Amor, Sexualidade e Casamento
No Espiritismo o problema do amor implica a relação
direta do homem com Deus. Criador e criatura se religam no desenvolvimento
humano da lei de adoração. Quanto mais o homem desenvolve as suas potencialidades
existenciais, o seu potencial ôntico, mais ele se aproxima de Deus, mais o
sente e mais o compreende. Nunca houve nem poderia haver um rompimento total e
definitivo entre Criador e criatura. No próprio dogma da queda a expulsão do
homem da face de Deus é apenas temporária. Por isso o Espiritismo é Religião,
mas não é igreja. A diferença entre Igreja e Religião é a mesma que existe
entre alma e corpo. O homem perde o corpo na morte, mas não perde a alma. A
Religião anunciada por Jesus não possui corpo, é alma pura, que sobrevive por
si mesma. No diálogo com a Mulher Samaritana Jesus desprezou o Templo de
Jerusalém e o Templo do Monte Gerasin, referindo-se apenas à Religião Livre do
Futuro. Porque a relação religiosa é puramente espiritual. A Religião não
depende de formalismos, sacramentos, instituições e órgãos. É subjetiva e se
define como o Amor a Deus. Essa relação direta exclui naturalmente todas as
formas de discriminação, pois seu objetivo é a unidade. Quando uma criatura se
liga a Deus, liga-se ao mesmo tempo a todas as criaturas e a todo o Universo,
integra-se na realidade absoluta. Tudo o mais são coisas humanas, pertence à diáspora, ou seja, ao tempo do exílio,
em que o homem se afastou de Deus. Esta simplificação da Religião só ocorre na
máxima complexidade, que é o mergulho do homem em sua essência, proveniente de
Deus e que é o próprio Deus em nós. Exemplifiquemos humanamente esta questão.
Conta-se que um sábio indiano mandou três filhos estudar na Inglaterra. Quando
voltaram diplomados perguntou ao primeiro: “O que é Deus”? O rapaz fez uma
longa e confusa digressão a respeito. O segundo vacilou em sua explicação e
disse que precisava estudar mais o assunto. O terceiro calou-se e seus olhos se
encheram de estranha névoa luminosa. O pai disse aos três; por ordem das
perguntas: “Você, meu filho, procurou Deus nas teologias e não conseguiu
achá-lo; você, meu segundo filho, está tateando no escuro como um cego; e você,
meu filho, que não me respondeu, encontrou Deus e nele mergulhou de tal maneira
que não pode traduzi-lo em palavras. Você não perdeu tempo com as coisas
exteriores e por isso foi o único que realmente aprendeu o que é Deus.”
A contradição máxima
complexidade e máxima simplicidade não é contradição, mas fusão. A
complexidade infinita das coisas e dos seres no Universo aturde o homem que
busca Deus, mas ao encontrá-lo o homem percebe de pronto que toda a
complexidade se funde na Existência Única de Deus. É como o marinheiro que
navegou por muitos mares, surpreso com as variedades e as diferenciações
formais de todos eles, mas ao terminar a sua navegação constata que todos os
mares não são mais do que o Grande Mar.
A religião em Espírito e Verdade é esse Mar Total em
que todos mares e todas as águas se reúnem numa coisa só.
Todas as religiões nasceram da mediunidade, que é o
fundamento de todas as religiões, que por sua vez se fundem na Religião em essência
que é a Religião do Espírito ou o Espiritismo. Nela não se precisa de coisas
específicas, pois todas as coisas se fundem numa só – o Amor a Deus.
Um jovem e uma jovem se amam e o amor que os atrai é o
Amor de Deus nas criaturas. A bênção do amor já os ligou e eles não necessitam
de palavras, ritos ou sacramentos para se unirem, pois unidos já estão. Se não
houver amor entre eles, não estão unidos e de nada valerá a união formal por
meios sacramentais. É por isso que no Espiritismo não há sacramentos nem formalismo
algum, pois tudo depende, em todas as circunstâncias, da essência única – e
única verdadeira – que é o Amor.
Mas o Espiritismo reconhece a necessidade humana de
disciplinação social, e por isso recomenda apenas casamento civil. Ainda por
isso o Espiritismo reconhece a necessidade do divórcio, pois no plano ilusório
da matéria as criaturas se confundem e misturam sexualidade e desejo com o
Amor. Jesus, respondendo aos judeus por que motivo Moisés permitia o divórcio,
disse-lhes: “Por causa da dureza dos corações, mas no princípio não foi assim.”
Kardec explica que no princípio da humanidade o amor era espontâneo, livre de
injunções estranhas, e então não era necessário o divórcio. O Espiritismo não
faz casamentos nem divórcios, nem as anulações de casamento que a Igreja faz,
pois esses problemas pertencem às leis humanas. Da mesma maneira o Espiritismo
não faz batizados – pois o batismo é do espírito – nem recomenda defuntos ou
distribui bênçãos, pois todas essas coisas não são feitas pelos homens e sim
por Deus. Todos os sacramentos e formalismos são substituídos no Espiritismo
pela prece, que serve em todas as ocasiões da vida e da morte, pois é um
momento de ligação do homem com Deus, o diálogo com o Outro, como queria
Kierkegaard. Toda intervenção humana interesseira e venal é substituída pela
serena confiança nas bênçãos gratuitas do Céu. Nesse ato humano de louvor ou de
súplica, desprovido de aparatos exteriores, a presença da Divindade é o
cumprimento da promessa de Jesus, sem nenhuma evocação formal. A solidariedade
espiritual se revela no esforço de transcendência vertical das criaturas,
conscientes da lei da sublimação. Não há fórmulas orais nem gestos, nem signos
ou mitos na tranqüila vibração das consciências na intimidade de todos e de
cada um.
A prece espontânea brota das profundezas do ser com a
naturalidade de uma flor que desabrocha. Não é um ato da vontade, mas um aflorar
do espírito. Não é uma ficha arrancada do arquivo da memória, mas um impulso do
coração. As raízes latinas: prex, precis,
determinaram no tempo, através de séculos e milênios, a forma leve e suave da
palavra portuguesa prece, que soa nos lábios como um bater secreto de asas
minúsculas. Prefere-se prece à oração, porque a primeira condiz e se harmoniza
com o ato interior e invisível com que a alma se lança na transcendência. Há um
mistério sutil nessa escolha intuitiva desse par de sílabas poéticas que repercutem
nos corações como o perpassar de uma brisa entre pétalas. Não tentamos fazer
poesia nem divagar, mas descobrir através de imagens e palavras, o imponderável
do instante da prece.
Os que não se contentam com esse sopro do espírito,
esse pneuma grego, esse frêmito inaudível, captado mais pela alma do que pelos
ouvidos, preferindo orações extensas e grandíloquas, estão ainda imantados aos
formalismos sacramentais. Nada revela mais claramente a natureza intimista da
religião espiritual do que essa preferência espírita pela prece. Livrar a
criatura do peso da matéria, para que ela possa elevar-se a Deus no silêncio de
si mesmo é a finalidade da prece.
Do problema da prece temos de passar à questão sexual,
o que não seria recomendável ainda há pouco tempo. O tabu sexual fechava todas
as passagens a atrevimentos dessa espécie. As marcas da era fálica haviam
aterrorizado o Cristianismo Primitivo, que teve de lutar tenazmente contra a
depravação romana e do paganismo em geral. As epístolas de Paulo nos mostram o
desespero do Apóstolo ante o comportamento animal dos conversos em certas
igrejas, particularmente na de Corinto. Isso impediu o Apóstolo, já assustado
com a corrupção grega e romana no próprio Judaísmo, a tomar uma atitude radical
no tocante ao sexo. O falso conceito judeu da pureza (mais racial e religioso
do que moral), provocava os seus brios de antigo Doutor da Lei contra o perigo
da época. Das reações de Paulo e do puritanismo hipócrita dos fariseus teria de
nascer uma era antifálica e anti-sensual, voltada para o extremo oposto da castidade
forçada e do celibato sacrificial. Foi tão violenta essa reação que nem mesmo
os exemplos de mentalidade aberta do Cristo puderam atenuá-la. Não somente o
sexo, como instrumento de perdição, mas a própria sexualidade foram condenadas
sumariamente. Por pouco a prática judaica da circuncisão, que alguns apóstolos
mais afoitos, como Pedro, exigiam dos conversos pagãos, não se transformou na
castração árabe dos haréns. É significativo o fato de Paulo, depois da circuncisão
que praticou recusar-se a continuar circuncidado e até mesmo a batizar com
água.
Houve também, como teria de haver, reações contrárias a
essa posição extremada, com liberalidades também extremadas, que mais tarde
resultariam no episódio dos Libertinos do Século XX, católicos e protestantes
rejeitados pelas idéias renascentistas, precursores da fase atual de
libertinagem que abalaram o mundo. A pornografia assustadora de hoje, que
fomenta a indústria das perversões sexuais em revistas, jornais, cartazes,
cinema e televisão, é por sua vez um novo eclodir da sensualidade sem freios,
desvirtuando o sentido natural da sexualidade. São esses os balanços de um
barco de loucos atirado à fúria de tempestades marítimas, à semelhança do Barco
dos Mortos de Traven. A contra-reação da moral vitoriana inglesa nada mais fez
do que preparar a sua própria explosão, na fase atual do homossexualismo
europeu desenfreado, que parece vingar a prisão de Oscar Wild em Reading.
A sexualidade afrontada encontrou em Marcuse o seu
defensor filosófico, mas em termos exagerados. Desde o século passado o Espiritismo
colocou nos fundamentos de toda a realidade terrena a questão do princípio vital, elemento mantedor de
toda a vida planetária. A sexualidade, que não é o sexo, mas a potência sexual
geradora e mantenedora de vida, é a carga de energia vital do planeta,
distribuída nos indivíduos de todas as espécies. Na era fálica essa força era
cultuada mas não havia libertinagem nem pornografia nesse culto, pois não se
considerava o sexo como pecado, mas como instrumento sagrado de reprodução da
espécie. Na Suméria os casais se uniam nos altares dos templos, na presença de
sacerdotes que os abençoavam para a fecundação. Esse senso da dignidade do sexo
perdeu-se nas civilizações teocráticas, esmagado sob as condenações do gozo,
que impediam a alma de alcançar a salvação. Marcuse tem razão ao defender a
teoria das civilizações suicidas, que condenam o sexo e a ele se entregam na
exclusiva busca do prazer, desenvolvendo a indústria aviltante do gozo sexual,
que reduz o sexo a instrumento de loucura e perversão. A colocação espírita
desse problema é clara e precisa como vemos no capítulo sobre a Lei de Reprodução,
de O Livro dos Espíritos:
“As leis e costumes humanos que objetivam ou têm por efeito
obstar a reprodução são contrários à lei natural?: Tudo o que entrava a marcha
da Natureza é contrário à lei geral”.
Todas as espécies devem reproduzir-se, mesmo as que
parecem daninhas. O equilíbrio mesológico se faz segundo as leis biomesológicas
de cada área específica: o campo, o cerrado, a floresta, as águas, as cidades e
assim por diante. Há espécies daninhas que são sobrevivências de formas em
extinção ou mutação, para adaptações a condições novas que estão surgindo. Como
Kardec adverte: o homem, que só vê um canto do quadro geral da Natureza, não
pode julgar o todo e se confunde em suas apreciações da harmonia natural. No
tocante à população humana do planeta, que hoje preocupa os homens e os
governos, o Espiritismo sustenta a tese do equilíbrio natural, governado pelas
leis naturais. Afirma que a Terra está longe de possuir a população a ela
destinada e que o homem não tem capacidade para impedir a progressão
populacional. O recente Congresso Demográfico Mundial da ONU, provou isso.
Depois de vários dias de debates e defesa de teses absurdas, o Secretário Geral
da ONU advertiu os congressistas de que, durante as discussões, milhões de crianças
haviam nascido em todo o mundo. Era impossível deter o aumento populacional
através das medidas propostas, algumas delas ridículas, como a de um cientista
inglês que propunha medidas para reduzir o tamanho atual dos homens,
reduzindo-os a homúnculos, para se conseguir mais espaço e diminuir as
necessidades de alimentos. Por outro lado, vários cientistas colocaram o
problema da chamada explosão demográfica e falta de alimentos em termos de
crescimento local dos grandes centros urbanos e falta de controle da produção
alimentícia, com esbanjamento de grandes produções por falta de transportes,
ganância exagerada de lucros e transportes excessivamente caros de regiões
produtoras distantes para as zonas consumidoras. Resta ainda considerar que
todo crescimento populacional não é permanente, seguindo uma curva estatística
de ascensão que depois decai, ajusta-se em linha regular ou entra em declínio.
Tudo isso confirma a posição espírita. Escapa ao homem o controle biomesológico
em todo o conjunto de áreas populacionais animais e humanas, de maneira que as
intervenções humanas só servem para provocar desequilíbrios perigosos.
Passando desse problema para o de abstenção sexual e o
de casamento e celibato, vamos novamente verificar o acerto do Espiritismo em
sua posição firmada desde meados do século passado. O casamento representa uma
conquista na evolução social, disciplinando as relações humanas com vistas à
organização da família na estrutura mais ampla da sociedade. Se a maioria dos
casamentos na Terra apresenta dificuldades e desajustes, isso decorre das condições
inferiores do nosso mundo. O casal é uma unidade biológica que se forma por
atração afetiva recíproca desenvolvida em vidas sucessivas ao longo da
temporalidade, que é a larga e profunda esteira dos tempos sucessivos. A
afetividade que o liga no presente é positiva, mas está geralmente carregada de
cargas negativas, provenientes de situações não resolvidas, de compromissos e
dívidas morais recíprocas. Formada a unidade, ela funciona como um
dínamo-psiquismo que atrai as entidades comprometidas com o par nas existências
anteriores. O par sozinho enleia-se nos sonhos de felicidade dos anseios de
amor. Mas as interferências dos comparsas causa disritmias e atritos na harmonia
do dínamo, muitas vezes desde o namoro e o noivado, prenunciando tempestades
magnéticas. São os filhos que buscam a reencarnação e os parentes do par e
outros compromissados que chegam, cobradores de dívidas afetivas e de compromissos
rompidos. Não é Deus que determina essas situações embaraçosas, mas os próprios
envolvidos em complôs remotos e o próprio par, motivo de ações negativas anteriores
que, segundo a lei de ação e reação, formam o karma do grupo, ou seja, o conjunto de insolvências passadas, agora
postas em resgate comum. (A palavra karma,
de origem sânscrita, vem de arcaicas religiões indianas reencarnacionistas, mas
é empregada no meio espírita por seu sentido prático e preciso). Se o casal se
recusa a ter filhos os compromissados reagem com vibrações mentais e psíquicas
negativas, quebrando a harmonia do dínamo e provocando distúrbios biopsíquicos
no casal e até mesmo ocasionando a interferência de reencarnados compromissados
com o par. São essas as causas da maioria das situações difíceis resultantes de
casamentos felizes. Os casos de abortos provocados no passado constituem
pesados compromissos a resgatar, e os casos de abortos recentes (sem necessidade
clínica real), acumulam-se aos anteriores ou passam para débitos futuros. É por
isso que os sentimentos de amor e respeito ao próximo constituem elementos
defensivos da felicidade futura de todos nós. A partir deste quadro podemos compreender
com mais clareza as situações dolorosas em que se precipitam muitos casamentos
felizes, e que as religiões explicam assustadoramente como castigos divinos ou
influências diabólicas. Todas essas ocorrências dependem exclusivamente de
nossas relações humanas no passado e no presente. A consciência humana dispõe,
em todos nós, dos recursos preventivos dessas situações. Nossa falta leviana de
atenção às exigências e advertências da consciência respondem pelas situações
negativas que criamos por nós mesmos, contra os nossos interesses evolutivos.
Autor: J. Herculano Pires
Livro: Curso Dinâmico do Espiritismo
Autor: J. Herculano Pires
Livro: Curso Dinâmico do Espiritismo