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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Anúncio do Reino (*)


As anêmonas marchetavam a orla dos caminhos com verdadeiras explosões de delicadas e
volumosas flores de tons variegados.
As folhas de tabaco verdejantes compunham as paisagens exuberantes, na qual as árvores
frutíferas apresentavam os seus frutos abundantes aguardando a colheita.
A Primavera entoava hinos de luz e cor em toda parte, enquanto o casario à margem
noroeste do lago de Tiberíades em pequenos e volumosos aglomerados, que se estendiam
por quase vinte quilômetros, falavam sem palavras da expansão humana, política e social na
região.
A sinagoga de Cafarnaum, erguida aproximadamente um século antes de Jesus, era o
referencial para o culto religioso, estudos e resoluções administrativas da cidade.
Tiberíades, logo adiante, com as características helênicas, esplendia com as suas
majestosas construções em homenagem ao imperador Tibério César.
Mas entre as cidades grandiosas, os povoados, os aglomerados de casebre de agricultores,
pescadores e vinhateiros, salpicavam os caminhos movimentados à beira-mar ou entre
sebes oscilantes ao vento.
O Mestre dera início ao ministério e atraía multidões que se avolumavam ao seu lado, com
curiosidade, interesses pessoais, necessidade de todo tipo.
Eles a todos atendia, ampliando, porém, os Seus ensinamentos, a fim de que os indivíduos
se libertassem da miséria mais grave, a ignorância sobre si mesmos, a verdade e a vida.
Por isso, as lições se assemelhavam a pérolas que fossem sendo distendidas por todos os
lugares a fim de que, em momento próprio, pudessem ser enfeixadas em um grande colar
que unisse todos os indivíduos em um tesouro de amor.
Inicialmente, porque as obsessões fossem cruéis e inumeráveis, em intercâmbio de
impiedade que resultava da ignorância, o Mestre convidou os discípulos e deu-lhes poder de
expulsar os Espíritos impuros, assim como a energia curativa para os males do corpo e da
alma de todos quantos viessem até eles martirizados pelas doenças.
A seguir, enviou-os a diferentes partes para que pudessem preparar os alicerces do reino
que viria a ser implantado nos corações.
Recomendou-lhes prudência e coragem, generosidade e inteireza moral, a fim de que não se
imiscuíssem em questiúnculas descabidas, nem se perturbassem com os gentios, com os
discutidores inúteis, mas que fizessem todo o bem possível, curando as doenças, afastando
as perturbações, mas anunciando a Era que logo mais se iniciaria.
Era como a apoteótica Abertura de uma Sinfonia de incomparável beleza, anteriormente
jamais ouvida.
- Eu vos envio - disse Ele - como ovelhas para o meio dos lobos; sede prudentes como as
serpentes e simples como as pombas. Tende cuidado com os homens: hão de entregar-vos
aos tribunais...Mas não os temais, porque o Pai falará por vossas bocas.
Os amigos partiram emocionados, cantando esperanças no coração, sem ter idéia de como
reagiriam as criaturas à nova proposta.
Ensinaram pelos caminhos e veredas, detiveram-se nas praças e nas praias, narraram o que
haviam visto e ouvido, expuseram o pensamento do Rabi, mas não foram tomados em
consideração.
Somente quando as palavras foram coroadas pelos feitos, arrancando das traves invisíveis
das doenças, aqueles que as padeciam, é que lhes concediam alguma atenção, dando-lhes
as costas de imediato e sugerindo que viesse pessoalmente o Messias...para que o vissem e
pudessem testificá-lo.
Por sua vez, Jesus foi também pregar em outras cidades, especialmente a respeito de João,
o Batista, causando espanto a sua coragem, em razão do filho de Zebedeu e Isabel
encontrar-se prisioneiro na Peréia por ordem de Herodes, insuflado por sua mulher e
cunhada Herodíades, com quem vivia em concubinato.
Os ventos generosos da estação perfumada levaram a Mensagem de boca-a-boca,
disseminado-a por toda a parte até os confins das fronteiras no além Jordão.
Uma grande calmaria emocional passou a viger nas almas em expectativa. Os comentários
se faziam freqüentes e as interrogações levantavam-se nos grupos que se reuniam nos
diferentes lugares.
A música do Seu verbo iria inflamar os corações e provocar incêndios nos sentimentos e nas
mentes apaixonadas, que não estavam preparadas para a mudança radical de
comportamento que Ele propunha.
Já agora não era mais possível deter a odisséia em pleno desenvolvimento.
Quando os discípulos retornaram e relataram os acontecimentos que tiveram lugar à sua
volta, o Mestre definiu que aquele era o momento de dar curso ao messianato.
Ergueu-se como um gigante e se expôs por amor, arrostando todas as conseqüências dos
Seus severos sermões, Suas graves admoestações, Suas generosas concessões.
Esclareceu que o reino de Deus se encontrava dentro da criatura humana, que deverá
alcançá-lo com muito empenho e arrojada decisão, negociando tudo que é transitório para a
aquisição eterna.
Abrindo os braços às multidões que sempre o cercariam, naquela oportunidade abençoou o
mundo e os seus habitantes, compondo a mais notável sinfonia de todos os tempos,
musicada pelas Suas palavras e atos ao compasso do inefável amor.
_____________________
(*) Mateus : 10 - 1 e seguintes
Nota da autora espiritual

Livro : Até o Fim dos Tempos- Amélia Rodrigues/Divaldo

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Evangelho em Casa-Por Memei

primeira  reunião
Meimei
 
         Encorajada pelo esposo, Dona Zilda, naquele belo domingo de abril, colocou sobre a mesa a melhor toalha de que dispunha.
         Alinhou dois livros carinhosamente tratados – um exemplar do Novo Testamento e outro de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
         Em seguida, trouxe pequeno vaso com água pura.
         Soaram seis horas da tarde.
         O senhor Veloso, chefe da família, entrou no aposento acompanhado de Lina e Cláudio, filhinhos do casal, quase meninos, e de Marta, jovem servidora que parecia ter mais de vinte anos de idade.
         Dona Zilda perguntou pela filha mais velha, Silvia, e por Dona Júlia, a irmã viúva que residia junto deles, na mesma casa.
         Veloso, porém, notificou que ambas se haviam esquivado. Não desejavam partilhar o nosso hábito doméstico.
         Sem mais demora, como se todos já houvessem estabelecido o propósito de a ninguém reprovar, o pequeno grupo assentou-se tranqüilo.
         Pairava brando silêncio, quando Veloso ergueu a voz e orou, comovido.
 
PRECE INICIAL
 
         Senhor Jesus!
         Quando Deus não é colocado por centro de nossa vida, perdemos o rumo, quais viajores que se distancia, da luz, caindo nas trevas... E és entre nós, Senhor, a imagem mais fiel do Pai que nos criou.
         Para nos reunires a Ele. Concede-nos, assim, a força de percorre-lo! Inspira-nos a compreensão de tua palavra, porquanto sabemos que o Reino de Deus, como felicidade eterna, há de começar em nós mesmos.
         Guia-nos, Mestre, e ajuda-nos a entender-te à vontade! Assim seja.
 
LEITURA
 
         Finda a prece, solicitou Veloso que a filhinha abrisse o Novo Testamento ao acaso.
         Efetuada a operação, Lina passou o livro ao exame paterno.
         O diretor da pequenina assembléia deteve-se, por momentos, contemplando a fisionomia da página, e leu, depois, o versículo 14, do capítulo 4, nos Apontamentos do Apóstolo João Evangelista:
         “Mas, aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna”.
         Logo após, atendendo à recomendação do esposo, Dona Zilda consultou o Evangelho Segundo o Espiritismo, igualmente ao acaso, e leu nas “Instruções dos Espíritos”, do capítulo XVII, a mensagem de Lázaro, intitulada “O Dever”.
 
COMENTÁRIO
 
         Feito silêncio, Veloso analisou, sereno:
         -Em nossa reunião temos o objetivo de estudar os ensinamentos do Cristo, de modo a percebermos com mais segurança o quadro de nossas obrigações.
         Aceitamos a Doutrina Espírita, em nome de Jesus, entretanto, como dignifica-la, sem conhecimento das lições do Divino Mestre?
         Na informação do evangelista, diz o Senhor: “Quem beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque essa água se fará nele qual fonte de água viva”.
         Anotemos, em seguida, nos ensinamentos coligidos por Allan Kardec, a palavra de Lázaro quanto à excelência do dever como “Lei da Vida”.
         Naturalmente, aludindo à água que nos oferta, reportava-se Jesus aos princípios redentores de que se fez mensageiro.
         Quem lhes absorva a essência sublime decerto se renovará integralmente, abrindo novo caminho aos próprios pés.
         E, ligando a promessa do Senhor à conceituação da mensagem lida, reconheceremos claramente que Jesus não apenas nos reconfortou a existência física, descerrando-nos luminosa esperança ao sentimento ou curando-nos os corpos doentes, mas, acima de tudo, nos traçou normas de ação, ante as quais nos compete aperfeiçoar o senso de disciplina.
         A fim de compreendermos semelhante verdade, estampou as suas instruções em sua própria conduta.
         Desceu das Esferas Superiores, sem preocupar-se com a dureza de nossos corações, e distribuiu amor e luz com todas as criaturas.
         Começou, no entanto, pelos mais infortunados e mais tristes.
         Andou entre os homens sem deles exigir considerações e privilégios.
         Nasceu numa estrebaria e morreu numa cruz.
         Amparou a quantos lhe partilharam a marcha, sem pedir agradecimento ou moeda.
         Todavia, cada máxima que lhe saiu da boca representa um artigo da Lei Divina para a edificação do Reino de Deus entre nós.
         O Reino de Deus inclui, porém, todo o Universo.
         Assim, pois, onde palpite a consciência, seja na Terra ou noutros mundos, os princípios de Jesus constituem a religião viva.
         Não é difícil, desse modo, aprender que o Celeste Amigo demarcou-nos a estrada real para a verdadeira felicidade, assim como entendemos trilhos sólidos, de acordo com a experiência da engenharia, para que a locomotiva alcance a meta.
         Que acontece, entretanto, ao comboio que abandona as linhas da vida férrea? Descarrila, provocando desastres. Ameaça a vida dos passageiros, além de estragar a si próprio.
         Interpretemos nossos desejos e ideais, tarefas e obrigações, como sendo passageiros que transportamos conosco, e façamos de nossa mente o maquinista.
         Se o maquinista não obedece às regras instituídas para a viagem, que é a nossa própria existência, converte-se a vida em aventura perigosa, na qual arruinamos os interesses e aspirações de que sejamos depositários, e perturbamos, conseqüentemente, a nós mesmos.
         As lições de Jesus, portanto, indicando-nos a bondade e o serviço, a paciência e a humildade, a caridade e o perdão, expressam a senda que nos cabe trilhar, se quisermos viver em harmonia com a Lei de Deus.
 
CONVERSAÇÃO
 
            Terminando o comentário, Veloso explicou que seria interessante uma palestra rápida, a fim de que as idéias do “culto evangélico” fossem colocadas em movimento.
         Depois da troca de expressivo olhar com a mãezinha, foi Lina quem tomou a iniciativa, perguntando:
         -Papai, por que motivo não temos um retrato de Jesus, diante de nós, em nossas preces?
         E o entendimento estabeleceu-se, afável.
         VELOSO – Filhinha; decerto não somos contra o trabalho artístico que mentaliza o Divino Mestre as telas e esculturas que encontramos a cada passo, e um lar espírita pode guardar perfeitamente semelhantes recordações, sempre que não atentem conta a dignidade do Senhor e contra o respeito que devemos à obra cristã; contudo, nas atividades de nossa Doutrina, dispensamos apetrechos materiais, a fim de que não olvidemos a presença do Eterno Amigo dentro de nós mesmos.
         CLÁUDIO – E a água, papai?... Por que a água na mesa?
         VELOSO – Meu filho, a água é, reconhecidamente, um dos corpos mais sensíveis à magnetização. Nessa condição, armazena os recursos balsamizantes e curativos que nos são trazidos pelos Emissários Divinos ou por nossos Amigos Espirituais, em visita ao nosso recinto de orações.
         LINA – Se tia Júlia mora conosco, não compreendo as razões por que se afasta de nossas preces.
         D. ZILDA – Júlia tem idéias religiosas diferentes das nossas.
         LINA – E Silvia?
         VELOSO – Silvia é hoje uma jovem com vinte anos. Cresceu sem que lhe dedicássemos qualquer cuidado ao problema da fé. Quando pequenina Ilda e nós, muito inexperientes em matéria de responsabilidade, confiamo-la à guarda moral de Júlia. Não podemos agora lhe reclamar uma atitude para a qual, em verdade, não a preparamos. (E sorrindo) – Segundo é fácil de notas, estamos começando o nosso culto do Evangelho em casa com um atraso de vinte anos...
         CLAUDIO – Com que fim precisamos estudar o Evangelho?
         D. ZILDA – Para melhorar o coração, meu filho, para aprendermos que todos somos filhos de Deus e que devemos viver no mundo como irmãos uns dos outros.
         MARTA – Para cumprirmos nossos deveres com alegria.
         CLAUDIO – Quer dizer (e fez um rosto brejeiro) que Lina não deve rusgar tanto com a empregada.
         VELOSO – Meu filho, retifique a expressão, Marta não é nossa empregada, como se fora nossa escrava, e você se referiu a ela em tom de desprezo. É um erro ferir, mesmo sem intenção, aqueles que trabalham conosco, tratando-os como se estivéssemos em posição inferior. Marta é abnegada auxiliar no estabelecimento de ensino a que presta serviço e quanto seu pai é colaborador no escritório de que recebe o pão. Sem que as mãos dela nos preparem a mesa, ser-nos-á difícil o desempenho das nossas obrigações.
         D. ZILDA – Nosso culto do Evangelho é, assim, um meio para nos sentirmos mais compreensivos. Nem Lina precisa agastar-se com Marta nem nós mesmos uns com os outros. A cada qual de nós cabe o máximo de esforço para que a bondade e a ordem, o serviço e a gentileza permaneçam aqui com todos, para que a felicidade, brilhando conosco, se irradie de nós para os que nos cercam.
 
NOTA SEMANAL
 
         Findo o entendimento geral, Veloso disse:
         -Concluamos nossos estudos, cada semana, com alguma nota que nos enriqueça a meditação.
         Nesse sentido, lembro-me hoje de uma lenda que pertence ao pensamento mundial. Adaptando-a as nossas necessidades, nomeá-la-ei:
 
 
O DEVER ESQUECIDO
 
         Certo rei muito poderoso, sendo obrigado a longa ausência, tomou de grande fortuna e entregou-se ao filho, confiando-lhe a incumbência de levantar grande casa, tão bela quanto possível.
         Para isso, o tesouro que lhe deixava nas mãos era suficiente.
         Acontece, porém, que o jovem, muito egoísta, arquitetou o plano de enganar o próprio pai, de modo a gozar todos os prazeres imediatos da vida.
         E passou a comprar materiais inferiores.
         Onde lhe cabia empregar metais raros, utilizava latão; nos lugares em que devia colocar o mármore precioso, punha madeira barata, e nos setores de serviço, em que obra reclamava pedra sólida, aplicava terra batida...
         Com isso, obteve largas somas que consumiu, desorientado, junto de amigos loucos.
         Quando o monarca voltou, surpreendeu o príncipe abatido e cansado, a apresentar-lhe uma cabana esburacada, ao invés de uma casa nobre.
         O rei, no entanto, deu-lhe a chave do pequeno casebre e disse-lhe, bondoso:
         -A casa que mandei edificar é para você mesmo, meu filho... Não me parece a residência sonhada por seu pai, mas devo estar satisfeito com a que você próprio escolheu...
         Após ligeira pausa, Veloso advertiu:
         O conto impele-nos a judiciosas apreciações, quanto ao cumprimento exato de nossos deveres.
         Comparemos o soberano a Deus, nosso Pai.
         O príncipe da história poderia ter sido qualquer alma de nós.
         A fortuna para construirmos a moradia de nossa alma é a vida que Deus nos empresta.
         Quase sempre, contudo, gastamos o tesouro da existência em caprichosa ilusão, para acabarmos relegados, por nossa própria culpa, aos pardieiros apodrecidos do sofrimento.
         Mas, aqueles que se consagram à bênção do dever, por mais áspero que seja, adquirem a tranqüilidade e a alegria que o Supremo Senhor lhe reserva, por executarem, fiéis, a sua divina vontade, que planeja sempre o melhor a nosso favor.
        
ENCERRAMENTO
 
         Atendendo à solicitação de Veloso, Dona Zilda orou, no encerramento:
         -Senhor, agradecemos a riqueza que nos concedeste, a exprimir-se no lar que nos reúne.
         Aqui nos situaste por amor, para que aprendamos a servir ao próximo, servindo a nós mesmos.
         Inspira-nos resoluções elevadas, a fim de que a correção no desempenho de nossos deveres nos faça mais felizes e mais úteis.
         Não permitas, Jesus amado, venhamos a esquecer as nossas obrigações, perante os teus ensinamentos, e abençoa-nos, hoje e sempre, Assim seja.
 
**
         Dona Zilda distribuiu a água cristalina em pequenas porções com os familiares, enquanto a alegria lhes clareava o semblante. E Veloso, satisfeito, notou que Lina abraçava Marta, pela primeira vez, de modo diferente...
 
 
Da Obra “EVANGELHO EM CASA” – Espírito: MEIMEI –
Médium: FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER

domingo, 12 de agosto de 2012

Queria primeiro o acréscimo, para depois procurar o Reino


Contradições entre teoria e prática doutrinária
– Quando se entende somente para os outros
– Uma lição mediúnica.
Miranda, velho amigo estudioso da doutrina do Consolador e pregador apreciado, uma dia me confessou: “Há muito que entro no Evangelho, mas o Evangelho não entra em mim. Por incrível que pareça, quanto mais o leio, quanto mais me absorvo nele, menos o sigo. Não sou mau, nem viciado em coisa alguma, nada faço contra ninguém. Mas sou áspero, irritadiço, não tolero ofensas e não entendo como se possa procurar primeiro o Reino de Deus, quando a Terra, diariamente, exige tanto de mim”.
Respondi-lhe que nós todos somos assim. Todos temos os nossos defeitos, as nossas deficiências de compreensão. Mas isso é natural, e não tem importância, desde que lutemos para nos corrigir. Se fôssemos perfeitos não estaríamos aqui, nem precisaríamos do Espiritismo. Estaríamos em mundo melhor, em plano superior, na companhia daqueles que, para as várias religiões, são os eleitos. Lembrei-lhe o que dizia Kardec: “O verdadeiro espírita se conhece pela sua transformação moral.” Kardec não exigia a perfeição, mas o avanço constante rumo a ela.
Miranda ouviu atentamente, com um pequeno volume do Evangelho nas mãos. Concordou, em parte. Mas logo acrescentou: “E se me esforço, mas não consigo melhorar-me? Já pensaste nisso? No drama do espírita que deseja melhorar e não consegue? Volto a insistir no caso do Reino de Deus. Como posso pensar nele, com a conta do empório no bolso e o ordenado já gasto? Essa é uma imperfeição que não venço. Sou obrigado a mentir, a trapacear, para resolver a situação.”
Perguntei-lhe se já havia examinado bem o conteúdo do ensino evangélico a que se referia. Respondeu que sim. Perguntei-lhe, então, o que entendia pelo Reino de Deus. Disse que entendia ser o reino da pureza, da verdade e do amor. Buscá-lo, pois, seria portar-se de acordo com esses princípios. Mas, como ser puro, se precisava mentir e trapacear? Como ser verdadeiro, se precisava simular? Como cultivar o amor, se os semelhantes o ofendiam, censuravam-no impiedosamente, amarguravam-no? Baixou a fronte, pensativo, rodando nas mãos o volumezinho do Evangelho, como uma coisa inútil. Suspirou e exclamou, num desabafo: “Acho que o melhor é deixar de falar na doutrina. E fazer como se diz por aí: fé em Deus e unha no próximo!”
Procurei, ainda, consolá-lo por mil maneiras. Inútil. Miranda estava amargurado consigo mesmo, revoltado. Mas à noite, aparentemente por acaso, encontramo-nos com um médium amigo. Conversa vai, conversa vem, resolvemos fazer uma prece em conjunto, para ajudar o Miranda. E mal a terminávamos, uma entidade amiga se incorporava no médium, dirigindo-se ao companheiro, desolado:
– Miranda, você não quer buscar o Reino de Deus e a sua justiça? Pois então, meu irmão, busque o outro.
– Que outro? perguntou Miranda, assustado.
– O do Diabo e a sua injustiça.
– Mas o Diabo não existe – objetou Miranda – É uma invencionice, uma interpretação errada dos textos. Chamas de diabo os espíritos imperfeitos, como eu, que andam trapaceando por aí.
– Pois então, Miranda, continue no seu Reino e na sua injustiça. Ninguém o obriga a buscar o Reino de Deus.
Miranda não se conteve. Lágrimas ardentes lhe correram pelo rosto. Disse-me, depois que, no momento, todo o absurdo da sua atitude lhe surgira de inopino aos olhos da alma. Então a entidade amiga, compassiva, disse-lhe:
– Como vê, Miranda, meu irmão, não há outro caminho. Mancando ou não, você tem mesmo é de seguir por aí. Em vez de mentir, confesse humildemente aos credores a verdade da sua situação. Em vez de trapacear, procure fazer negócios sérios. A princípio, vai ser um pouco difícil, porque o seu passado é um tanto escuro. Mas, insista no caminho reto, e será ajudado. Ponha o pé no Reino de Deus, e o acréscimo começará a aparecer. Até agora, você tem falado do que entendeu. Agora, ponha em prática o entendimento, e fale do que experimentou.
Ao sairmos da reunião, Miranda mostrava um semblante mais tranqüilo. E, em breve, se abriu conosco, num desabafo salutar:
– É verdade, amigos, tenho falado do que entendi, mas não tenho praticado. Nunca fui insincero nas minhas pregações. Mas acontece que eu ensinava os outros, e eu mesmo não aprendia. Curioso! Eu desejava o acréscimo, sem buscar o Reino! De agora em diante vou fazer o contrário. E os Espíritos me ajudarão.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O CAMINHO DO REINO do Livro Cartas e Crônicas

05 - O CAMINHO DO REINO
Na tosca residência de Arão, o curtidor, dizia Jesus a Zacarias, dono de extensos vinhedos
em Jericó:
- O Reino de Deus será, por fim, a vitória do bem, no domínio dos homens!... O Sol cobrirá o
mundo por manto de alegria luminosa, guardando a paz triunfante. Os filhos de todos os
povos andarão vinculados uns aos outros, através do apoio mútuo. As guerras terão
desaparecido, arredadas da memória, quais pesadelos que o dia relega aos princípios da
noite!... Ninguém se lembrará de exigir o supérfluo e nem se esquecerá de prover os
semelhantes do necessário, quando o necessário se lhes faça preciso. A seara de um
lavrador produzirá o bastante para o lavrador que não conseguiu as oportunidades da
sementeira e o teto de um irmão erguer-se-á igualmente como refúgio do peregrino sequioso
de afeto, sem que a idéia do mal lhes visite a cabeça... A viuvez e a orfandade nunca mais
derramarão sequer ligeira lágrima de sofrimento, porquanto a morte nada mais será que
antecâmara da união no amor perpétuo que clareia o sem-fim. Os enfermos, por mais
aparentemente desvalidos, acharão leito repousante, e as moléstias do corpo deixarão de
ser monstros que espreitam a moradia terrestre, para significarem simplesmente notícias
breves das leis naturais no arcabouço das formas. O trabalho não será motivo de cativeiro e
sim privilégio sagrado da inteligência. A felicidade e o poder não marcarão o lugar dos que
retenham ouro e púrpura, mas o coração daqueles que mais se empenham no doce
contentamento de entender e servir. O lar não se erigirá em cadinho de provação, porque
brilhará incessantemente por ninho de bênçãos, em cujo aconchego palpitarão as almas
felizes que se encontram para bendizer a confiança e a ternura sem mácula. O homem
sentir-se-á responsável pela tranqüilidade comum, nos moldes da reta consciência,
transfigurando a ação edificante em norma de cada dia; a mulher será respeitada, na
condição de mãe e companheira, a que devemos, originariamente, todas as esperanças e
regozijos que desabrocham na Terra, e as crianças serão consideradas por depósitos de
Deus!... A dor de alguém será repartida, qual transitória sombra entre todos, tanto quanto o
júbilo de alguém se espalhará, na senda de todos, recordando a beleza do clarão estelar... A
inveja e o egoísmo não mais subsistirão, visto que ninguém desejará para os outros aquilo
que não aguarda em favor de si mesmo! Fontes deslizarão entre jardins, e frutos
substanciosos penderão nas estradas, oferecendo-se à fome do viajor, sem pedir-lhe nada
mais que uma prece de gratidão à bondade do Pai, de vez que todas as criaturas alentarão
consigo o anseio de construir o Céu na Terra que o todo misericordioso lhes entregou!...
Deteve-se Jesus contemplando a turba que o aplaudia, frenética, minutos depois da sua
entrada em Jerusalém para as celebrações da Páscoa, e, notando que os israelitas se
diferençavam entre si, a revelarem particularidades das regiões diversas de que procediam
acentuou:
- Quando atingirmos, coletivamente, o Reino dos Céus, ninguém mais nascerá sob qualquer
sinal de separação ou discórdia, porque a Humanidade se regerá pelos ideais e interesses
de um mundo só!...
Enlevado, Zacarias fitou-o com ansiosa expectação e ponderou com respeito:
- Senhor, vim de Jericó para o culto às tradições de nossos antepassados; todavia, acima de
tudo, aspirava a encontrar-te e ouvir-te... Envelheci, arando a gleba e sonhando com a paz!...
Tenho vivido nos princípios de Moisés; no entanto, do fundo de minha alma, quero chegar ao
Reino de Deus do qual te fazes mensageiro nos tempos novos!... Mestre! Mestre!... Para
buscar-te percorri a trilha de minha estância até aqui, passo a passo... De vila em vila, de
casa em casa, um caminho existe, claro, determinado... Qual é, porém, Senhor, o Caminho
para o Reino de Deus?
- A estrada para o Reino de Deus é uma longa subida... – começou Jesus, explicando.
Eis, contudo, que filas de manifestantes penetraram o recinto, interrompendo-lhe a frase e
arrebatando-o à praça fronteiriça, recoberta de flores.
* * *
Zacarias, em êxtase, demandou o sítio de parentes, no vale de Hinom, demorando-se por
dois dias em comentários entusiastas, ao redor das promessas e ensinos do Cristo, mas, de
retorno à cidade, não surpreende outro quadro que não seja a multidão desvairada e
agressiva...
Não mais a glorificação, não mais a festa. Diante do ajuntamento, o Mestre, em pessoa, não
mais querido. Aqueles mesmos que o haviam honorificado em cânticos de louvor apupavamno
agora com requintes de injúria.
O velho de Jericó, translúcido de espanto, viu que o Amado Amigo, cambaleante e suarento,
arrastava a cruz dos malfeitores... Ansiou abraçá-lo e esgueirou-se, dificilmente, suportando
empuxões e zombarias do populacho... Rente ao madeiro, notou que um grupo de mulheres
chorosas abrigava o Mestre a parada imprevista e, antecedendo-se-lhes à palavra, ajoelhouse
diante dele e clamou:
- Senhor!... Senhor!...
Jesus retirou do lenho a destra ferida, afagou-lhe, por instantes, os cabelos que o tempo
alvejara, lembrando o linho quando a estriga descansa junto da roca, e falou, humilde:
- Sim, Zacarias, os que quiserem alcançar o Reino de Deus subirão ladeira escabrosa...
Em seguida, denotou a atenção de quem escutava os insultos que lhe eram endereçados...
Finda a pausa ligeira, apontou para o amigo, com um gesto, a poeira e o pedregulho que se
avantajavam à frente e, como a recordar-lhe a pergunta que deixara sem resposta, afirmou
com voz firme:
- Para a conquista do Reino de Deus, este é o caminho...

terça-feira, 7 de agosto de 2012

A Vontade


A vontade

O estudo do ser, a que consagramos a primeira parte desta obra, deixou-nos entrever a poderosa rede de forças, de energias ocultas em nós. Mostrou-nos que todo o nosso futuro, em seu desenvolvimento ilimitado, lá está contido no gérmen. As causas da felicidade não se acham em lugares determinados no espaço; estão em nós, nas profundezas misteriosas da alma, o que é confirmado por todas as grandes doutrinas.
“O reino dos céus está dentro de vós”, disse o Cristo.
O mesmo pensamento está por outra forma expresso nos Vedas: “Tu trazes em ti um amigo sublime que não conheces.”
A sabedoria persa não é menos afirmativa: “Vós viveis no meio de armazéns cheios de riquezas e morreis de fome à porta.” (Suffis Ferdousis).
Todos os grandes ensinamentos concordam neste ponto: É na vida íntima, no desabrochar de nossas potências, de nossas faculdades, de nossas virtudes, que está o manancial das felicidades futuras.
Olhemos atentamente para o fundo de nós mesmos, fechemos nosso entendimento às coisas externas e, depois de havermos habituado nossos sentidos psíquicos à escuridade e ao silêncio, veremos surgir luzes inesperadas, ouviremos vozes fortificantes e consoladoras. Mas, há poucos homens que saibam ler em si, que saibam explorar as jazidas que encerram tesouros inestimáveis. Gastamos a vida em coisas banais, improfícuas; percorremos o caminho da existência sem nada saber de nós mesmos, das riquezas psíquicas, cuja valorização nos proporcionaria gozos inumeráveis.
Há em toda alma humana dois centros ou, melhor, duas esferas de ação e expressão. Uma delas, a exterior, manifesta a personalidade, o “eu”, com suas paixões, suas fraquezas, sua mobilidade, sua insuficiência. Enquanto ela for a reguladora de nosso proceder, teremos a vida inferior, semeada de provações e males. A outra, interna, profunda, imutável, é, ao mesmo tempo, a sede da consciência, a fonte da vida espiritual, o templo de Deus em nós. É somente quando esse centro de ação domina o outro, quando suas impulsões nos dirigem, que se revelam nossas potências ocultas e que o Espírito se afirma em seu brilho e beleza. É por ele que estamos em comunhão com “o Pai que habita em nós”, segundo as palavras do Cristo, com o Pai que é o foco de todo o amor, o princípio de todas as ações.
Por um desses centros perpetuamo-nos em mundos materiais, onde tudo é inferioridade, incerteza e dor; pelo outro temos entrada nos mundos celestes, onde tudo é paz, serenidade, grandeza. Somente pela manifestação crescente do Espírito divino em nós chegaremos a vencer o “eu” egoísta, a associar-nos plenamente à obra universal e eterna, a criar uma vida feliz e perfeita.
Por que meio poremos em movimento as potências internas e as orientaremos para um ideal elevado? Pela vontade! Os usos persistentes, tenazes, dessa faculdade soberana permitir-nos-á modificar a nossa natureza, vencer todos os obstáculos, dominar a matéria, a doença e a morte.
É pela vontade que dirigimos nossos pensamentos para um alvo determinado. Na maior parte dos homens os pensamentos flutuam sem cessar. Sua mobilidade constante e sua variedade infinita oferecem limitado acesso às influências superiores. É preciso saber se concentrar, colocar o pensamento acorde com o pensamento divino. Então, a alma humana é fecundada pelo Espírito divino, que a envolve e penetra, tornando-a apta a realizar nobres tarefas, preparando-a para a vida do espaço, cujos esplendores ela começa fracamente a entrever desde este mundo. Os Espíritos elevados vêem e ouvem os pensamentos uns dos outros, com os quais são harmonias penetrantes, ao passo que os nossos são, as mais das vezes, somente discordâncias e confusão. Aprendamos, pois, a servir-nos de nossa vontade e, por ela, a unir nossos pensamentos a tudo o que é grande, à harmonia universal, cujas vibrações enchem o espaço e embalam os mundos.
*
A vontade é a maior de todas as potências; é, em sua ação, comparável ao ímã. A vontade de viver, de desenvolver em nós a vida, atrai-nos novos recursos vitais; tal é o segredo da lei de evolução. A vontade pode atuar com intensidade sobre o corpo fluídico, ativar-lhe as vibrações e, dessa forma, apropriá-lo a um modo cada vez mais elevado de sensações, prepará-lo para mais alto grau de existência.
O princípio de evolução não está na matéria, está na vontade, cuja ação tanto se estende à ordem invisível das coisas como à ordem visível e material. Esta é simplesmente a conseqüência daquela. O princípio superior, o motor da existência, é a vontade. A vontade divina é o supremo motor da vida universal.
O que importa, acima de tudo, é compreender que podemos realizar tudo no domínio psíquico; nenhuma força permanece estéril quando se exerce de maneira constante, visando alcançar um desígnio conforme ao direito e à justiça.
É o que se dá com a vontade; ela pode agir tanto no sono como na vigília, porque a alma valorosa, que para si mesma estabeleceu um objetivo, procura-o com tenacidade em ambas as fases de sua vida e determina assim uma corrente poderosa, que mina devagar e silenciosamente todos os obstáculos.
Com a preservação dá-se o mesmo que com a ação. A vontade, a confiança e o otimismo são outras tantas forças preservadoras, outros tantos baluartes opostos em nós a toda causa de desassossego, de perturbação, interna e externa. Bastam, às vezes, por si sós, para desviar o mal; ao passo que o desânimo, o medo e o mau-humor nos desarmam e nos entregam a ele sem defesa. O simples fato de olharmos de frente para o que chamamos o mal, o perigo, a dor, a resolução de os afrontarmos, de os vencermos, diminuem-lhes a importância e o efeito.
Os americanos têm, com o nome de mind cure (cura mental) ou ciência cristã, aplicado esse método à terapêutica e não se pode negar que os resultados obtidos são consideráveis. Esse método resume-se na fórmula seguinte: “O pessimismo enfraquece; o otimismo fortalece.” Consiste na eliminação gradual do egoísmo, na união completa com a Vontade Suprema, causa das forças infinitas. Os casos de cura são numerosos e apóiam-se em testemunhos irrecusáveis.[i]
De resto, foi esse – em todos os tempos e com formas diversas – o princípio da saúde física e moral.
Na ordem física, por exemplo, não se destroem os infusórios, os infinitamente pequenos, que vivem e se multiplicam em nós; mas se ganham forças para melhor lhes resistir. Da mesma forma, nem sempre é possível, na ordem moral, afastar as vicissitudes da sorte, mas se pode adquirir força bastante para suportá-las com alegria, sobrepujá-las com esforço mental, dominá-las por tal forma que percam todo o aspecto ameaçador, para se transformarem em auxiliares de nosso progresso e de nosso bem.
Em outra parte demonstramos, apoiando-nos em fatos recentes, o poder da alma sobre o corpo na sugestão e auto-sugestão.[ii] Limitar-nos-emos a lembrar outros exemplos ainda mais concludentes.
Louise Lateau, a estigmatizada de Bois-d'Haine, cujo caso foi estudado por uma comissão da Academia de Medicina da Bélgica, fazia, meditando sobre a Paixão do Cristo, correr à vontade o sangue dos seus pés, mãos e lado esquerdo. A hemorragia durava muitas horas.[iii]
Pierre Janet observou casos análogos na Salpêtrière, em Paris. Uma extática apresentava estigmas nos pés quando lhos metiam num aparelho.[iv]
Louis Vivé, em suas crises, a si mesmo dava ordem de sangrar-se em horas determinadas e o fenômeno produzia-se com exatidão.
Encontra-se a mesma ordem de fatos em certos sonhos, bem como nos fenômenos chamados “noevi” ou sinais de nascença.[v] Em todos os domínios da observação, achamos a prova de que a vontade impressiona a matéria e pode submetê-la a seus desígnios. Essa lei manifestas-se com mais intensidade ainda no campo da vida invisível. É em virtude das mesmas regras que os Espíritos criam as formas e os atributos que nos permitem reconhecê-los nas sessões de materialização.
Pela vontade criadora dos grandes Espíritos e, acima de tudo, do Espírito divino, uma vida repleta de maravilhas desenvolve-se e se estende, de degrau em degrau, até ao infinito, nas profundezas do céu, vida incomparavelmente superior a todas as maravilhas criadas pela arte humana e tanto mais perfeita quanto mais se aproxima de Deus.
Se o homem conhecesse a extensão dos recursos que nele germinam, talvez ficasse deslumbrado e, em vez de se julgar fraco e temer o futuro, compreenderia a sua força, sentiria que ele próprio pode criar esse futuro.
Cada alma é um foco de vibrações que a vontade põe em movimento. Uma sociedade é um agrupamento de vontades que, quando estão unidas, concentradas num mesmo fito, constituem centro de forças irresistíveis. As humanidades são focos ainda mais poderosos, que vibram através da imensidade.
Pela educação e exercício da vontade, certos povos chegam a resultados que parecem prodígios.
A energia mental, o vigor de espírito dos japoneses, seu desprezo pela dor, sua impassibilidade diante da morte, causaram pasmo aos ocidentais e foram para eles uma espécie de revelação. O japonês habitua-se desde a infância a dominar suas impressões, a nada deixar trair dos desgostos, das decepções, dos sentimentos por que passa, a ficar impenetrável, a não se queixar nunca, a nunca se encolerizar, a receber sempre com boa cara os reveses.
Tal educação retempera os ânimos e assegura a vitória em todos os terrenos. Na grande tragédia da existência e da História, o heroísmo representa o papel principal e é a vontade que faz os heróis.
Esse estado de espírito não é privilégio dos japoneses. Os hindus chegam também, com o emprego do que eles chamam a hatha-yoga, ou exercício da vontade, a suprimir em si o sentimento da dor física.
Numa conferência feita no Instituto Psicológico de Paris e que Les Annales des Sciences Psychiques, de novembro de 1906, reproduziram, Annie Besant cita vários casos notáveis devidos a essas práticas persistentes.
Um hindu possuirá bastante poder de vontade para conservar um braço erguido até se atrofiar. Outro deitar-se-á numa cama eriçada de pontas de ferro sem sentir nenhuma dor. Encontra-se mesmo esse poder em pessoas que não praticaram a hatha-yoga. A conferencista cita o caso de um de seus amigos que, tendo ido à caça do tigre e tendo recebido, por causa da imperícia de um caçador, uma bala na coxa, recusou submeter-se à ação do clorofórmio para a extração do projétil, afirmando ao cirurgião que teria suficiente domínio sobre si mesmo para ficar imóvel e impassível durante a operação. Esta efetuou-se; o ferido tinha plena consciência de si mesmo e não fez um só movimento. “O que para outro teria sido uma tortura atroz, nada era para ele; havia fixado sua consciência na cabeça e nenhuma dor sentira. Sem ser yogui, possuía o poder de concentrar a vontade, poder que, nas Índias, se encontra freqüentemente.”
Pelo que se acaba de ler, pode-se julgar quão diferente dos nossos são a educação mental e o objetivo dos asiáticos. Tudo, neles, tende a desenvolver o homem interior, sua vontade, sua consciência, à vista dos vastos ciclos de evolução que se lhes abrem, enquanto o europeu adota, de preferência, como objetivo, os bens imediatos, limitados pelo círculo da vida presente. Os alvos em que se põe à mira nos dois casos são diferentes; e essa divergência resulta da concepção essencialmente diferente do papel do ser no universo. Os asiáticos consideraram por muito tempo, com um espanto misturado de piedade, nossa agitação febril, nossa preocupação pelas coisas contingentes e sem futuro, nossa ignorância das coisas estáveis, profundas, indestrutíveis, que constituem a verdadeira força do homem. Daí o contraste surpreendente que oferecem as civilizações do Oriente e do Ocidente. A superioridade pertence evidentemente à que abarca mais vasto horizonte e se inspira nas verdadeiras leis da alma e de seu futuro. Pode ter parecido atrasada aos observadores superficiais, enquanto as duas civilizações fizeram paralelamente sua evolução, sem que entre uma e outra houvesse choques excessivos. Mas, desde que as necessidades da existência e a pressão crescente dos povos do Ocidente forçaram os asiáticos a entrar na corrente dos progressos modernos – tal é o caso dos japoneses –, pode-se ver que as qualidades eminentes dessa raça, manifestando-se no domínio material, podiam assegurar-lhes igualmente a supremacia. Se esse estado de coisas se acentuar, como é de recear, se o Japão conseguir arrastar consigo todo o Extremo Oriente, é possível que mude o eixo da dominação do mundo e passe de uma raça para outra, principalmente se a Europa persistir em não se interessar pelo que constitui o mais alto objetivo da vida humana e em contentar-se com um ideal inferior e quase bárbaro.
Mesmo restringindo o campo de nossas observações à raça branca, aí vamos verificar também que as nações de vontade mais firme, mais tenaz, vão pouco a pouco tomando predomínio sobre as outras. É o que se dá com os povos anglo-saxônios e germânicos. Estamos vendo o que a Inglaterra tem podido realizar, através dos tempos, para execução de seu plano de ação. A Alemanha, com seu espírito de método e continuidade, soube criar e manter uma poderosa coesão em detrimento de seus vizinhos, não menos bem dotados do que ela, mas menos resolutos e perseverantes. A América do Norte prepara também para si um grande lugar no concerto dos povos.
A França é, pelo contrário, uma nação de vontade fraca e volúvel. Os franceses passam de uma idéia a outra com extrema mobilidade e a esse defeito não são estranhas as vicissitudes de sua História. Seus primeiros impulsos são admiráveis, vibrantes de entusiasmo. Mas, se com facilidade empreendem uma obra, com a mesma facilidade a abandonam, quando o pensamento já a vai edificando e os materiais se vão reunindo silenciosamente ao seu derredor. Por isso o mundo apresenta, por toda parte, vestígios meio apagados de sua ação passageira, de seus esforços depressa interrompidos.
Além disso, o pessimismo e o materialismo, que cada vez mais se alastram entre eles, tendem também a amesquinhar as qualidades generosas de sua raça. O positivismo e o agnosticismo trabalham sistematicamente para apagar o que restava de viril na alma francesa; e os recursos profundos do espírito francês atrofiam-se por falta de uma educação sólida e de um ideal elevado.
Aprendamos, pois, a criar uma “vontade de potência”, de natureza mais elevada do que a sonhada por Nietzsche. Fortaleçamos em torno de nós os espíritos e os corações, se não quisermos ver nossas sociedades votadas à decadência irremediável.
*
Querer é poder! O poder da vontade é ilimitado. O homem, consciente de si mesmo, de seus recursos latentes, sente crescerem suas forças na razão dos esforços. Sabe que tudo o que de bem e bom desejar há de, mais cedo ou mais tarde, realizar-se inevitavelmente, ou na atualidade ou na série das suas existências, quando seu pensamento se puser de acordo com a Lei divina. E é nisso que se verifica a palavra celeste: “A fé transporta montanhas.”
Não é consolador e belo poder dizer: “Sou uma inteligência e uma vontade livres; a mim mesmo me fiz, inconscientemente, através das idades; edifiquei lentamente minha individualidade e liberdade e agora conheço a grandeza e a força que há em mim. Amparar-me-ei nelas; não deixarei que uma simples dúvida as empane por um instante sequer e, fazendo uso delas com o auxílio de Deus e de meus irmãos do espaço, elevar-me-ei acima de todas as dificuldades; vencerei o mal em mim; desapegar-me-ei de tudo o que me acorrenta às coisas grosseiras para levantar o vôo para os mundos felizes!”
Vejo claramente o caminho que se desenrola e que tenho de percorrer. Esse caminho atravessa a extensão ilimitada e não tem fim; mas, para guiar-me na estrada infinita, tenho um guia seguro – a compreensão da lei de vida, progresso e amor que rege todas as coisas; aprendi a conhecer-me, a crer em mim e em Deus. Possuo, pois, a chave de toda elevação e, na vida imensa que tenho diante de mim, conservar-me-ei firme, inabalável na vontade de enobrecer-me e elevar-me, cada vez mais; atrairei, com o auxílio de minha inteligência, que é filha de Deus, todas as riquezas morais e participarei de todas as maravilhas do Cosmo.
Minha vontade chama-me: “Para frente, sempre para frente, cada vez mais conhecimento, mais vida, vida divina!” E com ela conquistarei a plenitude da existência, construirei para mim uma personalidade melhor, mais radiosa e amante. Saí para sempre do estado inferior do ser ignorante, inconsciente de seu valor e poder; afirmo-me na independência e dignidade de minha consciência e estendo a mão a todos os meus irmãos, dizendo-lhes:
Despertai de vosso pesado sono; rasgai o véu material que vos envolve, aprendei a conhecer-vos, a conhecer as potências de vossa alma e a utilizá-las. Todas as vozes da Natureza, todas as vozes do espaço vos bradam: “Levantai-vos e marchai! Apressai-vos para a conquista de vossos destinos!”
A todos vós que vergais ao peso da vida, que, julgando-vos sós e fracos, vos entregais à tristeza, ao desespero, ou que aspirais ao nada, venho dizer: “O nada não existe; a morte é um novo nascimento, um encaminhar para novas tarefas, novos trabalhos, novas colheitas; a vida é uma comunhão universal e eterna que liga Deus a todos os seus filhos.”
A vós todos, que vos credes gastos pelos sofrimentos e decepções, pobres seres aflitos, corações que o vento áspero das provações secou; Espíritos esmagados, dilacerados pela roda de ferro da adversidade, venho dizer-vos:
“Não há alma que não possa renascer, fazendo brotar novas florescências. Basta-vos querer para sentirdes o despertar em vós de forças desconhecidas. Crede em vós, em vosso rejuvenescimento em novas vidas; crede em vossos destinos imortais. Crede em Deus, Sol dos sóis, foco imenso, do qual brilha em vós uma centelha, que se pode converter em chama ardente e generosa!
“Sabei que todo homem pode ser bom e feliz; para vir a sê-lo basta que o queira com energia e constância. A concepção mental do ser, elaborada na obscuridade das existências dolorosas, preparada pela vagarosa evolução das idades, expandir-se-á à luz das vidas superiores e todos conquistarão a magnífica individualidade que lhes está reservada.
“Dirigi incessantemente vosso pensamento para esta verdade: podeis vir a ser o que quiserdes. E sabei querer ser cada vez maiores e melhores. Tal é a noção do progresso eterno e o meio de realizá-lo; tal é o segredo da força mental, da qual emanam todas as forças magnéticas e físicas. Quando tiverdes conquistado esse domínio sobre vós mesmos, não mais tereis que temer os retardamentos nem as quedas, nem as doenças, nem a morte; tereis feito de vosso “eu” inferior e frágil uma alta e poderosa individualidade!”
XXI

Léon Denis.

[i]    Ver W. James, Reitor da Universidade Harvard, L'Expérience Religieuse, págs. 86, 87. Tradução francesa de Abauzit. Félix Alcan, editor, Paris, 1906.
[ii]    Ver Depois da Morte, Cap. XXXII, “A vontade e os fluidos” e No Invisível, cap. XV.
[iii]   Dr. Warlomont - Louise Lateau, la stigmatisée de Bois-d'Haine, Bruxelas, 1873.
[iv]   P. Janet, “Une extatique”, Bulletin de 1'Institut Psychologique, julho, agosto, setembro de 1901.
[v]    Ver, entre outros, o Bulletin de la Société Psychique de Marseille, outubro de 1903.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

MEU REINO NAO É DESTE MUNDO


“Vós sois de baixo, eu sou de
cima, vós sois deste mundo. eu não sou
deste mundo,”
(João, 11:2.1)
“Não são do mundo. como eu do mundo não sou.”
(João 17:16)
“O meu reino não é deste mundo,
se o meu reino fosse deste mundlo,
pelejariam os meus servos, para que eu
não fosse entregue aos judeu, mas agora
o meu reino não é daqui.”
(João, IK:3hi
Os Espíritos benfeitores afirmam que Jesus Cristo é o preposto de Deus para as
coisas deste mundo, Ele é, portanto, quem governa este minúsculo orbe que faz parte
das muitas moradas que constituem a casa do Pai.
Isso é comprovado por João Evangelista que, referindo-se a Jesus, sustenta:
“Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez”,
O próprio Jesus proclama isso quando os judeus insistiam em afirmar que o
Cristo seria da linhagem de Davi: “Como é então que via, em Espírito, lhe chama
Senhor, dizendo: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita até que
eu ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés. Se Davi, pois, lhe chama Senhor,
como pode ser ele seu filho?”
Jesus Cristo foi indubitavelmente a mais singular figura que desceu à Terra. Os
seus Evangelhos, entrecortados dos mais sublimados ensinamentos, são repositório da
mais elevada moral e, além disso, encerram equação para os mais agudos problemas
que assoberbam os homens.
Quando o Mestre disse a Pilatos que o seu reino não é deste mundo,
acrescentou a palavra agora, o que significa que, por enquanto, o seu reino não é
deste mundo, mas o será quando o homem estiver vivendo compenetrado da verdade,
quando a palavra fraternidade deixar de ser mera utopia, quando a Humanidade
formar um só rebanho sob a orientação de um só pastor.
João Evangelista acrescenta em seu Evangelho que “Jesus estava no mundo, e
o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, e os
seus não o receberam. Veio como uma luz brilhando nas trevas, mas as trevas não a
compreenderam”.
É óbvio, portanto, que no futuro, quando o Reino de Deus se implantar
definitivamente nos corações humanos, através da consumação da reforma íntima das
criaturas, o reino de Jesus também o será deste mundo, que no momento é apenas
uma estância de expiação e de dor.
Isso não significa que estejamos deserdados. Jesus é o nosso Mestre, o nosso
orientador, o nosso redentor. Os grandes luminares da Espiritualidade superior
continuam a descer a este mundo a fim de impulsionar o progresso. Milhares e
milhares de mensagens são enviadas à Terra pelos nossos benfeitores espirituais. Os
Espíritos se comunicam por toda a parte, cumprindo a profecia de Joel: “E nos
últimos dias derramarei do meu Espírito sobre toda a carne”.
Ainda há pouco mais de um século o mundo recebeu a revelação do Espírito de
Verdade, instaurando na Terra a Doutrina dos Espíritos, que veio propiciar aos
homens a possibilidade de anteverem uma nova luz a impulsioná-los para Deus, a fim
de que, dentro de mais alguns séculos, seja definitivamente implantado na Terra o
Reinado do Espírito. Nessa época poderá então o Mestre afirmar: “Agora o meu reino
também é deste mundo”

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Edificação do Reino


"O Reino de Deus está no meio de vós." - Jesus. (LUCAS, 17:21.)
Nem na alegria excessiva que ensurdece.
Nem na tristeza demasiada que deprime.
Nem na ternura incondicional que prejudica.
Nem na severidade indiscriminada que destrói.
Nem na cegueira afetiva que jamais corrige.
Nem no rigor que resseca.
Nem no absurdo afirmativo que é dogma.
Nem no absurdo negativo que é vaidade.
Nem nas obras sem fé que se reduzem a pedra e pó.
Nem na fé sem obras que é estagnação da alma.
Nem no movimento sem ideal de elevação que é cansaço vazio.
Nem no ideal de elevação sem movimento que é ociosidade brilhante.
Nem cabeça excessivamente voltada para o firmamento com inteira despreocupação do valioso trabalho na Terra.
Nem pés definitivamente chumbados ao chão do Planeta com integral esquecimento dos apelos do Céu.
Nem exigência a todo instante.
Nem desculpa sem-fim.
O Reino Divino não será concretizado na Terra, através de atitudes extremistas.
O próprio Mestre asseverou-nos que a sublime realização está no meio de nós.
A edificação do Reino Divino é obra de aprimoramento, de ordem, esforço e aplicação aos desígnios do Mestre, com bases no trabalho metódico e na harmonia necessária.
Não te prendas excessivamente às dificuldades do dia de ontem, nem te inquietes demasiado pelos prováveis obstáculos de amanhã.
Vive e age bem no dia de hoje, equilibra-te e vencerás.
XAVIER, Francisco Cândido. Vinha de Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 14.ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1996. Capítulo 177.

terça-feira, 24 de julho de 2012

NO REINO EM CONSTRUÇÃO

NO  REINO  EM  CONSTRUÇÃO
Emmanuel
“Na casa de meu Pai há muitas moradas; se assim não fosse,
já eu vo-lo feria dito, pois me vou para vos preparar o lugar.”
- JESUS -JOAO, 14: 2.

“Entretanto, nem todos os Espíritos que encarnam na Terra vão para ai em expiação “
-.1 Cap. III, 14.

          Escutaste o pessimismo que se esmera em procurar as deficiências da Humanidade, como quem se demora deliberadamente nas arestas agressivas do mármore de obra-prima Inacabada e costumas dizer que a Terra está perdida.
          Observa, porém, as multidões que se esforçam silenciosamente pela santificação do porvir.
          Compulsaste as folhas da imprensa, lendo a história do autor de homicídio lamentável e sob a extrema revolta, trouxeste ao labirinto das opiniões contraditórias a tua própria versão do acontecimento, asseverando que estamos todos no teatro do crime.
          Recorda, contudo, os milhões de pais e mães, tocados de abnegação e heroísmo,que abraçam todos os sacrifícios no lar para que a delinqüência desapareça.
          Conheceis jovens que se transviaram. na leviandade, desvairando-se em golpes de selvageria e loucura e, examinando acremente determinados sucessos que devem estar catalogados na patologia da mente, admites que a juventude moderna se encontra em adiantado processo de desagregação do caráter.
          Relaciona, todavia, os milhões de rapazes e meninas, debruçados sobre livros e máquinas, através do labor e do estudo, em muitas circunstâncias imolando o próprio corpo à fadiga precoce, para integrarem dignamente a legião do progresso.
          Sabes que há companheiros habituados aos prazeres noturnos e, ao vê-los comprando o próprio desgaste a prego de ouro, acreditas que toda a comunidade humana jaz entregue à demência e ao desperdício.
          Reflete, entretanto, nos milhões de cérebros e braços que atravessam a noite, no recinto das fábricas e junto dos linotipos, em hospitais e escritórios, nas atividades da limpeza e da vigilância,de modo a que a produção e a cultura, a saúde e a tranqüilidade do povo sejam asseguradas.
          Marcaste o homem afortunado que enrijeceu mãos e bolsos, na sovinice, e esposas a convicção de que todas as pessoas abastadas são modelos completos; de avareza e crueldade.
          Considera, no entanto, os milhões de tarefeiros do serviço e da beneficência, que diariamente colocam o dinheiro em circulação, a fim de que os homens conheçam a honra de trabalhar e a alegria de viver.
          Não condenes a Terra pelo desequilíbrio de alguns.
          Medita, em todos os que se encontram suando e sofrendo, lutando e amando, no levantamento do futuro melhor, e reconhecerás que o Divino Construtor do Reino de Deus no mundo está esperando também por ti.


Extraído do Livro da Esperança. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.

sábado, 21 de julho de 2012

PEDRO, O APÓSTOLO( entrevista de Pedro)



Humberto de Campos

25 de agosto de 1936
 
Enquanto a Capital dos mineiros, dirigida pelos seus elementos eclesiásticos, se prepara, esperando as grandes manifestações de fé do segundo Congresso Eucarístico Nacional, chegam os turistas elegantes e os peregrinos invisíveis. Também eu quis conhecer de perto as atividades religiosas dos conterrâneos de Augusto de Lima.
Na Praça Raul Soares, espaçosa e ornamentada, vi o monumento dos congressistas, elevando-se em forma de altar, onde os altos religiosos serão celebrados. No topo, a custódia, rodeada de arcanjos petrificados, guardando o símbolo suave e branco da eucaristia, e, cá em baixo, nas linhas irregulares da terra, as acomodações largas e fartas, de onde o povo assistirá, comovido, às manifestações de Minas católica.
Foi nesse ambiente que a figura de um homem trajado à israelita, lembrando alguns tipos que em Jerusalém se dirigem, freqüentemente, para o lugar sagrado das lamentações, aguçou a minha curiosidade incorrigível de jornalista.
- Um judeu?! – exclamei, aguardando as novidades de uma entrevista.
- Sim, fui judeu, há algumas centenas de anos – respondeu laconicamente o interpelado.
Sua réplica exaltou a minha bisbilhotice e procurei atrair a atenção da singular personagem.
- Vosso nome? – continuei.
- Simão Pedro.
- O Apóstolo?
E a veneranda figura respondeu afirmativamente, colando ao peito os cabelos respeitáveis da barba encanecida.
Surpreso e sedento da sua palavra, contemplei aquela figura hebraica, cheia de simplicidade e simpatia. Ao meu cérebro afluíam centenas de perguntas, sem que pudesse coordená-las devidamente.
- Mestre – disse-lhe, por fim -, Vossa palavra tem para o mundo um valor inestimável. A cristandade nunca vos julgou acessível na face da Terra, acreditando que vos conserváveis no Céu, de cujas portas resplandecentes guardáveis a chave maravilhosa. Não teríeis algumas mensagens do Senhor para transmitir à Humanidade, neste momento angustioso que as criaturas estão vivendo?
E o Apóstolo venerável, dentro da sua expressão resignada e humilde, começou a falar:
- Ignoro a razão por que revestiram a minha figura, na Terra, de semelhantes honrarias. Como homem, não fui mais que um obscuro pescador da Galiléia e, como discípulo do Divino Mestre, não tive a fé necessária nos momentos oportunos. O Senhor não poderia, portanto, conferir-me privilégios, quando amava todos os seus apóstolos com igual amor.
- É conhecida, na história das origens do Cristianismo, a vossa desinteligência com Paulo de Tarso. Tudo isso é verdadeiro?
- De alguma forma, tudo isso é verdade – declarou bondosamente o Apóstolo. – Mas, Paulo tinha razão. Sua palavra enérgica evitou que se criasse uma aristocracia injustificável, que, sem ele, teria que desenvolver-se fatalmente entre os amigos de Jesus, que se haviam retirado de Jerusalém para as regiões da Batanéia.
- Nada desejais dizer ao mundo sobre a autenticidade dos Evangelhos?
- Expressão autêntica da biografia e dos atos do Divino Mestre, não seria possível acrescentar qualquer coisa a esse livro sagrado. Muita iniqüidade se tem verificado no mundo em nome do estatuto divino, quando todas as hipocrisias e injustiças estão nele sumariamente condenadas.
- E no capítulo dos milagres?
- Não é propriamente milagre o que caracterizou as ações práticas do Senhor. Todos os seus atos foram resultantes do seu imenso poder espiritual. Todas as obras a que se referem os Evangelistas são profundamente verdadeiras.
E, como quem retrocede no tempo, o Apóstolo monologou:
- Em Carfanaum, perto de Genesaré, e em Betsaida, muitas vezes acompanhei o Senhor nas suas abençoadas peregrinações. Na Samaria, ao lado de Cesaréia de Felipe, vi suas mãos carinhosas dar vistas aos cegos e consolação aos desesperados. Aquele sol claro e ardente da Galiléia ainda hoje ilumina toda a minha alma e, tantos séculos depois de minhas lutas no mundo, ao lado de alguns companheiros procuro reivindicar para os homens a vida perfeita do Cristianismo, com o advento do Reino de Deus, que Jesus desejou fundar, com o seu exemplo, em cada coração...
- Os filósofos terrenos são quase unânimes em afirmar que o Cristo não conhecia a evolução da ciência grega, naquela época, e que as suas parábolas fazem supor a sua ignorância acerca da organização política do Império Romano: seus apóstolos falam de reis e príncipes que não poderiam ter existido.
- A ação do Cristo – retrucou o Apóstolo – vai mais além que todas as atividades e investigações das filosofias humanas. Cada século que passa imprime um brilho novo à sua figura e um novo fulgor ao seu ensinamento. Ele não foi alheio aos trabalhos do pensamento dos seus contemporâneos. Naquele tempo, as teorias de Lucrécio, expandidas alguns anos antes da obra do Senhor, e as lições de Filon em Alexandria, eram muito inferiores às verdades celestes que Ele vinha trazer à Humanidade atormentada e sofredora...
E, quando a figura venerada de Simão parecia prestes a prosseguir na sua jornada, inquiri, abruptamente:
- Qual o vosso objetivo, atualmente, no Brasil?
- Venho visitar a obra do Evangelho aqui instituída por Ismael, filho de Abraão e de Agar, e dirigida dos espaços por abnegados apóstolos da fraternidade cristã.
- E estais igualmente associado às festas do segundo Congresso Eucarístico Nacional? – perguntei.
Mas, o bondoso Apóstolo expressou uma atitude de profunda incompreensão, ao ouvir as minhas derradeiras palavras.
Foi quando, então, lhe mostrei o rico monumento festivo, as igrejas enfeitadas de ouro, os movimentos de recepção aos prelados, exclamando ele, afinal:
- Não, meu filho!... Esperam-me longe destas ostentações mentirosas os humildes e os desconsolados. O Reino de Deus ainda é a promessa para todos os pobres e para todos os aflitos da Terra. A Igreja romana, cujo chefe se diz possuidor de um trono que me pertence, está condenada no próprio Evangelho, com todas as suas grandezas bem tristes e bem miseráveis. A cadeira de São Pedro é para mim uma ironia muito amarga... Nestes templos faustosos não há lugares para Jesus, nem para os seus continuadores...
- E que sugeris, Mestre, para esclarecer a verdade?
Mas, nesse momento, o Apóstolo venerando enviou-me um gesto compassivo e piedoso, continuando o seu caminho, depois de amarrar, resignadamente, o cordão das sandálias.
  

Do livro Crônicas de Além Túmulo. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.