozam da vida eterna? Anotemos, ainda,
que, segundo a doutrina druídica, o homem conserva o seu livre arbítrio; se
eleva gradualmente pela sua vontade, sua perfeição progressiva e as provas que
suporta, de
annoufn ou abismo, até a perfeita felicidade em
gwynfyd,
com a diferença, no entanto, de que o druidismo admite o retorno possível
nas classes inferiores, ao passo que, segundo o Espiritismo, o Espírito pode
permanecer estacionário, mas não pode degenerar. Para completar a analogia,
teríamos que acrescentar à nossa escala, abaixo da terceira ordem, o círculo de
annoufn, por caracterizar o abismo ou origem, desconhecida das almas, e,
acima da primeira ordem, o círculo de
ceugant, morada de Deus,
inacessível às criaturas. O quadro seguinte torna essa comparação mais sensível.
ESCALA ESPÍRITA
ESCALA ESPÍRITA |
ESCALA DRUÍDICA |
|
Ceugant |
Morada de Deus |
1ª Ordem |
1ª classe |
Puros Espíritos
(Sem reencarnação) |
|
Gwynlyd |
Morada dos Bem-Aventurados.
Vida Eterna |
2ª Ordem
Bons Espíritos |
2ª classe |
Espíritos Superiores |
Depuram-se
e se elevam
pelas provas
da
reencarnação |
Abred |
Círculos das migrações ou das diferentes existências
corporais que as almas percorrem para chegarem de Annoufn em Gwynlyd |
3ª classe |
Espíritos Sábios |
4ª classe |
Espíritos Cultos |
5ª classe |
Espíritos Benevolentes |
3ª Ordem
Espíritos Imperfeitos |
6ª classe |
Espíritos Neutros |
7ª classe |
Espíritos Pseudo-sábios |
8ª classe |
Espíritos Levianos |
9ª classe |
Espíritos Impuros |
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Annoufn |
abismo; ponto de partida das almas. |