Um
oficial de caçadores, espírita de longa data, e um dos numerosos
exemplos de reformas morais que o Espiritismo pode operar, nos transmite
estes detalhes:
“Caro mestre,
“Aproveitamos
as longas horas de inverno para nos entregarmos com ardor ao
desenvolvimento de nossas faculdades mediúnicas. A tríade do 4.º
regimento de caçadores, sempre unida, sempre viva, inspira-se em seus
deveres, e ensaia novos esforços. Sem dúvida desejais conhecer o objeto
de nossos trabalhos, a fim de saber se o campo que cultivamos não é
estéril. Podereis julgá-lo pelos detalhes seguintes:
“De
alguns meses para cá, nossos trabalhos têm por objeto o estudo dos
fluidos. Esse estudo desenvolveu em nós a mediunidade curadora, de forma
que agora a aplicamos com sucesso. Há alguns dias, uma simples emissão
fluídica de cinco minutos, com minha mão, bastou para tirar uma
nevralgia violenta.
“Há
vinte anos a Sra. P... estava afetada por uma hiperestesia aguda ou
exagerada sensibilidade da pele, moléstia que há quinze anos a retinha
em seu quarto. Ela mora numa pequena cidade vizinha, e tendo ouvido
falar de nosso grupo espírita, veio buscar alívio junto de nós. Ao cabo
de trinta e cinco dias ela voltou para casa completamente curada.
Durante esse tempo ela recebeu diariamente um quarto de hora de emissão
fluídica, com o concurso de nossos guias espirituais.
“Ao
mesmo tempo estendíamos os nossos cuidados a um epiléptico, afetado por
esse mal há vinte e sete anos. As crises se repetiam quase todas as
noites, durante as quais sua mãe passava longas horas à sua cabeceira.
Trinta e cinco dias bastaram para essa cura importante, e como ficou
feliz aquela mãe, levando seu filho radicalmente curado! Nós nos
revezávamos os três de oito em oito dias. Para a emissão do fluido, ora
colocávamos a mão no vazio do estômago do doente, ora sobre a nuca, na
raiz do pescoço. Cada dia o doente podia constatar alguma melhora. Nós
mesmos, após a evocação e durante o recolhimento, sentíamos o fluido
exterior nos invadir, passar em nós e escapar-se dos dedos estirados e
do braço distendido para o corpo do paciente que tratávamos.
“Neste
momento estamos prestando atendimento a um segundo epiléptico. Desta
vez a moléstia talvez seja mais rebelde, por ser hereditária. O pai
deixou nos quatro filhos o germe dessa afecção. Enfim, com a ajuda de
Deus e dos bons Espíritos, esperamos reduzi-la nos quatro.
“Caro
mestre, reclamamos o socorro de vossas preces e das preces dos irmãos
de Paris. Esse auxílio será para nós um encorajamento e um estimulante
para os nossos esforços. Depois, vossos bons Espíritos podem vir em
nosso auxílio, tornar o tratamento mais salutar e abreviar a sua
duração.
“Não
aceitamos como recompensa, como podeis imaginar, e ela deve ser
suficiente, senão a satisfação de ter feito o nosso dever e de ter
obedecido ao impulso dos bons Espíritos. O verdadeiro amor ao próximo
trás consigo uma alegria sem mescla e deixa em nós algo de luminoso, que
encanta e eleva a alma. Assim procuramos, tanto quanto nos permitem
nossas imperfeições, compenetrarmo-nos dos deveres do verdadeiro
espírita, que não devem ser senão a aplicação dos preceitos evangélicos.
“O
Sr. G... de L.... deve trazer-nos o seu cunhado, que um Espírito
malévolo subjuga há dois anos. Nosso guia espiritual Lamennais nos
encarrega do tratamento dessa rebelde obsessão. Deus nos daria também o
poder de expulsar os demônios? Se assim fosse, teríamos que nos humilhar
ante tão grande favor, em vez de nos orgulharmos. Quanto maior ainda
não seria para nós a obrigação de nos melhorarmos, para testemunhar-lhe o
nosso reconhecimento e para não perdermos dons tão preciosos?”
Lida
esta carta tão interessante na Sociedade Espírita de Paris, na sessão
de 18 de dezembro de 1863, um dos nossos bons médiuns obteve
espontaneamente as duas comunicações seguintes:
“Existindo
no homem a vontade em diferentes graus de desenvolvimento, em todas as
épocas, ela tanto serviu para curar quanto para aliviar. É lamentável
sermos forçados a constatar que ela também foi fonte de muitos males,
mas isto é uma das consequências do abuso que muitas vezes as pessoas
têm feito de seu livre-arbítrio.
“A
vontade tanto desenvolve o fluido animal quanto o espiritual, porque,
como todos sabeis agora, há vários gêneros de magnetismo, em cujo número
estão o magnetismo animal e o magnetismo espiritual que, conforme a
ocorrência, pode pedir apoio ao primeiro. Um outro gênero de magnetismo, muito mais poderoso ainda, é a prece que uma alma pura e desinteressada dirige a Deus.
“A
vontade muitas vezes foi mal compreendida. Em geral o que magnetiza não
pensa senão em desdobrar sua força fluídica, em derramar seu próprio
fluido sobre o paciente submetido aos seus cuidados, sem se preocupar se
há ou não uma Providência interessada no caso tanto ou mais que ele.
Agindo sozinho, ele não pode obter senão o que a sua força sozinha pode
produzir, ao passo que nossos médiuns curadores começam por elevar sua
alma a Deus e por reconhecer que por si mesmos nada podem. Eles fazem,
por isto mesmo, um ato de humildade, de abnegação, e então,
confessando-se fracos por si mesmos, Deus, em sua solicitude, lhes envia
poderosos socorros que o primeiro não pode obter, porque ele se julga
suficiente para o empreendimento. Deus sempre recompensa a humildade
sincera, elevando-a, ao passo que rebaixa o orgulho. Esse socorro que
ele envia, são os bons Espíritos que vêm penetrar o médium com seu
fluido benéfico, que este transmite ao doente. Também é por isto que o
magnetismo empregado pelos médiuns curadores é tão potente e produz
essas curas qualificadas de miraculosas, e que são devidas simplesmente à
natureza do fluido derramado sobre o médium. Enquanto o magnetizador
ordinário se esgota, por vezes em vão, a fazer passes, o médium curador
infiltra um fluido regenerador pela simples imposição das mãos, graças
ao concurso dos bons Espíritos. No entanto, esse concurso só é concedido
à fé sincera e à pureza de intenção.”
MESMER
(Médium, Sr. Albert)
“Uma
palavra sobre os médiuns curadores, dos quais acabais de falar. Eles
estão todos nas mais louváveis disposições; eles têm a fé que transporta
montanhas, o desinteresse que purifica os atos da vida e a humildade
que os santifica.
“Que
eles perseverem na obra de beneficência que empreenderam; que se
lembrem bem que aquele que pratica as leis sagradas que o Espiritismo
ensina, aproxima-se constantemente do Criador. Que, ao empregarem sua
faculdade, a prece, que é a vontade mais forte, seja sempre o seu guia,
seu ponto de apoio.
“Em
toda a sua existência, o Cristo vos deu a mais irrefutável prova da
mais firme vontade, mas era a vontade do bem e não a do orgulho. Quando,
por vezes, ele dizia eu quero, essa palavra estava cheia de unção. Seus apóstolos, que o cercavam, sentiam abrir-se seus corações a esta palavra santa.
“A
doçura constante do Cristo, sua submissão à vontade de seu Pai, sua
perfeita abnegação, são os mais belos modelos de vontade que se pode
propor como exemplo.”
PAULO, apóstolo.
(Médium: Sr. Albert)
Algumas
explicações facilmente darão a compreender o que se passa nesta
circunstância. Sabe-se que o fluido magnético ordinário pode dar a
certas substâncias propriedades particulares ativas. Neste caso, ele age
de certo modo como agente químico, modificando o estado molecular dos
corpos. Não há, pois, nada de extraordinário no fato de ele ter a
capacidade de modificar o estado de certos órgãos, mas compreende-se
igualmente que sua ação, mais ou menos salutar, deve depender de sua
qualidade, daí as expressões “bom ou mau fluido; fluido agradável ou
penoso.”
Na
ação magnética propriamente dita, é o fluido pessoal do magnetizador
que é transmitido, e sabe-se que esse fluido, que não é senão o
perispírito, participa sempre, mais ou menos, das qualidades materiais
do corpo, ao mesmo tempo que sofre a influência moral do Espírito. É,
pois, impossível que o fluido próprio de um encarnado seja de uma pureza
absoluta, razão pela qual sua ação curativa é lenta, por vezes nula,
outras vezes até nociva, porque ele pode transmitir ao doente princípios
mórbidos.
Considerando-se
que um fluido é suficientemente abundante e enérgico para produzir
efeitos instantâneos de sono, de catalepsia, de atração ou de repulsão,
absolutamente não se segue que ele tenha as necessárias qualidades para
curar. É a força que derruba, mas não o bálsamo que suaviza e
restaura. Dessa forma, há Espíritos desencarnados de ordem inferior cujo
fluido pode até mesmo ser muito maléfico, o que os espíritas a cada
passo têm ocasião de constatar.
Somente nos Espíritos superiores o fluido perispiritual está despojado de todas as impurezas da matéria; está, de certo modo, quintessenciado; sua
ação, por conseguinte, deve ser mais salutar e mais pronta: é o fluido
benfazejo por excelência. Como ele não pode ser encontrado entre os
encarnados, nem entre os desencarnados vulgares, então é preciso pedi-lo
aos Espíritos elevados, como se vai procurar em terras distantes os remédios que se não encontram na própria.
O
médium curador emite pouco de seu próprio fluido. Ele sente a corrente
do fluido estranho que o penetra e para a qual serve de condutor. É
com esse fluido que ele magnetiza, e aí está o que caracteriza o
magnetismo espiritual e o distingue do magnetismo animal: um vem do
homem, o outro, dos Espíritos. Como se vê, aí nada existe de
maravilhoso, mas um fenômeno resultante de uma lei da Natureza que não
era conhecida.
Para
curar pela terapêutica ordinária não bastam os primeiros medicamentos
que surgem. São necessários medicamentos puros, não avariados ou
adulterados, e convenientemente preparados. Pela mesma razão, para curar
pela ação fluídica, os fluidos mais depurados são os mais saudáveis.
Como esses fluidos benéficos são uma propriedade dos Espíritos
superiores, então é o concurso deles que é preciso obter, por isso a
prece e a invocação são necessárias. Mas para orar, e sobretudo para
orar com fervor, é preciso ter fé. Para que a prece seja escutada, é
preciso que seja feita com humildade e ditada por um real sentimento de benevolência e de caridade. Ora,
não há verdadeira caridade sem devotamento, nem devotamento sem
desinteresse. Sem estas condições, o magnetizador, privado da
assistência dos bons Espíritos, fica reduzido às suas próprias forças,
por vezes insuficientes, ao passo que com o concurso deles, elas podem
ser centuplicadas em poder e em eficácia. Entretanto, não há licor, por
mais puro que seja, que não se altere ao passar por um vaso impuro.
Assim acontece com o fluido dos Espíritos superiores, ao passar pelos
encarnados. Daí, para os médiuns nos quais se revela essa preciosa
faculdade, e que querem vê-la crescer e não se perder, a necessidade de
trabalhar por seu melhoramento moral.
Entre
o magnetizador e o médium curador há, pois, uma diferença capital,
porque o primeiro magnetiza com o seu próprio fluido, e o segundo com o
fluido depurado dos Espíritos. Daí se segue que os Espíritos dão o seu
concurso a quem querem e quando querem; que podem recusá-lo e,
consequentemente, tirar a faculdade daquele que dela abusasse ou a
desviasse de seu fim humanitário e caridoso para dela fazer comércio.
Quando Jesus disse aos apóstolos: “Ide! Expulsai os demônios, curai os doentes”, ele acrescentou: “Dai de graça o que de graça recebestes.”
Os
médiuns curadores tendem a multiplicar-se, como anunciaram os
Espíritos, e isto com o objetivo de propagar o Espiritismo, pela
impressão que esta nova ordem de fenômenos não pode deixar de produzir
nas massas, porque não há quem não ligue para a sua saúde, mesmo os mais
incrédulos. Assim, pois, quando virem que é possível obter com a
intervenção dos Espíritos o que a Ciência não pode dar, hão de convir
que há uma força fora do nosso mundo. Dessa forma, a Ciência será
conduzida a sair da via exclusivamente material em que permaneceu até
hoje. Quando os magnetizadores antiespiritualistas ou antiespíritas
virem que existe um magnetismo mais poderoso que o seu, eles serão
forçados a remontar à verdadeira causa.
Contudo,
importa premunir-se contra o charlatanismo, que não deixará de tentar
explorar em proveito próprio esta nova faculdade. Há para isto um meio
simples, o de lembrar-se que não há charlatanismo desinteressado, e que o
desinteresse absoluto, material e moral, é a melhor garantia de
sinceridade. Se há uma faculdade dada por Deus com esse objetivo santo,
sem a menor dúvida é esta, porque ela exige imperiosamente o concurso
dos Espíritos superiores, e esse concurso não pode ser adquirido pelo
charlatanismo. É para que se fique bem conscientizado quanto à natureza
toda especial desta faculdade que a descrevemos com alguns detalhes.
Conquanto
tenhamos podido constatar-lhe a existência por fatos autênticos, muitos
dos quais passados aos nossos olhos, pode-se dizer que ela ainda é
rara, e que só existe parcialmente nos médiuns que a possuem, quer por
não terem todas as qualidades requeridas para a sua posse em toda a
plenitude, quer por estar ela ainda em seu começo. É por isto que até
hoje os fatos não tiveram muita repercussão, no entanto, não tardarão a
tomar desenvolvimentos de natureza a chamar a atenção geral. Daqui a
poucos anos ela se revelará nalgumas pessoas predestinadas para isto,
com uma força que triunfará de muitas obstinações, mas estes não são os
únicos fatos que o futuro nos reserva, e pelos quais Deus confundirá os
orgulhosos e os convencerá de sua impotência. Os médiuns curadores são
um dos mil meios providenciais para atingir este objetivo e apressar o
triunfo do Espiritismo.
Compreende-se
facilmente que esta qualificação não pode ser dada aos médiuns
escreventes que recebem receitas médicas de certos Espíritos.
Não
encaramos a mediunidade curadora senão do ponto de vista fenomênico e
como meio de propagação, mas não como recurso habitual. Num próximo
artigo trataremos de sua possível aliança com a medicina e com o
magnetismo ordinários.
Revista Espírita 1864-Janeiro
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