CONVERSAÇÃO EDIFICANTE
André Luiz
XXI
Enquanto
regressávamos ao nosso círculo de trabalho e de estudo, para articular
novas providências de auxílio, em favor dos protagonistas da história que
a vida estava escrevendo, concluí que não me cabia perder a oportunidade
de mais amplo entendimento com o nosso orientador, com alusão aos
esclarecimentos que nos fornecera, acerca do perispírito
Assim como o homem
comum mal conhece o veículo em que se movimenta, ignorando a maior parte
dos processos vitais de que se beneficia e usando o corpo de carne à
maneira de um inquilino estranho à casa em que reside, também nós, os
desencarnados, somos compelidos a meticulosas meditações para analisar a
vestimenta de que nos servimos, de modo a conhecer-lhe a intimidade.
Efetivamente, em
novas condições na vida espiritual, passamos a apreciar, com mais
segurança, o corpo abandonado à Terra, penetrando os segredos de sua
formação e desenvolvimento, sustentação e desintegração, mas somos
desafiados pelos enigmas do novo instrumento que passamos a utilizar.
Lidamos, na Vida Maior, com o carro sutil da mente, pelo menos, na esfera
em que nos situamos, acentuando, pouco a pouco, os nossos conhecimentos,
quanto às peculiaridades que lhe dizem respeito.
Reparei que Hilário,
pela expressão dos olhos, demonstrava não menor anseio de saber. E,
encorajado pela atitude do companheiro, desfechei a primeira questão,
considerando:
‑ Inegavelmente,
será difícil alcançar o grande equilíbrio que nos outorgará o trânsito
definitivo para as eminências do Espírito Puro.
‑ Ah! sim –
concordou o Ministro, com grace entono ‑, para que tivéssemos na Crosta
Planetária um vaso tão aprimorado e tão belo, quanto o corpo humano, a
Sabedoria Divina despendeu milênios de séculos, usando os multiformes
recursos da Natureza, no campo imensurável das formas ... Para que
venhamos a possuir o sublime instrumento da mente em planos mais elevados,
não podemos esquecer que o Supremo Pai se vale do tempo infinito para
aperfeiçoar e sublimar a beleza e a precisão do corpo espiritual que nos
conferirá os valores imprescindíveis à nossa adaptação à Vida Superior.
‑ Compete-nos, então
– observou Hilário, atencioso ‑, atribuir importante papel às enfermidades
na esfera humana. Quase todas estarão no mundo, desempenhando expressivo
papel na regeneração das almas.
‑ Exatamente.
‑ Cada «centro de
força» ‑ ponderei – exigirá absoluta harmonia, perante as Leis Divinas que
nos regem, a fim de que possamos ascender no rumo do Perfeito Equilíbrio
...
‑ Sim – confirmou
Clarêncio ‑, nossos deslizes de ordem moral estabelecem a condensação de
fluidos inferiores de natureza gravitante, no campo electromagnético de
nossa organização, compelindo-nos a natural cativeiro em derredor das
vidas começantes às quais nos imantamos.
Hilário, conduzindo
mais longe as próprias divagações, perguntou:
‑ Imaginemos,
contudo, um homem puramente selvagem, a situar-se em plena ignorância dos
Desígnios Superiores, que se confia a delitos indiscriminados ... Terá nos
tecidos sutis da alma as lesões cabíveis a um europeu supercivilizado, que
se entrega à indústria do crime?
Clarêncio sorriu,
compreensivo, e acentuou:
‑ Sigamos devagar.
Comentávamos, ainda há pouco, o problema da evolução. Assim como o
aperfeiçoado veículo do homem nasceu das formas primárias da Natureza, o
corpo espiritual foi iniciado também nos princípios rudimentares da
inteligência. É necessário não confundir a semente com a árvore ou a
criança com o adulto, embora surjam na mesma paisagem da vida. O
instrumento perispirítico do selvagem deve ser classificado como
protoforma humana, extremamente condensado pela sua integração com a
matéria mais densa. Está para o organismo aprimorado dos Espíritos algo
enobrecidos, como um macaco antropomorfo está para o homem bem-posto das
cidades modernas. Em criaturas dessa espécie, a vida moral está começando
a aparecer e o perispírito nelas ainda se encontra enormemente pastoso.
Por esse motivo, permanecerão muito tempo na escola da experiência, como o
bloco de pedra rude sob marteladas, antes de oferecer de si mesmo a
obra-prima ... Despenderão séculos e séculos para se rarefazerem, usando
múltiplas formas, de modo a conquistarem as qualidades superiores que, em
lhes sutilizando a organização, lhes conferirão novas possibilidades de
crescimento consciencial. O instinto e a inteligência pouco a pouco se
transformam em conhecimento e responsabilidade e semelhante renovação
outorga ao ser mais avançados equipamentos de manifestação ... O
prodigioso corpo do homem na Crosta Terrestre foi erigido pacientemente,
no curso dos séculos, e o delicado veículo do Espírito, nos planos mais
elevados, vem sendo construído, célula a célula, na esteira dos milênios
incessantes ...
E, com um olhar
significativo, Clarêncio concluiu:
‑ ... até que nos
transfiramos de residência, aptos a deixar, em definitivo, o caminho das
formas, colocando-nos na direção das esferas do Espírito Puro, onde nos
aguardam os inconcebíveis, os inimagináveis recursos da suprema
sublimação.
Calara-se o
instrutor, mas o assunto era por demais importante para que eu me
desinteressasse dele apressadamente.
Recordei os inúmeros
casos de moléstia obscuras de meu trato pessoal e aduzi:
‑ Decerto a Medicina
escreveria gloriosos capítulos na Terra, sondando com mais segurança os
problemas e as angústias da alma ...
‑ Gravá-los-á mais
tarde – confirmou Clarêncio, seguro de si. – Um dia, o homem ensinará ao
homem, consoante as instruções do Divino Médico, que a cura de todos os
males reside nele próprio. A percentagem quase total das enfermidades
humanas guarda origem no psiquismo.
Sorridente,
acrescentou:
‑ Orgulho, vaidade,
tirania, egoísmo, preguiça e crueldade são vícios da mente, gerando
perturbações e doenças em seus instrumentos de expressão.
No objetivo de
aprender, observei:
‑ É por isso que
temos os vales purgatoriais, depois do túmulo ... a morte não é redenção
...
‑ Nunca foi –
esclareceu o Ministro, bondoso. – O pássaro doente não se retira da
condição de enfermo, tão só porque se lhe arrebente a gaiola. O inferno é
uma criação de almas desequilibradas que se ajuntam, assim como o charco é
uma coleção de núcleos lodacentos, que se congregam uns aos outros. Quando
de consciência inclinada para o bem ou para o mal perpetramos esse ou
aquele delito no mundo, realmente podemos ferir ou prejudicar a alguém,
mas, antes de tudo, ferimos e prejudicamos a nós mesmos. Se eliminamos a
existência do próximo, nossa vítima receberá dos outros tanta simpatia
que, em breve, se restabelecerá, nas leis de equilíbrio que nos governam,
vindo, muita vez, em nosso auxílio, muito antes que possamos recompor os
fios dilacerados de nossa consciência. Quando ofendemos a essa ou àquela
criatura, lesamos primeiramente a nossa própria alma, de vez que
rebaixamos a nossa dignidade de espíritos eternos, retardando em nós
sagradas oportunidades de crescimento.
‑ Sim – concordei ‑,
tenho visto aqui aflitivas paisagens de provação que me constrangem a
meditar ...
‑ A enfermidade,
como desarmonia espiritual – atalhou o instrutor ‑, sobrevive no
perispírito. As moléstias conhecidas no mundo e outras que ainda escapam
ao diagnóstico humano, por muito tempo persistirão nas esferas torturadas
da alma, conduzindo-nos ao reajuste. A dor é o grande e abençoado remédio.
Reeduca-nos a atividade mental, reestruturando as peças de nossa
instrumentação e polindo os fulcros anímicos de que se vale a nossa
inteligência para desenvolver-se na jornada para a vida eterna. Depois do
poder de Deus, é a única força capaz de alterar o rumo de nossos
pensamentos, compelindo-nos a indispensáveis modificações, com vistas ao
Plano Divino, a nosso respeito, e de cuja execução não poderemos fugir sem
graves prejuízos para nós mesmos.
Nosso domicílio,
porém, estava agora à vista.
Os raios dourados da
manhã varriam o horizonte longínquo.
Despediu-se o
Ministro, paternal.
Aquele era um dos
momentos em que, desde muito, se devotava ele à oração.
Fonte: Livro “Entre
a Terra e o Céu” – Psicografia de Francisco Cândido Xavier pelo Espírito
de André Luiz