16. Com o pensamento
de que a atividade e a cooperação individuais na obra geral da
civilização são limitadas à vida presente, que antes a criatura nada
foi, e que depois nada será, que importa ao homem o progresso ulterior
da humanidade? Que lhe importa que no futuro os povos sejam melhor
governados, mais felizes, mais esclarecidos, melhores uns para com os
outros? Pois se ele não vai daí tirar nenhum fruto, esse progresso não é
perdido para ele? De que lhe serve trabalhar para os que virão depois
se jamais os conhecerá, se são seres novos que dali a pouco reentrarão
no nada, também eles? Sob o império da negação do futuro individual,
tudo se amesquinha forçosamente às acanhadas proporções do momento e da
personalidade.
Mas, ao contrário, que amplitude
dá ao pensamento do homem a certeza da perpetuidade de seu ser
espiritual! Quê de mais racional, de mais grandioso, de mais digno do
Criador, que esta lei segundo a qual a vida espiritual e a vida corporal
não são senão dois modos de existência que se alternam para a
concretização do progresso! Quê de mais justo e de mais consolador senão
a idéia dos mesmos seres progredindo sem cessar, a princípio através
das gerações do mesmo mundo, e em seguida, de um mundo para outro, até
atingir a perfeição sem solução de continuidade! Todas as ações têm
então uma finalidade, pois, trabalhando para todos, estamos trabalhando
para nós mesmos e reciprocamente; de sorte que nem o progresso
individual nem o progresso geral jamais são estéreis; aproveita às
gerações e às individualidades futuras, que não são senão as gerações e
as individualidades passadas, chegadas a um grau mais alto do
adiantamento.
17. A fraternidade deve ser a pedra angular da nova
ordem social; porém não há fraternidade real, sólida e efetiva, se não
for apoiada numa base inquebrantável; esta base, é a fé; não a fé em
tais ou quais dogmas particulares que mudam com os tempos ou os povos e
se apedrejam, pois quando se anatematizam alimentam o antagonismo; mas a
fé nos princípios fundamentais que todo o mundo pode aceitar; Deus, a
alma, o futuro, o progresso individual, indefinido, a perpetuidade das
relações entre os seres. Quando todos os homens se convencerem de que
Deus é o mesmo para todos; de injusto; que o mal vem dos homens e não
dele, hão de que este Deus, soberanamente justo e bom, nada pode querer
se encarar como filhos de um mesmo Pai, e estender-se-ão as mãos.
É esta fé que o Espiritismo proporciona e que de
agora em diante será o eixo sobre o qual se moverá o gênero humano,
quaisquer que sejam o modo de adoração e as crenças particulares.
18. O progresso intelectual realizado até hoje nas
mais vastas proporções é um grande passo, e marca a primeira fase da
humanidade; porém, sozinho, é impotente para regenerá-la; enquanto o
homem for dominado pelo orgulho e pelo egoísmo, utilizará sua
inteligência e seus conhecimentos para vantagem de suas paixões e seus
interesses pessoais; é por isso que ele os aplica ao aperfeiçoamento dos
meios de prejudicar os seus semelhantes, e os destruir.
19. Unicamente o progresso moral pode assegurar a
felicidade dos homens sobre a Terra pondo um freio às más paixões;
unicamente ele pode fazer reinar entre os homens a concórdia, a paz e a
fraternidade.
É ele que derrubará as barreiras dos povos, que fará
cair os preconceitos de casta e calar os antagonismos de seitas,
ensinando aos homens a se considerarem como irmãos chamados a se
auxiliar reciprocamente, e não a viver às expensas uns dos outros.
É anda o progresso moral, secundado aqui pelo
progresso da inteligência, que confundirá os homens numa mesma crença
estabelecida sobre verdades eternas, não sujeitas a discussão e por isso
mesmo aceitas por todos.
A unidade de crença será o liame mais possante, o
mais sólido fundamento da fraternidade universal, quebrada desde todo o
tempo pelos antagonismos religiosos que dividem os povos e as famílias,
que fazem ver nos dissidentes, inimigos que se devem exortar, combater,
exterminar, em vez de irmãos a quem se deve amar.
20. Um tal estado de coisas supõe uma mudança no
sentimento das massas, um progresso geral que não se podia realizar
senão saindo do círculo das idéias estreitas e terra-a-terra, que
fomentam o egoísmo. Em diversas épocas, homens de elite têm procurado
impelir a humanidade nesta via; mas a humanidade, ainda demasiado jovem,
permaneceu surda, e seus ensinamentos foram como a boa semente lançada
sobre as pedras.
Hoje, a humanidade está madura para lançar suas
vistas mais alto que nunca, para assimilar idéias mais amplas e
compreender o que antes não pudera.
A geração que desaparece levará com ela seus
preconceitos e seus erros; a geração que se eleva, embebida numa fonte
mais purificada, imbuída de idéias mais sadias, imprimirá ao mundo o
movimento ascensional no sentido do progresso moral, que deve assinalar a
nova fase da humanidade.
21. Esta fase já se revela por sinais inequívocos,
por tentativas de reformas úteis, por idéias grandes e generosas que
vêem o dia e que começam a encontrar ecos. É assim que se vêem fundar
uma porção de instituições protetoras, civilizadoras e emancipadoras,
sob o impulso e pela iniciativa de homens evidentemente predestinados à
obra da regeneração; que as leis penais se impregnam a cada dia de um
sentimento mais humano. Os preconceitos de raça se enfraquecem, os povos
começam a se encarar como membros de uma grande família; pela
uniformidade e facilidade dos meios de transação, suprimem-se as
barreiras que os dividiam; de todas as partes do mundo, reúnem-se
conclaves universais para os torneios pacíficos da inteligência.
Porém, falta a essas reformas uma base para se
desenvolver, se completar, se consolidar, uma predisposição moral mais
geral para frutificar e se fazer aceita pelas massas. Isto não deixa de
ser um sinal característico do tempo, o prelúdio do que se realizará em
mais larga escala, à medida que o terreno se torne mais propício.
22. Um sinal não menos característico do período em
que entramos, é a reação evidente que se opera no sentido das idéias
espiritualistas; uma repulsão instintiva se manifesta contra as idéias
materialistas. O espírito de incredulidade que se havia apoderado das
massas, ignorantes ou esclarecidas, e as fizera rejeitadas, com a forma,
o próprio fundo de todas as crenças, parece ter sido um sono do qual,
ao sair, se experimenta a necessidade de respirar um ar mais
vivificante. Involuntariamente, onde o vácuo se faz, procura-se alguma
coisa, um ponto de apoio, uma esperança.
23. Suponho que a maioria dos homens são imbuídos de
tais sentimentos, facilmente se podem figurar as modificações que os
mesmos trarão para as relações sociais: caridade, fraternidade,
benevolência para com todos, tolerância para todas as crenças, tal será a
sua divisa. É o objetivo para o qual se orientará a humanidade, o
objetivo de suas aspirações, de seus desejos, sem que ela saiba bem com
que meios os realizará; ela ensaia, ela tateia, mas é detida por
resistências ativas ou pela força da inércia dos preconceitos, das
crenças estacionárias e refratárias ao progresso. São resistências que
será preciso vencer, e isto será a obra da nova geração; se seguirmos o
curso atual das coisas, reconhecemos que tudo parece predestinado a lhe
abrir caminho; ela terá para si a dupla potência do número e das idéias,
e mais a experiência do passado.
24. A nova geração marchará pois, para a realização
de todas as idéias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento a
que houver chegado. Marchando o Espiritismo para o mesmo objetivo, e
realizando suas finalidades, ambos se encontrarão sobre o mesmo terreno.
Os homens de progresso encontrarão nas idéias espíritas uma possante
alavanca, e o Espiritismo encontrará nos homens novos, espíritos
predispostos a acolhê-lo. Neste estado de coisas, o que poderão fazer
aqueles que pretendessem se colocar em oposição?
Não é o Espiritismo que cria a renovação social, é a
madureza da humanidade que faz de tal renovação uma necessidade. Pela
sua potência moralizadora, por suas tendências progressivas, pela
amplitude de suas vistas, pela generalidade das questões que abraça, o
Espiritismo, mais que qualquer outra doutrina, está apto a secundar o
movimento regenerador; por isso mesmo são contemporâneos. Ele veio no
momento em que podia ser mais útil, pois também para ele os tempos são
chegados; mais cedo, teria encontrado obstáculos insuperáveis; teria
sucumbido inevitavelmente, pois que os homens, satisfeitos com o que já
tinham, não experimentavam ainda a necessidade do que ele traz. Hoje,
nascido com o movimento das idéias que fermentam, encontra o terreno
preparado a recebê-lo; os espíritos, cansados da dúvida e da incerteza,
horrorizados com o abismo que se lhe abre à frente, o acolhem como uma
âncora de salvação e um supremo consolo.
26. O número dos retardatários ainda é sem dúvida
grande; mas o que podem eles contra a onda que sobe, senão atirar-lhe
algumas pedras? Essa onda é a geração que se levanta, ao passo que eles
somem com a geração que se retira cada dia a passos largos. Até então,
porém, defenderão o terreno passo a passo; há, portanto, luta
inevitável, mas desigual, pois é a do passado decrépito que cai em
farrapos, contra o futuro jovem; da estagnação contra o progresso; da
criatura contra a vontade de Deus, pois são chegados os tempos marcados.
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