A
Doutrina Espírita nos ensina que todas as paixões têm como
princípio originário uma necessidade ou um sentimento natural,
colocados em nosso âmago com o fim de estimular-nos ao trabalho e à
conquista da felicidade.
"Deus
é Amor" e, ao criar-nos, fêz-nos participantes de Sua natureza,
isto é, dotados dessa virtude por excelência; carecendo apenas
que a desenvolvamos e a depuremos, até a sublimação.
Houve
por bem, então, tornar-nos sensíveis ao prazer para que cada um
de nós, buscando-o, cultivasse o amor a si mesmo, para, numa outra etapa,
ser capaz de estender esse amor aos semelhantes.
Pode
parecer que a busca do prazer pessoal seja uma forma errônea, por sumamente
egoísta, para que possa conduzir-nos à efetivação
desse grandioso desiderato. Deus, porém, em Sua onisciência, sempre
escolhe os melhores caminhos possíveis para o nosso progresso, e se assim
há determinado é porque sabe que, sem experimentarmos, antes,
quanto é
bom o amor que nos devotamos e ao qual tudo sacrificamos, jamais chegaríamos
ao extremo oposto, de sacrificar-nos por amor a outrem.
Os
gozos que o mundo nos proporciona, entretanto, são regulados por leis
divinas, que lhes estabelecem limites em função das reais necessidades
de nosso corpo físico e dos justos anseios de nossa alma, e transpô-los
ocasiona consequências tanto mais funestas quanto maiores sejam os desmandos
cometidos.
Nisto,
como em todo aprendizado que lhe cumpra fazer, seja de um ofício, de
uma arte, ou do exercício de um poder qualquer, o homem começa
causando, a si mesmo e ao próximo, mais prejuízos que benefícios.
E'
que, em sua imensa ignorância, não sabe distinguir o uso do abuso,
exagera suas necessidades e sentimentos, e é aí, no excesso, que
aquelas e estes se transformam em paixões, provocando perturbações
danosas ao seu organismo e ao seu psiquismo.
Apresentemos
alguns exemplos:
Alimentar-nos
é um imperativo da natureza, cujo atendimento é coisa que nos
dá grande satisfação. Quantos, entretanto, façam
dos "prazeres da mesa" a razão de sua existência, rendendo-se
à glutonaria, mais dias, menos dias, terão que pagar, com a enfermidade,
senão mesmo com a morte, o preço desse mau hábito.
Muito
natural o nosso desejo de preparar dias melhores para nós e a nossa família,
bem assim as lutas a que nos entregamos e os sacrifícios que nos impomos,
visando a tal objetivo. Todavia, é preciso que essa preocupação
pelo futuro não ultrapasse os limites do razoável, para que não
se converta em obsessão.
A
recreação, por outro lado, é uma exigência de nosso
espírito, e os entretenimentos ocasionais valem por excelentes fatores
de hiigiene mental. Infelizes, no entanto, os que, seduzidos pelas emoções
de uma partida de baralho ou de víspora, pelo lucro fácil de um
lance na roleta, ou quejandos, se deixem dominar pelo jogo! A desgraça
não tardará a abatê-los, como abatidos têm sido todos
quantos se escravizam a essa terrível viciação.
Calor
excessivo ou frio intenso podem forçar-nos, vez por outra, a um refrigerante
gelado ou a uma dose alcoólica, com o que nos dessedentamos, ou nos reconfortamos
gostosamente. Mas todo cuidado será pouco para não descambarmos
para a bebedice, pois seus malefícios, provam-no as estatísticas,
assumem características de verdadeiro flagelo social.
Todos
nós sentimos necessidade de dar e receber carinho, já que ninguém
consegue ser feliz sem isso. É de todo conveniente, entretanto,
repartir nosso afeto com os que pertencem ao nosso círculo familiar,
estendê-lo a amigos e outros semelhantes, evitando concentrá-lo
em uma só pessoa, fazendo depender unicamente dela o nosso interesse
pela vida, pois, ao perder esse alguém, poderemos sofrer um golpe doloroso
demais para ser suportado sem perda do equilíbrio espiritual.
Não
há quem não deseje autoafirmar-se, mediante a realização
de algo que corresponda às suas tendências dominantes, e daí
porque alguns se atiram, com inusitado entusiasmo, a determinados estudos, outros
se empolgam na procura ou no apuramento de uma nova técnica com que sonham
projetar-se na especialidade de sua predileção, e outros ainda
descuidam de tudo e de todos para devotar-se, inteiramente, às atividades
artísticas ou científicas que os abrasam. Importa, porém,
acautelar-nos com o perigo do monoideísmo, responsável por neuroses
ou insânias de difícil recuperação.
Como
se vê, o princípio das paixões nada tem de mau, visto que
"assenta numa das condições providenciais de nossa existência",
podendo inclusive, em certos casos e enquanto governadas, levar o homem a feitos
nobilitantes.
Todo
mal, repetimo-lo, reside no abuso que delas se faz.
Urge,
portanto, que, na procura do melhor, do que nos traga maior soma de gozo, aprendamos
a respeitar as leis da Vida, para que elas, inexoráveis como são,
não se voltem contra nós, compelindo-nos a penosos processos de
reajuste e reequilíbrio. (Cap. XII, q. 907 e seguintes.)
Rodolfo
Calligaris
Livro: Leis Morais
Livro: Leis Morais
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